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O médico e o dever de informação

09/03/2022 às 17:45
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A atuação do médico depende sempre da anuência do paciente. E não ter o consentimento torna quase tudo questionável.

O dever do médico de informação ao paciente possui origem nos primórdios da medicina. Mas sua grande evolução ocorreu no século XX, quando a medicina passou a dialogar com o direito, devido sobretudo ao fenômeno da judicialização da saúde.   

Por este motivo, a institucionalização do dever de informação em um documento (o termo de consentimento informado, livre e esclarecido) não partiu da medicina, e sim, do direito. Contudo, aparentemente este dueto entre as ciências confundiu os médicos, e muitos atualmente não têm cumprido adequadamente com o dever de informação, transformando o que deveria ser uma completa experiência informacional, em um mero documento jurídico.

Nunca é demais lembrar que o maior motivador de ações contra médicos não são os erros profissionais, mas sim, a frustração da expectativa dos pacientes. E na atualidade, com as expectativas dos pacientes cada vez mais distorcidas da realidade, além do grande desgaste na relação médico-paciente, os conflitos têm ocorrido com cada vez mais frequência, gerando consequências para ambos os lados. 

Neste sentido, cabe questionar: será que somente este termo cumpre com a obrigação de informar o paciente, em sua integralidade? Na mesma linha, será que o documento protege o médico em caso de eventuais queixas e processos?  A resposta é negativa, para ambos.

Pois assim como o principal motivador dos processos não é o fator que se imagina (os erros, como acima exposto), o principal motivador das condenações em processos também não tem sido o chamado erro médico, mas sim, a negligência informacional.

Isto ocorre porque em inúmeros casos onde não há responsabilidade do profissional (ou sequer um mal resultado), mas somente consequências normais do procedimento ou tratamento proposto, a falta de informação tem sido suficiente para responsabilizar o médico, exatamente por não ter informado adequadamente o paciente, lhe tirando a oportunidade de decidir conscientemente. Sob este prisma, a mera existência de uma cicatriz em um procedimento cirúrgico incisivo (ou seja, algo óbvio) pode ser suficiente para condenar o profissional.

Obviamente, ocorrem casos em que o profissional de fato passa ao paciente todas as informações necessárias e cabíveis, mas não formaliza o ato. Neste caso, a falta de formalização do termo pode o condenar, por não lhe ser possível provar em juízo o cumprimento do dever.

Portanto, a necessidade é de uma verdadeira imersão informacional, onde o médico passa adequadamente todas as informações ao paciente, mas também utiliza adequadamente a documentação médica, a fim de formalizar o cumprimento da obrigação.

Por este motivo, definimos o consentimento informado livre e esclarecido como todo um comportamento (e não um mero ato) onde o paciente autoriza de forma voluntária e esclarecida, uma intervenção pelo médico. Neste processo, são informados ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento. Caso tudo isso não ocorra, há vício na liberdade de decisão, e no consentimento outorgado ao médico.  

A própria terminologia utilizada nos diz muito: consentimento (estar de acordo) informado (acesso a informação ampla e clara) livre (liberdade de escolha e decisão) e esclarecido (pleno entendimento, decisão consciente).

Temos basicamente 3 fases bem definidas no processo de consentimento: a criação do contexto, o efetivo esclarecimento informacional, e por fim, a obtenção do consentimento. E o processo está situado em 3 momentos: antes, durante e depois do tratamento.   

Obviamente, para perfeito cumprimento do dever de informação cabe a observância de uma série de outros detalhes, como o momento em que a informação é repassada (por exemplo, nunca antes de uma cirurgia, quando o paciente está sob forte emoção). Há ainda casos onde as informações são repassadas por outra pessoa (a secretária do médico), desconstruindo totalmente o processo informacional.  

Podemos citar também os casos onde as informações são contraditórias ou equivocadas, o que é comum quando o médico utiliza suas redes sociais de maneira errada, oferecendo resultados perfeitos, imediatos e indolores que não condizem com a realidade. Nestes casos, o marketing médico mal conduzido descontrói totalmente o processo de informação ao paciente, prejudicando a ambas as partes.

Cumpre salientar que o art. 22 do código de ética médica prevê que é vedado deixar de obter consentimento do paciente ou seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte. Além de infração ética, a justiça considera a falha no consentimento um ato de negligência, gerando graves consequências ao profissional.  

Portanto, o consentimento não é um mero documento, mas sim uma verdadeira imersão informacional. O termo é importante, mas somente formaliza o processo. Não se trata de um mero protocolo, mas de um dever inarredável do médico, e seu principal instrumento para evitar condenações em demandas éticas e judiciais.

Vale lembrar que a linguagem empregada no termo deve ser clara e acessível. Sem o famoso juridiquês, e sem o excesso de informação (que gera desinformação). Os termos não devem ser genéricos, mas sim específicos para cada tipo de tratamento, e cada tipo de paciente (obesa, diabética, atleta, grávida, etc.).

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A atuação do médico depende sempre da anuência do paciente. E não ter o consentimento torna quase tudo questionável. Sem consentimento, mesmo as evoluções indesejadas mais comuns podem recair sobre a responsabilidade do médico.

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Sobre o autor
Renato Assis

Advogado inscrito na OAB dos estados de BA, ES, MG, PR, SP e RJ; Professor de Direito e empresário; Graduado em Direito pela Universidade FUMEC-MG; Especialista em Direito Processual pela PUC-MG; Especialista em Direito Médico pela Universidade de Araraquara/SP; MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas/RJ; Especialista em Direito Ambiental e Minerário pela PUC/MG; Professor do curso de Direito Médico e Odontológico da UCA (Universidade Corporativa da ANADEM); Autor do livro “Direito Processual e o Constitucionalismo Democrático Brasileiro” – 2009; Autor do livro “Socorro Mútuo: Como a Proteção Veicular revolucionou o mercado de Proteção Patrimonial e de Seguros do Brasil” – 2019; Conselheiro Jurídico e Científico da ANADEM – Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética; Acadêmico Efetivo e Vitalício na área de Ciências Jurídicas da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Membro da AIDA – Associação Internacional de Direito do Seguro; Membro da WAML – World Association for Medical Law; Presidente da Unidade Brasil da ASOLADEME – Associación Latinoamericana de Derecho Médico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASSIS, Renato. O médico e o dever de informação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6825, 9 mar. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96581. Acesso em: 26 dez. 2024.

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