Capítulo 5 - Imputação na omissão
O maior problema de todas as teorias sempre foi criar uma relação entre a omissão, falta de ação, e o resultado, afinal, como entender que a inatividade possa ser causa de um evento naturalístico? [41]
5.1 - Omissão própria
Também chamados de crimes omissivos próprios, ocorre com a simples abstenção da realização de um ato, independentemente de um evento concreto posterior. A imputação do resultado ao sujeito é mera convenção normativa. Como exemplo, existe em nosso ordenamento a omissão de socorro (art. 135 do CP), onde a consumação do delito se dá com a não prestação da assistência devida ao necessitado.
5.2 - Omissão imprópria
A omissão imprópria caracteriza-se pelo especial dever de agir para impedir o resultado, que distingue-se dentre os membros da sociedade, aqueles que possuem obrigação relevante de proteção ao bem jurídico. [42]
Pode-se afirmar que o art. 13, § 2º do Código Penal Brasileiro, regulamentando a relação de causalidade normativa nos delitos comissivos por omissão e, assim, acatando a omissão normativa, já adota, sem que desejasse o legislador, a teoria da imputação objetiva. [43]
A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. Vale dizer que esse é o sentido jurídico e não naturalístico.
A lei penal substantiva dispõe que o dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o evento; e c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
É criada, portanto, a figura do "garante", respondendo pelo resultado normativo, o qual tinha o dever jurídico de agir, desde que o pudesse impedir pela ação esperada. [44]
Capítulo 6 - Críticas à aplicação da imputação objetiva no ordenamento jurídico brasileiro
Hans Welzel, ao formular o princípio da adequação social, que complementa a diretriz da intervenção mínima, imposta pelo princípio da insignificância, propôs que as condutas que se movem nos limites da ordem ético-sociais, ainda que formalmente se enquadrem na previsão típica, não poderão subsumir-se a ele. Tal posicionamento decorre do fato de que o tipo penal é um injusto e que uma conduta somente pode ser punida quando inadequada ao convívio social, na perspectiva de seu momento histórico. [45]
A noção de adequação social proposta por Welzel, impõe limites à aplicação do direito penal, à medida que o faz referir-se não somente às lesões ao bem jurídico, mas, sobretudo, às violações importantes do regramento social. Este é um dos fundamentos da teoria da imputação objetiva, ou seja, o risco permitido, pois a conduta social não necessita ser exemplar, mas mantendo-se no âmbito de tolerância social, não pode ser punida.
Porém, segundo Luiz Regis Prado, a imputação objetiva, levada ao extremo, pode gerar um risco à segurança jurídica na medida em que, se for utilizado o tipo objetivo para atribuir a alguém algo que não está abarcado por sua vontade, imputa-se a esta pessoa algo que não é obra sua, atribuindo-lhe perigos juridicamente desaprovados através de um tipo objetivo, absolutamente desvinculado do tipo subjetivo. [46]
A teoria da imputação objetiva do resultado importa de certa forma, um inequívoco retorno ao neokantismo e ao positivismo, merecendo destaque o fato de que não é uma teoria completa, sendo carente de estudos aprofundados para o aprimoramento de seus fundamentos.
Já para os finalistas, existem cinco problemas essenciais que a teoria da imputação objetiva do resultado não conseguiu resolver. São eles:
1) falta de determinação de conceitos como "risco desaprovado", "realização de risco" e "âmbito de proteção", não apresentando, ainda uma formulação rigorosa e convincente; [47]
2) Excessiva relevância atribuída ao desvalor do resultado;
3) Ocupa o espaço do dolo, ou seja, ao incluir o dolo como elemento subjetivo implícito do tipo, temos quando de sua falta, a atipicidade da conduta.
4) Inadequação de seus conceitos aos delitos culposos, pois há exigência da "criação do risco juridicamente proibido" contrapondo-se, ou melhor, renomeando o critério da "inobservância do cuidado objetivo necessário". [48]
5) A conversão do risco em resultado jurídico é matéria de antijuridicidade e não de tipicidade.
Conclusão
A teoria da imputação objetiva surge como alternativa à causalidade. Pretendendo substituir o dogma causal material por uma relação jurídica (normativa) entre a conduta e o resultado. Sua missão é exatamente a de resolver, do ponto de vista normativo, a atribuição de um resultado penalmente relevante a uma conduta. Assim, apresenta-se, no futuro, como substituta da doutrina da causalidade material, procurando dar melhor explicação a questões que o finalismo não conseguiu resolver. No momento sem prescindir da causalidade objetiva, é seu complemento, atuando na forma de critério restritivo do dogma causal material.
Como já discutido, a proibição de regresso evita que sejam cometidos aberrações jurídicas, onde, por intermédio da regressão eterna, achava-se um "responsável" pelo resultado penalmente relevante. Cogitou-se até mesmo, a responsabilidade dos fabricantes de armas, pelos homicídios ocorridos.
Ocorre que nosso sistema carcerário é precário e o tratamento dado aos presos é desumano, não correspondendo a real finalidade da pena. As cadeias são depósitos de seres humanos que a sociedade rejeitou e faz questão de virar as costas, esquecendo-se que nosso ordenamento jurídico não permite penas perpétuas, e que esses marginalizados, esquecidos, deverão ser libertados e reinseridos no seio da sociedade.
Punindo-se apenas as condutas que a sociedade não tolera, (princípio da adequação social de Welzel), utilizando-se cada vez mais das penas alternativas, além do tratamento digno nas penitenciárias, melhor dizendo, correto, com acompanhamento psicológico devido, visando reinserir o indivíduo na sociedade, além de política criminal e social responsável, conseguiriam, em longo prazo, mudanças consideráveis e melhor qualidade de vida para todos os cidadãos.
Com relação à teoria da imputação objetiva do resultado, cabe destacar que sua adoção no direito penal brasileiro é uma utopia, pois sua aplicação sem o desenvolvimento de uma estrutura sócio-criminal-carcerária, seria o caos, refletindo, realmente na impunidade, como bem colocado pelo Professor Damásio de Jesus.
A teoria da imputação objetiva traz consigo várias vantagens, além de muitas críticas, como demonstrado no corpo deste cansativo, mas gratificante trabalho. Críticas com fundamento e outras sem fundamento algum, pelo simples fato de, por ser uma teoria relativamente nova (60 anos), representar mudanças, um reaprendizado que os conservadores se negam a aceitar. Vale aqui mencionar a Alegoria da Caverna de Platão, onde os que se encontravam dentro da caverna, recusavam-se a ver a realidade que estava fora da caverna e se libertar da ignorância, matando aquele que lhes trouxe notícias de um novo mundo.
O direito está apenas a reboque dos fatos, não devendo servir de freio para o desenvolvimento da sociedade. Assim, o direito penal deve alcançar apenas as condutas que atacam os interesses comuns.
Por derradeiro, merece ser ressaltado que a teoria da imputação objetiva do resultado, não é uma teoria acabada, continuando a ser discutida, não havendo ainda acordo na doutrina.
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Notas
01
Prado, Luiz Regis, Teorias da Imputação Objetiva do Resultado, uma aproximação crítica a seus fundamentos, Ed. Revista dos Tribunais, 2002, p. 1902
WELZEL apud Prado, Luiz Regis, op. Cit., p. 1903
PUFENDORF apud Prado, Luiz Regis, Teorias da Imputação Objetiva do Resultado, uma aproximação crítica a seus fundamentos, Ed. Revista dos Tribunais, 2002, p. 2404
HEGEL apud PRADO, Luiz Regis, op. Cit, p. 2705
Prado, Luiz Regis, Teorias da Imputação Objetiva do Resultado, uma aproximação crítica a seus fundamentos, Ed. Revista dos Tribunais, 2002, p. 3306
Jesus, Damásio Evangelista, Imputação Objetiva, Editora Saraiva, 2ª Edição, 2002, p. 507
Prado, Luiz Regis, Teorias da Imputação Objetiva do Resultado, uma aproximação crítica a seus fundamentos, Ed. Revista dos Tribunais – 2002, p. 4108
ROCHA, Fernando A. N. Galvão da, Imputação Objetiva, Ed. Mandamentos, 2000, p. 4209
KOHELER apud Prado, Luiz Regis, Teorias da Imputação Objetiva do Resultado, uma aproximação crítica a seus fundamentos, Ed. Revista dos Tribunais – 2002, p. 4210
BIRKMEYER apud Prado, Luiz Regis, op. Cit. , ib11
BINDIND, ib12
NAGLER, ib13
WELZEL apud Prado, Luiz Regis, Teorias da Imputação Objetiva do Resultado, uma aproximação crítica a seus fundamentos, Ed. Revista dos Tribunais – 2002, p. 4314
ROCHA, Fernando A. N. Galvão da, Imputação Objetiva, Ed. Mandamentos, 2000, p. 4615
JACKOBS, Günter, Imputação Objetiva no Direito Penal, Trad. André Luis Calegari,,Revista dos Tribunais, 2000, p. 23216
SHÜNEMANN apud Prado, Luiz Regis, Teorias da Imputação Objetiva do Resultado, uma aproximação crítica a seus fundamentos, Ed. Revista dos Tribunais – 2002, p. 4617
STRATENWERTH apud Prado, Luiz Regis, Teorias da Imputação Objetiva do Resultado, uma aproximação crítica a seus fundamentos, Ed. Revista dos Tribunais - 200218
WELZEL apud Prado, Luiz Regis, Teorias da Imputação Objetiva do Resultado, uma aproximação crítica a seus fundamentos, Ed. Revista dos Tribunais – 2002, p. 5119
Jesus, Damásio Evangelista, Imputação Objetiva, Editora Saraiva, 2ª Edição, 2002, p. 1820
Prado, Luiz Regis, Teorias da Imputação Objetiva do Resultado, uma aproximação crítica a seus fundamentos, Ed. Revista dos Tribunais – 2002, p. 5421
JACKOBS, Günter, Imputação Objetiva no Direito Penal, Trad. André Luis Calegari,,Revista dos Tribunais, 2000, p. 16122
SCHÜNEMANN apud Prado, Luiz Regis, Teorias da Imputação Objetiva do Resultado, uma aproximação crítica a seus fundamentos, Ed. Revista dos Tribunais – 2002, p. 5623
JACKOBS, Günter, Imputação Objetiva no Direito Penal, Trad. André Luis Calegari,,Revista dos Tribunais, 2000, p. 5624
JACKOBS, op. cit. Ib.25
SCHÜNEMANN apud Prado, Luiz Regis, Teorias da Imputação Objetiva do Resultado, uma aproximação crítica a seus fundamentos, Ed. Revista dos Tribunais – 2002, p. 5726
VON BURI apud ROCHA, Fernando A. N. Galvão da, Imputação Objetiva, Ed. Mandamentos, 2000, p.4227
COSTA JÚNIOR apud ROCHA, Fernando A. N. Galvão da, op.cit, ib28
ROCHA, Fernando A. N. Galvão da, Imputação Objetiva, Ed. Mandamentos, 2000, p. 4529
ROCHA, op. Cit, p. 4730
ROCHA, Fernando A. N. Galvão da, Imputação Objetiva, Ed. Mandamentos, 2000, p. 4731
ROCHA, ib32
WESSEL, apud ROCHA, Fernando A. N. Galvão da, Imputação Objetiva, Ed. Mandamentos, 2000, p. 3733
ROCHA, op. Cit, p. 3834
Jesus, Damásio Evangelista, Imputação Objetiva, Editora Saraiva, 2ª Edição, 2002, p. 4035
GIMBERNAT apud Jesus, Damásio Evangelista, Imputação Objetiva, Editora Saraiva, 2002, p. 4036
Jesus, Damásio Evangelista, Imputação Objetiva, Editora Saraiva, 2ª Edição, 2002, p. 4637
Jesus, Damásio Evangelista, Imputação Objetiva, Editora Saraiva, 2ª Edição, 2002, p. 5138
Jesus, Damásio Evangelista, Imputação Objetiva, Editora Saraiva, 2ª Edição, 2002, p. 5739
Prado, Luiz Regis, Teorias da Imputação Objetiva do Resultado, uma aproximação crítica a seus fundamentos, Ed. Revista dos Tribunais – 2002, p.6540
Prado, Luiz Regis, Teorias da Imputação Objetiva do Resultado, uma aproximação crítica a seus fundamentos, Ed. Revista dos Tribunais – 2002, p. 6541
ROCHA, Fernando A. N. Galvão da, Imputação Objetiva, Ed. Mandamentos, 2000, p. 7742
ROCHA, op. Cit., p. 8243
Jesus, Damásio Evangelista, Imputação Objetiva, Editora Saraiva, 2ª Edição, 2002, p. 13244
JESUS, op. Cit. Ib.45
ROCHA, Fernando A. N. Galvão da, Imputação Objetiva, Ed. Mandamentos, 2000, p. 2246
Prado, Luiz Regis, Teorias da Imputação Objetiva do Resultado, uma aproximação crítica a seus fundamentos, Ed. Revista dos Tribunais – 2002, p. 14647
Jesus, Damásio Evangelista, Imputação Objetiva, Editora Saraiva, 2ª Edição, 2002, p. 15848
JESUS, op. Cit, p. 159