"Fingir que o Supremo Tribunal Federal ainda pode decidir sobre o pedido de extradição de Cesare Battisti formulado pelo governo italiano não passa de uma farsa processual, uma simulação jurídica que agride a Ética e o Direito.
E manter Battisti na prisão, sem que haja qualquer fundamento legal para isso, é ato de extrema violência, pois além da ofensa ao direito de locomoção, reconhecido e proclamado como um dos direitos fundamentais da pessoa humana e garantido pela Constituição brasileira, em decorrência da prisão ilegal todos os demais direitos fundamentais da vítima da ilegalidade são agredidos..."
Assim, com uma contundência rara nos artigos de grandes juristas, Dalmo de Abreu Dallari expôs e frustrou a última e desesperada tramoia dos ministros Gilmar Mendes e Cezar Peluso, que durante toda a tramitação do Caso Battisti no STF alternaram-se nos papéis de presidente da corte e relator do processo, ambos exacerbadamente empenhados em entregar o escritor italiano à sanha vingativa de Silvio Berlusconi.
O artigo, publicado neste blog em 19 de maio de 2011 com o título de Prisão ilegal de Battisti: uma farsa jurídica, foi fundamental para dar um fim aos contorcionismos jurídicos por meio dos quais a dupla manteve o Cesare arbitrariamente preso até 8 de junho de 2011, embora devesse ter sido libertado tão logo o presidente Lula deu a última palavra sobre o caso, negando em definitivo o pedido de extradição italiano em 31 de dezembro de 2010.
Mas, a Itália continuou jogando sujo e abusando do seu poder econômico de nação do 1º mundo até obter o que queria, tendo chegado ao cúmulo de tentar o sequestro de Battisti em terras brasileiras.
Finalmente, a desgraça chegou para o Cesare graças:
- ao ministro do STF Luiz Fux, que concedeu liminar ao escritor garantindo sua permanência legal em nosso país mas adiante voltou atrás da própria decisão para satisfazer ao presidente em exercício (Temer) e ao sucessor já eleito (Bolsonaro); e
- ao presidente Evo Morales, que repetiu a infâmia de René Barrientos, aquele seu antecessor de quem os militares estadunidenses receberam permissão para caçarem e executarem Che Guevara em território boliviano.
E Battisti foi, em janeiro de 2019, cumprir pena há muito prescrita numa masmorra italiana de desumanidade extrema, na qual está sendo destruído aos poucos. Era escritor em ascensão, marido feliz e pai amoroso de um menino brasileiro e duas filhas italianas. Querem reduzi-lo a nada, pensando que assim podem exorcizar o fantasma de um novo 1968, que até hoje os assombra.
A evocação de tantos personagens indignos ressalta ainda mais, por contraste, a grandeza intelectual e moral de Dalmo Dallari, que foi, indiscutivelmente, um dos últimos imprescindíveis brasileiros.
Sendo jornalista familiarizado com batalhas jurídicas em defesa dos direitos humanos, atuei como porta-voz informal do Comitê de Solidariedade a Cesare Battisti em 2008-2011. Todos os artigos que o Dalmo Dallari escreveu sobre o assunto, deplorando a tendenciosidade com que era conduzido o processo de extradição, passaram por minhas mãos. Então, considerei até insultuoso à memória dele terem omitido tal fato dos necrológios.