O estado de coisas inconstitucional e a ilegalidade difusa.

A realidade das favelas e periferias

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02/04/2022 às 18:11
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Resumo: O Estado de Coisas Inconstitucional e a ilegalidade difusa que acontece diariamente nas favelas e periferias, está intimamente ligada a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)-347, bem como, ao estudo do Direito Constitucional e a observação das mazelas sociais que permeiam esses locais. Nesse sentido, observou-se que a Arguição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais (ADPF)-347 que reconheceu o Estado de Coisas Inconstitucional nos presídios brasileiros, indicam falhas estruturais que se assemelham a realidade dos locais onde se concentram a população de baixa renda. Desta forma, verificou-se a necessidade de entender, juridicamente, como os problemas sociais que impactam negativamente os espaços menos favorecidos, podem ser reparados sob um viés constitucional. O objetivo deste artigo é analisar as premissas do Direito Constitucional que fundamentam a concepção, diferença e aplicabilidade de direitos fundamentais nas favelas e periferias a partir do que se entende por: Estado de Coisas Inconstitucional e Ilegalidade difusa. Ainda, objetiva-se responder quais os principais direitos fundamentais são violados nas favelas e periferias? Por que as violações de direitos fundamentais nas favelas e periferias constituem um Estado de Coisas Inconstitucional e ilegalidade difusa?

Palavras-chave: O Estado de Coisas Inconstitucional. O Estado de Ilegalidade Difusa. Favelas. Periferias. Direito Constitucional.

Sumário: Introdução. 1. Estado de coisa inconstitucional. 2. Estado de ilegalidade difusa. 3. A realidade das favelas e periferias. 3.1 A realidade das favelas e periferias: Estado De Coisas Inconstitucional. 3.2. A realidade das favelas e periferias: Estado De Ilegalidade Difusa. 4. Considerações finais. Referências.


INTRODUÇÃO

As maneiras como são apresentadas a realidade das favelas e periferias, como se vê em jornais e filmes, podem ter estereotipado a omissão de direitos e práticas inconstitucionais que ocorrem nesses locais. Por essa razão, parece ser comum, simplesmente assistir esse caos social e atribuir a culpabilidade destes problemas à omissão do Estado e à desigualdade social.

No caso ora em estudo, para analisar esta situação a partir de um entendimento jurídico já firmado, é salutar observar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)-347, esta que declarou a situação dos presídios brasileiros como um Estado de Coisas Inconstitucional. Nesse sentido, observa-se que as premissas que fundamentaram essa declaração também estão presentes nas favelas e periferias, assim questiona De Giorgi:

Sendo o Estado de Coisas nos presídios brasileiros inconstitucional, não seria também o caso das favelas do Rio de Janeiro, das periferias das grandes cidades, ou mesmo dos hospitais públicos? Quando se declara inconstitucional o estado de coisas nos presídios e não se declara inconstitucional o estado de coisas nas favelas não se estaria, assim, constitucionalizando um tipo de violência (enquanto se qualifica outro como inconstitucional)? Passa a solução desses problemas pela sua declaração de inconstitucionalidade? (2017 apud VASCONCELOS, 2017, p. 3-4)

É forçoso constatar que as mazelas que assombram esses locais provam contundentemente a necessidade de que seja tomada uma medida que assista esses moradores que consequentemente são afligidos com o contínuo aumento do número de violência, o alargamento das desigualdades sociais e o olhar de marginalidade que lhe é atribuída.

Nesses locais desfavorecidos onde estudar, brincar, trabalhar, ter acesso médico são práticas desafiadoras, alguns tendem a se aliar ao crime como forma de tentar subverter de forma rápida a dificuldade que lhe assiste, outros lutam de forma árdua e honesta para superar esses desafios. Na verdade, todos eles vivem a margem da sociedade. O resultado da violação desses direitos se reflete nos altos índices de criminalidade, na insatisfatória educação e nos problemas de saúde dos brasileiros, a título de exemplo.

O objetivo deste artigo é analisar as premissas do Direito Constitucional que fundamentam a concepção, diferença e aplicabilidade de direitos fundamentais nas favelas e periferias a partir do que se entende por: Estado de Coisas Inconstitucional e Ilegalidade difusa. Ainda, objetiva-se responder quais os principais direitos fundamentais são violados nas favelas e periferias? Por que as violações de direitos fundamentais nas favelas e periferias constituem um Estado de Coisas Inconstitucional e ilegalidade difusa?

O envolvimento do Estado para solução deste problema é incontestável, porém, é por meio deste artigo que se observará de que forma o Estado permitiu a ocorrência dos fatos que marcam esses locais desfavorecidos. Assim, seja por meio da declaração do Estado de Coisas Inconstitucional, seja aplicando o entendimento da ilegalidade difusa, essa temática de cunho social será perquirida de maneira a contribuir com o estudo de como o Direito Constitucional pode se posicionar para reparar a realidade dos mais pobres.

A pesquisa tem uma finalidade exploratória sobre a realidade das favelas e periferias. Nesse sentido, busca-se saber se essa realidade é justificada e resolvida por meio da declaração do Estado de Coisas Inconstitucional ou se o entendimento acerca da ilegalidade difusa esclarece este problema, a fim de atenuá-lo.

Para esta finalidade será utilizada uma abordagem qualitativa, no intuito de analisar, entender e interpretar a existência dos descumprimentos de direitos fundamentais que ocorrem nas periferias cujas notícias são constantemente veiculadas em jornais, revistas, internet. Essa abordagem também se fará através do exame de artigos científicos e legislações. Desta maneira será vislumbrando o itinerário que demarcou o problema social destes locais.

No que se refere à técnica, será utilizada a análise documental por meio da análise de artigos científicos e de periódicos que elucidam a discussão da temática, bem como, a revisão bibliográfica. Como dito no parágrafo anterior, para discorrer sobre o tema é necessário analisar documentos dispostos em sites, revistas, jornais, livros, leis que evidenciam a matéria da pesquisa. Ainda, a revisão bibliográfica se deu, predominantemente, por meio do estudo dos conceitos trazidos por meio dos artigos científicos de Diego de Paiva Vasconcelos e Raffaele Di Giorgi, estes que de maneira específica abordaram numa mesma análise o Estado de Coisas Inconstitucional, a ilegalidade difusa e as favelas e periferias do Brasil.


1. ESTADO DE COISA INCONSTITUCIONAL

Este termo foi firmado pela Corte Constitucional Colombiana- CCC, por meio da Sentencia de Unificacion (SU)- 559, de 1997, numa demanda que tratava de professores que tiveram seus direitos previdenciários violados pelas autoridades. Nesse sentido, tem-se em pauta a inobservância de direitos trabalhistas de educadores que acaba repercutindo no direito das crianças à Educação, já que a paralisação/greves desses professores é sinônima de ausência de aula para os menores. Observe que a violação de um direito fundamental incide em agravo a outro direito fundamental, estruturalmente.

Para dirimir esse conflito, obviamente, a Corte Colombiana observou que a lide em xeque evidenciava uma violação de cunho geral, que se estendia para além daqueles professores que propuseram a ação. Ainda, examinou-se que a solução para o problema não dependia da ação de um único órgão, mas na verdade, toda a aparelhagem estatal da educação estava doente e essas falham estruturais resultavam em recorrentes violações de direitos fundamentais.

Por essa razão, a CCC ao dar procedência à ação, reconheceu o incumprimento estrutural e massivo de direitos fundamentais não somente inter pars, mas para todos aqueles que se enquadravam na situação. Outrossim, a sentença trouxe para lide todas as autoridades e órgãos responsáveis pela educação para corrigir os problemas identificados. Veja:

Si el estado de cosas que como tal no se compadece con la Constitución Política, tiene relación directa con la violación de derechos fundamentales, verificada en un proceso de tutela por parte de la Corte Constitucional, a la notificación de la regularidad existente podrá acompañarse un requerimiento específico o genérico dirigido a las autoridades en el sentido de realizar una acción o de abstenerse de hacerlo. (CORTE CONSTITUCIONAL COLOMBIANA, 1997)

Ainda,

Segundo.- ORDENAR que para los efectos del numeral primero se envíe copia de esta sentencia al Ministro de Educación, al Ministro de Hacienda y Crédito Público, al Director del Departamento Nacional de Planeación y a los demás miembros del CONPES Social; a los Gobernadores y las Asambleas Departamentales; y a los Alcaldes y los Concejos Municipales. (CORTE CONSTITUCIONAL COLOMBIANA, 1997)

Este é o pequeno recorte da origem do Estado de Coisas Inconstitucional. Após este reconhecimento, outros casos foram julgados da mesma forma pela Suprema Corte Colombiana, a citar o Estado de Coisa Inconstitucional em seu sistema carcerário.

Então, o Estado de Coisas Inconstitucional funda-se em recorrentes práticas, massivas, generalizadas e violentas por parte de todos os órgãos estatais em sentido omissivo e/ou comissivo, contra direitos fundamentais, deixando uma parcela da população em uma realidade aquém daquela garantida como mínimo existencial. Veja como alguns constitucionalistas definem:

Entre os principais motivos, indicou aqueles que constituíam "un determinado estado de cosas que contraviene los preceptos constitucionales", a violação massiva de direitos fundamentais que não poderia ser explicada por faltas não atribuíveis, exclusivamente, a um só órgão ou agente estatal, mas apenas por uma deficiência política e institucional generalizada. (DE GIORGI e VASCONCELOS, 2018, p. 482)

Ainda,

Esta realidade não há o caráter da necessidade, não é uma realidade objetiva, não é estrutural no sentido que é uma realidade dada como natural, como se acreditava que fosse a velha natureza das coisas. Ela é estrutural no sentido que interessa a estrutura do direito, as suas organizações através das quais o direito entra em contato com seu ambiente: o aparato judiciário, a administração pública, a organização da segurança pública, a organização penitenciária. Mas aquela realidade é estrutural também no sentido que interessa à forma da diferenciação social e, assim, à forma da inclusão e exclusão. (DE GIORGI e VASCONCELOS, 2018, p. 497)

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Em solo brasileiro também já foi reconhecido o Estado de Coisas Inconstitucional, isso se deu por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental- 347. Essa ação apresentada pelo PSOL- Partido Socialismo e Liberdade, trouxe em pauta a precária realidade dos presídios brasileiros e da seguinte forma foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal- STF:

CUSTODIADO INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL SISTEMA PENITENCIÁRIO ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL ADEQUAÇÃO. Cabível é a arguição de descumprimento de preceito fundamental considerada a situação degradante das penitenciárias no Brasil. SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA CONDIÇÕES DESUMANAS DE CUSTÓDIA VIOLAÇÃO MASSIVA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS FALHAS ESTRUTURAIS ESTADO DE COISAS INCONSTITUCIONAL CONFIGURAÇÃO. Presente quadro de violação massiva e persistente de direitos fundamentais, decorrente de falhas estruturais e falência de políticas públicas e cuja modificação depende de medidas abrangentes de natureza normativa, administrativa e orçamentária, deve o sistema penitenciário nacional ser caraterizado como estado de coisas inconstitucional. FUNDO PENITENCIÁRIO NACIONAL VERBAS CONTINGENCIAMENTO. Ante a situação precária das penitenciárias, o interesse público direciona à liberação das verbas do Fundo Penitenciário Nacional. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA. Estão obrigados juízes e tribunais, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, a realizarem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contado do momento da prisão.

(ADPF 347 MC, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 09/09/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-031 DIVULG 18-02-2016 PUBLIC 19-02-2016).

Imperioso destacar que uma vez reconhecido o Estado de Coisas Inconstitucional, a Corte Suprema está de fato assentindo que o Estado possui severas falhas estruturais por meio de suas ações ou omissões que acarretam em ofensas de direitos fundamentais. Nesse sentido, o Guardião da Constituição com vistas a reparar essas falhas, determina ações para que o Estado as cumpra. Para melhor entendimento, ainda é necessário destacar parte da decisão ADPF 347:

O Tribunal, apreciando os pedidos de medida cautelar formulados na inicial, por maioria e nos termos do voto do Ministro Marco Aurélio (Relator), deferiu a cautelar em relação à alínea b, para determinar aos juízes e tribunais que, observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizem, em até noventa dias, audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão, com a ressalva do voto da Ministra Rosa Weber, que acompanhava o Relator, mas com a observância dos prazos fixados pelo CNJ, vencidos, em menor extensão, os Ministros Teori Zavascki e Roberto Barroso, que delegavam ao CNJ a regulamentação sobre o prazo da realização das audiências de custódia; em relação à alínea h, por maioria e nos termos do voto do Relator, deferiu a cautelar para determinar à União que libere o saldo acumulado do Fundo Penitenciário Nacional para utilização com a finalidade para a qual foi criado, abstendo-se de realizar novos contingenciamentos, vencidos, em menor extensão, os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso e Rosa Weber, que fixavam prazo de até 60 (sessenta) dias, a contar da publicação desta decisão, para que a União procedesse à adequação para o cumprimento do que determinado; [...] (BRASIL,2015)

A bem da verdade, para entender acerca do Estado de Coisas Inconstitucional é necessário observar os fatos que há tempos se destacam como inconstitucional, na observação sociológica que caracteriza aquela realidade e o vícios do Direito que implicam na violação do próprio Direito constitucional. O professor de Direito Constitucional, Diego de Paiva Vasconcelos, ao analisar a fundamentação da ADPF 347, aduz:

[...] Aquela decisão também é marcada por uma argumentação baseada sobre análises estatísticas, sociológicas e históricas dirigidas a demonstração das causas estruturais dessas mazelas. A Política é indicada como o locus da construção do problema, como sua causa exclusiva. A impossibilidade de reflexão dentro da Política estaria bloqueando as possibilidades de solução da crise carcerária e isso atrairia o Supremo Tribunal Federal para o papel de coordenar a interação interinstitucional necessária à correção das falhas estruturais que jamais teriam decorrido de um único agente, órgão ou ente, mas de uma indeterminável multiplicidade de atos externos ao sistema jurídico. [...]. (VASCONCELOS, 2017, pp. 298-299)

Ora, tem-se claro que o Estado de Coisas Inconstitucional não reconhece a falha no direito que está sendo violado, mas nos órgãos que devem aplicar esse direito, o Estado.


2. ESTADO DE ILEGALIDADE DIFUSA

Retomando o pensamento anterior, se o Estado de Coisas Inconstitucional não reconhece a falha no direito que está sendo violado, mas no Estado e em seus órgãos que falham em sua aplicabilidade, o Estado de Ilegalidade Difusa traz o oposto. Este conceito de Estado de Ilegalidade Difusa foi cunhado pelo Professor Diego de Paiva Vasconcelos e Professor Raffaele De Giorgi que alcançaram a conclusão da inconsistência teórica e filosófica da declaração de estado de coisas inconstitucional. (DE GIORGI e VASCONCELOS, 2018, p.481)

Para entender essas inconsistências acerca do ECI, deve se entender que declarado o Estado de Coisas Inconstitucional tem-se o reconhecimento jurídico das violações constitucionais e ainda a tomada de decisões judiciais para que os órgãos estatais promovam as devidas mudanças. Então, é válido perquirir: Estariam resolvidas, de uma vez por todas, as falhas estruturais do Estado com relação a demandas desta na natureza? Apenas o Estado e seus órgãos, em seu aspecto político, devem se reestabelecer para evitar mais e mais violações de garantias mínimas?

Nesse mesmo sentido questionou De Giorgi:

Sendo o Estado de Coisas nos presídios brasileiros inconstitucional, não seria também o caso das favelas do Rio de Janeiro, das periferias das grandes cidades, ou mesmo dos hospitais públicos? Quando se declara inconstitucional o estado de coisas nos presídios e não se declara inconstitucional o estado de coisas nas favelas não se estaria, assim, constitucionalizando um tipo de violência (enquanto se qualifica outro como inconstitucional)? Passa a solução desses problemas pela sua declaração de inconstitucionalidade? (2017 apud VASCONCELOS, 2017, p. 286-287)

Ora, ao observar a essência da declaração do Estado de Coisas Inconstitucional tem-se o judiciário, na figura do Direito, sendo mero mediador das situações-problemas entre o Estado e aqueles que têm seu direito fundamental violado, ou seja, o judiciário (Direito) isenta-se de qualquer culpabilidade. Entretanto, deve-se observar que o Estado é uma figura abstrata do Direito. Assim define Alexandre de Moraes:

O Estado, portanto, é forma histórica de organização jurídica limitado a um determinado território e com população definida e dotado de soberania, que em termos gerais e no sentido moderno configura-se em um poder supremo no plano interno e num poder independente no plano internacional. (MORAES, 2020, p.53)

O que está tentando ser evidenciado aqui é que antes das violações recorrentes e massivas de Direitos fundamentais serem frutos de falha estruturais do Estado, têm-se uma falha na própria operação do Direito. E quem é o responsável por operar esse direito? O Judiciário.

Para que o direito seja devidamente executado, ele deve ser devidamente garantido, logo, devidamente aplicado. Quando o Estado não tem a efetiva adoção de medidas jurídicas para garantir os direitos, como por meio da sanção devida no caso de infração, o Estado vai se acomodar em suas falhas e isso irá repercutir em cascata. Depois disso não basta que o judiciário reafirme os direitos que já se sabe que existem e ordene mudanças, mas sim deve se observar qual o ponto cego no Direito que gera o descumprimento desses direitos.

Não é perceptível que se os direitos não são garantidos é por que a operação destes mesmos direitos não está sendo devidamente eficiente, causando então falhas estruturais no Estado?

Se sim, estamos diante de outra conjuntura, esta que não afasta o Estado de Coisas Inconstitucional, mas a reafirma, evidenciando a raiz do problema, é o que se chama de ilegalidade difusa, assim firmada por De Giorgi:

[...] Tratar o problema como histórico, no entanto, explica muito pouco. Trata-se, na verdade, de uma interessante estratégia argumentativa para promover o deslocamento da competência para o tratamento do problema, assim como indicar uma omissão da Política para justificar sua solução pelo Direito. [...] O estado de coisas apontado como inconstitucional trata-se, na verdade, de ilegalidade difusa, conforme apontado por Raffaele De Giorgi em manuscrito ainda não publicado. Não há que se falar em problema da Política ou no interior da política. [...]

[...] Então, o que faz a declaração de ECI quando aponta origem históricas e estruturais ao problema? Desloca-o, argumentativamente, para o campo da Política e se representa como intervenção do Direito na Política para, na verdade, promover a auto isenção do Direito em relação ao conflito que é produzido em suas próprias operações. [...]. (VASCONCELOS, 2017, p. 301)

Para reforçar o entendimento acerca da Ilegalidade Difusa, basta tomar de exemplo a citada ADPF 347, ora, é inquietante tentar entender como um país que tem uma legislação própria para a execução de penas, consegue atingir um Estado de Coisa Inconstitucional quanto a sua situação carcerária. A citar, o Art. 1º da Lei de Execução Penal indica como uns dos objetivos proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado., a partir daí pode se questionar se tal premissa é cumprida (os fatos por si já respondem por meio da próprio ADPF) e se de fato o judiciário apenas tem o papel de declarar o Estado de Coisas Inconstitucional ou de antemão evitá-lo.

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Sobre a autora
Iasmin Caldas Lourido Santos

Acadêmica de Direito

Informações sobre o texto

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