Confundir a personalidade jurídica com a pessoa física parece ser prática comum entre muitos empresários brasileiros.

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Sócios de empresas devem ficar atentos ao que diz a lei e buscar assessoria jurídica.

CONFUNDIR A PERSONALIDADE JURÍDICA COM A PESSOA FÍSICA PARECE SER PRÁTICA COMUM ENTRE MUITOS EMPRESÁRIOS BRASILEIROS; SÓCIOS DE EMPRESAS DEVEM FICAR ATENTOS AO QUE DIZ A LEI E BUSCAR ASSESSORIA JURÍDICA.

Autor: Adriano Carlos de Souza[1]

Coautor: Fernando César Nogueira[2]

RESUMO

O Brasil é o 2º pais do mundo em matéria de empreendedorismo e domina o sistema latino-americano de startups, que tem mais de 17.000 empresas atualmente registradas. Nesta categoria, se contarmos as pequenas, médias e grandes existentes no país, este número atinge 19,1 milhões de empresas ativas. Os dados constam do Mapa de Empresas, uma plataforma digital do Ministério da Economia que fornece informações sobre o registro empresarial.

Apesar de tantas empresas surgirem a cada dia, sabemos que é um comportamento comum se confundir a personalidade jurídica com a da pessoa física. Apesar de comum, não é legal no âmbito jurídico. E essa “prática comum na visão dos leigos” pode ser fatal para qualquer negócio, pois uma das principais regras jurídicas é justamente a separação patrimonial entre “pessoa física” e “pessoa jurídica”.

Certamente é desafiador para o empreendedor dar conta da gestão do seu negócio. Por isso, essa mistura nem sempre é observada tão a sério pelos sócios de uma empresa. Não é vista como algo nocivo e nem corrigida, justamente pela falta de conhecimento jurídico. O empresário não tem nem ideia do tamanho do problema e a vida toca como se tudo estivesse dentro da normalidade. E é aí que o problema vai ganhando forma!

Este artigo tem como finalidade explicar aos empreendedores os aspectos legais e ilegais desta prática, bem como interpretar as questões de desconsiderações jurídicas, suas hipóteses e se cabe defesa, bem como orientar empreendedores sobre a importância de contar com assessoria jurídica especializada.

Palavras-chave:

Direito Civil. Pessoa Jurídica. Pessoa Física. Direito Empresarial

ABSTRACT

Brazil is the 2nd country in the world in terms of entrepreneurship and dominates the Latin American startup system with more than 17,000 companies currently registered in this category, if we count the number of small, medium and large companies existing in our country, they currently add up up to more than 19.1 million companies active in Brazil. The data can be found on the Business Map, a digital platform of the Ministry of Economy that provides data on the registration of companies in the country. [1]

Although companies in general appear every day, it is known that it is common behavior to confuse legal personality with individual, although common, it is not legal in the legal scope, and this “common practice in the layman's view” can be fatal for any business, one of the main legal rules is precisely the separation of assets between “individuals” and “legal entities”.

The search is challenging for your entrepreneur to manage your business, so this mix is ​​not always taken so seriously by knowledge partners, it is not seen as something harmful due to the lack of legal knowledge, precisely because of the lack of legal knowledge. The businessman has no idea of ​​the size of the problem and life goes on as if everything was normal. And that's where the problem comes in.

This article aims to explain the legal aspects of this practice and how to interpret the issues of legal disregard, whether appeal, defense and what are your hypotheses.

Key-works:

Civil Law. Legal Entity. Individual. Business Law

Introdução

No Direito brasileiro não só as pessoas naturais são Sujeito de Direito, e também têm deveres a cumprir. Também as pessoas jurídicas. Quando duas pessoas se unem para formar uma sociedade, eles criam uma personalidade jurídica própria, uma pessoa jurídica com patrimônios distintos dos sócios em decorrência do princípio da autonomia patrimonial. Desta forma, no caso dessa empresa ou sociedade ter uma dívida e não pagá-la, essa dívida pode ser cobrada judicialmente do patrimônio da pessoa jurídica e não do patrimônio dos sócios.

Essa autonomia patrimonial que existe entre a pessoa jurídica e a pessoa física é importante para estimular a atividade empresarial e comercial. No entanto, ela não pode servir como um passaporte para que se cometa fraudes.

É importante destacar que uma empresa que contrai uma série de dívidas em nome da pessoa jurídica e, com isso, enriquece seus sócios e, ao final, quando os credores forem cobrar a dívida, eles se deparam com uma empresa que não tem patrimônios, é nesta situação que entra a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Assim, vai poder ser afastada a autonomia patrimonial da empresa e serão cobradas diretamente dos sócios as dívidas da pessoa jurídica.

A possibilidade desta desconsideração está prevista em diversos diplomas legais do ordenamento jurídico brasileiro: no Código de Defesa do Consumidor, na lei de crimes ambientais, no Art. 50 do Código Civil. Porém, ocorre que, como são áreas distintas do Direito, cada um destes instrumentos jurídicos prevê requisitos específicos para serem aplicados quanto à desconsideração da personalidade jurídica.

O novo Código do Processo Civil, no Art. 133, existe a possibilidade de abrir um incidente de desconsideração da personalidade jurídica, diferente do antigo código que não previa este instituto.

O que é Personalidade Jurídica

É importante que saibamos que a personalidade jurídica é apresentada como uma espécie de personalidade a partir do Art. 40 do Código Civil. Assim, são especificados os tipos de pessoas jurídicas que podem existir e que são aceitos no ordenamento jurídico brasileiro. São eles:

  • Pessoas jurídicas de Direito Público (temos as pessoas jurídicas de direito interno ou externo);
  • Pessoas Jurídicas do Direito Privado, que são:
  1. Associações;
  2. Fundações;
  3. Organizações religiosas;
  4. Partidos políticos;
  5. Empresas individuais de responsabilidade limitada.

Este artigo tem como objetivo tratar apenas das pessoas jurídicas de Direito Privado, especialmente as empresas individuais de responsabilidade limitada.

A desconsideração da personalidade jurídica

A desconsideração da personalidade jurídica existe no Brasil desde o início da segunda metade do século passado. A doutrina brasileira trouxe uma teoria que dizia o seguinte: se você tem uma pessoa jurídica que está deficitária, sem patrimônio para fazer frente às suas dívidas, mas os sócios têm dinheiro, uma vez que estão utilizando o fluxo de caixa, não é justo que os credores da empresa fiquem sem receber seus pagamentos. Se há uma confusão patrimonial, mistura-se o particular com a administração da empresa.

Essa teoria foi acolhida pela doutrina, passou a ser acolhida pela jurisprudência e, em 1990, o Código de Defesa do Consumidor estabeleceu expressamente, no art. 28, a possibilidade de o consumidor demandar o sócio se a personalidade jurídica do fornecedor for um empecilho ao recebimento da indenização. Mas é importante saber que, para chegar ao patrimônio do sócio, é preciso antes desconsiderar a pessoa jurídica.

Por este motivo, é extremamente importante entender a abrangência da desconsideração da personalidade jurídica e seus impactos. Isto porque existe uma barreira entre os sócios e a personalidade jurídica. Se lermos o Art. 49 do novo Código Civil, e lembrarmos que a pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, ou seja, são pessoas independentes, diferentes, cada qual responde por seu patrocínio, não confundindo uns com os outros.

Porém, a legislação, sabendo de possível fraude, trouxe o incidente de desconsideração da personalidade jurídica que nada mais é do que estender a responsabilidade jurídica aos sócios, aos administradores. Porém, será necessário o artigo de prova, de abuso, de fraude, de desvio de finalidade ou por confusão patrimonial, tal como no Artigo 50 do CC. Não se pode desconsiderar de ofício, mas somente por requerimento da parte ou pelo Ministério Público.

Caso seja estendida a reponsabilidade ao sócio ou administrador, aquele que tenha sido beneficiado, ora, uma sociedade jurídica pode ter 1 ou mais sócios, não pode desconsiderar para todos, apenas para aqueles que abusaram da personalidade. Para entendermos sobre essa questão, é importante analisarmos o que diz o art. 50 do Código Civil brasileiro:

Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

Entendemos que a pessoa jurídica tem existência própria, distinta das pessoas que a compõem com os sócios e administradores, tendo como uma de suas características principais a autonomia patrimonial, subsistindo identidades distintas entre elas, só se autorizando essa incursão através da personalidade jurídica em situações legalmente previstas.  

“O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código”. [1]

É entendimento do Superior Tribunal de Justiça que:

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, medida excepcional prevista no art. 50 do Código Civil de 2002, pressupõe a ocorrência de abusos da sociedade, advindos do desvio de finalidade ou da demonstração de confusão patrimonial. A desconsideração da personalidade jurídica é regra de exceção, aplicável somente a casos extremos, em que a pessoa jurídica é utilizada como instrumento para fins fraudulentos, configurado mediante o desvio da finalidade institucional ou confusão patrimonial. (STJ, 4ª Turma, Rel. Min. Marco Buzzi, AgRg no AREsp 303.501/SP, j. 18-6-2015)

As hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica

A primeira hipótese é o abuso da personalidade jurídica, quando uma empresa pratica o desvio da finalidade, que consiste na utilização dolosa daquela pessoa jurídica com o propósito de lesar credores com atos ilícitos de qualquer natureza. Um desvio de utilização de finalidade jurídica pode ser, por exemplo, vender cursos pirateados, sem a autorização do autor. Nenhuma empresa deve ter a finalidade de comercializar cursos pirateados e, ainda, causar danos ao autor dos cursos.

É importante entender que o ato ilícito pode ser de qualquer natureza, podendo ser contratual e extracontratual. Porém, tem de ser doloso. Uma segunda hipótese é um fornecedor dizer que prestou o serviço a uma empresa, a qual enviou um e-mail dizendo que não vai pagar pelo serviço, simplesmente porque não quer pagar. Isto é um ilícito contratual doloso, podendo ser causa para desconsideração da personalidade jurídica, lesando seus credores. Essa é a primeira hipótese nas relações do Direito Civil.

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A segunda hipótese é o desvio de finalidade com o objetivo de lesar seus credores. Imaginemos que, na pendência de uma obrigação junto a um cliente ou fornecedor, uma empresa precisa fazer o pagamento, mas não o faz. E ainda transfere seus bens para o nome de seus sócios, tornando-se insolvente. Isso constitui-se numa fraude contra os credores.

Outro caso é o abuso da personalidade jurídica pela confusão patrimonial, ou seja, quando fica inviável distinguir o que é patrimônio da empresa e o que é patrimônio do sócio. Um exemplo é o sócio pagar o aluguel pessoal e fazer compras diversas com o dinheiro da empresa. Nesse exemplo, existe uma confusão patrimonial, que ocorre quando há transferência de ativo e passivo sem que se trate de prolabore ou divisão de lucro. Se todo mês tem um crédito na conta do sócio, sem que este crédito seja pró-labore é um ato de confusão patrimonial, podendo se enquadrar numa hipótese de desconsideração de personalidade jurídica.

A desconsideração da personalidade jurídica é tratada pela lei como exceção. Não basta pedir a desconsideração, tem que provar como caso concreto.

É importante ressaltar que a desconsideração da personalidade jurídica não tem como finalidade despersonalizar a pessoa jurídica. A desconsideração da personalidade jurídica só acontece para que haja a tentativa de pagamento de uma dívida específica e, uma vez sendo paga, a personalidade jurídica se restaura no tocante à separação patrimonial.

Desconsideração da responsabilidade jurídica é uma exceção

Antes de entrarmos neste detalhe, é importante saber que a desconsideração da responsabilidade jurídica é uma exceção. Como regra, uma pessoa jurídica tem vida própria, ou seja, uma vida independente da vida de seus sócios. A nossa legislação, sabiamente, criou uma ficção jurídica que é a pessoa jurídica. A pessoa física, considerando que cada um tem sua tese, é considerada uma criação realizada por Deus, enquanto a pessoa jurídica é uma criação de nossa legislação.

Um princípio básico que nunca podemos esquecer é que as pessoas física e jurídica são distintas. Cada qual com seu patrimônio, direitos e deveres. Como regra, o patrimônio do sócio não se mistura e não se confunde com o dos sócios de uma pessoa jurídica. Os bens da empresa são da empresa, e os dos sócios são dos sócios.

Um outro princípio é o da responsabilidade patrimonial, que está previsto no Art. 798 do Código de Processo Civil. A assertiva diz que o devedor responde com os seus bens presentes e futuros o cumprimento de suas obrigações, resguardadas as restrições estabelecidas em lei, ou seja, a pessoa física responde junto ao credor com os bens, sejam eles adquiridos antes de contrair a dívida ou responsabilidade, ou depois. Da mesma forma, a pessoa jurídica é condenada, por exemplo, a pagar uma indenização. Ela responde com seu patrimônio para arcar com essa obrigação, sem confundir com os bens de seus sócios. Este é o princípio de responsabilidade patrimonial.

No entanto, existem algumas exceções na lei. A própria legislação apresenta uma hipótese em que um bem que não está no nome do devedor, ou seja, da pessoa física, pode acabar respondendo pelo pagamento de uma dívida. Isto está estabelecido no Art. 790 do Código de Processo Civil, que afirma que um bem de uma pessoa pode responder pelo pagamento de uma outra pessoa. Essa hipótese está justamente no inciso VII, que versa sobre os casos da desconsideração da responsabilidade jurídica.

As hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica

Muitos acreditam que, na execução de um processo contra uma empresa, não encontrando o patrimônio da empresa, é possível a desconsideração da personalidade jurídica. Porém, isso está absolutamente errado. Existem hipóteses previstas em lei de quando isso pode ser possível. Pedir a desconsideração da personalidade jurídica é considerado uma exceção. É necessário apresentar provas concretas dentro das hipóteses previstas na legislação. É importante frisar que essas hipóteses não estão previstas em apenas uma legislação, mas sim espalhadas pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Se aprofundando em duas hipóteses mais comuns, na primeira temos a desconsideração da personalidade jurídica por meio das relações civis, ou seja, das relações entre as pessoas, conforme o Art.50 do Código Civil, que exige como hipótese para ser deferida a desconsideração da personalidade jurídica. A segunda diz espeito às relações de consumo, conforme o Art.28 do Código de Defesa do Consumidor. Ela traz a possibilidade de o juiz desconsiderar a personalidade jurídica, atingindo os bens dos sócios nas relações de consumo.

Alguns exemplos: quando uma pessoa física compra um imóvel de outra pessoa física por meio de um contrato de compra e venda, trata-se de uma relação regida pelo Direito Civil. Se o indivíduo pessoa física compra um imóvel, que é de uma empresa - não de uma empresa que vende imóveis, como incorporadoras, imobiliárias e construtoras, mas sim uma casa que está em nome da organização -, esta pessoa está tendo uma relação de Direito Civil com uma empresa. Se houver algum problema e tiver que desconsiderar a personalidade jurídica daquela empresa, será preciso olhar as regras do Código Civil Art.50. Porém, se for uma relação de consumo, em que o indivíduo adquiriu um produto com defeito, ele terá que, junto a seu advogado, entrar com uma ação pedindo ressarcimento. Mas se a empresa que vendeu o bem não quiser ressarcir, o advogado pode procurar o patrimônio dessa empresa. Neste caso, caso não se encontre nada no patrimônio jurídico, é possível pedir a desconsideração da personalidade jurídica visando alcançar os bens dos sócios da organização que vendeu o bem com defeito. Assim, o advogado precisa analisar as regras que estão previstas no Código do Consumidor, Art. 25.

Antes de dar entrada no pedido de desconsideração da personalidade jurídica, é necessário entender qual é o tipo de relação que foi estabelecida. Com base nesta análise que o advogado pode estudar as regras específicas em lei quanto ao tipo de relação de seu cliente.

Existem outras hipóteses abertas pela legislação de desconsideração da pessoa jurídica. Por exemplo, a hipótese prevista na lei dos crimes ambientais, em que se pode aplicar a teoria da desconsideração da personalização jurídica quando há dano ao meio ambiente. Pode ser que, para reparar o dano causado, seja necessário atingir o patrimônio dos sócios da pessoa jurídica. Em outras legislações, como trabalhista e tributária, também existe a possibilidade de se requerer a desconsideração da pessoa jurídica.

Como acontece o pedido de desconsideração da personalidade jurídica?

 Para responder a essa pergunta, vamos a um exemplo! O credor tenta receber o pagamento de uma dívida junto à empresa para a qual prestou serviço ou vendeu algum produto. Na dificuldade de receber essa dívida, o credor tenta uma ação judicial pedindo, por exemplo, a penhora de bens da pessoa jurídica devedora. Uma vez que o credor não consegue a penhora, justamente porque a empresa não tem mais bens, ele pode tentar não ser prejudicado, buscando o atingir os bens dos sócios da organização devedora.

À medida em que se percebe que os patrimônios da pessoas jurídica podem ter sido transferidos ao sócio ou que a pessoa jurídica e física estão se confundindo, neste caso, além de mostrar o prejuízo, o credor precisa apresentar provas do abuso da personalidade jurídica. Neste caso vale a teoria menor, na qual basta o prejuízo como comprovação, justamente como diz o código do consumidor no Art. 28, § 5º, que prevê que, havendo prejuízo ao consumidor, é possível desconsiderar a pessoa jurídica.

Já na legislação ambiental existe essa previsão, porém é interessante saber que a regra que vale é a teoria maior – além do prejuízo, deverá ter a prova do abuso.

A primeira legislação a positivar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica foi o Código de Defesa do Consumidor, que, em seu artigo 28, parágrafo 5º, prevê as hipóteses de aplicação de referido instituto:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social.

A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

Em seguida, a desconsideração da personalidade jurídica também passou a ser regulamentada pela Lei 8.884/94, que objetivava a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica. Dentre outras providências, esta referida legislação foi revogada pela Lei 12.529/11 que, em seu artigo 34, assim dispõe:

Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social.

É possível ter defesa sob a desconsideração da personalidade jurídica

Em 2015, o CPC estabeleceu um procedimento formal para a desconsideração da personalidade jurídica, no qual se permite que o sócio que vai ter o seu patrimônio atingido consiga se defender. Não apenas quando vier a penhora, antes de o juiz decretar a desconsideração, ou seja, antes de o juiz decretar a responsabilidade do sócio, o que só pode acontecer se comprovado os fatos previstos em lei. O novo código privilegiou o exercício do direito de defesa por parte da pessoa contra quem está sendo pedida a desconsideração. Ou seja, o advogado da parte em que terá o seu patrimônio atingido pode fazer sua defesa, com fulcro no artigo 135 CPC, em que poderá requerer as provas cabíveis no prazo de 15 dias.

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica

Até aqui sabemos que a pessoa jurídica é diferente da pessoa física de seus sócios. O patrimônio não se confunde geralmente, mas há casos em que a pessoa jurídica é utilizada como instrumento de fraude pela pessoa física. Aí sim pode-se atingir o patrimônio do sócio visando quitar eventuais dívidas da pessoa jurídica.

Existem duas modalidades de desconsideração: a primeira é aquela que ocorre o atingimento do patrimônio dos sócios a partir da desconsideração da pessoa jurídica. E temos a desconsideração inversa, que se dá com o atingimento do patrimônio da sociedade para quitar dívidas da pessoa física. Entretanto, têm que ser respeitados os requisitos que o direito material estabelece, uma vez que, via de regra, pessoa física é uma coisa e pessoa jurídica é outra.

O incidente é o ato de recair sobre os sócios as dívidas da empresa. No entanto, antes da desconsideração da personalidade jurídica, existe um pedido para que o juiz defira ou não a desconsideração da personalidade jurídica e faça recair sobre os sócios a dívida da sociedade. Desta forma, tem pedido, tem a alegação de fatos, tem decisão, tem defesa, tem recurso, existe a possibilidade de vários contornos de ação, do que o contrário. Porém, os posicionamentos no sentido de caracterizar ou não uma ação são muito bem fundamentados.

A ação incidental no curso do processo é cabível, ou seja, é uma ação que vai acontecer dentro de um processo e vai ser decidida por interlocutória, a não ser que o juiz resolva decidir isso no momento da sentença. Vale ressaltar que este pedido pode ser realizado também na petição inicial. Neste caso, será colocado o sócio dentro do polo passível, ou seja, é cabível o incidente de desconsideração em qualquer fase do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença, na execução de título extrajudicial e, claro, no juizado especial civil, em razão do Art. 1062, do CPC.

Código de Processo Civil/2015 - Art. 1062. O incidente de desconsideração de personalidade jurídica aplica-se ao processo de competência dos juizados especiais.

Arma-se, portanto, o contraditório, possibilitando à parte ingressar nos altos e dizer se procede ou não o pedido com provas e o Juiz decide que poderá ser esta interlocutória. Se o Juiz decide o incidente, se é no curso da ação, já se o Juiz deixar para decidir no fim do processo, ai se dará por meio da sentença, para cada ato do juiz tem o recurso cabível, no incidente o agravo de instrumento, na sentença a apelação, e pode ser pleiteado ainda em grau recursal ou em segundo grau de jurisdição, neste caso o relator vai decidir, sendo cabível - agravo de instrumento contra sua decisão.

Para clarificar melhor esta compreensão, podemos fazer a leitura dos dispositivos legais previstos no 133 a 137 do CPC, que nos faz entender que a preocupação do legislador foi o de harmonizar a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica prevista na lei material com o princípio do contraditório (Constituição Federal, art. 5º, LV). Por exemplo, é preciso que seja observado o princípio do contraditório para se aplicar o art. 50 do Código Civil (Lei 10.406/2002); o art. 28, caput e § 5º, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990); o art. 34, da Lei Antitruste (Lei 12.529/2011); o art. 4º da Lei do Meio Ambiente (Lei 9.605/1998); o art. 14, da Lei Anticorrupção (Lei 12.846/2013). Em todas estas hipóteses a lei material confere a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, mas não prevê a forma pela qual, mediante o processo, isto deve ser feito.

Em outras palavras, a preocupação maior do legislador foi compatibilizar a possibilidade de o patrimônio de um sócio ou administrador de uma pessoa jurídica sofrer os efeitos de uma decisão proferida em um processo (do qual ele não fazia parte inicialmente) com as normas fundamentais inseridas, sobretudo, nos arts. 7º, 9º e 10 do CPC, que consagram o princípio do contraditório.

Assim, considerando que o inciso VII do art. 790 do CPC estabelece que são sujeitos à execução os bens “do responsável, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica”, coerentemente, os arts. 133 a 137 da mesma lei conferem a disciplina processual mediante a qual o patrimônio do responsável se sujeitará à execução nas hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica previstas na lei material (art. 133, § 1º, do CPC).

Entretanto, antes de se analisar a disciplina processual dada pelos arts. 133 a 137 a essa nova espécie de intervenção de terceiros, é preciso ter uma noção do que se entende por “desconsideração da personalidade jurídica”. Isso porque, se for hipótese de desconsiderar a personalidade jurídica, o juiz deve obrigatoriamente se utilizar deste incidente (CPC, art. 795, § 4º), sob pena de o sócio ou administrador se valer dos embargos de terceiro para se defender, se a lei for desrespeitada (CPC, art. 674, § 2º, III). Por outro lado, se não for hipótese de desconsideração da personalidade jurídica e sim outro caso diverso em que o sócio também responde por uma obrigação que era originariamente da pessoa jurídica, não se utilizará o incidente.

O Código Civil traz uma diferenciação entre a personalidade. Assim, há a personalidade da pessoa natural ou física (conforme o art. 2º, CC). Mas também há a personalidade jurídica, atribuída, então, às empresas ou sociedades.

Enfim, ambas as pessoas, todavia, possuem início e fim. Enquanto a personalidade da pessoa natural se inicial no nascimento com vida, resguardado os direitos do nascituro, e se encerra com a morte, a personalidade jurídica se inicia com a inscrição dos atos constitutivos da sociedade no registro próprio e na forma da lei.

Contudo, a pessoa jurídica depende dos atos de pessoas naturais. Assim, visando garantir a responsabilização adequada por esses atos, o legislador introduziu-se no ordenamento jurídico o instituto da desconsideração da personalidade jurídica. O Novo CPC, então, trouxe o instrumento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica em seus arts. 133 a 137.

Quem pode fazer o pedido de desconsideração da personalidade Jurídica

O autor ou o exequente, não é uma modalidade que cabe ao réu ou executado por óbvio, podendo em qualquer momento, em qualquer processo, em qualquer procedimento requerer o incidente de desconsideração da personalidade jurídica para que as dividas recaiam sobre os sócios, porém existe a desconsideração inversa, fazendo com que recai sobre a pessoa jurídica as dívidas do sócio, muito utilizado no direito de família, quando o sócio já antevendo que vai se divorciar ele passar os bens do casal para a pessoa jurídica, afim de que quando vier o divórcio, não haverá muito ou nenhum patrimônio para dividir na hora do divórcio.

Isto e uma fraude, e por conta dessa fraude, existe a desconsideração inversa que vai permitir pegar os patrimônios que em verdade é do casal que foi fraudulentamente transferido para a pessoa jurídica e fazendo cair sobre a pessoa jurídica essa responsabilização, é para isso que serve o incidente de desconsideração da personalidade jurídica normal ou inversa.

Desse modo, o pedido de desconsideração pode ser formulado em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença, na execução fundada em título extrajudicial e na petição inicial (CPC, art. 134, caput). Em primeiro grau de jurisdição, a competência para apreciar o pedido será do juiz do processo em que o pedido é formulado e, na fase recursal, ela será inicialmente do relator, cuja decisão monocrática pode ser impugnada por meio de agravo interno (CPC, art. 136, parágrafo único).

Qual o procedimento e as consequências, uma vez requerida a desconsideração da personalidade jurídica?

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica passa a existir mediante petição endereçada ao juiz do processo ou ao relator, solicitando a instauração e demonstrando todos as provas legais específicas para desconsideração da personalidade jurídica, conforme § 4º do art. 134 do CPC.

Além da demonstração do preenchimento dos pressupostos para a desconsideração da personalidade jurídica (CPC, art. 134, § 4º), deve também ser formulado pedido de citação (CPC, art. 135) daqueles que serão atingidos pela decisão que o acolher: sócios, administradores e até mesmo a pessoa jurídica (na hipótese de desconsideração em sentido inverso). Não basta, assim, a mera intimação daqueles que serão atingidos pela decisão que eventualmente acolher o pedido incidente.

Cumpre observar, portanto, que aqueles que são atingidos pela decisão de desconsideração da personalidade jurídica, mediante a instauração do respectivo incidente, deixam de ser terceiros em relação ao processo para se tornarem parte, pois foi formulado pedido de tutela jurisdicional em face deles. 

Devem ser citados para manifestar-se e requerer as provas cabíveis dentro do prazo de 15 dias, consoante ao disposto no art. 135 do CPC. Logo, os meios processuais à disposição daquele que é atingido por uma decisão de desconsideração da personalidade jurídica são os mesmos franqueados às partes do processo, pois aquele que sofre a desconsideração da personalidade jurídica é parte e não terceiro.

Note-se que não estão descartados os embargos de terceiro, pois o CPC, no art. 674, § 2º, III, estabelece que se considera terceiro, para ajuizamento dos embargos, “quem sofre constrição judicial de seus bens por força de desconsideração da personalidade jurídica, de cujo incidente não fez parte”. 

Assim, se não houver a instauração do incidente ou se a pessoa que tiver o seu patrimônio atingido por uma decisão de desconsideração da personalidade jurídica não fizer parte do incidente, ela deve opor os embargos de terceiro previstos nos arts. 674 e seguintes do CPC para desconstituir a constrição. 

Como já asseverado, após instaurado o incidente e suspenso o processo principal (CPC, art. 134, § 3º), tal acontecimento deve ser imediatamente comunicado ao distribuidor para as devidas anotações (CPC, art. 134, § 1º), pois deve ser dada ampla publicidade ao fato de que o processo tem novos integrantes e novas partes. 

Assim, busca-se proteger os terceiros de boa-fé que até então desconheciam o fato de que o integrante da pessoa jurídica (sócio ou administrador) ou a própria pessoa jurídica (no caso da desconsideração em sentido inverso) são partes em um processo judicial em que se busca realizar uma constrição em seu patrimônio e a alienação de seus bens.

Após a citação daqueles que serão atingidos pela desconsideração da personalidade jurídica, eles devem, no prazo de 15 dias, se manifestar no processo, apresentando a defesa e requerendo a produção das provas que entenderem cabíveis. Tal manifestação tem a natureza de contestação ao pedido formulado no incidente. Depois de analisada tal manifestação e de produzidas todas as provas cabíveis, o incidente será resolvido por meio de decisão interlocutória.

Primeiro, vai ser feita uma anotação no distribuidor, de que existe aquele pedido de desconsideração de personalidade jurídica, justamente para que terceiros que façam negócio com esse sujeito passivo do pedido de desconsideração saibam que tem uma pendência judicial contra ele. Além disso, o processo será suspenso, afinal de contas, se tem uma ação do autor contra o réu, que é pessoa jurídica, e se está tentando trazer o sócio dessa pessoa jurídica para ser responsabilizado, é necessário parar a discussão para o processo, uma vez que precisa saber se o sócio será incluído no processo.

O sócio será citado para contestar e o que versará a contestação, a não ocorrência dos fatos ensejadores da desconsideração jurídica, tais como previstos no Art. 28 do Código do Consumidor e Art.50 do Código Civil, desta forma o sócio terá 15 dias úteis para contestar conformo o prazo processual, alegando que tais fatos não aconteceram e por óbvio, quem alega precisa provar, inciso I do Art. 373 do código de processo civil, então o requerente da medida, o autor da ação ou exequente terá de provar a execução dos fatos, haverá apresentação de provas normalmente e o juiz decide se considera ou não a desconsideração da personalidade jurídica, então uma vez reconhecida a desconsideração, decretada, haverá o reconhecimento da responsabilidade deste sócio.

Requerida a desconsideração, para o processo, cita o sócio, o contraditório é respeitado e o juiz decide e se vai haver a execução e a pessoa jurídica não tiver patrimônio, esse sócio terá o seu patrimônio particular apreendido para a expropriação, isto é o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, simplesmente para franquear algo sujeito passivo deste pedido o efetivo do exercício do contraditório e até mesmo do duplo grau de jurisdição.

Conclusão

Gerir uma empresa não é tão simples, mas pode ser glamuroso quando podemos seguir as regras, responsabilidades e deveres previstos em lei. É muito comum que sócios não consigam fazer a separação das contas da pessoa física da pessoa jurídica.

Além disso, vários problemas podem surgir e atrapalhar o crescimento da organização. O ideal é que se defina entre os sócios os rendimentos de cada um e se estabeleça um patamar de pró-labore.

Muitas pessoas físicas, na qualidade de sócias das empresas, usam o cartão de crédito ou débito da organização para fazer compras pessoais, pagar dívidas pessoais, etc. Separar as contas não é difícil, mas pra isso é preciso ter disciplina e criar contas bancárias separadas, definir um processo de pagamento de sócios e classificar corretamente despesas, sem desconsiderar o essencial: o controle de fluxo de caixa. Para isso, pode-se usar métodos e ferramentas digitais, além de recorrer a especialistas, como assessores jurídicos, que têm condições de organizar esses processos internos da organização, de modo a contribuir para o crescimento do negócio.

Todavia, não é difícil aparecer um problema ou outro na empresa. São questões que exigem mais do que um business plan robusto. Quando se tem um assessor jurídico que conhece o processo todo da empresa, fica mais fácil agir nas horas mais difíceis.

Referências

ALVI M, Arruda. Novo contencioso cível no CPC/2015. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

Art. 133; 134; 135; 136 E 137; do Código de Processo Civil/2015

Art. 1º do Código de Processo Civil (CPC)

Art. 28, caput e § 5º, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990)

Art. 40; Art. 42; Art 43 e Art. 44 do Código Civil

Art. 4º da Lei do Meio Ambiente (Lei 9.605/1998)

Art. 798 do Código de Processo Civil

Artigo 50 do Código Civil

Brasil tem 197 milhões de empresas ativas. Disponível em https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2020-12/brasil-tem-197-milhoes-de-empresas-ativas-diz-mapa-de-empresas

Constituição Federal, art. 5º, LV

Inciso VII do art. 790 do CPC

VIEIRA, Christian Garcia. Desconsideração da personalidade jurídica no Novo CPC: natureza, procedimentos e temas polêmicos. Salvador: Juspodivm, 2017.
Mapa de Empresas, disponível em https://www.gov.br/governodigital/pt-br/mapa-de-empresas


[1] Acadêmico de Direito, FAUSP

[2] Advogado, Professor e Orientador de Direito Civil, FAUSP

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Sobre os autores
Adriano Souza

- Acadêmico de Direito - Ciências Jurídicas e Políticas; - Administrador e Empresário do ramo de Mídia Empresarial, Feiras de Negócios e Educação Executiva por meio de Congressos, Fóruns e Conferências para mais de 10 mercados: Saúde, Saúde Animal, Agrobusiness, Logística, Tecnologia e Telecomunicações, Varejo, Química e Petroquímica, Usinagem e Metalurgia e entre outros; - Empreendedor de statups com foco no segmento B2B; - Executivo Negócios com foco na área de Marketing, Growth, BizDev e Etratégia Comercial. - Interessado em assuntos relacionados a Direito Empresarial, Direito Digital, Direito de Startups, Compliance, M&A, Direito Tributário e Finanças, Marketing, Comercial, Investimentos e Desenvolvimento de Negócios.

Fernando César Nogueira

Advogado, Professor e Orientador de Direito Civil, FAUSP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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