Artigo Destaque dos editores

Erro sobre o estar proibido

Leia nesta página:

À caracterização da infração penal não é suficiente a realização da figura típica em circunstâncias injustificadas pela ordem jurídica.

É preciso que o agente possa saber que se encontra frente a um bem que a ordem jurídica tutela para poder motivar a conduta em conformidade com o sentido protetivo da norma.

Atuando sem condições de saber que a conduta é capaz de afetar bem ou interesse juridicamente protegido, como poderá sentir-se motivado e no dever de agir em atenção, em correspondência, em conformidade com o direito ?

A possibilidade de conhecimento da norma funciona como condição da incidência ou da aplicação da própria norma.

Esta possibilidade em saber que faz algo juridicamente proibido não tem como objeto a lei. Regra expressa, art. 21 do CP (primeira parte), que "o desconhecimento da lei é inescusável". Também não encontra seu objeto no texto descritivo da infração penal, nem significa possibilidade de conhecimento da punibilidade do fato.

A consciência da ilicitude resulta da apreensão do sentido valorativo das coisas da vida, conquistada ao longo do desenvolvimento pessoal, na família, escola, rol de amizades, trabalho, lazer etc), que leva o homem a saber quando "seu comportamento contradiz às exigências da ordem comunitária e que, por conseguinte, se acha proibido juridicamente" (Jescheck, Tratado de Derecho Penal, vol. I, pág. 624). Não basta que em seu espírito esteja presente a sensação de que faça algo eticamente reprovável ou inadequado, algo pecaminoso ou vedado por sua religião. É imperioso que saiba, ou possa saber, que o fato é juridicamente proibido porque contrário às normas que ditam a convivência dos homens no grupo social, mesmo que, eventualmente, assim não o considere em face do desajuste da sua personalidade, marcada pelo desprezo aos valores jurídicos da comunidade.

Sem a real possibilidade de conhecer o injusto de seu gesto, o sujeito não atua culpavelmente. Nenhuma conduta poderá ser havida como reprovável, se o autor do fato típico e ilícito não tiver consciência de sua proibição, leciona Silva Franco (Código Penal e sua Interpretação Judicial, comentários ao art. 21). A possibilidade do conhecimento da ilicitude condiciona o juízo de censura que a culpabilidade normativa expressa.

Pois o "erro de proibição" é causa da falta desta indispensável consciência sobre o estar proibido.

O tema, sob a rubrica "erro sobre a ilicitude do fato", está regulado pela segunda parte do art. 21.

Erro de proibição é o oposto da consciência da ilicitude.

Significa ausência de conhecimento sobre a relação de contrariedade entre a conduta e o comando emergente da norma jurídica, porque o agente ignora a existência ou tem errônea compreensão da norma proibitiva, atuando sem conhecimento de que faz algo que a lei proíbe, ou conhece a proibição, mas acredita na existência de uma outra norma que excepcionalmente permita a conduta, mas que não existe, ou pensa agir dentro dos limites de uma justificativa penal que realmente existe no ordenamento.

Nessas hipóteses, erra sobre a proibição. O fato, apesar de típico e ilícito, não se constitui em crime e o agente não é penalmente punido, ou se constitui em crime mas o agente tem diminuída a culpabilidade, dependendo da natureza vencível ou invencível do erro.

A doutrina, de modo geral, ao apontar as situações que revelariam a "evitabilidade" do erro, segue a lição do nosso emérito gaúcho, Prof. Walter Marciligil Coelho, em artigo intitulado "Erro de Tipo e Erro de Proibição" (publicação "O Direito Penal e o Novo Código Penal Brasileiro", organizado por Vladimir Giacomuzzi, pág. 84) :

a) o agente age sem consciência profana do injusto, mas, nas circunstâncias, com esforço de sua inteligência e vivência hauridas na comunidade, poderia atingir a real consciência da ilicitude do fato praticado;

b) o agente, embora sem a consciência do injusto, agiu na dúvida, deixando, propositadamente, de informar-se sobre a ilicitude de seu comportamento, para não ter que se abster da conduta proibida. Seria a "ignorantia affectata do Direito Canônico;

c) o agente não tem consciência do ilícito, porque não procurou informar-se, convenientemente, para o exercício de profissão ou atividade regulamentadas. Aqui o dever cívico de conhecimento da norma jurídica é plenamente exigível, e não vago, irreal e fictício. É também um caso típico de "ignorantia vencibilis", que já não era novidade no Direito Eclesiástico.

Ao inverso, o erro caracteriza-se como "inevitável" quando o sujeito não consegue nem poderia alcançar a consciência da ilicitude, apesar do esforço da inteligência, da reflexão sobre as exigências da ordem comunitária, ou da infrutífera busca de correta informação.

É doutrinariamente classificado em erro "direto" e erro "indireto".

"Direto" quando decorre de ignorância ou errônea compreensão da norma proibitiva que realmente existe, como no clássico exemplo de Jescheck, do jovem camponês que pratica consentidas e reiteradas conjunções carnais com mulher de particular sensualidade, mas oligofrênica, sem saber da existência da norma que presume a violência nos crimes sexuais quando a ofendida é doente mental (no direito brasileiro, está na alínea "b" do art. 225 do CP).

Hipótese de concreto reconhecimento judicial: "Réu, morador da zona rural, com apenas 21 anos de idade, simples, rude, não poderia ter consciência da ilicitude de seu ato, como capaz de infringir o art. 219 do CP e compreender que a sua conduta estava ferindo o pátrio poder" - RJTJSP 94/442).

"Indireto", quando, mesmo sabendo que a lei proíbe o fato, acredita esteja excepcionalmente autorizado a fazê-lo:

"O agente, embora conhecendo o desvalor jurídico que implica o preenchimento do tipo, erra sobre a intervenção de uma norma permissiva. Trata-se, neste caso, de um erro de proibição indireto, à medida que o agente não pensa, sem mais, que o facto é ilícito. Ele pensa, isso sim, que o facto é lícito em virtude de estar ao abrigo de uma causa de justificação que, no caso, pode não ser reconhecida pela ordem jurídica (erro sobre a existência de uma causa de justificação) ou sendo-o, a conduta não está abrangida pelos limites da norma permissiva (erro sobre os limites de uma causa de justificação)" (Teresa Serra, na obra "Problemática do Erro sobre a Ilicitude", pág. 79).


Outros exemplos, recolhidos da doutrina ou da jurisprudência:

- Dono da lavanderia publica aviso de acordo com o qual as mercadorias retiradas em determinado prazo serão vendidas para pagamento dos serviços efetuados, acreditando existir uma norma jurídica que lhe reconheça este direito de ressarcimento (erro sobre a existência de uma justificativa que inexiste). No mesmo sentido, extraído da jurisprudência: O agente que, na qualidade de proprietária de firma que faz reparos em aparelhos eletrônicos, vende televisão da vítima, porque esta não resgatara o objeto no prazo estabelecido, fica isento de pena por força do art. 21 do CP, por erro sobre a ilicitude do fato (RJDTACRIM 24/157).

- Ciumento marido, ao ver a esposa alegremente dançar com outro homem em um baile da comunidade, aplica-lhe uma surra, acreditando pudesse fazê-lo porque ofendida e na defesa da honra (erro sobre o estar permitido).

- Soldado que percebe a finalidade criminosa de uma ordem e, não obstante, se crê por ela vinculado, pois "uma ordem é uma ordem" (exemplo de Jescheck, ob. cit., pág. 633).

- Agente que aplica uma injeção letal em seu cônjuge enfermo, acreditando que o pedido deste basta para assegurar a licitude (erro sobre o estar permitido – exemplo fornecido por Enrique Cury Arzúa, "Derecho Penal", vol. II, pág. 64).

- Agredido em sua honra, devido às palavras que baixo calão proferidas por desafeto, o ofendido acredita esteja autorizado a revidar com contudentes socos, tapas, pontapés, aplicando violenta surra no ofensor (erro sobre os limites da excludente da legítima defesa).

- Supondo-se no exercício regular de direito, em decorrência de contrato de parceria agrícola, a gerar reciprocidade de créditos e débitos compensáveis, o agente apropria-se de coisa do sócio para ressarcimento de seu crédito (RT 598/342).

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Em concurso para ingresso no Ministério Público de Minas Gerais, em 1997, foi posta a seguinte questão:

"Manuel, credor de seu primo Pedro da quantia de quinhentos reais, subtrai-lhe um cheque cuja importância consignada é também de quinhentos reais, acreditando estar autorizado quitar-se, por esse meio, da dívida de que é credor. A hipótese revela:

a) A incidência de um erro de tipo, excedente do dolo;

b) A prática, por Manuel, de um crime de furto;

c) Que Manuel estaria isento de pena em razão de seu parentesco com Pedro;

d) A incidência de erro de proibição;

e) Que Pedro agiu em exercício regular de direito".

Correta a alternativa constante da letra "d".

Manuel quis subtrair, para si, a coisa móvel alheia. Não obrou em erro de tipo, que importa na ausência de dolo, como consciência e vontade na realização da figura típica (afastada a alternativa da letra "a").

O parentesco, em 4º grau, não se inclui nos casos de isenção de pena (imunidade absoluta) previstos nos incisos I e II do art. 181 do CP (afastada a alternativa da letra "c").

Manuel não tinha o direito de tomar a coisa alheia, fazendo justiça pelas próprias mãos, porque o direito objetivo não lhe outorga tal faculdade, pelo contrário, proíbe (afastada a alternativa da letra "e".

Atuou, isto sim, acreditando estivesse autorizado a quitar-se da dívida de Pedro, sem consciência da ilicitude, com a correspondente exclusão da culpabilidade (configurada a hipótese da letra "d").

Sem culpabilidade, falta um dos três elementos estruturais (tipicidade e ilicitude) e a infração penal não se completa.

Quando o sujeito erra sobre a existência de "pressuposto fático" de alguma das causas excludentes da ilicitude (legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de direito, estrito cumprimento do dever legal - art. 23 e seus incisos), o Código Penal não dá a este erro o tratamento do "erro de proibição".

Conforme regra constante do § 1º do art. 20 ("É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo"), o erro sobre pressuposto ou circunstância fática tem o mesmo tratamento do erro de tipo, porque, dentre as duas correntes existentes, "extremada" e "limitada", o Código adotou a "teoria limitada da culpabilidade".

Ambas colocam a consciência da ilicitude como elemento da culpabilidade, e sua falta é falta de culpabilidade, e não do dolo, como sustentam as teorias do dolo.

Divergem, porém, no relativo ao erro sobre pressuposto fático de causa excludente da ilicitude (por ex., "agressão", na legítima defesa; "situação de perigo", no estado de necessidade).

Para a "teoria limitada", só há erro de proibição quando o equívoco do agente repousar na existência ou limites (erro ou viciosa representação do agente no âmbito do dever jurídico), nunca quando tiver como objeto circunstância fática, que, então, receberá o tratamento equivalente ao erro de tipo, com exclusão da tipicidade dolosa, vencível ou invencível, não importa, podendo o agente responder, se prevista, pela modalidade culposa da infração. Incorreto confundir-se o erro de tipo "negativo", erro de tipo permissivo, com o "erro de permissão", se diferença conceitual há e é feita entre erro de tipo permissivo "positivo" e erro de proibição. No erro sobre pressuposto fático, o agente seria fiel ao direito não fosse a falsa representação da realidade (Alcides Munhoz Netto, A Ignorância da Antijuridicidade em Matéria Penal, pág. 86).

Diferentemente, para a "teoria extremada", todo e qualquer erro a respeito de excludente de ilicitude (existência, limites, pressuposto fático) deve receber o tratamento penal do erro de proibição, mantido o dolo e excluída a culpabilidade, ou diminuída, quando evitável o erro.

No livresco exemplo do agente que supõe estar sob iminente e injusta agressão do desafeto, ao vê-lo levar a mão ao bolso, e, assim, saca sua arma e lhe desfere um tiro, pensando estar em legítima defesa, o erro, como falsa percepção, recairia sobre circunstância fática da excludente, sobre a existência do "fato agressão", produzindo, para a "limitada", o efeito de excluir a tipicidade dolosa, subsistindo a culposa, caso houver previsão típica, e, para a teoria "extremada", o efeito de excluir a culpabilidade, se inevitável o erro, ou de diminuição da censura, se evitável.

O erro nas descriminantes, quando relacionado à existência ou limites, é "erro de permissão"; quando relativo a elemento fático, é "erro de tipo permissivo".

A respeito do erro sobre pressuposto fático da excludente voltaremos a falar em outro artigo. Consulte, a respeito: www.maxpages.com/teorias e www.maxpages.com/aula/Exercicio_Erro_Descriminante.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Carlos Otaviano Brenner de Moraes

Participa com seus artigos das publicações do site desde 1999. Exerce advocacia consultiva e judicial a pessoas físicas e jurídicas, numa atuação pessoal e personalizada, com ênfase nas áreas ambiental, eleitoral, criminal, improbidade administrativa e ESG. Foi membro do MP/RS durante 32 anos, com experiência em vários ramos do Direito. Exerceu o magistério em universidades e nos principais cursos preparatórios às carreiras jurídicas no RS. Gerações de atuais advogados, promotores, defensores públicos, juízes e delegados de polícia foram seus alunos. Possui livros e artigos jurídicos publicados. À vivência prática, ao estudo e ao ensino científico do Direito, somou experiências administrativas e governamentais pelo exercício de funções públicas. Secretário de Estado do Meio Ambiente, conciliou conflitos entre os deveres de intervenção do Estado Ambiental e os direitos constitucionais da propriedade e da livre iniciativa; Secretário Estadual da Transparência e Probidade Administrativa, velou pelos assuntos éticos da gestão pública; Secretário Adjunto da Justiça e Segurança, aliou os aspectos operacionais dos órgãos policiais, periciais e penitenciários daquela Pasta.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Carlos Otaviano Brenner. Erro sobre o estar proibido. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/962. Acesso em: 22 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos