Capa da publicação A documentação da casa é de posse. Vale a pena comprar?

A casa é linda, perto da praia, mas a documentação é de “posse”. E agora? Vale a pena comprar?

02/03/2022 às 09:08
Leia nesta página:

É possível regularizar o registro por meio da usucapião.

A NEGOCIAÇÃO ENVOLVENDO "POSSE" de imóveis não é isenta de RISCOS - como inclusive acontece com imóveis escriturados e registrados no RGI, diga-se de passagem - porém o fato de não ter registro imobiliário regular - ou mesmo não ter qualquer assento registral - já lhe retira garantias e segurança jurídica que somente a inscrição no RGI pode conferir. É importante deixar claro que é possível sim obter a regularização e o respectivo REGISTRO em nome do ocupante / posseiro e esse caminho pode se dar através da USUCAPIÃO judicial ou extrajudicial.

É muito comum ver anúncios dos chamados "IMÓVEIS DE POSSE", alguns deles informando inclusive que "há documentação e comprovação de posse de mais de 10 (dez) anos". Isso pode sinalizar uma boa oportunidade de negócio para o "adquirente" que por sua vez deve ter ciência de que não terá acesso ao REGISTRO enquanto não regularizar a propriedade, como se viu. É que o REGISTRO IMOBILIÁRIO não admite em seus assentos o arquivamento do DOCUMENTO DE POSSE. Tal documento, se admitido a registro, o será apenas no REGISTRO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS - e isso já causou e ainda causa muita confusão na seara extrajudicial. Há quem admite e quem não admite seu arquivamento. Somos da opinião de que SIM - o acesso ao RTD deve ser permitido para tais documentos, especialmente por fornecer o RTD a guarda e conservação necessários para o acautelamento de tais documentos pelo tempo necessário até que sirvam para compor o conjunto probatório para a Usucapião, dentre outros benefícios importantes.

Como falamos, a negociação de imóveis de posse também oferece RISCOS como qualquer outra transação imobiliária, o que revela a importância aqui ainda mais acentuada da assessoria jurídica especializada nessas questões, já que resta evidente que a tranquilidade para o adquirente só será alcançada mesmo quando o ostentar o ocupante seu nome como TITULAR REGISTRAL na matrícula imobiliária - sendo certo que durante esse interregno ele poderá transferir seus direitos através de uma CESSÃO DE POSSE para outrem. Percebe-se, portanto, que não há que se falar, em se tratando de IMÓVEIS DE POSSE, em ESCRITURA DE COMPRA E VENDA, mas sim ESCRITURA (ou INSTRUMENTO PARTICULAR) DE CESSÃO DE POSSE, eventualmente com compra e venda de benfeitorias/acessões - instrumento esse que encontra inclusive base legal no Código de Normas Extrajudiciais do Rio de Janeiro:

"Art. 220. Nas Escrituras Públicas DECLARATÓRIAS DE POSSE e de CESSÃO DE DIREITOS DE POSSE, deverá constar, obrigatoriamente, declaração de que a mesma não tem valor como confirmação ou estabelecimento de propriedade, servindo, tão-somente, para a instrução de ação possessória própria".

O instrumento referido materializa o que chamamos de ACESSIO POSSESIONIS (art. 1.207 e 1.243 do CCB), muito bem explicado pela clássica civilista MARIA HELENA DINIZ (Curso de Direito Civil Brasileiro. 2020), como um dos modos de aquisição DERIVADA da posse:

"A 'acessão', pela qual a posse pode ser continuada pela SOMA DO TEMPO DO ATUAL POSSUIDOR com o de seus antecessores. Essa conjunção de posses abrange a 'sucessão' e a 'união'. (...) A 'união' se dá na hipótese de sucessão singular (compra e venda, doação, dação, legado), ou melhor, quando o objeto adquirido constitui coisa certa ou determinada. O adquirente, nessa aquisição da posse a título singular, constitui para si uma NOVA POSSE, embora receba uma POSSE DE OUTREM. Isto porque a posse do sucessor singular é PESSOAL, nascendo, portanto, desligada da posse do alienante. TODAVIA, está o adquirente autorizado pelo art. 1.207, 2ª parte, a UNIR, se quiser, ou se lhe convier, sua posse à do seu antecessor. Em regra, o DIREITO DE SOMAR POSSES visa adquirir a propriedade pela USUCAPIÃO".

Uma dica importante nesse tipo de transação - além da análise específica que ela requer, dada a natureza do negócio - é sempre obter o máximo de comprovação efetiva tanto da duração quanto da qualidade das posses (da sua e dos antecessores), já que será crucial para o procedimento de Usucapião, como revela a jurisprudência do TJGO:

"TJGO. Proc. 00524727120158090051. J. em 22/02/2022. APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. SOMA DA POSSE DA AUTORA COM A DE SEUS ANTECESSORES. NÃO COMPROVAÇÃO DOS REQUISITOS LEGAIS. (...). I. Para a aquisição da propriedade por meio da usucapião prevista no art. 1.238 do Código Civil, deve a parte interessada comprovar os seus requisitos essenciais, quais sejam, que a posse sobre o imóvel foi ininterrupta, sem oposição e com ânimo de dono, sob pena de, ausente qualquer deles, o pleito exordial ser julgado improcedente. II. O reconhecimento da ACESSIO POSSESSIONIS, somente é possível com a JUNÇÃO DE POSSES da parte autora com a de possuidores anteriores, é impositiva a existência de PROVA INDUVIDOSA, não só da própria posse como também daquela que foi exercida pelos antecessores. Ausente essa demonstração, impossibilitada a somatória para o perfazimento do prazo legal, a fim de reconhecer a prescrição aquisitiva alegada na inicial. (...)".

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Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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