Resumo: Este estudo sobre Acordo de Não Persecução Penal, proposto como primeira avaliação da disciplina de Direito Processual Penal I tem como objetivo apresentar aos alunos uma nova forma de solução consensual do caso penal para infrações de médio potencial ofensivo, como forma de diminuir o tempo médio, a quantidade de processos criminais e a insegurança jurídica daqueles que tem a possibilidade de ter o bem jurídico da liberdade ameaçada. Trata-se de procedimento que traz o desenvolvimento histórico do instituto e as possibilidades de sua aplicação no Direito Penal brasileiro.
Palavras-chave: persecução penal; modernização; alcance e dimensão.
1. INTRODUÇÃO
O Poder Judiciário ao lançar a 16ª edição do Relatório Justiça em Números 2020 (ano-base 2019), em 25/08, reafirma seu compromisso com a transparência acerca de sua estrutura e produtividade. Com informações circunstanciadas, coletadas em 2019, sobre o fluxo processual no sistema de justiça brasileiro, incluindo o tempo de tramitação dos processos, os indicadores de desempenho e produtividade, as estatísticas por matéria do direito, além de números sobre despesas, arrecadações, estrutura e recursos humanos.
O relatório aponta avanços na produtividade média dos magistrados - a maior dos últimos 11 anos se elevando em 13%, com média de 2.107 processos baixados por magistrado e a finalização de 77,1 milhões de processos em tramitação que aguardavam alguma solução definitiva patamar semelhante ao verificado em 2015.
Mesmo assim, a realidade evidencia que o sistema processual brasileiro é disfuncional; a tramitação de processos demora em demasia e há baixa efetividade, havendo grande número de processos que se encerram com o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal.
Com o objetivo de combater esta disfuncionalidade, este trabalho abordará a mais recente medida adotada. Promulgada em 24 de dezembro de 2019 e popularmente conhecida como Pacote Anticrime, a Lei no 13.964, tem como objetivos aperfeiçoar a legislação penal e processual penal.
Seu artigo 3º materializou aquilo que estava previsto pioneiramente na Resolução no 181/2017, do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) - posteriormente alterada pela Resolução no 183/2018.
A criação do art.28-A no Código de Processo Penal continha o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP),
Surge, assim, uma nova possibilidade de solução consensual no sistema criminal brasileiro. Uma solução para infrações de médio potencial ofensivo. Uma possibilidade que vem a diminuir o tempo médio e a quantidade de processos criminais que tramitam no Poder Judiciário brasileiro.
Para avançar no exame deste novo instituto precisamos entender o que é o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP).
Conforme publicação na Revista do Ministério Público do Rio de Janeiro, nº 74, out./dez. 2019, em artigo de autoria de Renee do Ó Souza trata-se de um negócio jurídico extrajudicial entre investigado, assistido por seu defensor e órgão do Ministério Público em que são entabuladas, de um lado, a fixação de medidas ou condições de interesse social a serem prestadas pelo investigado, em troca, de outro lado, da descaracterização do interesse de agir para o exercício da demanda penal e consequente arquivamento do caso pelo Ministério Público.
Passamos agora a examinar o caminho percorrido até a finalização deste instituto.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Segundo Rogério Sanches Cunha a persecução penal inicia por meio de uma fase investigativa prévia à ação penal, no bojo da qual são colhidos os elementos de informação necessários à deflagração do processo criminal (que formarão a chamada justa causa). E, nesse cenário, muito se discutiu acerca da (im)possibilidade de o Ministério Público conduzir investigações de natureza criminal. Primeiro, porque o inquérito policial (procedimento clássico de investigação) é presidido exclusivamente pelo delegado de Polícia; segundo, porque não havia dispositivo constitucional expresso que conferisse tal legitimidade aos órgãos ministeriais.
O mesmo autor lembra, que apesar da controvérsia, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em 2006, editou a Resolução no 13, que disciplinou a instauração e tramitação do Procedimento Investigatório Criminal (PIC) instrumento de natureza administrativa e inquisitorial, instaurado e presidido pelo membro do Ministério Público com atribuição criminal, cuja finalidade é apurar a ocorrência de infrações penais de natureza pública, servindo como preparação e embasamento para o juízo de propositura, ou não, da respectiva ação penal.
Para o autor somente após o julgamento do Recurso Extraordinário no 593.727/MG, o STF, em 2015, sob a sistemática da Repercussão Geral, deu fim à controvérsia reconhecendo a possibilidade do Ministério Público promover, por autoridade própria e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado.
O passo seguinte na evolução deste processo foi a publicação da Resolução 181/2017 do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) que, em seu artigo 18, previa os requisitos a serem cumpridos - de forma cumulativa ou não, para que o Ministério Público pudesse propor ao investigado acordo de não-persecução penal. Eram eles à época:
Art. 18. Não sendo o caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor ao investigado acordo de não persecução penal, quando, cominada pena mínima inferior a 4 (quatro) anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça a pessoa, o investigado tiver confessado formal e circunstanciadamente a sua prática, mediante as seguintes condições, ajustadas cumulativa ou alternativamente:
I reparar o dano ou restituir a coisa à vítima;
II renunciar voluntariamente a bens e direitos, de modo a gerar resultados práticos equivalentes aos efeitos genéricos da condenação, nos termos e condições estabelecidos pelos artigos 91 e 92 do Código Penal;
III prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo Ministério Público.
IV pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo Ministério Público, devendo a prestação ser destinada preferencialmente àquelas entidades que tenham como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito.
V cumprir outra condição estipulada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal aparentemente praticada.
Chegamos à forma atual do ANPP com a alteração do artigo 18 da Resolução 181/2017 pelo art. 3º da Lei nº 13.964 (Pacote Anticrime) que cria o 28-A no Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal).
Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:
I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;
II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;
III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);
IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou
V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.
§ 1º Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto.
§ 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses:
I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei;
II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas;
III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e
IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.
§ 3º O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor.
§ 4º Para a homologação do acordo de não persecução penal, será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade, por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor, e sua legalidade.
§ 5º Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor.
§ 6º Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal.
§ 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o § 5º deste artigo.
§ 8º Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia.
§ 9º A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução penal e de seu descumprimento.
§ 10. Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia.
§ 11. O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo.
§ 12. A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do § 2º deste artigo.
§ 13. Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade.
§ 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código.
Percorrido o caminho da evolução do instituto do ANPP, resta agora esmiuçar os parágrafos e incisos a fim de identificar o alcance e a dimensão solicitados no trabalho.
3 ALCANCE E DIMENSÃO
Aplicação do ANPP, seu alcance e dimensão ficarão mais facilmente compreendidos se desmembrado o artigo 28-A do CPP.
- FORMALIZAÇÃO
§ 3º - O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor.
- HOMOLOGAÇÃO
§ 4º Para a homologação do acordo de não persecução penal, será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade, por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor, e sua legalidade.
- CONDIÇÕES
§ 5º Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor.
- EXECUÇÃO
§ 6º Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal.
- RECUSA DO JUIZ
§ 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o § 5º deste artigo.
§ 8º Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia.- INTIMAÇÃO
§ 9º A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução penal e de seu descumprimento.
- DESCUMPRIMENTO DO ACORDO
§ 10. Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia.
§ 11. O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizada pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo.
- CERTIDÃO DE ANTECEDENTES
§ 12. A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do § 2º deste artigo.
- EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE
§ 13. Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade.
- RECUSA DO MP
§ 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código.
3.1 SITUAÇÕES NAS QUAIS É CABÍVEL O ACORDO DE NÃO-PERSECUÇÃO PENAL
O ANPP aborda algumas características e pré-requisitos que precisam ser atendidos para que as normas que estão previstas no acordo sejam aplicadas efetivamente aos casos concretos.
Dessa forma, realizaremos uma sucinta exposição dos requisitos necessários para que se possa estabelecer a não persecução, denotando os detalhes que se sobressaem em cada ponto, explicando e exemplificando os diversos pré-requisitos que precisam ser atendidos para que se estabeleça a normativa mais benéfica ao réu.
Como dito anteriormente, no começo deste trabalho, o acordo de não persecução penal foi estabelecido em meio ao chamado pacote anticrime e especificamente e criou a figura do artigo 28-A do CPP, neste artigo temos a leitura e especificação do que de fato é o acordo e quais são as suas diretrizes fundamentais.
De acordo com a nova lei, o acordo pode ser assinado com réus primários, só quando o crime previr pena inferior a quatro anos e desde que não envolva violência ou grave ameaça. Quem assinar o acordo fica sujeito a devolver o produto do crime às vítimas, prestar serviço comunitário, pagar multa ou cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo MP, desde que proporcional com a infração penal cometida.
O acordo deve sempre ser homologado pela Justiça e não pode beneficiar reincidentes nem quem já tiver assinado termos parecidos nos últimos cinco anos. O acordo também depende de o réu confessar o crime e não se aplica aos casos de competência dos juizados especiais criminais.
Dessa forma temos a premissas estabelecidas pelo legislador para a aplicação do acordo: ser réu primário, ter praticado uma conduta punível com não mais que quatro anos, não ser reincidente e não ter praticado nenhuma conduta com elementos de violência ou grave ameaça, além de ser obrigado a restituir a lesão provocada por sua conduta em medidas estritamente proporcionais, homologação pela justiça, não ser reincidente, nem ter assinado termos parecidos nos últimos cinco anos além do réu confessar o crime e não se aplica aos casos de competência dos juizados especiais criminais.
A norma correspondente à não aplicação do acordo aos casos de competência dos juizados especiais foi estabelecida exatamente para que a medida não importe no esvaziamento das competências dos juizados especiais criminais.
Um ponto que possui relativa polêmica na aplicação do acordo é o que se refere a um dos pré-requisitos para a sua aplicação. Tal pré-requisito é o da confissão do acusado, ou seja, para que haja a aplicação do benefício da não persecução da ação penal, além de todos aqueles requisitos anteriormente citados, ainda há a necessidade de se obter a confissão voluntária do agente, o que acaba gerando algumas reflexões no tocante às questões principiológicas.
No âmbito do Direito Processual Penal os investigados/acusados, em geral, não são obrigados a produzir prova contra si mesmos, isso, em decorrência do direito à não autoincriminação (nemo tenetur se detegere), que encontra amparo na Constituição Federal de 1988 (art. 5º, LXIII) e no Pacto de São José da Costa Rica (art. 8º, item 9), motivo pelo qual, esse requisito padece de inconstitucionalidade e inconvencionalidade, visto que, a um só tempo, afronta, materialmente, esses dois diplomas normativos.
Percebe-se a total ausência de razoabilidade na exigência de que o investigado/acusado confesse, formal e circunstancialmente, a prática delitiva, para o fim de obter uma benesse legal que lhe é conferida, em regra, antes mesmo do oferecimento da denúncia.
Ademais, em caso de rescisão ou não homologação do acordo de não persecução penal, essa confissão, a despeito de não poder ser utilizada para fundamentar uma sentença penal condenatória, gerará indevida influência na convicção do magistrado sentenciante (juiz da instrução), haja vista que este terá pleno conhecimento de que, em determinada fase processual, o investigado/acusado admitiu a prática delitiva para ser agraciado com essa benesse legal.
Concluímos a partir dessas inflexões a respeito da efetiva aplicação desse novíssimo instituto, que embora o mesmo possua um excepcional caráter inovador e reativo a uma política criminal que busca reduzir os impactos do encarceramento.
3.2. SITUAÇÕES NAS QUAIS NÃO SÃO CABÍVEIS O ACORDO DE NÃO-PERSECUÇÃO PENAL
- NÃO se aplica o ANPP nas seguintes hipóteses (art. 28-A, § 2º):
I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei;
II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas;
III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e
IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.
4 APLICAÇÃO NA PRÁTICA
Não obstante as tentativas de modernização dos institutos judiciais, a fim de simplificar, agilizar e tornar mais eficiente o processo penal, na prática as novas ideias enfrentam algumas dificuldades para se concretizarem. Inicialmente pode-se afirmar a resistência pessoal de parcela dos operadores do Direito em transformar as suas visões daquilo que já se fazia há muito tempo de uma forma, conceitos e regras construídos há décadas.
Outra dificuldade encontrada é a atribuição do Ministério Público para propor ou não o acordo, tendo em vista que a instituição não é aparelhada como o Judiciário para realizar intimações das partes e de seus advogados para comparecerem à sede da promotoria de justiça, o que no judiciário se faz por meio de oficiais de justiça.
Nessa mesma linha, verifica-se que a maior parte dos investigados que preenchem os requisitos para a realização do acordo não possuem condições de arcar com os custos de um advogado, tendo que recorrer às defensorias públicas, instituição que também possui especificidades próprias para atender ao chamamento ministerial.
Uma forma que pode ser usada para sanar essa dificuldade do Ministério Público em realizar intimações e trazer os investigados acompanhados por advogados/defensores é a utilização da estrutura judicial existente: sendo o caso de oferecimento de proposta de acordo de não persecução penal, o Ministério Público poderá requerer ao juízo a designação de audiência, a fim de que o investigado compareça acompanhado por advogado ou por defensor público já designado a atuar naquele juízo. Assim utiliza-se a força de trabalho do oficial de Justiça para a intimação do investigado e da presença do defensor habitual daquele juízo.
Outra discussão que se deve travar é a aplicabilidade ou não do acordo para processos já em andamento. Os que defendem a não aplicabilidade do acordo para processos em curso argumentam que esta regra possui caráter meramente processual, devendo respeitar, portanto, a diretriz de que a lei processual valerá a partir do momento de sua entrada em vigor para processos futuros, respeitados os atos já praticados. Já os que defendem que pode ser aplicado a processos em andamento argumentam que a lei possui ingerências tanto no direito processual quanto no material, devendo ser aplicado o princípio de que a lei penal retroagirá para beneficiar o réu.
Esta certamente é uma batalha que será travada nas sentenças e acórdãos até que se chegue a uma diretriz que seja vinculante a todos os juízos do país.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora já houvesse previsão em Resoluções do CNMP, o o acordo de não persecução penal só virou lei no final de 2019, o que faz dele um dispositivo muito jovem, sobre o qual ainda não se dispõem de números comparativos que possam avaliar a sua eficácia e efetividade dentro do ordenamento jurídico brasileiro.
Como toda inovação, demanda tempo até que todas as arestas sejam aparadas e todas a suas nuances esclarecidas, de forma a não restar dúvidas nem para a acusação, nem para a defesa, da aplicabilidade ou não do dispositivo legal, seja no aspecto material, com seus requisitos objetivos e subjetivos, seja no seu aspecto processual, como em que momento deve ser proposto o acordo. Isso sem falar na subjetividade atribuída ao Ministério Público de decidir quando aplicar ou não o referido instituto.
Sem negar todos os desafios que o novo modelo traz para as instituições e para a sociedade, tanto para juízes quanto para os advogados e seus representados e, especialmente, para promotores e procuradores do ministérios público, é possível concluir que o acordo de não persecução penal tem potencial para contribuir com a melhoria do sistema penal brasileiro, trazendo celeridade ao processo penal, efetividade e eficiência, e contribuindo, ainda, para o desafogamento do judiciário, trazendo benefícios também para os casos em que o acordo não é possível, beneficiando, assim, toda a sociedade, que almeja ver seus casos solucionados e a justiça efetivada, sem que seja aplicada a prescrição, que representa impunidade.
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