Art. 24: revisão x orientação vigente na época do ato
Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.
Veja como o dispositivo é complementado pelo Regulamento da Lei:
Art. 5º A decisão que determinar a revisão quanto à validade de atos, contratos, ajustes, processos ou normas administrativos cuja produção de efeitos esteja em curso ou que tenha sido concluída levará em consideração as orientações gerais da época.
§ 1º É vedado declarar inválida situação plenamente constituída devido à mudança posterior de orientação geral.
§ 2º O disposto no § 1º não exclui a possibilidade de suspensão de efeitos futuros de relação em curso.
(...)
Algumas vezes demoram anos para que a Administração Pública (controle interno), o Tribunal de Contas ou o Poder Judiciário examine a validade de um ato ou contrato administrativo (em sentido amplo) que já tenha se completado. Nesse período, pode acontecer de o entendimento vigente ter se alterado. Caso isso aconteça, o ato deverá ser analisado conforme as orientações gerais da época e as situações por elas regidas deverão ser declaradas válidas, mesmo que apresentem vícios.
Art. 26: compromisso de ajustamento de gestão
O art. 26. da LINDB prevê a possibilidade de a autoridade administrativa celebrar um acordo (compromisso) com os particulares com o objetivo de eliminar eventual irregularidade, incerteza jurídica ou um litígio (situação contenciosa). Ex: determinado particular estava desenvolvendo clandestinamente atividade econômica que exigiria prévia licença. Esta situação é descoberta e o art. 26. permite que seja realizada uma negociação entre a autoridade administrativa e este particular a fim de sanar essa irregularidade.
Para que esse compromisso seja realizado, é indispensável a prévia manifestação do órgão jurídico (ex: AGU, PGE, PGM). Em alguns casos de maior repercussão, é necessária também a realização de audiência pública.
Confira a redação do caput do art. 26:
Art. 26. Para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situação contenciosa na aplicação do direito público, inclusive no caso de expedição de licença, a autoridade administrativa poderá, após oitiva do órgão jurídico e, quando for o caso, após realização de consulta pública, e presentes razões de relevante interesse geral, celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável, o qual só produzirá efeitos a partir de sua publicação oficial.
Assim, na hipótese de a autoridade entender conveniente para eliminar irregularidade, incerteza jurídica ou situações contenciosas na aplicação do direito público, poderá celebrar compromisso com os interessados, observada a legislação aplicável e as seguintes condições:
I - após oitiva do órgão jurídico;
II - após realização de consulta pública, caso seja cabível; e
III - presença de razões de relevante interesse geral
Requisitos do termo de compromisso
§ 1º O compromisso referido no caput deste artigo:
I - buscará solução jurídica proporcional, equânime, eficiente e compatível com os interesses gerais;
II - (VETADO);
III - não poderá conferir desoneração permanente de dever ou condicionamento de direito reconhecidos por orientação geral;
IV - deverá prever com clareza as obrigações das partes, o prazo para seu cumprimento e as sanções aplicáveis em caso de descumprimento.
§ 2º (VETADO).
Segundo o § 2º do art. 10. do Decreto nº 9.830/2019, o compromisso deverá prever:
a) as obrigações das partes;
b) o prazo e o modo para seu cumprimento;
c) a forma de fiscalização quanto a sua observância;
d) os fundamentos de fato e de direito;
e) a sua eficácia de título executivo extrajudicial; e
f) as sanções aplicáveis em caso de descumprimento.
Eficácia
O compromisso firmado somente produzirá efeitos a partir de sua publicação.
Processo administrativo que subsidiará a decisão
O processo que subsidiar a decisão de celebrar o compromisso será instruído com:
I - o parecer técnico conclusivo do órgão competente sobre a viabilidade técnica, operacional e, quando for o caso, sobre as obrigações orçamentário-financeiras a serem assumidas;
II - o parecer conclusivo do órgão jurídico sobre a viabilidade jurídica do compromisso, que conterá a análise da minuta proposta;
III - a minuta do compromisso, que conterá as alterações decorrentes das análises técnica e jurídica previstas nos incisos I e II; e
IV - a cópia de outros documentos que possam auxiliar na decisão de celebrar o compromisso.
Se depender de autorização do AGU e de Ministro de Estado:
Decreto nº 9.830/2019
Art. 10. (...)
§ 5º Na hipótese de o compromisso depender de autorização do Advogado-Geral da União e de Ministro de Estado, nos termos do disposto no § 4º do art. 1º ou no art. 4º-A da Lei nº 9.469, de 10 de julho de 1997, ou ser firmado pela Advocacia-Geral da União, o processo de que trata o § 3º será acompanhado de manifestação de interesse da autoridade máxima do órgão ou da entidade da administração pública na celebração do compromisso.
§ 6º Na hipótese de que trata o § 5º, a decisão final quanto à celebração do compromisso será do Advogado-Geral da União, nos termos do disposto no parágrafo único do art. 4º-A da Lei nº 9.469, de 1997.
Termo de ajustamento de gestão
Como vimos acima, o art. 26. da LINDB prevê a possibilidade de a autoridade administrativa celebrar um termo de compromisso com os particulares com o objetivo de eliminar eventual irregularidade, incerteza jurídica ou um litígio (situação contenciosa).
O Decreto nº 9.830/2019, por sua vez, prevê um novo instrumento, qual seja, um termo de ajustamento que pode ser celebrado entre o agente público e o órgão de controle interno da administração pública.
Assim, se o órgão de controle interno detectar que algum procedimento não está sendo feito de forma adequada, o Decreto prevê a possibilidade de ser celebrado um termo de ajustamento de gestão para corrigir a falha ou aprimorar o procedimento.
Vale ressaltar que esse termo de ajustamento não pode ser celebrado se o agente público houver agido com dolo ou erro grosseiro e isso tiver causado prejuízo ao erário.
Veja a redação do dispositivo:
Art. 11. Poderá ser celebrado termo de ajustamento de gestão entre os agentes públicos e os órgãos de controle interno da administração pública com a finalidade de corrigir falhas apontadas em ações de controle, aprimorar procedimentos, assegurar a continuidade da execução do objeto, sempre que possível, e garantir o atendimento do interesse geral.
§ 1º A decisão de celebrar o termo de ajustamento de gestão será motivada na forma do disposto no art. 2º.
§ 2º Não será celebrado termo de ajustamento de gestão na hipótese de ocorrência de dano ao erário praticado por agentes públicos que agirem com dolo ou erro grosseiro.
§ 3º A assinatura de termo de ajustamento de gestão será comunicada ao órgão central do sistema de controle interno.
Art. 27: imposição de compensação
Art. 27. A decisão do processo, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, poderá impor compensação por benefícios indevidos ou prejuízos anormais ou injustos resultantes do processo ou da conduta dos envolvidos.
§ 1º A decisão sobre a compensação será motivada, ouvidas previamente as partes sobre seu cabimento, sua forma e, se for o caso, seu valor.
§ 2º Para prevenir ou regular a compensação, poderá ser celebrado compromisso processual entre os envolvidos.
Veja a opinião da Sociedade Brasileira de Direito Público a respeito desse artigo:
O dispositivo em questão visa evitar que partes, públicas ou privadas, em processo na esfera administrativa, controladora ou judicial aufiram benefícios indevidos ou sofram prejuízos anormais ou injustos resultantes do próprio processo ou da conduta de qualquer dos envolvidos. O art. 27. tomou o cuidado de exigir que a decisão que impõe compensação seja motivada e precedida da oitiva das partes. Há, também nesse caso, a possibilidade de celebração de compromisso processual entre os envolvidos.
Art. 28: responsabilidade do agente público
Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro.
O Decreto nº 9.830/2019 foi mais enfático que o art. 28. da LINB e afirmou que o agente público somente responderá em caso de dolo ou erro grosseiro:
Art. 12. O agente público somente poderá ser responsabilizado por suas decisões ou opiniões técnicas se agir ou se omitir com dolo, direto ou eventual, ou cometer erro grosseiro, no desempenho de suas funções.
Dolo: abrange tanto os casos de dolo direto como também eventual.
Erro grosseiro = culpa grave
Considera-se erro grosseiro aquele manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia (art. 12, § 1º do Decreto).
Assim, para o Decreto, erro grosseiro é aquele no qual o agente atuou com culpa grave. Isso significa que, se o agente teve culpa leve ou levíssima, ele não poderá ser responsabilizado.
Comprovação do dolo ou grosseiro é indispensável para a responsabilização do agente
Decreto nº 9.830/2019
Art. 12. (...)
§ 2º Não será configurado dolo ou erro grosseiro do agente público se não restar comprovada, nos autos do processo de responsabilização, situação ou circunstância fática capaz de caracterizar o dolo ou o erro grosseiro.
§ 3º O mero nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso não implica responsabilização, exceto se comprovado o dolo ou o erro grosseiro do agente público.
Complexidade da matéria e atribuições do agente devem ser consideradas
Ao se analisar se o agente atuou com dolo ou cometeu um erro grosseiro, deve-se levar em consideração a complexidade da matéria e as atribuições exercidas pelo agente público.
Decreto nº 9.830/2019
Art. 12. (...)
§ 4º A complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo agente público serão consideradas em eventual responsabilização do agente público.
Grande prejuízo, por si só, não configura o dolo ou erro grosseiro
Decreto nº 9.830/2019
Art. 12. (...)
§ 5º O montante do dano ao erário, ainda que expressivo, não poderá, por si só, ser elemento para caracterizar o erro grosseiro ou o dolo.
Responsabilidades do parecerista e do decisor devem ser analisadas de forma independente
Imagine que o administrador público tomou uma decisão com base em um parecer exarado pelo assessor jurídico do órgão ou entidade. Posteriormente, detectou-se que esse assessor jurídico agiu com dolo ou culpa grave (erro grosseiro). Neste caso, o parecerista poderá ser responsabilizado, nos termos do art. 28. da LINDB. Vale ressaltar, no entanto, que o simples fato de ter ficado comprovado que o parecerista agiu com dolo ou erro grosseiro não levará, automaticamente, à responsabilização do decisor (administrador que tomou a decisão com fundamento neste parecer).
Para que o decisor seja responsabilizado será necessário que fique demonstrado que ele:
-
tinha condições de aferir que o parecerista agia com dolo ou erro grosseiro; ou
-
estivesse em conluiou com o parecerista.
Esse entendimento que decorre da ideia de responsabilidade pessoal e subjetiva foi explicitado no Decreto nº 9.830/2019:
Decreto nº 9.830/2019
Art. 12. (...)
§ 6º A responsabilização pela opinião técnica não se estende de forma automática ao decisor que a adotou como fundamento de decidir e somente se configurará se estiverem presentes elementos suficientes para o decisor aferir o dolo ou o erro grosseiro da opinião técnica ou se houver conluio entre os agentes.
Responsabilidade do parecerista na jurisprudência do STF
Ressalte-se que existe um precedente do STF, bem anterior ao art. 28. da LINDB, reconhecendo a responsabilidade de advogado público pela emissão de parecer de natureza opinativa, desde que configurada a existência de culpa ou erro grosseiro:
(...) 3. Esta Suprema Corte firmou o entendimento de que salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às instâncias administrativo-disciplinares ou jurisdicionais próprias, não cabe a responsabilização do advogado público pelo conteúdo de seu parecer de natureza meramente opinativa (MS 24.631/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ de 1º/2/08). (...)
STF. 1ª Turma. MS 27867 AgR/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 18/9/2012 (Info 680).
Segundo a doutrina e o voto do Min. Joaquim Barbosa no MS 24.631/DF (DJ 01/02/2008), existem três espécies de parecer:
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Facultativo |
Obrigatório |
Vinculante |
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|---|---|---|---|
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É obrigatório o administrador pedir parecer? |
Não |
Sim |
Sim |
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Administrador pode discordar da conclusão do parecer? |
Sim, desde que o faça fundamentadamente. |
Sim, desde que o faça fundamentadamente com base em um novo parecer. |
Não (ou decide conforme o parecer, ou não decide). |
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Parecerista tem responsabilidade pelo ato administrativo? |
Em regra, não. Pode ser responsabilizado se ficar configurada culpa ou erro grosseiro. |
Em regra, não. Pode ser responsabilizado se ficar configurada culpa ou erro grosseiro. |
Sim, solidariamente com o administrador. Não é necessário demonstrar culpa ou erro grosseiro. |
O superior hierárquico do agente que atuou com dolo ou erro grosseiro também deverá ser responsabilizado pelo fato de não ter fiscalizado adequadamente seu subordinado?
Depende. O superior do agente que atuou com dolo ou erro grosseiro somente responderá se comprovar que houve falha em seu dever de vigilância e que isso decorreu de dolo ou de culpa grave (erro grosseiro):
Decreto nº 9.830/2019
Art. 12. (...)
§ 7º No exercício do poder hierárquico, só responderá por culpa in vigilando aquele cuja omissão caracterizar erro grosseiro ou dolo.
Dever de diligência e eficiência
Decreto nº 9.830/2019
Art. 12. (...)
§ 8º O disposto neste artigo não exime o agente público de atuar de forma diligente e eficiente no cumprimento dos seus deveres constitucionais e legais.
DIREITO DE REGRESSO, DEFESA JUDICIAL E EXTRAJUDICIAL
Se um servidor público, no exercício de suas funções, pratica ato ilícito que causa prejuízo a alguém, ele poderá ser responsabilizado?
SIM. No entanto, essa responsabilidade é:
-
subjetiva (terá que ser provado o dolo ou a culpa do servidor); e
-
regressiva (primeiro o Estado terá que ser condenado a indenizar a vítima e, em seguida, o Poder Público cobra do servidor a quantia paga).
Esse regime de responsabilidade está previsto na parte final do § 6º do art. 37. da Constituição:
Art. 37. (...)
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
O art. 14. do Decreto nº 9.830/2019 traz uma previsão que, a meu ver, vai de encontro ao art. 37, § 6º da CF/88, senão vejamos. Veja a redação do dispositivo regulamentar:
Art. 14. No âmbito do Poder Executivo federal, o direito de regresso previsto no § 6º do art. 37. da Constituição somente será exercido na hipótese de o agente público ter agido com dolo ou erro grosseiro em suas decisões ou opiniões técnicas, nos termos do disposto no art. 28. do Decreto-Lei nº 4.657, de 1942, e com observância aos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade.
O art. 14. do Decreto afirma que o agente público somente responderá regressivamente em caso de dolo ou erro grosseiro. Assim, este dispositivo se afasta da regra constitucional. Isso porque a CF/88 se contenta com dolo ou culpa.
A doutrina divide a culpa em três subespécies: culpa grave, leve e levíssima.
O erro grosseiro é sinônimo de culpa grave. Assim, é como se o art. 14. do Decreto dissesse: o agente público somente responde em caso de dolo ou culpa grave.
Possibilidade de a AGU fazer a defesa jurídica do servidor público federal demandado
Decreto nº 9.830/2019
Art. 15. O agente público federal que tiver que se defender, judicial ou extrajudicialmente, por ato ou conduta praticada no exercício regular de suas atribuições institucionais, poderá solicitar à Advocacia-Geral da União que avalie a verossimilhança de suas alegações e a consequente possibilidade de realizar sua defesa, nos termos do disposto no art. 22. da Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995, e nas demais normas de regência.
DECISÃO QUE IMPUSER SANÇÃO AO AGENTE PÚBLICO
Decreto nº 9.830/2019
Art. 16. A decisão que impuser sanção ao agente público considerará:
I - a natureza e a gravidade da infração cometida;
II - os danos que dela provierem para a administração pública;
III - as circunstâncias agravantes ou atenuantes;
IV - os antecedentes do agente;
V - o nexo de causalidade; e
VI - a culpabilidade do agente.
§ 1º A motivação da decisão a que se refere o caput observará o disposto neste Decreto.
§ 2º As sanções aplicadas ao agente público serão levadas em conta na dosimetria das demais sanções da mesma natureza e relativas ao mesmo fato.
Art. 17. O disposto no art. 12. não afasta a possibilidade de aplicação de sanções previstas em normas disciplinares, inclusive nos casos de ação ou de omissão culposas de natureza leve.
Vamos relembrar o que afirma o art. 12. do Decreto:
Art. 12. O agente público somente poderá ser responsabilizado por suas decisões ou opiniões técnicas se agir ou se omitir com dolo, direto ou eventual, ou cometer erro grosseiro, no desempenho de suas funções.
O que esse art. 17. quer dizer é o seguinte: mesmo o agente não seja pessoalmente responsabilizado (em termos cíveis e criminais) por ter agido com culpa leve, ainda assim poderá responder por sanções disciplinares.