Palavras-chaves: Dissolução parcial. Apuração de haveres. Patrimônio líquido. Balanço de determinação.
A questão da apuração de haveres na dissolução parcial é matéria bastante controvertida na jurisprudência de nossos tribunais.
A dissolução parcial pode ocorrer por diversos motivos: falecimento de sócio, exclusão de sócio e retirada voluntária de sócio.
Como se faz o pagamento das cotas do ex sócio nesses casos?
O código civil dispõe em seu art. 1031:
“Art. 1031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.”
Verifica-se, pois, que a apuração de haveres por meio de balanço específico só tem aplicação na omissão do contrato social.
E se o contrato social prever que as cotas do sócio excluído ou retirante serão pagas pelo valor nominal das cotas subscritas e integralizadas?
Embora o pacto faça lei entre as partes, dependendo do porte econômico da sociedade o valor nominal das cotas subscritas pelos sócios poderá representar um valor inexpressivo, sem qualquer amparo na realidade.
No caso de um sócio ser excluído, pela deliberação dos demais sócios, aplica-se o critério previsto no contrato social para pagamento pelo valor nominal das cotas?
O direito não pode implicar enriquecimento ilícito de um em detrimento do outro.
O STJ decidindo à luz do Código de Processo Civil antecedente fixou a tese de que o critério previsto no contrato social só prevalecerá se houver consenso entre as partes quanto ao resultado alcançado, conforme ementa abaixo:
“DIREITO EMPRESARIAL. DISSOLUÇÃO PARCIAL DE SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. SÓCIO DISSIDENTE. CRITÉRIOS PARA APURAÇÃO DE HAVERES. BALANÇO DE DETERMINAÇÃO. FLUXO DE CAIXA.
1. Na dissolução parcial de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, o critério previsto no contrato social para a apuração dos haveres do sócio retirante somente prevalecerá se houver consenso entre as partes quanto ao resultado alcançado.
2. Em caso de dissenso, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça está consolidada no sentido de que o balanço de determinação é o critério que melhor reflete o valor patrimonial da empresa.
3. O fluxo de caixa descontado, por representar a metodologia que melhor revela a situação econômica e a capacidade de geração de riqueza de uma empresa, pode ser aplicado juntamente com o balanço de determinação na apuração de haveres do sócio dissidente.
4. Recurso especial desprovido.” (REsp 1335619/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Rel. p/ acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, julgado em 03/03/2015, DJe 27-03-2015)
Esse acórdão previu a possibilidade de aplicação concomitante do critério de fluxo de caixa descontado, que consiste na projeção de expectativa de rentabilidade futura transportada para o momento presente, com aplicação de uma taxa de desconto em função do risco empresarial.
O Código de Processo Civil de 2015, em seu art. 606, deu a redação que se harmoniza com o art. 1031 do Código Civil:
“Art. 606. Em caso de omissão do contrato social, o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor patrimonial apurado no balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma”.
O STJ voltou a julgar essa questão, agora, à luz do art. 606 do CPC excluindo a possibilidade de aplicação conjunta do critério de fluxo de caixa descontado, conforme se verifica da ementa abaixo:
“RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. SOCIEDADE EMPRESÁRIA LIMITADA. DISSOLUÇÃO PARCIAL. SÓCIO RETIRANTE. APURAÇÃO DE HAVERES. CONTRATO SOCIAL. OMISSÃO. CRITÉRIO LEGAL. ART. 1.031 DO CCB/2002. ART. 606 DO CPC/2015. VALOR PATRIMONIAL. BALANÇO ESPECIAL DE DETERMINAÇÃO. FUNDO DE COMÉRCIO. BENS INTANGÍVEIS. METODOLOGIA. FLUXO DE CAIXA DESCONTADO. INADEQUAÇÃO. EXPECTATIVAS FUTURAS. EXCLUSÃO.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. Cinge-se a controvérsia a definir se o Tribunal de origem, ao afastar a utilização da metodologia do fluxo de caixa descontado para avaliação dos bens imateriais que integram o fundo de comércio na fixação dos critérios da perícia contábil para fins de apuração de haveres na dissolução parcial de sociedade, violou o disposto nos artigos 1.031, caput, do Código Civil e 606, caput, do Código de Processo Civil de 2015.
3. O artigo 606 do Código de Processo Civil de 2015 veio reforçar o que já estava previsto no Código Civil de 2002 (artigo 1.031), tornando ainda mais nítida a opção legislativa segundo a qual, na omissão do contrato social quanto ao critério de apuração de haveres no caso de dissolução parcial de sociedade, o valor da quota do sócio retirante deve ser avaliado pelo critério patrimonial mediante balanço de determinação.
4. O legislador, ao eleger o balanço de determinação como forma adequada para a apuração de haveres, excluiu a possibilidade de aplicação conjunta da metodologia do fluxo de caixa descontado.
5. Os precedentes do Superior Tribunal de Justiça acerca do tema demonstram a preocupação desta Corte com a efetiva correspondência entre o valor da quota do sócio retirante e o real valor dos ativos da sociedade, de modo a refletir o seu verdadeiro valor patrimonial.
6. A metodologia do fluxo de caixa descontado, associada à aferição do valor econômico da sociedade, utilizada comumente como ferramenta de gestão para a tomada de decisões acerca de novos investimentos e negociações, por comportar relevante grau de incerteza e prognose, sem total fidelidade aos valores reais dos ativos, não é aconselhável na apuração de haveres do sócio dissidente.
7. A doutrina especializada, produzida já sob a égide do Código de Processo Civil de 2015, entende que o critério legal (patrimonial) é o mais acertado e está mais afinado com o princípio da preservação da empresa, ao passo que o econômico (do qual deflui a metodologia do fluxo de caixa descontado), além de inadequado para o contexto da apuração de haveres, pode ensejar consequências perniciosas, tais como (i) desestímulo ao cumprimento dos deveres dos sócios minoritários; (ii) incentivo ao exercício do direito de retirada, em prejuízo da estabilidade das empresas, e (iii) enriquecimento indevido do sócio desligado em detrimento daqueles que permanecem na sociedade.
8. Recurso especial não provido.” (REsp 1877331/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, rel. p/ acórdão Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 13-04-2021, DJe14-05-2021)
Essa parece ser a consolidação definitiva da jurisprudência do STJ que adotou o critério do patrimônio líquido, a ser apurado em balanço especial para apuração de haveres do sócio retirante/excluído.
Ficou afastada a utilização concomitante da metodologia do fluxo de caixa descontado, por falta de objetividade, conduzindo a um resultado que não expressa o valor real do ativo da sociedade. Esse novo posicionamento do STJ harmoniza-se tanto com o art. 1031 do CC, como com o art. 606 do CPC.