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O crime de insider trading no mercado de capitais brasileiro

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18/04/2022 às 13:46

Resumo:


  • A prática de insider trading é reconhecida como crime pelo direito brasileiro, com base na Lei das S.A, Lei do Mercado de Valores e Instrução da CVM.

  • O crime de insider trading consiste na utilização de informações privilegiadas não divulgadas ao mercado para obter vantagens indevidas em negociações de valores mobiliários.

  • O caso SADIA/PERDIGÃO foi a primeira denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal para a condenação da alta administração de uma empresa por insider trading no Brasil.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Resumo: A presente pesquisa aborda a prática do insider trading no mercado de capitais, com o objetivo de trazer aportes sobre a regulação realizada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para reduzir o risco e assimetrias do mercado. Partindo-se da hipótese de que a fiscalização e a transparência das companhias são importantes para assegurar informações fidedignas aos investidores, pretendeu-se identificar a decisão estadunidense realizada pela Securities and Exchange Commission (SEC), acerca do caso Sadia-Perdigão, que se tornou um precedente, ou seja, primeira condenação penal por uso de informação privilegiada no Brasil, a ser denunciada pelo o Ministério Público Federal (MPF) em conjunto com Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A metodologia utilizada foi a dedutiva, mediante o uso de doutrina especializada, legislação, artigos e análise de julgado.

Palavras-chave: Desenvolvimento, Direito Econômico, Mercado de Capitais, Riscos, Negociação com informações privilegiadas.


INTRODUÇÃO

A presente pesquisa analisa os mecanismos de regulação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para o combate aos crimes contra o sistema financeiro, em especial, em relação a prática de insider trainding que acaba manipulado o mercado de capitais para cumprir interesses pessoais, estes impactam não apenas na credibilidade dos investidores, mas nas decisões de vender ou comprar ativos no mercado de capitais. Assim, a pesquisa se apoia no método dedutivo com suporte bibliográfico especializado, mediante a análise de caso de insider traider que envolve as agências SEC (Estados Unidos) e a CVM (Brasil), assim como a legislação nacional e estrangeira para um melhor desenvolvimento do tema.

O ordenamento jurídico brasileiro atribui como crime de insider trading o uso de informações relevantes que ainda não foram divulgadas no mercado. A pena prevista é de reclusão, que pode chegar até cinco anos, sem prejuízo no pagamento de multa no importe de até três vez o valor da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime. A definição sobre decisão relevante esta prevista no art. 2º da Instrução CVM nº 358/02, visto que as informações privilegiadas podem afetar os negócios, sobretudo, no que desrespeito a atenção e saída de investidores.

No Brasil, o caso da SADIA/PERDIGÃO S.A. ocorrido em 2006 serviu como precedente para a condenação dos responsáveis pela ausência de integridade no mercado de capitais. Posteriormente, o caso envolvendo a JBS S.A no ano de 2017, também repercutiu na condenação dos responsáveis acusados de manipulação de mercado e de insider traiding, além de ocasionar o aumento do dólar à época.

Apesar das empresas realizarem negócios junto ao mercado de bolsas estrangeiras, como por exemplo, as estadunidenses reguladas pela Securities and Exchange Comission (SEC), assim, foi possível identificar que há cooperação entre a SEC e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para impedir crimes contra o sistema financeiro, com o propósito de promover práticas comerciais equitativas, ou seja, a transparência das informações públicas responsáveis pelo equilíbrio do mercado.


1. ANÁLISE ACERCA DO MERCADO DE CAPITAIS

O mercado de capital é de suma importância para fortalecimento da economia nacional, por possibilitar a movimentação de recursos de modo direto entre os agenciadores econômicos. As agências financeiras atuam como simples prestadoras de serviços, a fim de minimizar os custos com intermediários, já os riscos em face dos investimentos ficam a cargo dos próprios investidores.

Segundo a Instrução da Comissão de Valores Mobiliários nº 134/90, os valores mobiliários são definidos como títulos de investimentos, emitidos pela sociedade anônima para o alcance de recursos. A Ação é um título que confere a propriedade da menor parcela em que se divide o capital social de uma sociedade anônima (FACCINI, 2015, p. 106), conforme a Lei n. 6.404/1976, vide arts. 11/45. O acionista é um dos proprietários da empresa e possui a condição de participar dos resultados alcançados. Esta ação poderá ser negociada no mercado secundário, visto que não é possível pedir o resgate diretamente para companhia.

No que concerne ao valor mobiliário representativo de unidade do capital social, Fábio Ulhoa Coelho (2016, p.112) compreende em: a emissão de debêntures (Lei das Sociedades por Ações nº 6.404/1976, arts. 52. a 74), que de forma diversa da ação, a debênture é um título de crédito, responsável por formalizar a operação de empréstimo entre a empresa (devedora) e o investidor (credor); as partes beneficiárias promovem um eventual direito de crédito pelos lucros anuais que a empresa possivelmente tenha, contudo, se não houver lucro não há o que o investidor requer (art. 46. a 51); o bônus de subscrição, trata-se de uma vantagem adicional, que se for onerosa, estará sujeita ao direito de preferência dos acionistas (arts. 75. a 79)1; a nota promissória, segundo MAMEDE, (p. 397) pode configurar um conjunto de títulos a fim de captar recursos para companhias, nos moldes da Instrução da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) n. 134/90.

Diante do exposto, a debenture é um direito de crédito que a empresa paga o valor do capital principal. O juro pode ser fixo com garantias reais das obrigações, por exemplo, um imóvel da companhia que não poderá ser comercializado em razão do registro formal. As taxas flutuantes são ativos oferecidos como garantia ao investidor, tais ativos podem ser trocados por outros ao longo do tempo.2

Neste sentido, os títulos negociados no mercado de capitais são denominados de valores mobiliário. Além disso, as sociedades anônimas abertas ou companhias são responsáveis por disponibilizar os seus títulos, chamados também de papeis neste mercado para obtenção de recursos, permitindo assim que os investidores sejam capazes de adquiri-los, títulos estes que representam uma fração do capital social da empresa.

Nos ensinamentos de Fábio Ulhoa Coelho (2016), as sociedades anônimas são classificadas em abertas e fechadas. A primeira admite a negociação dos seus valores mobiliários junto a bolsa de valores, o que atrai a fiscalização da CVM, assim, também são conhecidas como companhias de capitais abertos: a Petrobras, o Banco do Brasil, o Santander, a Vale, a Ambev, dentre outras, devidamente registradas junto a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). No entanto, as empresas de capital fechado não podem ter as suas ações negociadas no referido mercado, cuja participação na bolsa dependerá de anuência da CVM, a fim de promover uma melhor regulação e transparência do sistema financeiro.

Seguindo esta linha, enquanto as operações bancárias típicas são realizadas cotidianamente a exemplo dos empréstimos, no mercado de valores mobiliários são realizadas negociações de participações, desta maneira, o retorno para os investidores está ligado diretamente a lucratividade das empresas emissoras dos títulos.

Nota-se que o mercado de capitais facilita o processo de capitalização e investimentos e pode ser utilizado para a tomada de crédito, geração de riqueza, convertendo os recursos em poupança, uma vez que ocorre uma relação direta entre o tomador de recursos e o detentor, ou seja, sem a interferência de bancos, companhias de crédito e etc., visto que estes são apenas intermediários, no entanto, não são responsáveis pelos riscos das operações no mercado de capitais. (ALONSO, 2009, p. 26).

No tocante ao conceito de mercado de capitais, em suma é onde os investidores e os poupadores depositam os seus recursos excedentes diretamente no tomador, na figura de investimento, desenvolvendo a geração de capital, juntamente com poupança e demais investimentos, tendo por fundamento o aumento de aplicação econômica dos recursos acessíveis.

As negociações são efetuadas em dois diferentes mercados. O mercado primário indica a subscrição de valores mobiliários, trata-se de negócio jurídico entre os acionistas (investidores) e a sociedade anônima emissora do título. Neste sentido, o mercado secundário corresponde a compra e venda, negócio jurídico onde não há participação da sociedade emissora.

A empresa que já está inscrita no mercado de ações pode disponibilizar novas ações na bolsa, assim, lança o direito de subscrição para quem já é acionista da companhia. O acionista possui prioridade de compra antes dos demais investidores da bolsa de valores B3 (bolsa de valores brasileira), todavia, é imprescindível que o investidor tenha a ação da referida companhia na carteira a priori da oferta de novas ações e cumpra o prazo limite para subscrição. O acionista não está obrigado a exercer este direito, pois o propósito é atrair e capitar recursos para a companhia. O mercado secundário é realizado entre os investidores (donos dos títulos) e interessados (quem deseja adquirir o título), não há participação da companhia (KÜMPEL, 2007, p. 71).

Partindo deste ponto, o mercado de capitais é uma boa opção para as empresas obterem recursos a baixo custo e com menor risco. A credibilidade do mercado é fundamental para a utilização deste mecanismo para promover a economia nacional e reduzir a informação assimétrica que pode afastar os investidores estrangeiro


2. ASPECTOS PRINCIPAIS DO CRIME DE INSIDER TRADING

O lucro é a essência do mercado de capitais, porém obter lucro com o uso indevido de informação privilegiada ainda não fornecida ao mercado comete o crime de insider trading, que é um ato ilícito e desleal que pode ocorrer neste mercado, enfraquecendo sua credibilidade e induzindo a um descredito do possível investidor. Além disso, o mercado de capitais apenas alcançara a máxima econômica no que diz respeito aos preços de cada produtos quando houver a distribuição de informação de forma equilibrada, ou seja, todos participantes deste mercado sejam detentores da mesma informação.

A regulação não deve ser entendida como um óbice ao desenvolvimento do mercado, mas sim para reduzir as assimetrias e riscos, com o objetivo de promover mais transparência das negociações, propiciando um ambiente de livre mercado para coibir abuso de poder econômico. (EIZIRIK, 2011, p. 20-21).

Ao contrário do Banco Central, a CVM cria normas (instruções), a título de exemplo, o órgão regular de investimentos para proteger o mercado de captais e seus respectivos investidores, além de inserir ferramentas para a canalização de poupança, fiscaliza as sociedades anônimas e a bolsa de valores. Atualmente, o Brasil possui apenas uma bolsa de valores denominada de B3 (diversas bolsas que se integraram ao longo do tempo). Neste sentido, a CVM disciplina os investimentos em ações, opções, derivativos, commodities (financeiros, recursos energéticos, agrícolas, ambiental (água e créditos de carbono), mineral, químicos). Além de ser responsável pelo registro e regulamentação dos fundos e clubes de investimentos, dos mercados futuros e de balcão organizado, fiscalizando a atuação das corretoras de investimentos, agentes autônomos e intermediários do mercado.

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As empresas estão submetidas a prestar informações para CVM, sob risco de responsabilidade e cancelamento do registro, fato que não exime de possíveis responsabilidade e crimes dos administradores e controladores, assim como ocorre no crime de insider traiding. Este crime é tipificado no artigo 155 da Lei n.º 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas), artigo 13 da Instrução CVM n.º 358/2002 e no artigo 27-D da Lei n.º 6.385/76.

A informação privilegiada geralmente é utilizada por administradores e funcionários que possuem acesso ao planejamento da empresa, dados estratégicos, resultados, processos em segredo de justiça, descoberta de uma nova tecnologia, tratamento ou área de exploração, sucesso ou fracasso em pesquisas em investimento pela companhia, bem como investimentos em ações que podem impactar o mercado em médio e longo prazo.

2.1. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA INSIDER TRADING

A princípio para compreendermos a evolução legislativa do insider trading no mercado de capitais brasileiro, faz necessário um prévio cronograma dos dispositivos jurídicos legais referente à matéria. O primeiro dispositivo a dispor sobre insider a foi a Lei n.º 4.728/1965 no seu artigo 3°, inciso X3 que normatiza o mercado de capitais. Além de tratar sobre competência do Banco Central do Brasil.

Nesse passo, o referido diploma legal é mais antigo que a própria Comissão de Valores Mobiliários (CVM), entidade pública especializada no mercado de capitais brasileiro que teve sua criação pela Lei n. 6.385/76. Embora fosse um passo inicial do Legislador acerca do insider trading, o dispositivo legal havia diversas lacunas, pois não previa como crime ou ilicitude, o ato de utilizar informações privilegiadas em benefício próprio ou de terceiros.

Assim, a proibição de insider trading na normativa ora mencionada, não tem o condão de regra de conduta, por exemplo, em relação à qualificação do uso de informação privilegiada como ato ilícito, vez que apenas definiu a competência do Banco Central, como órgão regulador à época, que era destinado apenas a fiscalização dos agentes (PRADO, 2016, p. 17), a ausência de punição tornava a lei inefetiva.

Contudo, com advento da Lei 6.404/76 popularmente conhecida como Lei das S/A, no seu artigo 155 consagrou a obrigação de lealdade por parte do administrador, além da vedação ao insider trading. 4

A Lei nº 6.404/76 (Lei das S/A) trata de forma mais assertiva a figura do insider trading, o que permite a reparação por eventuais prejuízos sofridos. Porém, somente com a reforma legislativa da Lei 10.303/01, incluindo o § 4º na Lei 6.404/765 que torna mais amplo campo subjetivo do crime, ou seja, vinculando qualquer pessoa que tenha contato com informação de interesse relevante que ainda não foi dada a publicidade para o mercado.

Com base nos parágrafos acima, podemos retirar quais os requisitos necessários para caracterização da prática do insinder trading, porém, a doutrina é divergente quanto ao número de requisitos. De acordo com Modesto de Carvalho são dois requisitos:

A convicção do juiz ou da autoridade administrativa sancionadora CVM sobre a prática de insider trading deve ser haurida de dois elementos: 1) a existência de fato relevante ainda não divulgado ao público (art.157); 2) a compra e venda, pelos insiders, de valores mobiliários emitidos pela companhia no período que medeia entre a posse da informação sigilosa e a sua divulgação junto ao público. (CARVALHOSA, 2014, p. 443).

Por outro lado, Segundo Francisco Müssnich (2015), os parágrafos primeiro e quarto fornecem elementos suficientes para observação de três requisitos necessários para caracterização do crime de insider trading (i) a existência de informação privilegiada não divulgada ao mercado; (ii) o acesso a essa informação privilegiada; e (iii) a intenção de negociar tirando proveito de tal informação.

Vale destacar que o crime de insider traiding consiste na existência de informação privilegiada, a ciência da informação privilegiada e a necessidade do agente ter realizado a informação privilegiada. Isto diferente da figura do front running 6 , ou seja, há um intermediário que se aproveita da sua posição para obter lucros. A título ilustrativo, o intermediário ao identificar uma determinada operação de negociação, se antecipa da ordem do cliente e compras as referidas ações para si próprio ou para outrem.

A Lei da S/A prevê a reponsabilidade civil, como já mencionado no artigo 155, §3°, é dever do praticante de insider trading ressarcir qualquer pessoa afetada pelo ilícito perpetrado. Cabendo ao Ministério Público agir de ofício ou a requisição da Comissão de Valores Mobiliários, ingressar com a Ação Civil pública de responsabilidade por danos causados em face daqueles que atuam investindo no mercado de capais (CARVALHOSA, 2014, p. 443).

Por outro lado, a responsabilidade administrativa se dá perante a Comissão de Valores Mobiliários por meio de processo administrativo, conforme o artigo 9º, incisos V e VI da Lei n.º 6.385/1976. As Instruções n.º 358/2002 e 491/2011 da CVM enquadram o insider trading como infração grave (MÜSSNICH, 2015, p. 20).

Quanto a competência da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), trata-se de uma autárquica em regime especial, vinculada ao Poder Executivo (Ministério da Economia), atuando de forma independente, mediante autonomia financeira, orçamentaria e estabilidade de seus dirigentes (ME, 2021). Ao passo que, é a guardiã do fluxo de informações, responsável pela regulamentação e fiscalização, no sentido de coibir crimes no mercado de capitais.

A reforma legislativa por meio da Lei nº 10.303/2001 incluiu a responsabilidade criminal mediante o uso indevido de informações privilegiadas na Lei 6.385/76, no capítulo que trata sobre os crimes contra o mercado de capitais. No tocante ao artigo 27-D7, o legislador conferiu o tratamento penal e específico à norma, acrescendo de agravante as penas cominadas à conduta; além da restrição à liberdade de 1 (um) a 5 (cinco) anos, bem como multa de até 3 (três) vezes a quantia do dinheiro obtido de forma ilícita, em razão do insider traiding (ALONSO, 2009, p. 133).

2.2. REQUISISTOS PARA CONFIGURAÇÃO DO INSIDER TRADING

Conforme assevera Francisco Müssnich, os requisitos para a configuração do crime de insider trading são: a presença de informação privilegiada, ou seja, que não foi repassada para o mercado; o conhecimento da referida informação, e, ainda, a vontade de negociar com terceiros, servindo-se da informação privilegiada e confidencial para obter lucro ou demais benefícios (MÜSSNICH, 2015, p.24).

Nesse passo, o primeiro requisito aduz que a existência do insider trading somente será admitida, diante de uma informação privilegia. Tendo o conhecimento dessa informação, ao agente cabe duas opções: divulgá-la ao mercado; ou não realizar a negociação com base na mesma. A proibição do uso de informações privilegiadas em negociações guarda fundamento em normas éticas e econômica (EIZIRIK, 2011, p. 370).

O segundo requisito na redação original da Lei das S/A abrange a pessoa dos administradores, terceiros de sua confiança e subordinados. Por outro lado, conforme aponta EIZIRIK: somente o agente capaz utilizar a informação privilegiada em negociação de valores mobiliários, será a figura insider, portanto, de acordo com autor, qualquer pessoa que tenha contato a informação e realização da negociação, comete o ato ilícito (EIZIRIK, 2011, p. 372).

O terceiro e último requisito trata sobre a obtenção de vantagem em negociação para si ou para outrem, neste caso, o crime só se configurar com a constatação da obtenção de ganho. Ocupa-se de um elemento subjetivo do crime e o fundamento para este requisito pode ser observado no § 4º do artigo 155 da Lei das S.A. (Lei nº 6.404/76). (MÜSSNICH, 2015, p. 34).

Assim, para melhor compreensão do tema, apresenta-se o caso que envolveu a negociação entre as empresas Sadia e Perdigão, com base no Processo Administrativo Sancionador nº SP 2007/011774.

2.3. CASO SADIA

O Processo Administrativo Sancionador nº SP 2007/011774 (SADIA/PERDIGÃO) foi instaurado com a finalidade de apurar um suposto uso de informação privilegiada que não foi publicizada junto a negociação de ações de emissão da Perdigão, na bolsa de valores de Nova York, conduta possivelmente vedada pela Lei das S/A, artigo 151, §1º.

O Processo Administrativo Sancionador é derivado de uma investigação realizada por meio de processo administrativo de caráter investigatório. São elaborados em uma das áreas técnicas da CVM, caso tenham sido encontrados indícios de autoria e materialidade, relativa a alguma irregularidade ocorrida no âmbito do mercado de capitais resultando em acusação.

O processo que culminou em acusação (PAS) passa, então, pelo rito processual de intimação, recebimento das defesas e sorteio do relator para julgamento pelo Colegiado da CVM, quando, em caso de condenação, serão aplicadas as penalidades previstas no art. 11. da Lei 6.385/76.

Os acusados, a qualquer momento antes da realização do julgamento, poderão propor a celebração de Termo de Compromisso junto à CVM. (CVM, 2021).

Nos moldes da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o Processo Administrativo Sancionador é resultado de uma investigação mediante o processo administrativo de caráter investigatório junto aos experts da CVM, à vista disso, no caso de qualquer indício de autoria de crime ou materialidade, relativa a alguma ilicitude ocorrida no mercado de capitais que resulta em acusação. Dessarte, o processo que culminou em acusação (PAS) se torna o rito processual de intimação. Nesta fase, a CVM recebe as defesas e há o sorteio do relator que julgara o caso junto ao Colegiado. Assim, se condenados, será aplicado o art. 11. da Lei n. 6.385/76, a pena será fixada com base na culpabilidade dos agentes envolvidos.

Na época, o administrador da empresa Sadia foi acusado pela conduta de insider e posteriormente, foi condenado pela CVM, com a pena de inabilitação temporária pelo prazo de cinco anos do exercício do cargo de conselheiro fiscal ou administrador de companhia com capital aberto por negociar American Depositary Receipts (ADRs8) da Perdigão, com base em fato relevante não divulgado ao mercado. No presente caso, a Comissão de Valores Mobiliário aduziu que possui competência para julgar o caso, com fulcro no § 6º do art. 9º da Lei 6.385/769, devido a negociação de valore mobiliários ter ocorrido na Bolsa Nova York.

Conforme consta na acusação entre os dias 05 a 12 de julho de 2006, antes da Sadia anunciar a oferta pública de aquisição de cinquenta porcento de ações da Perdigão, que foi concretizada apenas na data de 16 de julho de 2006. Segundo a denúncia à época, o administrador da empresa Sadia comprou cerca de 18.000 ADRs, este certificado representa as ações de emissão da Perdigão e, posteriormente, se desfez desta aquisição, na data de 21 de julho de 2006, anterior a revogação da oferta pública pela Sadia, nesta operação o lucro calculado foi de US$ 139,114.50, na cotação dá época cerca de R$ 304.660,75.10

Quanto à condenação na justiça estadunidense, o ex-administrador da Sadia foi obrigado a assinar o termo de compromisso com a SEC, restando proibido de e de violar a determinadas disposições da legislação estadunidense. A decisão judicial condenou a empresa ao pagamento no importe de US$ 142,848.95, o que equivaleu ao valor aparentemente adquirido de forma indevida; além da penalidade civil de 1,25 vezes o valor supostamente ganho de forma ilícita, no importe de US$173,893.13, com a devida inabilitação para o exercício do cargo de administrador de companhia aberta pelo prazo de 5 anos (CORRÊA, 2016, p. 71).

A defesa do acusado sustentou a tese de que não há que se falar em dano em face de pessoas residentes no Brasil, bem como que para pessoas residentes no Brasil e que a negociação não foi conduzida de forma violenta, por este motivo a CVM não teria competência para processar e julgar o caso, em razão de já ter sido condenado pelas autoridades estadunidense, alegando o princípio do bis in idem, que em síntese veda condenação pelo mesmo fato.

No entanto, a CVM no voto do Diretor Eli Loria, confirmou a competência com base no artigo 9º, § 6º, da Lei nº 6.385/76 não deixa qualquer dúvida acerca da competência da CVM para apurar a conduta descrita na acusação e, portanto, está Autarquia tem plena competência para apurar e punir a conduta narrada11. Sobre vedação do bis in idem a CVM entendeu que tal instituto não encontra respaldo no direito administrativo sancionado, sendo por sua vez um ato discricionário do julgador aplicá-lo, ou não, conforme o artigo 2º da Lei nº 9.784/99.

No entanto, a CVM por intermédio do voto do Diretor à época, confirmou a sua competência para apurar a conduta descrita na acusação, com base no artigo 9º, § 6º, da Lei nº 6.385/76. Sobre vedação do bis in idem, a CVM entendeu que o mencionado princípio não encontra respaldo no direito administrativo sancionado, sendo por sua vez um ato discricionário do julgador aplicá-lo, ou não, conforme o artigo 2º da Lei nº 9.784/99.

O Ministério Público Federal solicitou a abertura de Ação Penal em face dos responsáveis pelo crime financeiro. Conforme a análise do processo, o caso SADIA/PERDIGÃO foi a primeira denúncia oferecida pelo parquet para a condenação da alta administração de uma empresa pela prática do insider trading no Brasil. (MARTINS, n.p, 2019).

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