3. DA REPRODUÇÃO SIMULADA DOS FATOS
O instituto da reprodução simulada dos fatos, conhecida pela doutrina e no meio popular como reconstituição se encontra previsto no artigo 7º do Código de Processo Penal. De acordo com o dispositivo em apreço, percebe-se que para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública. Sobre esse tema, grande parte da doutrina cita os crimes contra a dignidade sexual, por exemplo, o estupro, como não possíveis de se realizar a reprodução simulada dos fatos porque contrário à moralidade ou a ordem pública.
Entendendo ser necessária a produção desse meio de prova para a elucidação dos fatos em tese criminosos a Autoridade Policial poderá determinar que se faça, não havendo necessidade de autorização judicial, eis que não se trata de matéria de reserva de jurisdição. Trata-se de importante meio de provas, muito embora o indiciado ou réu não seja obrigado a fazer parte, em face do princípio do nemo tenetur se detegere ou da não autoincriminação, previsto no artigo 8º, 2.g), do Pacto de São José da Costa Rica, combinado com artigo 5º, inciso LXIII, da CF/88, o qual preceitua que o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.
4. DA REPRESENTAÇÃO POR PRISÃO PROVISÓRIA OU OUTRAS MEDIDAS CAUTELARES
A legislação processual penal, incluindo o Código de Processo Penal e outras leis especiais confere à Autoridade Policial o poder-dever de representar por medidas privativas de liberdade, como prisão preventiva ou prisão temporária, além de outras medidas assecuratórias, probatórias e quejando.
4.1. Da prisão temporária
Neste Capítulo pretende-se enumerar algumas dessas medidas cautelares, a começar pela representação para Prisão Temporária, prevista na Lei nº 7.960, de 89. A hipótese de prisão temporária ocorre quando a medida for imprescindível para as investigações do inquérito policial, devendo se relacionar a um dos crimes previstos no artigo 1º, inciso III, da citada lei, observado o critério da contemporaneidade.
O artigo 2º da lei em apreço determina que a prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.
4.2. Da prisão preventiva
Respeitante à prisão preventiva, essa modalidade de prisão processual se encontra disciplinada nos artigos 311 a 316 do CPP. Assim, em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado.
4.3. Da interceptação telefônica
Quanto à medida cautelar e probatória de quebra de sigilo telefônico, relevante mencionar a previsão constitucional, artigo 5º, inciso XII, consoante o qual é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
A Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1998, regulamenta o inciso XII, parte final, do artigo 5º da Constituição Federal. Nesse sentido, o artigo 3º da predita lei determina que a interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento da autoridade policial, na investigação criminal ou do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.
O pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a demonstração de que a sua realização é necessária à apuração de infração penal, com indicação dos meios a serem empregados. Para os procedimentos de interceptação de que trata a Lei de Interceptação, a autoridade policial poderá requisitar serviços e técnicos especializados às concessionárias de serviço público.
4.4. Da captação ambiental de sinais eletromagnéticos
Com o advento da Lei nº 13.964, de 2019, que introduziu no Brasil o Pacote Anticrime, modificou-se a lei de interceptação telefônica para introduzir o art. 8º-A, prevendo que para investigação ou instrução criminal, poderá ser autorizada pelo juiz, a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, quando:
I - a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e igualmente eficazes; e
II - houver elementos probatórios razoáveis de autoria e participação em infrações criminais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos ou em infrações penais conexas.
O requerimento deverá descrever circunstanciadamente o local e a forma de instalação do dispositivo de captação ambiental. A instalação do dispositivo de captação ambiental poderá ser realizada, quando necessária, por meio de operação policial disfarçada ou no período noturno, exceto na casa, nos termos do inciso XI do caput do art. 5º da Constituição Federal.
A captação ambiental não poderá exceder o prazo de 15 (quinze) dias, renovável por decisão judicial por iguais períodos, se comprovada a indispensabilidade do meio de prova e quando presente atividade criminal permanente, habitual ou continuada.
A captação ambiental feita por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público poderá ser utilizada, em matéria de defesa, quando demonstrada a integridade da gravação. Aplicam-se subsidiariamente à captação ambiental as regras previstas na legislação específica para a interceptação telefônica e telemática.
A gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial, durante o inquérito, a instrução processual ou após esta, em virtude de requerimento do Ministério Público ou da parte interessada. O incidente de inutilização será assistido pelo Ministério Público, sendo facultada a presença do acusado ou de seu representante legal.
4.5. Do Mandado de busca e apreensão
Quanto à busca e apreensão em residência é importante mencionar a dicção do artigo 5º, inciso XI, da CF/88, segundo o qual, a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.
O disciplinamento processual se encontra a partir do artigo 240 do CPP. Assim, quando a própria judiciária não a realizar pessoalmente, a busca domiciliar deverá ser precedida da expedição de mandado. O mandado de busca deverá:
I - indicar, o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador; ou, no caso de busca pessoal, o nome da pessoa que terá de sofrê-la ou os sinais que a identifiquem;
II - mencionar o motivo e os fins da diligência;
III - ser subscrito pelo escrivão e assinado pela autoridade que o fizer expedir.
Se houver ordem de prisão, constará do próprio texto do mandado de busca. Não será permitida a apreensão de documento em poder do defensor do acusado, salvo quando constituir elemento do corpo de delito.
4.6. Da Medida Assecuratória de Sequestro
Quanto às medidas assecuratórias, o CPP prevê a partir do artigo 125 as respectivas medidas. Destarte, caberá o sequestro dos bens imóveis, adquiridos pelo indiciado com os proventos da infração, ainda que já tenham sido transferidos a terceiro. Para a decretação do sequestro, bastará a existência de indícios veementes da proveniência ilícita dos bens. O juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou do ofendido, ou mediante representação da autoridade policial, poderá ordenar o sequestro, em qualquer fase do processo ou ainda antes de oferecida a denúncia ou queixa.
5. DA CONCESSÃO DE FIANÇA POR DELEGADO DE POLÍCIA
Sobre o instituto da fiança, é bom iniciar falando que até recentemente o Delegado de Polícia somente poderia arbitrar valor de fiança nos crimes puníveis com pena de detenção. Desta forma, durante muito tempo este instituto ficou esvaziado, até com o advento da reforma processual penal promovida pela Lei nº 12.403, de 2011.
Com a predita reforma, o novo comando normativo determinou profundas transformações no artigo 322 do CPP, agora para permitir ao Delegado de Polícia a concessão da fiança nas infrações penais cuja pena não seja superior a 04 anos. Textualmente, o artigo 322 do CPP aduz que a autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.
Sobre o valor da fiança, o artigo 325, I, define os limites para fixação da fiança, sendo de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a 4 (quatro) anos, sendo este o valor fixado para embasamento da Autoridade Policial. Se assim recomendar a situação econômica do preso, a fiança poderá ser dispensada, na forma do artigo 350 do CPP, reduzida até o máximo de 2/3 (dois terços); ou aumentada em até 1.000 (mil) vezes.
Conforme se tem entendido, a Autoridade Policial poderá reduzir ou aumento o valor da fiança, mas não poderá dispensá-la, eis que o texto da dispensa faz expressamente alusão ao artigo 350 do CPP, e assim, somente ao juiz é possível adotar esse procedimento. Por último deve ressaltar que para determinar o valor da fiança, a autoridade terá em consideração a natureza da infração, as condições pessoais de fortuna e vida pregressa do acusado, as circunstâncias indicativas de sua periculosidade, bem como a importância provável das custas do processo, até final julgamento.
6. DO INCIDENTE DE INSANIDADE PENAL
O Código de Processo Penal, em seu Título VI disciplina as questões e processos incidentes. Matéria de suma importância para a elucidação do fato criminoso, notadamente, o incidente de insanidade penal disciplinado no artigo 149 usque 154 do CPP, guardando fundamental relevância para a decisão judicial.
Assim, quando houver dúvida sobre a integridade mental do acusado, o juiz ordenará, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, do defensor, do curador, do ascendente, descendente, irmão ou cônjuge do acusado, seja este submetido a exame médico-legal. O exame poderá ser ordenado ainda na fase do inquérito, mediante representação da autoridade policial ao juiz competente.
Desta forma, caso o Delegado de Polícia ao interrogar o investigado durante a lavratura do APFD ou no Inquérito Policial, se verifique que há dúvidas sobre a integridade mental do investigado, macroscopicamente, perceptível, poderá representar pela instauração do incidente de insanidade mental para que se submeta o investigado a uma perícia psicopatológica a fim de aferir o grau de discernimento do autor no momento da ação ou missão. Claro que essa medida é importante para nortear a conduta operacional e jurídica do Delegado de Polícia ao término do Inquérito Policial.
7. DA CONCESSÃO DA MEDIDA DE URGÊNCIA NA LEI MARIA DA PENHA
A Lei Maria da Penha conferiu vários poderes e obrigações à Polícia Civil, especialmente ao Delegado de Polícia, a quem confere inúmeros atendimentos, visando salvaguardar os direitos e interesses das mulheres, vítimas de violência doméstica ou familiar. A citada lei define o Capítulo III, artigos 10 usque 12-C, Lei nº 11.340/2006.
Ab initio, o artigo 10 da Lei Maria da Penha determina que na hipótese da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência adotará, de imediato, as providências legais cabíveis.
É direito da mulher em situação de violência doméstica e familiar o atendimento policial e pericial especializado, ininterrupto e prestado por servidores - preferencialmente do sexo feminino - previamente capacitados.
A inquirição de mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de testemunha de violência doméstica, quando se tratar de crime contra a mulher, obedecerá às seguintes diretrizes:
I - salvaguarda da integridade física, psíquica e emocional da depoente, considerada a sua condição peculiar de pessoa em situação de violência doméstica e familiar;
II - garantia de que, em nenhuma hipótese, a mulher em situação de violência doméstica e familiar, familiares e testemunhas terão contato direto com investigados ou suspeitos e pessoas a eles relacionadas;
III - não revitimização da depoente, evitando sucessivas inquirições sobre o mesmo fato nos âmbitos criminal, cível e administrativo, bem como questionamentos sobre a vida privada.
Deve ainda o Delegado de Polícia, quando da inquirição de mulher em situação de violência doméstica e familiar ou de testemunha de delitos de que trata a Lei Maria da penha, adotar-se, preferencialmente, o seguinte procedimento:
I - a inquirição será feita em recinto especialmente projetado para esse fim, o qual conterá os equipamentos próprios e adequados à idade da mulher em situação de violência doméstica e familiar ou testemunha e ao tipo e à gravidade da violência sofrida;
II - quando for o caso, a inquirição será intermediada por profissional especializado em violência doméstica e familiar designado pela autoridade judiciária ou policial;
III - o depoimento será registrado em meio eletrônico ou magnético, devendo a degravação e a mídia integrar o inquérito.
A norma protetiva é imperativa. E assim, confere mais poderes de obrigações à Autoridade Policial. No atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar, a autoridade policial deverá, entre outras providências:
I - garantir proteção policial, quando necessário, comunicando de imediato ao Ministério Público e ao Poder Judiciário;
II - encaminhar a ofendida ao hospital ou posto de saúde e ao Instituto Médico Legal;
III - fornecer transporte para a ofendida e seus dependentes para abrigo ou local seguro, quando houver risco de vida;
IV - se necessário, acompanhar a ofendida para assegurar a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar;
V - informar à ofendida os direitos a ela conferidos na Lei Maria da Penha e os serviços disponíveis, inclusive os de assistência judiciária para o eventual ajuizamento perante o juízo competente da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável.
A Lei Maria da Penha possui importante dispositivo no artigo 12, impondo à Autoridade Policial adoção de procedimentos legais em prol da proteção da mulher, vítima de violência doméstica ou familiar. Nesse compasso, em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:
I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;
II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;
III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;
IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;
V - ouvir o agressor e as testemunhas;
VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;
VI-A - verificar se o agressor possui registro de porte ou posse de arma de fogo e, na hipótese de existência, juntar aos autos essa informação, bem como notificar a ocorrência à instituição responsável pela concessão do registro ou da emissão do porte, nos termos da do Estatuto do Desarmamento.
VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.
Ainda no âmbito do seu poder requisitório conferido pela Lei Maria da penha, artigo 12, § 3º, a autoridade policial poderá requisitar os serviços públicos necessários à defesa da mulher em situação de violência doméstica e familiar e de seus dependentes.
Mas talvez a modificação mais importante nos últimos tempos foi a introduzida pela Lei nº 14.188, de 2021, que conferiu à Autoridade Policial poderes para adotar medidas de urgência. Assim, verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física ou psicológica da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida:
I - pela autoridade judicial;
II - pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou
III - pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia.
Vale frisar que nas hipóteses dos itens II e III em epígrafe, o juiz será comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente. Nos casos de risco à integridade física da ofendida ou à efetividade da medida protetiva de urgência, não será concedida liberdade provisória ao preso.