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A prescrição das ações de responsabilidade civil na Justiça do Trabalho

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10/04/2007 às 00:00
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3. Reinserção do instituto da prescrição nas relações de trabalho

Cumprindo a advertência feita no início do trabalho, realizamos no tópico antecedente a purificação do instituto da prescrição, isto é, o seu estudo histórico e científico desapegado de qualquer ramo específico do Direito, para que com a fixação das suas características básicas, pudéssemos novamente reinseri-lo nas relações de trabalho, notadamente nas ações de responsabilidade civil julgadas nos limites da Justiça Especializada, sem os vícios patológicos de outrora.

Com efeito, é muito fácil observar que com a ampliação da competência da Justiça do Trabalho dada pela Emenda Constitucional 45 de 2004, este ramo do Poder Judiciário passou a ter competência para apreciar diversas outras ações que não aquelas referentes às lides entre empregados e empregadores. Vale dizer, passou-se dos limites da relação de emprego para os limites da relação de trabalho lato sensu. E para que esse traspasse de competência material fosse feito de forma harmônica, muito se discutiu acerca das regras de direito material a serem aplicadas às novas ações: estariam os autônomos, representantes comerciais ou prestadores de serviço agora albergados pelas normas protetivas da Consolidação? A resposta é desenganadamente negativa, isso porque, como já exaustivamente visto, as normas jurídicas sistematizadoras da relação de direito material não se alteram ao gosto da regra de competência para julgamento das ações. Independentemente do ramo do Poder Judiciário que está a julgar o processo, as regras materiais serão aquelas do diploma substancial que alicerça a relação jurídica material.

Com efeito, o que se discute não é saber qual a prescrição aplicável às ações de responsabilidade civil agora de competência da Justiça do Trabalho, mas sim verificar qual a regra de prescrição aplicável a todas as ações em que discute a responsabilidade civil como instituto de direito material, independentemente de ser posta à situação sob os cuidados da Justiça Especializada, da Justiça Federal ou da Justiça Estadual, seja em qualquer das Varas especializadas ou de feitos gerais.

A utilização das normas de direito material alheias à CLT nos julgamentos proferidos pela Justiça do Trabalho não é tarefa recente, apenas o que ocorreu atualmente foi certa perplexidade dos operadores jurídicos trabalhistas, não todos, pois para nós, assim como para muitos outros, desde antes da publicação da EC 45 de 2004 já aplicávamos tranqüilamente a prescrição e as regras de direito material estranhas à Consolidação quando às relações postas a nosso julgamento assim demandavam. A citada perplexidade tem, pensamos, matizes muito mais políticas, históricas e tradicionalistas, do que científicos e jurídicos. É a citada interpretação retrospectiva do Professor BARBOSA MOREIRA, muito bem explicada pelo seu conterrâneo e discípulo LUÍS ROBERTO BARROSO:

"Atente-se para a lição mais relevante: as normas legais têm de ser reinterpretadas em face da nova Constituição, não se lhes aplicando, automática e acriticamente, a jurisprudência forjada no regime anterior. Deve-se rejeitar uma das patologias crônicas da hermenêutica constitucional brasileira, que é a interpretação retrospectiva, pela qual se procura interpretar o texto novo de maneira a que ele não inova nada, mas, ao revés, fique tão parecido quanto possível com o antigo." (Interpretação e Aplicação da Constituição, 6ª ed., Saraiva, pág. 70/71).

A lição acima transcrita encontra todo o seu espectro de abrangência no tema em que estamos a tratar, isso porque a ampliação de competência material que foi dada à Justiça do Trabalho é norma recente (novel artigo 114 da CF/88), que deve ser interpretada pela sua vertente progressista, desapegada dos vícios e dos tradicionalismos de outrora. O texto da Carta Política foi modificado e isso é fato, não há como fugir dessa maior atribuição que o legislador nos deu. Logo, devemos todos, juízes, advogados, procuradores do trabalho e estudantes, interpretarmos o novel texto constitucional com os olhos voltados para o futuro, de modo a forjar nova jurisprudência quanto ao tema, bem por isso não me convence aqueles que invocam a jurisprudência ou o tradicionalismo rançoso como argumentos para, dentro do possível, manter tudo como antes estava, tolhendo pela interpretação retrospectiva todos os avanços legislativos que demoraram anos para serem conquistados.

E é exatamente o argumento que utilizo quando alguns me questionam para objetar que nunca se discutiu que a prescrição aplicada nas ações de danos morais julgados na Justiça Especializada, isso antes da EC 45 de 2004, sempre era a regra constitucional (inciso XXIX do artigo 7º) [03]. Na verdade, parcial razão assiste aos ilustres debatedores. De fato, quase todos, entre os quais nos incluímos, motivo pelo qual aqui nos penitenciamos, aplicavam a prescrição qüinqüenal da Carta Maior nos julgamentos envolvendo dano moral trabalhista, quando a prescrição era a vintenária do Código Civil de 1916. Para estes, a única resposta é a de que, data venia, quase todos estavam laborando em erro, justamente pelo tradicionalismo rechaçado linhas acima, não enxergando a diferença entre a competência para julgar o feito e a regra de direito material a ser aplicada no mérito da demanda.

E não se venha dizer que não é razoável admitir que uma grande parte dos operadores do direito estivesse laborando em equívoco, pois este fenômeno, inobstante não seja recomendável, é plenamente possível de acontecer, como o foi com o julgamento plenário do e. STF no CC 7.204-1/MG, que mudou a orientação daquela Excelsa Corte quanto à competência para julgamento dos acidentes do trabalho. Quase todos os Ministros reconheceram, humildemente e com todas as nossas homenagens por este ato, que estavam equivocados desde 1988 na interpretação da Constituição Federal, ressalvando o ponto do vista do eminente Ministro MARCO AURÉLIO que sempre defendeu desde a promulgação da Carta Política de 1988 a competência da Justiça Especializada para tais ações.

Neste particular, calha a conclusão de FRANCESCO CARNELUTTI:

"As incertezas e contrastes da jurisprudência são como poros através dos quais o Direito respira a Justiça. E, quando, pelo fetichismo da uniformidade, os juízes descansam nas soluções feitas, e o conjunto de máximas adquire na prática o valor de um código desmedido, cerra-se a via normal de renovação do Direito." (apud Délio Maranhão, in "Instituições de Direito do Trabalho", volume 1, LTr, 2000, pág. 166).

Mas não é por conta das belíssimas palavras do mestre peninsular que, após enxergarmos o erro em que estávamos cometendo, que devemos continuar caminhando no próprio equívoco apenas por apego às coisas do passado, ou no dizer do próprio mestre de Milão, pelo fetichismo das soluções feitas.

Tal anomalia também pode ser explicada pelo apego à vetusta idéia de que a utilização de normas previstas fora da legislação trabalhista típica importaria em reconhecimento da falta de autonomia do Direito do Trabalho e do Processo do Trabalho frente aos demais ramos da Ciência Jurídica. Para a satisfação de uma coqueluche meramente acadêmica, viravam-se as costas para todos os pilares da ciência jurídica expostos nas linhas acima, esquecendo-se a idéia de sistema.

Há muitos anos a doutrina e a jurisprudência pátria desapegaram da tese de que a Justiça do Trabalho somente estava autorizada a aplicar a legislação trabalhista (rectius: CLT). Rememoro o célebre julgamento do e. Supremo Tribunal Federal, no qual o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE advertiu que:

"Para saber se a lide decorre da relação de trabalho não tenho como decisivo, data vênia, que a sua composição judicial penda ou não de solução de temas jurídicos de direito comum, e não, especificamente, de direito do trabalho. O fundamental é que a relação jurídica alegada como suporte do pedido esteja vinculada, como o efeito à causa, à relação empregatícia, como me parece inquestionável que se passa aqui, não obstante o seu conteúdo específico seja o de uma promessa de venda, instituto de direito civil." (STF – Pleno – CC 6.959-6 – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – DJU 23.05.1990).

É de aceitação unânime na doutrina processual que o pedido e a causa de pedir definem a natureza da lide e, por corolário, a competência material para dirimi-la. Se a causa de pedir remota (fatos de que resulte o litígio) se ampara em uma relação de trabalho, é o que basta para fixação da competência material da Justiça do Trabalho, mesmo que para tanto, em análise das prejudiciais e do mérito propriamente dito, o juiz utilize de normas dispostas em outros ordenamentos que não a CLT, tais como o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor, a legislação extravagante etc., inclusive a utilização subsidiária da legislação comum tem indicação supletiva da própria CLT (parágrafo único do artigo 8º).

O raciocínio exposto tem por fundamento a adoção em nossa ciência processual da teoria da substanciação, incumbindo ao autor indicar em sua petição inicial a causa de pedir próxima (fundamentos jurídicos do pedido) e a causa de pedir remota (fatos de que resulte o litígio), a indicar se o litígio posto sob apreciação da Justiça do Trabalho tem como causa de pedir remota uma relação de trabalho, para poder com isso ser reafirmada ou declinada a competência da Justiça do Trabalho, pouco importando quais sejam os fundamentos jurídicos do pedido, isto é, independente de qual diploma material serão colhidas às regras substanciais a serem observadas no julgamento de mérito. Nunca é demais rememorar que a competência, questão preliminar, não se confunde com as prejudiciais e o mérito propriamente dito, entre as prejudiciais de mérito se encontra a prescrição.

Até para aqueles partidários de que não são requisitos da petição inicial no processo do trabalho a exposição das causas de pedir próxima e remota, em face da redação do § 1º do artigo 840 da CLT, ainda assim é indispensável a exposição dos fatos de que resulte o litígio (causa de pedir remota), oportunizando a fixação da competência com base nos fatos trazidos na peça madrugadora, isto é, desde logo, com base nas alegações de inicial, o juiz do trabalho verificará se é fato essencial da causa de pedir a relação de trabalho. Em sendo positiva a verificação, in statu assertionis, está fixada a competência da Justiça Especializada, pouco importando se a relação material já afirmada será ou não confirmada durante a instrução do feito. Aí já será um problema de mérito e com ele deve ser decidido, não mais havendo possibilidade de extinção do processo ou remessa dos autos a outro juízo.

Admitindo que a causa de pedir próxima possa ser qualquer norma de direito material prevista em nosso ordenamento, bastando para tanto que a causa de pedir remota seja uma relação de trabalho para a fixação da competência, sem maiores traumas é de fácil verificação que a prescrição a ser observada nos litígios sob apreciação da Justiça Especializada deve apenas guardar pertinência com as normas de direito material que alicerçam as relações jurídicas (causa próxima).

Com solar clareza: a alteração constitucional do artigo 114 em nada alterou as regras materiais a serem aplicadas nos julgamentos das ações não-empregatícas que eram julgadas sob o manto do Código Civil pela Justiça Comum e que agora devem ser julgadas com os mesmos fundamentos materiais pela Justiça do Trabalho, apenas ressaltando que quanto a este ramo do Judiciário será aplicada a maior sensibilidade e a percuciência social que o magistrado trabalhista carrega em sua formação, talvez este detalhe seja o que mais foi levado em conta para a ampliação da competência. O juiz do trabalho interpretará as normas da legislação civil com o viés social e humanitário, no entanto não passará a aplicar regra material diversa pelo simples fato da alteração de competência.

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E assim sempre o foi com o julgamento dos contratos de pequena empreitada (inciso III do artigo 652 da CLT), em que mesmo na Justiça do Trabalho aplicavam-se as regras do Código Civil para a resolução dos conflitos, no qual o contrato de empreitada estava disciplinado. Não há de se esquecer, por outra cardeal, que muitos operadores jurídicos faziam imensa confusão quanto a este ponto, pronunciando a prescrição bienal prevista no inciso XXIX da CF/88, mesmo nos julgamentos de contratos de pequena empreitada. Vício este, como já dito, que deve ser corrigido e não utilizado como argumento para se manter o status quo.

O ilustre magistrado JULIO BERNARDO DO CARMO, representando a corrente doutrinária que, data venia, ancora-se na jurisprudência do passado para respaldar sua posição atual, ao invés de rever a interpretação pacificada em face da nova redação constitucional, leciona que:

"O fundamento da natureza civil do litígio (como tem sido proclamada pelo colendo Tribunal Superior do Trabalho, salvo engano em arestos da lavra dos eminentes Ministros Lélio Bentes e Oreste Dalazen, que com base nesta característica aplicam a prescrição civil e não a trabalhista), desserve, a meu ver, como critério norteador da prescrição prevista no Código Civil, porque a ser assim, os litígios envolvendo pequena empreitada deveriam observar a prescrição civil relativa à empreitada, quando é incontroverso que a prescrição aplicável é a do juízo natural competente para apreciar a demanda, com incidência pacífica do artigo 7º, inciso XXIX, da CF/88 e anteriormente à sua vigência, o artigo 11, da CLT. A aplicação da prescrição trabalhista para esse litígio de típica natureza civil, onde o trabalhador, como operário ou artífice, participava de pequena empreitada, nunca foi objeto de cizânia doutrinária ou jurisprudencial. Como a competência para a apreciação de tais litígios decorre diretamente da ;>legislação consolidada, que foi encampada pela EC/45/04, inexistindo controvérsia em torno do juízo natural ou migração de processos de um para outro juízo natural em face do aniquilamento do princípio da perpetuatio jurisdictionis por lei constitucional superveniente, a prescrição não autoriza a adoção de regras de contemporização, porque tais ações ajuizáveis originariamente na Justiça do Trabalho orientam-se pelo norte inexorável da prescrição trabalhista bienal ou qüinqüenal no curso do contrato de trabalho." (A prescrição em face da reparação de danos morais e materiais decorrentes de acidentes de trabalho ou doença profissional ao mesmo equiparada. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1034, publicado em 1º de maio 2006. Disponível no endereço eletrônico <https://jus.com.br/artigos/8309 >, acesso 03 dez. 2006).

Vê-se, claramente, pela posição externada pelo afamado professor, que a corrente doutrinária mais conservadora utiliza-se da jurisprudência equivocada de anos atrás como forma de fundamentar a posição a ser tomada atualmente quanto ao tema que estamos a discutir; ao invés de verificar com mais vivacidade o erro que todos estávamos cometendo e consertá-lo, parte da doutrina ancora-se no erro para defender a sobrevida da tese pertinente à confusão entre competência e prescrição.

Em arremate a este tópico, concluo que as novas ações ajuizadas na Justiça do Trabalho sobre empreitada, representação comercial, mandato, prestação de serviços, parceria, entre tantas outras incluídas no conceito lato de relação de trabalho, constituir-se-ão as causas de pedir próximas das normas de direito material do Código Civil e das legislações extravagantes, como ocorre com a representação comercial (Lei 4.886/65), sem sombra de dúvidas que também a prescrição a ser observada é aquela dos mesmos diplomas materiais.

E assim também será quanto aos pedidos, que nada obstante realizados no bojo de uma relação de emprego, nos moldes da CLT, não guardem decorrência direta dos créditos trabalhistas ordinários. Quando do contrato de emprego surgirem pedidos (indenização por danos morais, v.g.) em que a causa de pedir próxima está radicada em um diploma material alheio à CLT, quanto a este pedido a prescrição aplicável também é aquela da norma de direito material da legislação de regência, sem prejuízo da aplicação da prescrição trabalhista para os créditos trabalhistas típicos decorrentes do contrato de emprego.

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Sobre o autor
André Araújo Molina

Doutorando em Filosofia do Direito (PUC-SP), Mestre em Direito do Trabalho (PUC-SP), Especialista em Direito do Trabalho e Direito Processual Civil (UCB-RJ), Bacharel em Direito (UFMT), Professor da Escola Superior da Magistratura Trabalhista de Mato Grosso e Juiz do Trabalho Titular na 23ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MOLINA, André Araújo. A prescrição das ações de responsabilidade civil na Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1378, 10 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9698. Acesso em: 19 abr. 2024.

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