Resumo: Este estudo tem por escopo primordial a análise aprofundada sobre as peculiaridades encontradas nos contratos de franchising, comumente chamado no Brasil de contratos de franquia empresarial. Inicialmente, foi desenvolvido um estudo sobre a origem dos contratos de franquia, abordando seu conceito e evolução histórica. Dessa forma, permitiu-se estabelecer os deveres e obrigações do franqueador e do franqueado, tendo em vista a natureza sinalagmática de referido instrumento contratual. Abordaram-se as várias legislações e princípios norteadores do direito contratual aplicado aos contratos de franquia, com uma análise pormenorizada de suas características básicas, adentrando-se, com mais profundidade, no estudo dos pontos peculiares existentes nestes contratos. Como destaques foram apontadas as questões atuais envolvendo a aplicação do Código de Defesa do Consumidor na relação jurídica entre franqueador e franqueado, bem como a existência e utilidade da cláusula arbitral, que vem sendo utilizada frequentemente nos tratos envolvendo os contratantes.
Palavras-chave: : contratos, franquia, peculiaridades, atualidades.
Sumário:
1 INTRODUÇÃO. 2. CONTRATOS DE FRANQUIA. 2.1. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA. 2.2. CONCEITO DE FRANQUIA. 2.3. NATUREZA JURÍDICA. 2.4. VANTAGENS E DESVANTAGENS DO CONTRATO DE FRANQUIA. 2.5. CLÁUSULAS ESSENCIAIS. 3. A CLÁUSULA ARBITRAL NOS CONTRATOS DE FRANQUIA. 3.1. CONCEITO DE ARBITRAGEM. 3.2. CONVENÇÃO DE ARBITRAGEM. 3.3. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA.. 3.4. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA CHEIA. 3.5. CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA VAZIA. 3.6. COMPROMISSO ARBITRAL. 3.7. ASPECTOS PRÁTICOS. 4. CONTRATOS DE FRANQUIA E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. 4.1. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 4.2. CONCEITO DE CONSUMIDOR E FORNECEDOR. 4.2. CONTRATO POR ADESÃO. 4.3. O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E SUA APLICAÇÃO AOS CONTRATOS DE FRANQUIA. 5. CONCLUSÃO. 6. REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
As franquias empresariais encontram-se disciplinadas pela Lei 8.955 de 15 de dezembro de 1994, que contém somente 11 artigos um deles vetado pela presidência ao sancionar a referida norma -, os quais regulam essa complexa relação jurídica empresarial, o que por si só demonstra a falibilidade do regramento jurídico em regulamentar minuciosamente as franquias empresariais. Tal característica normativa sob um prisma é muito bom, já que dá mais liberdade de contratação às partes. Por outro ângulo, entretanto, pode ser péssimo para o franqueado, que geralmente costuma ser a parte mais hipossuficiente da relação jurídica.
Com isso, verifica-se a extrema importância de se estudar as relações empresariais envolvendo as franquias empresariais no Brasil, principalmente se levado em conta o crescimento dessa relação jurídica no mercado empresarial brasileiro nas últimas décadas, representando grande parte das transações comerciais, movimentando significativos valores na economia brasileira.
Com o crescimento dessas relações, amplia-se também a quantidade de problemas nos contratos que regem essas relações e, por conseguinte, a busca de soluções legais que dirimam tais conflitos, a fim de se encontrar a tão almejada paz e justiça social.
O presente estudo focar-se-á em estudar as peculiaridades desses contratos que materializam, em síntese, as vontades do franqueador em ceder sua marca e know how e do franqueado ao utilizar e zelar por todo esse conhecimento e expertise fornecido pelo franqueador, pagando-lhe royalties, em contrapartida.
Será feita minuciosa análise sobre o uso da cláusula arbitral nos contratos de franquia, a cláusula de raio ou territorialidade, bem como sobre a Circular de Oferta de Franquia e aplicação ou não do Código de Defesa do Consumidor nas relações envolvendo as partes do contrato.
Não obstante à apresentação de conceitos sobre a franquia e suas cláusulas contratuais específicas, também serão apresentadas decisões proferidas pelo Poder Judiciário brasileiro, a fim de demonstrar na prática como tem se posicionado tais órgãos quanto aos diversos problemas enfrentados pelos franqueadores e franqueados, utilizando-se de conceitos que estão em voga hodiernamente na doutrina.
A pesquisa bibliográfica foi realizada em diversas obras de renomados doutrinadores e pesquisadores na área do Direito Civil e Empresarial, com o objetivo de entender sistematicamente os institutos básicos aqui apresentados, não deixando de utilizar a pesquisa documental por meio de disposições legais e jurisprudências, a fim de melhor fundamentar as correntes doutrinárias expostas neste trabalho.
Cumpre deixar claro que a metodologia utilizada para a realização do presente estudo baseia-se no método indutivo, visando o aprimoramento das informações apresentadas, utilizando-se ainda de contrastes entre as teses e antíteses encontradas neste estudo.
Para explicar melhor o tema proposto, o seu desenvolvimento e a resposta científica ao problema que foi formulado, estruturou-se o conteúdo em três capítulos.
O primeiro capítulo discorre, primeiramente, sobre o contexto histórico em que surgiram os contratos de franquia empresarial e, posteriormente, sobre o conceito de franquia, sua natureza jurídica, vantagens e desvantagens e suas cláusulas contratuais peculiares.
O segundo capítulo explana exclusivamente sobre a cláusula arbitral que permeia essa espécie de contrato, explicitando as implicações práticas advindas dessa cláusula perante as cortes arbitrais e a jurisprudência dos tribunais pátrios.
Já o terceiro capítulo trata da não incidência do Código de Defesa do Consumidor na relação havida entre franqueador e franqueado e o motivo pelo qual isso não ocorre. Ao ensejo, buscou explicitar nesse capítulo a natureza de contrato por adesão que toca os contratos de franquia.
E por fim, as considerações finais, onde se chegou à conclusão referente à aplicabilidade da legislação envolvendo os contratos de franquia, suas cláusulas peculiares e a solução de seus problemas no cotidiano forense.
Portanto, serão esses os enfoques da pesquisa que ora se apresenta, identificando o surgimento dos contratos de franquia, suas cláusulas peculiares e os problemas decorrentes da relação entre franqueador e franqueado.
2 CONTRATOS DE FRANQUIA
2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
O senso comum já indica que as franquias nasceram nos Estados Unidos da América. Tanto é que quando se pensa em uma franquia de renome mundial logo vem à mente a empresa gigante do fast-food: McDonalds, com sua logomarca peculiar de arcos dourados.
Contudo, em que pese ser uma das franquias mais lembradas no mundo, referida empresa não foi a primeira franquia a surgir nos Estados Unidos da América, como se verá a seguir.
Andrade (1998) afirma que o franchising nasceu nos Estados Unidos da América em 1860 com a expansão de uma indústria de máquinas de costura chamada Singer Sewing Machine, que buscando aumentar seu faturamento, abriu novos pontos de venda em todo o território americano, usando o sistema de franqueamento de sua marca, produtos, publicidade e, principalmente, de seu know-how.
Somente após a Singer Sewing Machine dar o pontapé inicial para a consolidação do sistema de franquias, grandes marcas como Coca-Cola, General Motors e Texaco também aderiram à nova modalidade mercantil (ANDRADE, 1998, p. 14-15).
Entretanto, conforme preceitua ANDRADE (1998, p. 15):
O grande passo, porém, para o estabelecimento da nova modalidade mercantil em todo o mundo foi, sem dúvida, dado pelos irmãos Dick e Maurice McDonald, em 1955, que fundaram a primeira lanchonete. Nesse mesmo ano, franquearam seu primeiro estabelecimento e, em seguida, venderam a organização a Ray. A Kroc, da cidade de Desplaine, Illinois. Este último a tornou a maior cadeira de fast food do mundo, hoje com o nome de McDonalds Corporation.
Verifica-se, portanto, que foi só em 1955 que surgiu nos Estados Unidos da América a maior cadeira de fast food que se tem noticia e que está espalhada por todo mundo: McDonalds Corporation.
O que se contempla hodiernamente é a propagação desse sistema de organização mercantil de forma assustadora, já que quase em cada esquina pode se encontrar franquias empresariais nos mais variados setores produtivos, tais como Subway e Burger King, no ramo alimentício e Hertz Rent a Car, no ramo de locação de veículos, entre centenas de outras empresas.
Esse crescimento acontece em razão da facilidade que se tem atualmente para abrir uma empresa e também para operar as franquias, já que podem se organizar em formas de microempresas e empresas de pequeno porte e o franqueador se obriga no contrato de franquia a dar todo o suporte técnico ao franqueado, cedendo-lhe a marca e, sob sigilo, todo seu conhecimento acerca do produto ou serviço cedido.
Com isso, nota-se a inegável importância do sistema de franquias para o cenário econômico mundial e, principalmente, brasileiro, haja vista a quantidade bilionária de dinheiro que tal organização mercantil faz circular na economia pátria, gerando milhares de empregos direta e indiretamente e até mesmo abastecendo os cofres públicos por meio da alta carga tributária imposta às empresas pelos governos federal, estadual e municipal.
Feitas tais considerações acerca do surgimento das franquias, estudar-se-á adiante o conceito de franquia e seus elementos caracterizadores indispensáveis.
2.2 CONCEITO DE FRANQUIA
Empreender é tarefa das mais difíceis, pois requer investimento de tempo e dinheiro, além de ser altíssimo o risco que sofre o empresário no caso de o empreendimento não dar certo. É altamente recomendável, portanto, que o empreendedor calcule astutamente os riscos inerentes à sua atividade empresarial.
A indecisão do empresário que quer abrir seu primeiro empreendimento sobre o ramo em que irá atuar, a localidade em que se estabelecerá e como investirá seus primeiros recursos demonstra claramente a sua inexperiência, o que, por conseguinte, torna o risco do empreendimento ainda maior.
Em razão de toda essa dificuldade pela qual passa o empresário na abertura de seu empreendimento, o Estado houve por bem garantir aos pequenos empreendedores condições especiais para seu desenvolvimento, as quais podem ser verificadas na inteligência do art. 179, da Constituição Federal de 1988, in verbis:
Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei. (BRASIL, 1988)
Tais facilidades são incentivadas pelo Governo costumeiramente por meio de benefícios fiscais, como é o caso do Simples Nacional e da promulgação de leis que concedem isenções tributárias a essas empresas. Contudo, tais medidas não bastam para que o empreendedor se sinta confiante e confortável para assumir o risco empresarial.
O professor RAMOS (2012, p. 549), afirma que:
Uma forma inteligente de um empreendedor diminuir o risco inerente ao exercício de atividade econômica é procurar serviços especializados de organização empresarial, e talvez a forma mais apropriada de fazê-lo é celebrando um contrato de franquia (franchising), cujos aspectos principais de sua formação foram regulados pela Lei 8.955/1994.
Como dito pelo ilustre mestre, é comum que os empreendedores procurem reduzir os riscos que existem ao se iniciar um novo empreendimento, riscos estes proporcionais à experiência que possui o empreendedor. Vale até dizer que quanto mais inexperiente for o empreendedor, maiores serão os riscos, já que desprovido de conhecimento técnico sobre o ramo que atuará.
Contudo há formas de se estruturar uma empresa para que os riscos advindos da atividade empresarial sejam reduzidos, e é nesse cenário que surge o instituto da franquia, cujo conceito será adiante explanado.
No atual cenário econômico é cada vez mais incomum de se encontrar empresas que se fecham em si mesmas, agindo totalmente sozinhas. Isso porque uma atividade empresarial necessita de fornecedores para adquirir insumos essenciais à sua atividade e de clientes que vão comprar seus produtos ou serviços e gerarão renda à empresa.
Quanto aos insumos, a própria empresa poderá produzi-los ou poderá adquiri-los de fornecedores diversos. Quanto aos clientes, a empresa poderá agir de forma direta em contato com o consumidor por meio da venda direta de seus produtos/serviços, ou ainda poderá agir por meio da venda indireta, ou seja, a empresa buscará a colaboração de outros empresários para que possa facilitar a venda de sua produção.
Assim, a empresa moderna não pode se basear somente em um tipo de relação comercial, podendo tanto atuar na venda direta quando na venda direta, por meio de empresas colaboradoras.
O sistema empresarial denominado franquia ou franchising é um tipo de contrato colaborativo, por meio do qual duas ou mais empresas unem esforços para aumentar sua rentabilidade e expandir a marca de sua empresa.
Essa atividade, denominada de franquia, se desenvolve por meio de contratos complexos, um principal e outros acessórios, conforme se verá a seguir.
No Brasil, a franquia encontra sua regulamentação na Lei nº 8.955, de 15 de dezembro de 1994, a qual dispõe sobre o contrato de franquia empresarial (franchising), sendo este o regramento basilar brasileiro para as franquias.
Referida legislação trouxe em seu bojo o conceito para o instituto da franquia empresarial, conforme se pode verificar abaixo:
Art. 2º Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício. (BRASIL, 1994)
De acordo com a previsão do art. 2º da Lei de Franquias, a franquia nada mais é do que uma técnica para desenvolvimento da atividade empresarial em que uma das partes (franqueador) cede à outra (franqueado) o uso de sua marca, seu conhecimento e expertise acerca do modo de fabricação de seus produtos ou desenvolvimento de seus serviços, além de permitir ao franqueado a distribuição desses produtos ou serviços.
Fran Martins (1999) ensina que uma das características marcantes das franquias é a não subordinação entre franqueador e franqueado, o que ele denomina de independência do franqueado, ou seja, sua autonomia econômica e jurídica, integrando-o à rede de distribuição dos produtos da franqueadora, mas sem que participe da empresa distribuidora. Contudo, há obrigações previstas no contrato que tolhem a ação do franqueado, apesar de ser ele uma empresa independente, tornando-se clara a relativização dessa autonomia do franqueado.
Corroborando o entendimento acima, GONÇALVES (2011, p. 129) ensina que:
Assim, pode-se afirmar que a empresa franqueada tem autonomia jurídica, administrativa e financeira. Essa autonomia, porém, é relativa, na medida em que o franqueado depende da estrutura fornecida pelo franqueador, de modo que, para manter uma padronização, o franqueado submete-se a muitas regras impostas por aquele, não sendo, portanto, irrestrita a sua autonomia. Existem certos atos que o franqueado não pode realizar sem a autorização do franqueador, como, por exemplo, promoções e descontos nos produtos.
Em que pese haver o conceito claro e explícito na lei de franquias, a doutrina tece comentários a fim de ampliar e facilitar o entendimento acerca das franquias, haja vista que o conceito legal acaba sendo muito genérico e pouco viável de ser visualizado na prática.
Assim, MARTINS (1999, p. 486) conceitua franquia como sendo:
O contrato que liga uma pessoa a uma empresa, para que esta, mediante condições especiais, conceda à primeira o direito de comercializar marcas ou produtos de sua propriedade sem que, contudo, a esses estejam ligadas por vínculo de subordinação. O franqueado, além dos produtos que vai comercializar, receberá do franqueador permanente assistência técnica e comercial, inclusive no que se refere à publicidade dos produtos.
Há, portanto, segundo a definição de Fran Martins, um liame colaborativo que liga ambos os empreendedores, sem que um esteja subordinado ao outro.
Como se viu, para o professor MARTINS (1999) são pontos importantes: a) a não subordinação entre franqueador e franqueado e b) o constante auxílio técnico oferecido ao franqueado. Mas ele amplia essa conceituação observando o que tem acontecido na prática e ensina que:
Franquia é o conceito pelo qual uma empresa industrial, comercial ou de serviços, detentora de uma atividade mercadológica vitoriosa, com marca notória ou nome comercial idem (franqueadora), permite a uma pessoa física ou jurídica (franqueada), por tempo e área geográfica exclusivos e determinados, seu uso, para venda ou fabricação de seus produtos e/ou serviços mediante uma taxa inicial e porcentagem mensal sobre o movimento de vendas, oferecendo por isso todo seu know-how administrativo, de marketing e publicidade, exigindo em contrapartida um absoluto atendimento a suas regras e normas, permitindo ou não a subfranquia. (MARTINS, 1999)
Em relação ao conceito trazido por Fran Martins verifica-se que tanto franqueador quanto franqueado podem ser pessoas jurídicas (e é isso que acontece com mais frequência na prática), havendo a possibilidade de o franqueador permitir ou não o subfranqueamento. Como exemplo de empresas franqueadoras que só contratam como franqueadas pessoas jurídicas, podem ser citadas as franquias Subway ou McDonalds, cujo contrato só pode ser feito entre pessoas jurídicas, segundo regulamento de organização interna das próprias franqueadoras.
Trazendo à lume um novo ângulo para se estudar etimologicamente o conceito de franquia, o professor ANDRADE (1998, p. 20-21) ensina que:
Embora as palavras franchise (franquia) e franchising sejam amplamente utilizadas, muitas pessoas têm ideias equivocadas quanto ao que estes termos realmente significam. No sentido mais básico, uma franquia é um direito ou privilégio, como a franquia do voto, isto é, o direito de votar. No sentido econômico, é a prática de conceder uma licença de uso de uma marca ou formato de negócio específico. Tecnicamente a palavra franquia refere-se à licença, não ao ponto de venda. Franquias de formato do negócio incluem o exercício de direitos e obrigações contínuos nos termos de um contrato de franquia.
Não se pode conceituar a franquia, portanto, como sendo um mero ponto de venda, mas sim como sendo um complexo sistema de gerenciamento empresarial que pressupõe obrigações e direitos a ambas as partes. Como contrato colaborativo, ambos os contratantes visam juntos lucrar mais.
Além disso, importante ressaltar que a franqueadora, na maioria das vezes, é detentora de marca notória e amplamente conhecida pelo público, razão pela qual o franqueado busca se beneficiar dessa notoriedade, já que tal artifício fará com que o risco da sua atividade empresarial diminua. Assim, GONÇALVES (2011, p. 128) diz que:
Normalmente se trata de produto ou marca já consagrados no mercado, em que o proprietário quer expandir o seu alcance, mas, por alguma razão, não quer investir em uma nova filial, de modo que cede o direito de exploração ao franqueado. Este, em regra, paga uma remuneração inicial ao franqueador, a título de filiação, e uma percentagem periódica sobre os lucros obtidos. Além disso, é obrigado a adquirir os produtos ou serviços do franqueador, a atuar com exclusividade, a seguir as instruções deste acerca da comercialização dos bens e do marketing da empresa etc. O franqueador, por sua vez, além de disponibilizar o produto, garante exclusividade de exploração sobre determinada área (um shopping center, um bairro, uma cidade etc.), assistência técnica e, muitas vezes, publicidade.
Em que pese os benefícios auferidos pelo franqueado, tais como maior facilidade para abrir seu primeiro negócio e mantê-lo funcionando com o direcionamento administrativo por parte do franqueador, além de poder usufruir de marca de grande renome, o franqueador acaba se tornando o mais beneficiado na relação contratual uma vez que receberá pela cessão da sua marca e expertise vultosos valores periódicos sobre o lucro do franqueado, não obstante a exposição que obterá de sua marca por meio do franqueado, além de taxas diversas como as taxas de marketing, pagas à franqueadora para veiculação de publicidade nos mais diversos meios de comunicação.
O professor Simão Filho (1998, p. 35), interpretando e sistematizando o conceito trazido pela Lei da Franquia Empresarial, ensina que:
[...] franchising é um sistema que visa à distribuição de produtos, mercadorias ou serviços em zona previamente delimitada, por meio de cláusula de exclusividade, materializado por contrato(s) mercantil(is) celebrado(s) por comerciantes autônomos e independentes, imbuídos de espírito de colaboração estrita e recíproca, pelo qual, mediante recebimento de preço inicial apenas e/ou prestações mensais pagas pelo franqueado, o franqueador lhe cederá, autorizará ou licenciará para uso comercial propriedade incorpórea constituída de marcas, insígnias, título de estabelecimento, know how, métodos de trabalho, patentes, fórmulas, prestando-lhe assistência técnica permanente no comércio específico.
Nota-se, então, que o contrato de franquia pressupõe uma cessão de conhecimentos técnicos, econômicos que devem ser fornecidos com clareza ao franqueado. E é com espeque nisso que a doutrina cunhou o termo know-how.
Assim, LACOMBE (2004) conceitua o termo know-how como sendo uma palavra da língua inglesa que significa o conhecimento técnico profundo para efetuar determinados processos ou procedimentos. É o nível de habilidade profissional que mais cria valor.
Know-how é, portanto, a expertise técnica que detém a empresa franqueadora, e é cedida sob sigilo absoluto ao franqueado para administração do seu negócio.
Quanto ao conceito de franquia, não pende discussão doutrinária ou judicial, já que a lei é bem clara em sua conceituação, e a doutrina, simplificadamente, é unânime ao definir a franquia como sendo sistema de organização empresarial em que uma das partes (franqueador) cede à outra (franqueado) o direito de uso de sua marca, seu know-how e comercialização de seus produtos ou serviços, mediante remunerações previamente ajustadas entre elas, sem que haja vínculo de subordinação.
2.3 NATUREZA JURÍDICA
Conforme dito alhures, o contrato de franquia atende ao interesse de ambas as partes. Ao franqueador por conseguir expandir seus negócios e divulgar sua marca sem necessitar de grandes investimentos com novos pontos de negócios, e ao franqueado por acabar se aproveitando da boa fama da marca cedida pelo franqueador, além, é claro, da sua experiência profissional (GONÇALVES, 2012).
Com isso, resta claro que a relação jurídica e o vínculo obrigacional que constará expresso no contrato de franquia pressuporão outros tipos contratuais, tais como o contrato de cessão onerosa da marca e distribuição de produtos de maneira exclusiva ou semi-exclusiva, razão pela qual o contrato de franquia é classificado como um contrato híbrido, tornando referido contrato um tipo peculiar.
É notório o caráter bilateral do contrato de franquia, haja vista que ambas as partes são credoras e devedoras entre si. Ao franqueador cabe o recebimento de remunerações pelo fornecimento de seu know-how, métodos de administração e fornecimento de seus produtos ou serviços, sendo devedor desse fornecimento ao franqueado que, por sua vez, se torna devedor do pagamento dos royalties e taxas contratuais, sendo credor em relação ao recebimento do know-how, dos produtos ou serviços e das formas de administração.
É também consensual, pois se forma solo consensu, ou seja, se torna perfeito e acabado exclusivamente pela integração das manifestações de vontade das partes contraentes, sendo irrelevante a tradição da coisa para aperfeiçoamento do negócio jurídico.
Em razão de a vantagem obtida por uma das partes significar um sacrifício de mesma proporção para a outra parte, o contrato de franquia é também classificado como oneroso.
Referido tipo contratual pode ser classificado como de execução continuada, já que as prestações não são feitas num único momento, mas perduram no tempo de maneira continuada.
Conforme ensina GONÇALVES (2012, p. 549):
Ademais, o franqueador presta ao franqueado serviços de organização empresarial, que se desdobram, basicamente, em três contratos específicos: (i) engineering, por meio do qual o franqueador orienta o franqueado em todo o processo de montagem e planejamento do seu estabelecimento; (ii) management, mediante o qual o franqueador orienta o franqueado no treinamento de sua equipe de funcionários e na gerência de sua atividade; (iii) marketing, por meio do qual o franqueador orienta o franqueado quanto aos procedimentos de divulgação e promoção dos produtos comercializados.
Verifica-se, portanto, que ocorre uma subordinação do franqueado ao franqueador, já que este se obrigou contratualmente a seguir o modus operandi daquele. Todavia, ainda que esteja presente essa subordinação administrativa, não há que se falar em presença de subordinação no âmbito trabalhista, isto é, não há vínculo empregatício entre franqueadora e franqueado.
A subordinação existente entre as partes contraentes opera efeitos somente em relação à organização da atividade desempenhada pelo franqueado, que deve seguir minuciosamente as orientações do franqueador, vez que este é o maior interessado em manter a qualidade do produto e/ou serviço e a boa fama de sua marca perante o mercado consumidor.
Encerrando a questão envolvendo a natureza jurídica dos contratos de franquia, MARTINS (1999, p. 490) conclui que:
O contrato de franquia compreende uma prestação de serviços e uma distribuição de certos produtos, de acordo com as normas convencionadas. A prestação de serviços é feita pelo franqueador ao franqueado, possibilitando a esse a venda de produtos que tragam a marca daquele. A distribuição é a tarefa do franqueado, que se caracteriza na comercialização do produto. Os dois contratos agem conjuntamente, donde ser a junção de suas normas que dá ao contrato a característica de franquia.
Assim, pode se dizer que o contrato de franquia tem natureza jurídica de contrato híbrido, vez que engloba vários contratos, tais como contrato de prestação de serviços, cessão de marca ou patente e distribuição de produtos ou serviços, sendo que este contrato de prestação de serviços a que se obriga o franqueador se desdobra em outros três contratos denominados engineering, management e marketing.
Insta salientar que o contrato de franquia é tipicamente empresarial, já que uma das partes, obrigatoriamente, deve ser um empresário ou sociedade empresária, que desenvolve atividades nos termos do art. 966. e 982 do Código Civil, e a outra parte deve ser empresa ou pessoa não caracterizada como consumidor nos termos do Código de Defesa do Consumidor. A peculiaridade é que ambos os contratantes visam o lucro e assumem o risco para obtê-lo.
Portanto, trata-se, juridicamente, de um contrato bilateral, consensual, oneroso, de execução continuada, híbrido e empresarial.
2.4 VANTAGENS E DESVANTAGENS DO CONTRATO DE FRANQUIA
Tratando-se de complexo sistema de organização empresarial, óbvio é que possui vantagens e desvantagens.
Uma das grandes, senão maiores, vantagens para o franqueador é a expansão da rede e busca por novos mercados. Ora, utilizando-se de seus canais de distribuição (franqueados), o franqueador consegue atingir pontos de vendas no país e também no exterior, gastando muito pouco para isso, já que, em geral, cada unidade franqueada arca com suas despesas de instalação e de pessoal.
Outra grande vantagem que vem atrelada à expansão da rede, é a notoriedade da marca, que passa a atingir um maior número de consumidores, tornando-se mais popular e notória, facilitando o consumo e a consequente procura por mais franqueados que querem levar a marca para locais ainda não explorados pelo franqueador.
Além disso, é notório que com a expansão da rede e da marca vem o grande volume de compras, já que aumentando-se os canais de distribuição, o franqueador se verá obrigado a comprar mais de seus licenciados para suprir seus franqueados, o que poderá lhe gerar abatimentos que serão repassados a esses franqueados e, por conseguinte, ao consumidor. Com isso, ocorre redução de custos. Essa redução ocorre também em relação ao custo da publicidade, por exemplo, vez que quanto maior a rede, menos será o custo que cada unidade franqueada arcará com essa taxa.
Há que se deixar registrado que eventuais problemas trabalhistas serão exclusivamente suportados pelos franqueados, já que não há subordinação entre os contratantes, o que constitui uma vantagem para o franqueador.
O franqueado contará com o prestígio da rede franqueadora, já que começará seu negócio contando com uma marca notória e famosa, cuja reputação já foi comprovada, com sucesso, pelo próprio franqueador.
Além disso, o franqueado terá a seu dispor também um sistema já testado, com formatação desenvolvida, de modo que fica mais tranquilo o manejo e operação da franquia pelo adquirente.
Outra vantagem que possui o franqueado e que contribui muito para o sucesso do empreendimento é a assistência técnica permanente a ser prestada pelo franqueador, possibilitando ao franqueado iniciar um novo empreendimento sem qualquer experiência anterior, justamente em razão desse auxílio técnico que lhe será prestado pelo franqueador.
Apesar de ambas as partes contarem com diversas vantagens, todo sistema empresarial possui suas desvantagens, as quais ver-se-á a seguir.
O franqueador, com o passar do tempo, poderá sofrer com a indisciplina do franqueado em virtude de o franqueado ser autônomo, e à medida em que se inteira das regras inerentes ao sistema da franquia este pode tornar-se indisciplinado, já que acaba se tornando inconformado com a sua dependência comercial.
Além disso, o franqueador também poderá sofrer com franqueados que, após a contratação, são considerados inaptos ou incompetentes para operação da franquia. Com isso, o franqueador deve envidar esforços para demonstrar ao franqueado as falhas e o prejuízos que podem sobrevir a ambos caso a inaptidão ou incompetência persistam.
Ensina Simão Filho (1998, p. 65) que as desvantagens do franqueador se relacionam com a conduta do franqueado e com a forma com que este encara a relação jurídica. Portanto, a fim de minimizar os riscos dessas desvantagens, o franqueador deve observar cuidados ao escolher e selecionar o franqueado.
O franqueado, entretanto, também enfrenta desvantagens, já que pode perder a autonomia empresarial, em virtude das massivas regras e obrigações recíprocas a que se submete com a assinatura do contrato de franquia. Deve, entretanto, considerar essa desvantagem antes da assinatura do contrato, para que não se arrependa posteriormente.
O controle externo das operações da franquia por parte do franqueador pode ser uma grande desvantagem a ser encarada pelo franqueado, ainda mais se tratando algumas franquias de atividades empresariais super complexas e minuciosas.
Outra desvantagem que deve ser observada pelo franqueado antes de assinar efetivamente o contrato de franquia é o desamparo do franqueador no caso de o franqueado tornar-se insolvente. É comum que as franqueadoras incluam no contrato cláusula de rescisão em caso de falência do franqueado.
Essas são algumas vantagens e desvantagens que encaram as partes contratantes da franquia e que devem ser vistas e estudadas com total zelo ao se pensar em empreender esse sistema empresarial.
Passar-se-á agora ao estudo das principais cláusulas que devem constar no bojo do contrato de franquia a fim de levar mais segurança jurídica às partes, evitando conflitos judiciais.
2.5. CLÁUSULAS ESSENCIAIS
No presente estudo já foi informado que a legislação aplicada aos contratos de franquia é a lei 8.955/1994. Entretanto, esta norma é vaga, contando com pouquíssimos dispositivos que dão as diretrizes básicas para a contratação e confere proteção principalmente ao franqueado, já que prevê sanções ao franqueador na hipótese de descumprimento de algumas obrigações.
A lei 8.955/94, em suma, traz em seu bojo a obrigação de o franqueador fornecer ao interessado em se tornar franqueado um documento chamado circular de oferta de franquia, que lhe deverá ser entregue, no prazo mínimo de 10 dias antes da data da contratação ou do pagamento de qualquer taxa, por escrito em linguagem clara e acessível, contendo uma série de informações obrigatórias úteis para que o futuro franqueado conheça minuciosamente o empreendimento do franqueador e se sinta mais seguro para decidir pela contratação ou não, conforme se verifica no rol abaixo:
I histórico resumido, forma societária e nome completo ou razão social do franqueador e de todas as empresas a que esteja diretamente ligado, bem como os respectivos nomes de fantasia e endereços; II balanços e demonstrações financeiras da empresa franqueadora relativos aos dois últimos exercícios; III indicação precisa de todas as pendências judiciais em que estejam envolvidos o franqueador, as empresas controladoras e titulares de marcas, patentes e direitos autorais relativos à operação, e seus subfranqueadores, questionando especificamente o sistema da franquia ou que possam diretamente vir a impossibilitar o funcionamento da franquia; IV descrição detalhada da franquia, descrição geral do negócio e das atividades que serão desempenhadas pelo franqueado; V perfil do franqueado ideal no que se refere a experiência anterior, nível de escolaridade e outras características que deve ter, obrigatória ou preferencialmente; VI requisitos quanto ao envolvimento direto do franqueado na operação e na administração do negócio; VII especificações quanto ao: a) total estimado do investimento inicial necessário à aquisição, implantação e entrada em operação da franquia; b) valor da taxa inicial de filiação ou taxa de franquia e de caução; e c) valor estimado das instalações, equipamentos e do estoque inicial e suas condições de pagamento; VIII informações claras quanto a taxas periódicas e outros valores a serem pagos pelo franqueado ao franqueador ou a terceiros por este indicados, detalhando as respectivas bases de cálculo e o que as mesmas remuneram ou o fim a que se destinam, indicando, especificamente, o seguinte: a) remuneração periódica pelo uso do sistema, da marca ou em troca dos serviços efetivamente prestados pelo franqueador ao franqueado (royalties,); b) aluguel de equipamentos ou ponto comercial; c) taxa de publicidade ou semelhante; d) seguro mínimo; e e) outros valores devidos ao franqueador ou a terceiros que a ele sejam ligados; IX relação completa de todos os franqueados, subfranqueados e subfranqueadores da rede, bem como dos que se desligaram nos últimos doze meses, com nome, endereço e telefone; X em relação ao território, deve ser especificado o seguinte: a) se é garantida ao franqueado exclusividade ou preferência sobre determinado território de atuação e, caso positivo, em que condições o faz; e b) possibilidade de o franqueado realizar vendas ou prestar serviços fora de seu território ou realizar exportações; XI informações claras e detalhadas quanto à obrigação do franqueado de adquirir quaisquer bens, serviços ou insumos necessários à implantação, operação ou administração de sua franquia, apenas de fornecedores indicados e aprovados pelo franqueador, oferecendo ao franqueado relação completa desses fornecedores; XII indicação do que é efetivamente oferecido ao franqueado pelo franqueador, no que se refere a: a) supervisão de rede; b) serviços de orientação e outros prestados ao franqueado; c) treinamento do franqueado, especificando duração, conteúdo e custos; d) treinamento dos funcionários do franqueado; e) manuais de franquia; f) auxílio na análise e escolha do ponto onde será instalada a franquia; e g) layout e padrões arquitetônicos nas instalações do franqueado; XIII - situação perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) das marcas ou patentes cujo uso estará sendo autorizado pelo franqueador; XIV - situação do franqueado, após a expiração do contrato de franquia, em relação a: a) know: how ou segredo de indústria a Que venha a ter acesso em função , da franquia; e b) implantação de atividade concorrente da atividade do franqueador; XV - modelo do contrato-padrão e, se for o caso, também do pré-contrato-padrão de franquia adotado pelo franqueador, com texto completo, inclusive dos respectivos anexos e prazo de validade. (BRASIL, 1994)
Dispõe ainda em seu artigo 6º sobre a obrigatoriedade de assinatura do contrato por 2 (duas) testemunhas e a dispensa de registro de seu registro em qualquer cartório ou órgão.
Sobre tal dispensa, o mestre André Luiz Gonçalves assim leciona:
Não obstante, o art. 211. da LPI determina que os contratos de franquia devem ser registrados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), nos seguintes termos: o INPI fara o registro dos contratos que impliquem transferência de tecnologia, contratos de franquia e similares para produzirem efeitos em relação a terceiros
Tendo em vista esse conflito entre legislações, deve-se entender que o não registro do contrato de franquia no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) não o invalida, mas faz com que referido pacto tenha efeito somente entre as partes, de modo que se fosse registrado no INPI faria efeito perante terceiros, lhes sendo oponível.
Interessante o disposto no parágrafo único do art. 4º e também o art. 7º da Lei de Franquias Empresariais, in verbis:
Parágrafo único. Na hipótese do não cumprimento do disposto no caput deste artigo, o franqueado poderá argüir a anulabilidade do contrato e exigir devolução de todas as quantias que já houver pago ao franqueador ou a terceiros por ele indicados, a título de taxa de filiação e royalties, devidamente corrigidas, pela variação da remuneração básica dos depósitos de poupança mais perdas e danos.
Art. 7º A sanção prevista no parágrafo único do art. 4º desta lei aplica-se, também, ao franqueador que veicular informações falsas na sua circular de oferta de franquia, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.
Assim é que, na ausência de fornecimento da Circular de Oferta de Franquia ou no caso de constar nesse documento informações inverídicas, o franqueador deverá restituir ao franqueado todos os valores por ele desembolsados mais possíveis perdas e danos que deverão ser comprovadas judicialmente por ele.
Desse modo, tendo em vista a ausência de previsão legal sobre cláusulas típicas nos contratos de franquia, o que impera na relação entre os contratantes é o princípio da autonomia privada, estando livres as partes para acordarem como bem quiserem.
Para FARIAS e ROSENVALD (2014, p. 138) a autonomia privada pode ser definida como o poder concedido ao sujeito para criar a norma individual nos limites deferidos pelo ordenamento jurídico.
O princípio da autonomia privada se alicerça na liberdade contratual ampla, no poder dos contratantes disciplinarem os seus interesses mediante acordo de vontades, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica. As partes podem, então, celebrar ou não contratos sem qualquer interferência do Estado, podendo celebrar contratos nominados ou fazer combinações, dando origem a contratos inominados (GONÇALVES, 2014).
A liberdade contratual tem previsão no art. 421. do Código Civil, o qual reza que: É lícito às partes estipular contratos atípicos, observadas as normas gerais fixadas neste código.
Assim, serve o princípio da autonomia privada como fundamento para celebração de contratos atípicos, que pode ser conceituado como aquele resultante não de um acordo de vontades regulado pelo ordenamento jurídico, mas gerado pelas necessidades e interesses das partes.
Contudo, apesar de ser aplicável na relação entre franqueador e franqueado o princípio da autonomia privada, deve-se levar em consideração que essa liberdade de contratar não é absoluta, já que não pode prejudicar o direito de terceiros e nem ferir direitos fundamentais previstos constitucionalmente.
Fran Martins (1999, p. 491-492) ressalta que:
Na realidade, não estando regulado em lei, regendo-se, portanto, por relações contratuais, e abrangendo a franquia vasto campo de ação dado o sem-número de artigos que podem ser distribuídos para a comercialização pelos franqueados, as cláusulas contratuais são as mais variadas, de acordo com a natureza e importância dos produtos e os interesses das partes.
Assim na prática algumas associações especializadas que lidam com franquias costumam listar cláusulas típicas insertas nos contratos de franquia com mais frequência.
O Professor Fran Martins (1999, p. 492) explicita que:
A lista da Small Business Administration inclui nada menos de 30 cláusulas frequentemente utilizadas, dentre as quais se destacam as referentes ao direito do franqueador de proibir ao franqueado a venda de quaisquer produtos que não forem feitos, aprovados ou indicados pelo franqueador; a realização de um mínimo de vendas dos produtos franqueado; o pagamento de certa importância pela franquia, podendo esse pagamento consistir em uma percentagem sobre o lucro bruto ou uma taxa fixa prefixada.
As cláusulas acima elencadas são algumas dentre muitas outras que podem ser pactuadas entre as partes com fulcro no princípio da autonomia privada.
Contudo, segundo o professor Fran Martins, algumas cláusulas são sempre necessárias - embora não sejam obrigatórias - para que o contrato entabulado entre as partes seja tido como um genuíno contrato de franquia, entre elas estão elencadas as seguintes: 1) prazo do contrato, 2) delimitação do território de atuação do franqueado; 3) taxas/royalties de franquia; 4) quotas de vendas; 5) direito de venda da franquia pelo franqueado; e 6) cancelamento ou extinção do contrato. (MARTINS, 1999)
O professor Luiz Fernando Barroso ensina que por não haver modelos universais de contrato e por ser o contrato o espelho fiel do acordo entre as partes, referido instrumento deve apresentar elementos básicos ou essenciais, tais como a figura do franqueador, titular da marca, o licenciamento desta (que pode estar inserido no próprio contrato ou em documento apartado), a figura do franqueado e a concessão da franquia ou o franqueamento do negócio propriamente dito. (BARROSO, 1997).
O mestre Simão Filho (1998, p. 68-72), ensina que o contrato de franquia deve ter algumas cláusulas, com base na Circular de Oferta de Franquia, sem as quais poderão ocorrer prejuízos gravíssimos às partes. São elas: 1) prazo de duração da avença; 2) preço de aquisição do pacote e todos os demais valores que deverão ser pagos pelas partes; 3) tipos de prestação, tais como royalties, porcentagem sobre vendas, taxas de publicidades, entre outras que as partes estipularem; 4) cessão de direitos de uso da marca, know how e como essa expertise será passada ao franqueado, patentes se houver, e métodos e sistemas; 5) exclusividade territorial e/ou de provisionamento; 6) e, por fim, extinção do contrato e hipóteses de rescisão.
Quanto à cláusula de exclusividade, trata-se, segundo o mestre Simão Filho (1998), de verdadeiro elemento essencial do contrato de franchising, podendo ser analisada no campo da territorialidade ou no setor referente ao provisionamento das unidades.
A exclusividade territorial é de suma importância para o franqueado, pois delimitará o campo da sua atuação, limitando o acesso de outros franqueados à zona que lhe foi concedida. A cláusula que prevê essa exclusividade deve ser extremamente clara quanto à abrangência dos limites territoriais impostos, assim como das sanções e indenizações caso seja quebrada por qualquer das partes contratantes.
Assim, havendo essa cláusula, o franqueador não poderá ceder os mesmos limites territoriais a dois franqueados diversos, sob pena de rescisão contratual, pagamento de multa e indenização.
No que tange à exclusividade de provisionamento, o franqueado deve ter especial cuidado, já que se obrigou, mediante o contrato, a comprar os insumos exclusivamente do franqueador, e poderia ocorrer algum tipo de abuso por parte deste, pois é o único provedor do negócio e poderia impor preços abusivos (CARDELÚS, 1988).
Todavia, não quer dizer que o franqueado deva se curvar à prática abusiva perpetrada pelo franqueador, mas, tratando-se de contrato colaborativo, pode e deve, dentro do espírito de parceria, levar ao franqueador ideias para redução dos custos dos insumos. O franqueador, então, poderá acatar a sugestão do franqueado e licenciar novas empresas a fim de baratear o produto final que será repassado ao consumidor.
Assim, atualmente, as partes contratantes, buscando evitar dores de cabeça, tem inserido em seus instrumentos contratuais as cláusulas básicas acima citadas.
Contudo, ainda que as cláusulas citadas acima levem uma segurança jurídica razoável às partes, eventualmente, podem ser verificados problemas entre franqueadores e franqueados que podem culminar em ações judiciais demoradas e custosas.
O mestre Simão Filho cita que as situações que mais envolvem problemas entre franqueadores e franqueados são os que envolvem exclusividade territorial, inexistência de know-how apropriado, ruptura do sigilo empresarial, falta de pagamento das prestações, violação de cláusula de não-concorrência e ocultação dos lucros sobre a comercialização dos produtos ou serviços.
Ocorre que o trâmite processual pouco célere de casos envolvendo franquias e o caráter público do processo cujo acesso fica disponível para qualquer cidadão não é bem quisto pelas franqueadoras e franqueadas, já que buscam sempre a preservação de informações internas e sigilosas, como seu know-how.
Com isso, franqueadoras e franqueadas tem buscado ultimamente meios alternativos de solução de controvérsias, uma vez que, utilizando-se de tais meios, as partes podem chegar ao fim da lide sem que seus problemas sejam expostos ao público, o que proporciona proteção até mesmo à marca, que não será vista como marca problemática pela sociedade, sendo resguardado seu valor de mercado.
Assim, tem sido comum a inclusão nos contratos de franquia pelas franqueadoras da cláusula arbitral ou compromisso arbitral, cujas peculiaridades serão vistas a seguir.