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A execução provisória trabalhista e as novas perspectivas diante da Lei nº 11.232/2005

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28/03/2007 às 00:00
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4. Da provocação da tutela executiva provisória.

No âmbito do direito processual civil a execução provisória tem início pela provocação da parte interessada, não sendo possível a provocação de ofício pelo juiz (CPC, art. 475-O, I). Esse viés procedimental, no entanto, não pode ser transmitido ao direito processual do trabalho. É característica marcante e indelével do processo do trabalho a postura inquisitorial do Juiz do Trabalho, podendo adotar as medidas que entenda necessárias para a concretização da tutela jurisdicional (CLT, art. 765). Esse caráter dinâmico e proativo da prestação jurisdicional trabalhista apresenta-se de maneira ainda mais contundente quando nos deparamos com a tutela executiva. É que, em se tratando de desencadeamento dessa fase procedimental, há previsão expressa de atuação de ofício do Juiz, não só para iniciar o procedimento de liquidação (CLT, art. 879), como também da própria prática dos atos executivos (CLT, 878). Segundo preleciona Manoel Antônio Teixeira Filho, "...quando a norma processual trabalhista (CLT, art. 878, caput) atribui ao juiz o poder-faculdade de promover a execução, não se deve pensar que essa iniciativa judicial se esgota no ato de dar início a esse processo, se não se estende ao conjunto dos atos integrantes do procedimento executivo – exceto se , em dado momento, a atuação da parte for indispensável." [19]

Vê-se, pois, que a atividade jurisdicional, nos limites da tutela executiva, não se exaure no simples desencadeamento dos atos de concretização do comando constante no título executivo. Envolve igualmente a prática de todos os atos executórios necessários à integral prestação da tutela jurisdicional.

Não é demais mencionar que o impulso oficial para a prestação da tutela jurisdicional de cunho executivo consagrou-se como característica intrínseca do direito processual do trabalho, quando da previsão da possibilidade de execução de ofício das contribuições previdenciárias decorrentes das sentenças proferidas pela Justiça do Trabalho. A instituição dessa providência executória ex officio deu-se, inicialmente, por intermédio da Emenda Constitucional nº. 20, de 15 de dezembro de 1998, que acresceu o parágrafo terceiro ao antigo art. 114 do texto constitucional. A Emenda Constitucional nº. 45, de 08 de dezembro de 2004 manteve a mesma redação do dispositivo apenas procedendo ao deslocamento para o atual inciso VIII do art. 114.

A auto-provocação da tutela executiva é, portanto, procedimento típico e específico do direito processual do trabalho. Trata-se de característica absolutamente ausente no direito processual civil que, mesmo eliminando com maestria a necessidade de um procedimento autônomo para a execução de títulos judiciais, manteve a exigência de provocação do devedor (CPC, art. 475-J, caput) como requisito para a concretização da tutela executiva. Essa particularidade prevista no âmbito do processo laboral não se esvai pela simples aplicação subsidiária das normas de direito processual comum, que deverá preservar as características essenciais do regramento trabalhista (CLT, art. 765) [20].

Ora, se a auto-provocação da tutela executiva é admissível no âmbito da execução dita definitiva, qual é a razão de não ser possível em sede de execução provisória. Frise-se que, do ponto de vista ontológico, não há qualquer distinção entre as execuções provisória e definitiva. Ambas implicam na prática de atos sub-rogatórios buscando a satisfação da pretensão reconhecida em juízo. Apenas a possibilidade de suspensão dos atos executórios e de reversibilidade do conteúdo do título executivo estabelecem o marco divisório entre as espécies de execução acima citadas. Se não existem distinções essenciais nas modalidades executivas, não há fundamento lógico para se vedar a auto-provocação da tutela executiva provisória.

Não se argumente que essa possibilidade não é contemplada pelo direito processual civil, conforme preceitua o CPC, art. 475-O, caput e I . Esse não é o argumento essencial para se afastar a provocação de ofício da execução provisória, posto que, conforme já afirmamos, no ambiente do direito processual do trabalho a auto-provocação da tutela executiva ostenta a qualidade de característica essencial. Não se vislumbra, por conseguinte, qualquer óbice para que seja aplicado à sistemática da execução provisória trabalhista o contido na CLT, art. 878, tendo início o procedimento executivo precário por determinação do Juízo.

Dificuldades de ordem prática, no entanto, podem inviabilizar a auto-provocação da tutela executiva provisória. Dependendo da modalidade recursal manejada pela parte, os autos principais podem ou não permanecer no âmbito do juízo condutor da execução, havendo na segunda hipótese a necessidade de expedição da chamada carta de sentença [21]. Assim, por exemplo, o processamento da execução provisória na pendência de recurso ordinário ou de revista pressupõe, necessariamente, a expedição de autos suplementares para a concretização da execução provisória. O mesmo não ocorre quando, por exemplo, a parte intenta agravo de instrumento buscando discutir a decisão interlocutória que nega seguimento a recurso (CLT, art. 897, b). Nesse caso, os autos principais permanecem no juízo de primeiro, não havendo necessidade da expedição de autos suplementares, tendo em vista que a execução poderá ser processada nos autos principais.

Não havendo necessidade de processamento da execução em autos apartados, não há qualquer óbice para o início da execução provisória, o que, inclusive, deveria ser a regra no âmbito da Justiça do Trabalho. Por outro lado, quando houver a necessidade de expedição de carta de sentença, a provocação de ofício da execução provisória depende de atuação direta da Secretaria da Vara do Trabalho na extração das peças necessárias (CPC, art. 475-O, § 3º). É possível que as limitações de ordem material impeçam a prática desse ato e, portanto, inviabilizem a concretização da provocação de ofício da execução provisória. De toda forma, não se vislumbra qualquer tipo de impedimento para que a execução provisória seja provocada de ofício pelo Juiz.


5. Da responsabilidade do exeqüente pela execução provisória e da prestação de caução.

Muito embora, conforme defendemos no item anterior, seja possível o desencadeamento da execução provisória de ofício, o exeqüente será sempre responsabilizado por eventuais modificações no título executivo. O caráter provisório da tutela executiva permite que, diante do provimento do meio recursal manejado pelo executado, o conteúdo do título sofra alterações nos limites estabelecidos na condenação.

O exeqüente, por conseguinte, responsabiliza-se integralmente por eventuais alterações no âmbito da condenação trazida pela condenação. O caráter protecionista ínsito ao direito processual do trabalho não retira, portanto, a possibilidade de reversibilidade do julgado objeto da execução provisória. Nesse sentido, a legislação processual civil preconiza que o exeqüente "...se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido" (CPC, art. 475-O, I). Isso significa que a responsabilidade pelo ressarcimento dos prejuízos decorrentes da reversibilidade é de índole objetiva e não envolve apenas a devolução dos valores, porventura, recebidos indevidamente, mas sim os efetivos prejuízos que venham a ser causados ao devedor. Esses prejuízos devem ser liquidados nos próprios autos, voltando-se a tutela executiva contra o próprio exeqüente (CPC, 475-O, II).

Não visualizamos qualquer óbice para a adoção desse procedimento ao direito processual do trabalho. É certo que a maioria esmagadora daqueles que buscam a Justiça do Trabalho é formada por indivíduos destituídos de patrimônio ou mesmo de qualquer meio de sobrevivência. Esse dado grave do ponto de vista social, no entanto, não é, por si só, entrave para o reconhecimento da responsabilidade objetiva no âmbito da execução provisória. Caso o credor trabalhista, diante da reversão do conteúdo do julgado que desencadeou a execução provisória, não disponha de patrimônio para responder pelo ressarcimento dos danos, teremos mais uma execução paralisada diante a inexistência de bens passíveis de penhora [22]. De toda forma, a reforma parcial ou total do julgado gera a obrigatoriedade de ressarcimento dos prejuízos ao devedor, independentemente da demonstração de culpa ou dolo.

O processo civil, no entanto, é bem mais abrangente nesse particular, responsabilizando integralmente o exeqüente pelas despesas decorrentes da atuação executiva provisória, conforme se vê da primeira parte do inciso I do art. 475-O do CPC. Essa regra inclui todo e qualquer dispêndio necessário à condução do processo de execução, como por exemplo, custas, emolumentos e pagamento de diligências dos Oficiais de Justiça. A referida normatização, no entanto, revela-se incompatível com a sistemática do direito processual do trabalho. Nesse ramo da processualística das despesas gerais da execução, consistentes no pagamento das custas e das diligências dos Oficiais de Justiça, são pagas ao término da tramitação processual sendo invariavelmente de responsabilidade do devedor (CLT, art. 789-A, caput).

Não se exime, no entanto, o credor trabalhista da prestação da caução quando esta for exigida pela lei processual civil. Não vejo qualquer tipo de incompatibilidade na aplicação da vigente regulamentação do caucionamento para fins de execução provisória.

Originalmente a legislação processual civil preconizava a necessidade de prestação de caução como pressuposto para desencadeamento da execução provisória [23]. Essa exigência, no entanto, foi subtraída pelo advento da Lei nº. 10.444, de 07 de maio de 2002, que passou a exigir a prestação de caução apenas para a prática de atos de alienação ou de levantamento de dinheiro (antiga redação da CPC, art. 588, I). O texto vigente manteve a mesma exigência, apenas com o deslocamento físico da norma para o 475-O, III. Logo, a prestação de caução só será exigível quando forem praticados atos que importem em alienação judicial de bens ou levantamento de dinheiro.

A despeito de opiniões em contrário, não existe óbice para se exigir do credor trabalhista o caucionamento da execução provisória para que ele atinja os atos de conversão do patrimônio em pecúnia, ou mesmo do levantamento de numerário, porventura, depositado. Muito embora não seja prática corriqueira nos foros trabalhistas (até pela condição econômico-financeira dos autores das ações trabalhistas), nada obsta que, após o integral aperfeiçoamento da penhora de bens, ou mesmo depositado o valor da execução, proceda o exeqüente à prestação de garantia visando à continuidade da execução.

Essa garantia será prestada nos próprios autos onde tramita a execução provisória e arbitrada pelo Juiz condutor do feito (CPC, art. 475-O, III). A aceitação da caução oferecida pelo exeqüente e a determinação de continuidade da execução provisória é decisão de caráter interlocutório e, nessa categoria, não pode ser objeto de recurso imediato, nos termos da CLT, art. 893, § 1º. Caso a caução não se afigure idônea a único remédio possível para o executado é lançar mão do mandado de segurança, visando à tutela de pretenso direito líquido e certo atingido.


6. Das hipóteses de dispensa da caução.

Além de postergar a exigência da caução para a concretização das fases finais da liquidação, a normatização vigente da execução provisória cível preconiza duas hipóteses de dispensa da prestação de garantia por parte do exeqüente (CPC, art. 475-O, § 2º). A legislação processual civil [24] descreve duas situações em que, a despeito da provisoriedade da execução, é possível concretizarem-se integralmente os atos executórios, mesmo sem garantia dada pelo credor.

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Trata-se de medida extremamente lúcida e sintonizada com uma realidade processual que necessita se apresentar dinâmica e efetiva. Ao se impedir a implementação integral dos atos executórios com a finalidade de se aguardar o pleno exaurimento das instâncias recursais, estar-se-ia atribuindo exclusivamente ao credor o ônus pelo retardo processual. O direito processual contemporâneo busca, de certa forma, ratear entre o autor e o réu os contratempos pela demora na prestação jurisdicional que, na maioria das vezes, ocorre pelo manejo desnecessário de medidas defensivas.

Assim, ao se tornar relativa a exigência de garantia para a continuidade da execução provisória, o direito processual faz com que o retardo na obtenção da coisa julgada não seja situação beneficiadora apenas do executado. Distribuem-se, de forma equânime, entre credor e devedor os resultados indesejados da manipulação excessiva e irracional dos meios recursais. Generalizar essa possibilidade é, portanto, medida que visa a integralizar o ideal de efetividade da prestação jurisdicional em relação a todos os envolvidos na relação processual. Essa constatação ganha ainda mais pujança quando nos defrontamos com a tutela executiva decorrente de título judicial, já devidamente referendado pelo poder judiciário. Permitir que apenas venham a ser prevenidos os danos causados ao devedor é, no mínimo, solapador do princípio da isonomia tão eloqüentemente descrito no caput do art. 5º da CF.

Nesse sentido, a legislação processual civil permite que sejam praticados todos os atos executivos de desapossamento e de conversão quando o devedor prestar caução (CPC, art. 475-O, III). No entanto, admite a legislação processual civil que, mesmo sem a garantia oferecida pelo exeqüente, os atos executivos possam envolver ações relativas à alienação do patrimônio penhorado, bem como o próprio levantamento, por parte do exeqüente, dos valores depositados. Essa dispensa do caucionamento só poderá ser observada em duas situações bem delimitadas pelo legislador (CPC, art. 475-O, §2º).

A primeira hipótese diz respeito à própria natureza do crédito objeto da condenação. Tratando-se de obrigações de caráter alimentar ou decorrentes da reparação de atos ilícitos, é dispensada a prestação da caução para continuidade da execução provisória. Nessa situação não é bastante que a natureza do crédito seja alimentar, devendo ainda não ultrapassar o montante de sessenta salários mínimos e demonstrar o exeqüente encontrar-se em situação de necessidade (CPC, art. 475-O, §2º, I).

A segunda hipótese apresenta-se bem mais simples e objetiva. Basta que a execução provisória seja promovida na pendência de agravo de instrumento no qual se discute a admissibilidade de recurso extraordinário e especial (CPC, art. 475-O, § 2º, II).

Não visualizamos qualquer impedimento quanto à aplicação das mencionadas excludentes ao direito processual do trabalho. Analiso, tendo em vistas as diversas variáveis do tema, cada uma das hipóteses de forma isolada.

6.1 Da dispensa de caução em função da natureza da dívida.

Conforme já adiantamos anteriormente, a legislação processual isenta da prestação de caução a execução provisória fundada em dívida de caráter alimentar ou fundada em reparação de ato ilícito. A hipótese preconizada pela legislação processual civil adéqua-se perfeitamente ao direito processual do trabalho, onde os créditos postulados gozam de caráter indubitavelmente alimentar. É relevante observar que a simples menção ao caráter alimentar ao crédito trabalhista já seria suficiente para permitir o enquadramento nas disposições do CPC, art. 475-O, §2º, I. No entanto, com a consagração da competência da Justiça do Trabalho para o processamento das ações reparatórias de danos decorrentes da relação de trabalho (CF, art. 114, VI), estamos diante de um duplo fundamento para a aplicação da excludente acima tipificada.

Ressalve-se que as posições doutrinárias quanto à aplicação do mencionado dispositivo legal ao processo do trabalho exaurem-se nas alegações de que a matéria é tratada pela legislação trabalhista, não podendo a execução ultrapassar a fase da penhora, conforme dicção da CLT, art. 899, tese essa refutada nos itens anteriores. Ultrapassada essa objeção, vê-se que o dispositivo em questão se apresenta em plena sintonia com o direito processual do trabalho, tendo em vista que não existe nada mais alimentar do que o crédito trabalhista. Proveniente da alienação da força de trabalho, as condenações trabalhistas enquadram-se perfeitamente no perfil do crédito judicial de caráter alimentar.

A lei, no entanto, limita o valor da condenação a sessenta salários míninos, o que gera um requisito adicional para se deferir a dispensa da prestação da caução para continuidade da execução provisória. O valor há de ser aferido quando o montante da condenação se tornar líquido, o que pode acontecer tanto no ato de prolação da sentença de primeiro grau ou após a concretização do incidente de liquidação. De toda forma, no momento em que a condenação se torna líquida é que se torna aferível a dispensa ou não da prestação da caução.

Constatado o enquadramento do crédito trabalhista nos limites preconizados pela legislação processual, a execução provisória concretiza-se, com a ampla possibilidade de serem praticados atos de alienação patrimonial e de levantamento de numerário. Observe-se, entretanto, que a ausência de liquidez do provimento jurisdicional não é óbice para que se inicie a prática dos atos de índole executória. Nesse caso, a efetivação dos atos iniciais de execução provisória será precedida da liquidação do julgado, nos precisos termos da CLT, art. 879 e CPC, art. 475-A, § 2º, tendo em vista que tais atos, conforme já vimos, não dependem de prestação de caução para a sua realização. Após a liquidação do feito, diante do valor encontrado, deliberará o Juiz se a execução provisória continuará em relação aos atos de disposição patrimonial, mesmo sem a prestação de caução.

Outras questões interessantes podem surgir em relação ao limite de sessenta salários mínimos, fixado em lei. A primeira delas consiste em indagar que, em se tratando de condenações superiores a sessenta salários mínimos, seria possível ao credor vindicar a continuidade da execução apenas em relação à parcela mínima preconizada pelo legislador. Na realidade, o limite fixado pelo legislador buscou o atendimento de necessidades mínimas provenientes do crédito alimentar. A norma em questão não fixou os parâmetros buscando prevenir a eventual dificuldade de reversibilidade dos atos executórios, mas sim de atender às necessidades vitais com crédito de natureza alimentar.

Sendo assim, quando for possível o fracionamento da execução, sem prejuízo da reversibilidade da execução provisória, o Juiz poderá determinar a prática dos atos processuais necessários à efetivação do comando, até o limite imposto por lei. Nesse caso, tratando-se de depósito em dinheiro, não se vislumbra qualquer impedimento de que se proceda à liberação até o limite de sessenta salários mínimos, permanecendo intacto o limite que sobejar. Tal situação não se revela tão cômoda quando a execução superior a sessenta salários mínimos se encontrar garantida por um bem, pois a dificuldade de reversão se apresenta pela possibilidade de alienação de bem de grande valia. Nessa hipótese, tendo em mira o critério esboçado pelo legislador, não vislumbramos a possibilidade de continuar a execução provisória apenas em relação ao montante máximo preconizado pela norma processual.

Outra questão que deflui da execução provisória diz respeito à cumulatividade ou não da execução previdenciária para o fim de fixação do limite de sessenta salários míninos. A ordem constitucional vigente atribui à Justiça do Trabalho a competência de processar de ofício a execução das contribuições previdenciárias decorrentes das sentenças que proferir (CF, art. 114, VIII). É possível ocorrer situação na qual o crédito trabalhista não atinja o montante de sessenta salários mínimos, no entanto o acréscimo decorrente dos valores relativos às contribuições previdenciárias ultrapasse o limite preconizado pela legislação processual. Nesse caso, o valor a ser considerado é apenas do crédito trabalhista, ignorando o montante atribuído ao crédito de índole previdenciária. Notem que estamos diante de execuções diferentes e que não ostentam os mesmo titulares. Muito embora tenham origem no mesmo ato jurisdicional, ostentam títulos executivos diferentes e características díspares [25]. É certo que as execuções são processadas de forma conjunta (CLT, art. 880), no entanto apresentam créditos absolutamente distintos e desvinculados, não sendo possível o seu acréscimo para fins de tipificação de limites legais. Além do mais, tendo em vista a natureza jurídica do débito previdenciário, não se lhe aplicam as disposições concernentes aos créditos de caráter alimentar.

O disposto no CPC, art. 475-O, §2º, I não delimita apenas a natureza do débito (alimentar ou decorrente da reparação de ilícito) e seu montante (até sessenta salários mínimos). Exige, para o fim de dispensa da prestação de caução, que o credor demonstre "...situação de necessidade". Essa insólita expressão já constava do texto revogado pela Lei nº. 11.232/05, que no entanto não exigia a demonstração de uma "...situação...", mas sim de um "...estado de necessidade". Necessidade ou estado, o certo é que o legislador não foi feliz ao estabelecer a obrigatoriedade de o credor demonstrar que passa por privações para poder exigir do devedor a satisfação de seu crédito alimentar. Trata-se realmente de uma situação paradoxal, posto que, mesmo reconhecendo a necessidade de rapidez na concretização do crédito de índole alimentar, se exige do credor a demonstração inequívoca que esteja passando por privações. A necessidade premente é decorrência da própria natureza do crédito e o fato de eventualmente o devedor não depender daqueles recursos para o atendimento de suas necessidades básicas não tem o condão de retirar a essencialidade dos créditos guerreados.

Tratando-se de créditos alimentares reconhecidos no âmbito da Justiça do Trabalho, a ocorrência da situação de necessidade é praticamente inerente aos demandantes. A realidade social espelhada pela Justiça do Trabalho demonstra que aqueles que esperam anos pela integralização de seus créditos alimentares normalmente estão desempregados ou, quando muito, submetidos a subempregos, tendo em vista a pouca expectativa de retornarem ao mercado de trabalho formal. Nesse sentido, a existência da situação de necessidade é uma característica indelével do exeqüente da Justiça do Trabalho, sendo exceção a plenitude da capacidade econômica em tais situações. É sob essa ótica que deve se debruçar o magistrado, presumindo a existência da necessidade premente do exeqüente e indeferindo a postulação de continuidade da execução provisória apenas naquelas hipóteses onde se escancara a higidez econômica do postulante.

6.2 Da dispensa de caução na pendência de agravo de instrumento.

Trouxe a Lei nº. 11.232/05 uma salutar modificação na sistemática da execução provisória civil, ao admitir a dispensa de caucionamento quando o recurso que torna a execução provisória seja agravo de instrumento manejado contra despacho denegatório de subida de recurso especial ou extraordinário (CPC, art. 475-O, § 2º, II). O uso excessivo de recursos de natureza extraordinária perante os nossos tribunais superiores é uma da causas principais para o congestionamento do poder judiciário [26]. Essa verdadeira banalização dos recursos certamente representou a principal motivação para que se procedesse à modificação acima descrita, pois torna menos atrativo o retardo na tramitação dos feitos, tendo em vista a possibilidade de o devedor impulsionar a execução até seus últimos atos.

Nesta hipótese de dispensa do caucionamento, não é necessário pesquisar a natureza ou o montante da execução, bastando a pendência de agravo de instrumento onde se discuta a decisão que trancou o recurso de natureza extraordinária. É imperioso destacar que a tessitura da execução provisória na pendência de recurso extraordinário não é diferente daquela processada na pendência dos outros recursos. A falta de pronunciamento definitivo nos recursos endereçados aos tribunais superiores impede o trânsito em julgado da decisão e a conseqüente definitividade da tutela executiva. O que preconiza a legislação processual civil é, tão-somente, a dispensa do caucionamento quando a parte, diante da negativa de seguimento recurso, intenta agravo de instrumento.

Configurando-se a hipótese apresentada, a atividade executiva, mesmo sendo de caráter provisório, implica na autorização da prática de atos de alienação ou levantamento de numerário. Notem que nessa hipótese o legislador foi claro ao estabelecer a dispensa de caução como regra geral, só sendo vedada quando a "...dispensa possa manifestamente resultar risco de grave dano, de difícil ou incerta reparação.". Sem que essa situação de risco se manifeste nos autos, não há como obstar a continuidade da tutela executiva, mesmo sem a respectiva garantia. A lógica trazida pelo legislador, portanto, afigura-se clara: a prática da plenitude dos atos executivos sem caução só não ocorrerá se restar demonstrado nos autos que ocorrerá dano de difícil ou incerta reparação. Esse risco deve ser aferido diante da efetiva possibilidade de reforma do julgado pelos recursos de natureza extraordinária.

Essa salutar inovação trazida pela Lei nº. 11.232/05 é plenamente aplicável à sistemática do direito processual, tendo em vista não contrariar qualquer tipo de garantia ou característica basilar deste ramo da processualística. Não se argumente que o texto do CPC, art. 475-O, § 2º, II se reporta expressamente a modalidades recursais alheias ao direito processual do trabalho. Na verdade, o legislador procedeu à indicação de recursos de natureza extraordinária manejáveis perante o direito processual civil. É certo que, no âmbito do direito processual do trabalho, não é possível o manejo do recurso especial, no entanto este ramo da processualística também ostenta um meio recursal de natureza extraordinária, ou seja, o recurso de revista (CLT, art. 897). Ressalte-se que a função exercida pelo recurso de revista no âmbito do processo do trabalho é até mais ampla do que aquela exercida pelo recurso especial na sistemática do processo civil. As hipóteses de cabimento do recurso de revista envolvem a divergência jurisprudencial (CLT, art. 896, a e b), a violação de lei federal (CLT, art. 896, c) e afronta ao texto constitucional (CLT, art. 896, c). Já no âmbito do recurso especial, as hipóteses de cabimento limitam-se à divergência jurisprudencial (CF, art. 105, III, c) e à validade de legislação federal e de tratado internacional (CF, art. 105, III, a e b).

A única distinção entre as modalidades recursais reside no fato de que, no âmbito do recurso especial, não é possível a discussão da matéria constitucional, enquanto que, no recurso de revista, o maltrato do texto constitucional faz parte de seu conteúdo. Essas diferenças pontuais, portanto, não são capazes de afastar a aplicação subsidiária do processo civil.

O mencionado problema, no entanto, não existe em relação ao recurso extraordinário, tendo em vista que esta modalidade recursal exerce no âmbito da justiça do trabalho as mesmas funções desempenhadas nos limites dos demais ramos do poder judiciário (CF, art. 102, III, a e b).

Além do mais, sob a ótica do direito processual do trabalho, a única função exercida pelo agravo de instrumento é exatamente atacar a decisão interlocutória que nega seguimento a recurso (CLT, art.897, b). Vê-se, portanto, que não há qualquer tipo de incompatibilidade para a absorção deste procedimento ao direito processual do trabalho.

Do ponto de vista estritamente prático, a condução da execução provisória na pendência do agravo de instrumento é procedimento amplamente facilitado pela desnecessidade de formação de autos suplementares. A execução processar-se-á no âmbito dos autos principais, que permanecem perante o órgão competente para a prática dos atos processuais de cunho executório.

Como já afirmamos anteriormente, a pendência do agravo de instrumento autoriza, de forma genérica, a plenitude dos atos executivos, sem a prestação de caução. Apenas se restar demonstrada a possibilidade de ocorrência de grave dano, cuja reparação seja improvável, o juízo obstará a continuidade da execução até seus trâmites finais. Esse prejuízo ou gravame deve ser demonstrado de maneira clara e inequívoca, pelo que a simples possibilidade de reforma dos julgados proferidos pelos órgãos jurisdicionais de primeiro e segundo graus não é suficiente para afastar a incidência do dispositivo legal em questão. Como bem assevera Athos de Gusmão Carneiro, "...são igualmente incluídos, agora sem limite quantitativo e sem exigência de pobreza, os casos de execução provisória requerida na pendência e agravo de instrumento ao STF ou ao STJ (agravos não impugnados a não-admissão, pela presidência do tribunal a quo, de recurso extraordinário ou recurso especial); com isso busca-se desestimular a utilização de tal agravo apenas para ‘ganhar tempo’. Todavia, é ressalvada a hipótese em que a execução provisória possa ‘manifestamente’ resultar grave e irreparável dano ao executado (suposto, é claro, um exame, embora superficial, da ‘verossimilhança’ das alegações do recorrente; se o agravo aparente ser procrastinatório, não irá ser imposta caução ao devedor...)" [27].

Ora, se pela análise do tema debatido no recurso manejado verifica-se a reduzida probabilidade de êxito no recurso de revista ou extraordinário, não se afigura o risco de se causar gravame ao devedor. Nesse mesmo sentido, caso a decisão proferida no âmbito da instância ordinária contrariar a jurisprudência dominante nos Tribunais Superiores, a probabilidade de êxito afigura-se palpável, sendo recomendável o indeferimento da continuidade da execução. Nessa situação, existe a possibilidade de reforma do julgado e, conseqüentemente, evidencia-se o risco da reforma do título lastreador da execução, o que tornaria o provável desfazimento da execução um argumento relevante para a sustação dos atos executórios de caráter provisório. Observe-se, por outro lado, que a situação acima relatada não é corriqueira no âmbito da Justiça do Trabalho. A maioria esmagadora dos recursos submetidos à análise do Tribunal Superior do Trabalho não consegue a reforma das decisões proferidas pelas instâncias inferiores [28].

Da mesma forma, o mero temor de o credor beneficiado pela execução provisória não poder ressarcir os valores recebidos após a reforma da decisão não justifica o indeferimento da dispensa do caucionamento. A possibilidade de não existir patrimônio capaz de garantir a obrigação é risco inerente à própria atividade executiva. Ora, o credor, no âmbito da atividade executiva, não tem certeza quanto ao recebimento do seu crédito, tendo em vista que a insolvência do devedor torna inócua a tutela executiva. Mesma situação enfrentará o devedor que, diante da reforma do julgado lastreador da execução, busque a devolução dos valores recebidos pelo credor em sede de execução provisória. Caso não exista patrimônio para a satisfação do crédito revertido, há de se conformar com a impossibilidade de concretização da execução. Infelizmente será mais uma ação adicionada na triste estatística dos créditos não adimplidos perante a Justiça do Trabalho.

Nesse sentido, a análise da possibilidade de ocorrência de dano deve ser aferida in concreto pelo magistrado, em função da matéria debatida em sede de recurso de natureza extraordinária. O perigo da irreversibilidade da situação criada pela execução provisória deverá ser aferido, por conseguinte, do ponto de vista processual e não levando em consideração a pujança econômica do devedor e a possibilidade de um eventual ressarcimento dos valores, porventura, recebidos. A irreversibilidade não deve ser, nesse caso, avaliada nos mesmo termos dos provimentos antecipatórios ou cautelares, onde se pontifica a própria instabilidade e a provisoriedade da medida. Não se confunde execução provisória com antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional ou provimentos cautelares. Como bem acentua José Roberto Bedaque, "Não tem caráter provisório e não guarda relação de instrumentalidade com outra tutela...Também inexiste nexo entre a execução provisória e eventual risco de inutilidade da tutela futura. O periculum in mora, embora possa justificar medidas de natureza não cautelar, é requisito inafastável dessa modalidade de tutela urgente. ...Para explicar-se a execução provisória não se leva em consideração esse elemento. Pensa tão-somente na eficácia imediata da sentença ainda sujeita a recurso, o que se deve a mera opção político-legislativa, e na conveniência de não permitir que ela gere efeitos no plano material enquanto não se tornar definitiva." [29].

Não sendo a execução provisória uma tutela de urgência, a irreversibilidade dos atos jurisdicionais não pode ser aferida nos mesmos moldes desse instituto. Ou seja, não há de se mensurar a irreversibilidade no seu plano fático, mas sim estritamente processual. Logo, quando a legislação processual se reporta à incerteza e à dificuldade da reparação do dano proveniente da reversão do julgado (CPC, art. 475-O, § 2º, II), ela não se refere à viabilidade econômica da reposição pecuniária por parte do devedor, mas sim à probabilidade de tal modificação ocorrer.

Finalmente, ressalte-se que não é possível aplicar o disposto no CPC, art. 475-O, §2º, quando o agravo de instrumento discutir o trancamento de outra modalidade recursal, como o recurso ordinário ou agravo de petição. O espectro do dispositivo legal analisado envolve apenas os recursos de natureza extraordinária, sendo bem expressa essa delimitação. Nesse sentido, a pendência do agravo de instrumento em modalidades recursais que não sejam o recurso de revista ou extraordinário enseja a execução provisória, mas não a dispensa imediata da garantia, salvo se for configurada a hipótese de CPC, art. 475-O, § 2º, I.

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Sobre o autor
Wolney de Macedo Cordeiro

Desembargador do Trabalho do TRT da 13ª Região Trabalho em João Pessoa (PB), mestre e doutor em Direito, professor do UNIPÊ e da Escola Superior da Magistratura Trabalhista da Paraíba (ESMAT)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORDEIRO, Wolney Macedo. A execução provisória trabalhista e as novas perspectivas diante da Lei nº 11.232/2005. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1365, 28 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9663. Acesso em: 26 abr. 2024.

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