A pensão por morte é um benefício previdenciário pago pela Previdência Social aos familiares mais próximos do segurado falecido. Foi criado pensando na sobrevivência dos órfãos e viúvas do trabalhador provedor, uma preocupação social que existe desde os tempos bíblicos (Isaías 1:17).
São três os requisitos para poder receber a pensão por morte, dois para o segurado e um para o dependente. O primeiro requisito é o falecimento de uma pessoa física. A morte pode ser real, existindo um cadáver e comprovada por Certidão de Óbito, ou presumida, sem cadáver e comprovada por sentença judicial (art. 74 da Lei n. 8.213/91).
O segundo requisito é que o falecido esteja filiado como segurado na data do óbito em um dos regimes de previdência. Isso é chamado de qualidade de segurado. Quatro tipos de pessoas têm qualidade de segurado: quem trabalha com carteira assinada ou como servidor público; quem recolhe contribuições para Previdência Social por conta própria em forma de carnês; quem está afastado do trabalho recebendo algum benefício previdenciário; e quem está em período de graça, um tempo breve quando se para de trabalhar ou de contribuir.
O terceiro e último requisito é para que quem vai solicitar a pensão por morte. A pessoa precisa ser um familiar próximo do falecido, chamado de dependente previdenciário, geralmente marido, esposa, companheiro(a), filho, pai, mãe ou irmão(ã) (art. 16 da Lei n. 8.213/91).
Existem vários regimes de previdência social no Brasil que qualquer pessoa pode se filiar (art. 9º da Lei n. 8.213/91). O mais conhecido é o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), cuja gestão cabe ao Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) (art. 201 da Constituição Federal). Nele, estão filiados a maioria dos brasileiros que trabalham na iniciativa privada ou que contribuem por conta própria. Mas há também os Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS) para servidores públicos civis ou militares (art. 40 da Constituição Federal). Existem RPPS municipais, estaduais e federal.
Com essas informações em mente, podemos agora explorar as possibilidades em que alguém pode receber mais de uma pensão por morte. Chama-se de cumulação ou acumulação de benefícios o recebimento de dois ou mais benefícios previdenciários ao mesmo tempo. A regra geral é que a acumulação é proibida apenas se a lei vedar expressamente (art. 124 da Lei 8.213/91). Assim, se nenhuma lei proibir, a cumulação será permitida.
PRIMEIRA CUMULAÇÃO PERMITIDA: o falecido era segurado obrigatório no RGPS, mas também em algum RPPS
A primeira situação de cumulação de pensões por morte ocorre quando a pessoa falecida era segurada obrigatória no Regime Geral (RGPS) ao mesmo tempo em que também era segurada em um dos Regimes Próprios (RPPS). A única proibição para ser segurado nos dois regimes é que a pessoa participante de RPPS não pode se filiar como segurado facultativo no RGPS (art. 11, § 2º, do Decreto 3.048/99).
§ 2º É vedada a filiação ao Regime Geral de Previdência Social, na qualidade de segurado facultativo, de pessoa participante de regime próprio de previdência social, salvo na hipótese de afastamento sem vencimento e desde que não permitida, nesta condição, contribuição ao respectivo regime próprio.
Porém, não existe proibição quando o segurado é obrigatório no RGPS ao mesmo tempo em que está filiado no RPPS. Veja dois exemplos.
Adolfo trabalhava como professor em uma escola particular no período da manhã (RGPS), mas também era professor na rede pública estadual de ensino à tarde, depois que prestou concurso público em Goiás (RPPS estadual). Assim, quando faleceu, por ter dois empregos e recolher contribuições em dois regimes previdenciários diferentes, Adolfo deixou duas pensões por morte para a viúva. Se ele ainda trabalhasse como professor à noite em outro regime diferente (RPPS federal, por exemplo), teria deixado três pensões, como veremos na próxima hipótese de cumulação.
Por outro lado, Betina era servidora concursada, trabalhando durante o horário comercial na Prefeitura de sua cidade (RPPS municipal). Porém, ela também era empresária, tendo aberto uma loja de roupas (RGPS). Assim, quando Betina faleceu, deixou duas pensões por morte para o seu filho.
Viu como é fácil identificar a primeira situação de cumulação de pensões por morte? Basta verificar se a pessoa falecida era segurada em dois regimes diferentes de previdência social.
SEGUNDA CUMULAÇÃO PERMITIDA: o falecido trabalhava em dois cargos públicos acumuláveis em RPPS
Na segunda hipótese, é preciso ter em mente o seguinte: cargos acumuláveis resultam em pensões acumuláveis. Apesar da regra no serviço público ser a de não acumulação de cargos públicos, existem exceções. Alguns cargos, empregos e funções públicos podem ser acumulados pelo mesmo servidor. Assim, a mesma pessoa pode ter vínculos em regimes próprios (RPPS) diferentes. A Constituição Federal traz de forma explícita quando o servidor público pode acumular cargos.
Art. 37. [...] XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI: a) a de dois cargos de professor; b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico; c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;
Como você pode observar, os cargos acumuláveis, além do requisito de horários compatíveis, também estão ligados aos professores ou aos profissionais da saúde. Nestes casos, como o servidor tem direito a receber uma aposentadoria em cada RPPS em que está vinculado, os seus dependentes também terão direito a receberem uma pensão por morte.
Art. 40, da Constituição Federal. [...] § 6º Ressalvadas as aposentadorias decorrentes dos cargos acumuláveis na forma desta Constituição, é vedada a percepção de mais de uma aposentadoria à conta de regime próprio de previdência social, aplicando-se outras vedações, regras e condições para a acumulação de benefícios previdenciários estabelecidas no Regime Geral de Previdência Social.
Vejamos os exemplos, para melhor entendimento.
Fabiana era professora em uma escola pública estadual (RPPS estadual), onde ministrava aulas pela manhã, ao mesmo tempo em que lecionava em uma universidade pública à noite (RPPS federal). Como era solteira e cuidava da sua mãe idosa, quando faleceu, deixou duas pensões por morte para a mãe.
Geraldo dava aulas a noite em uma universidade pública (RPPS federal), mas durante o dia era técnico administrativo no fórum da cidade (RPPS estadual). Assim, quando faleceu, deixou para a viúva e o filho duas pensões por morte.
Helena era enfermeira concursada no Distrito Federal (RPPS federal), ao mesmo tempo em que trabalhava como enfermeira para no município de Formosa (RPPS municipal). Quando faleceu, deixou duas pensões por morte para o viúvo.
Nessa hipótese, o importante é verificar se o servidor público atuava como professor, médico, enfermeiro, dentista etc. tendo passado em dois concursos públicos diferentes. Como os cargos são limitados, é fácil de identificar as possibilidades.
TERCEIRA CUMULAÇÃO PERMITIDA: pensões deixadas por pessoas diferentes
Diferente das hipóteses anteriores, em que só uma pessoa falecia e deixava duas pensões, nesta situação duas pessoas falecem e cada uma deixa uma pensão por morte para o mesmo dependente. Aqui, o importante não é o regime em que o falecido estava filiado, mas se o dependente possuía vínculo familiar com os dois falecidos. Vamos aos exemplos.
Quando Caio tinha 14 anos de idade, o seu pai faleceu em um acidente de trânsito. Como o pai de Caio trabalhava em uma oficina mecânica (RGPS), Caio passou a receber a pensão por morte do pai. Pelas regras do RGPS, ele receberá a pensão até os 21 anos. Porém, Caio também começou a conviver em união estável aos 17 anos. Pouco tempo depois, a companheira de Caio faleceu em um incêndio na indústria em que trabalhava (RGPS). Caio passou a receber a pensão por morte da companheira. Assim, por um tempo, ele cumulou o recebimento tanto da pensão deixada pelo pai quanto da pensão deixada pela companheira.
Débora nasceu com paralisia infantil, sendo considerada pessoa com deficiência. Seu pai era bombeiro (RPPS) e sua mãe doméstica (RGPS). Ambos faleceram em decorrência da covid. Débora cumulou o recebimento das pensões por morte do pai e da mãe.
Veja que o importante é comprovar a dependência previdenciária em relação a cada familiar falecido. Além do mais, esta hipótese também pode acumular com as duas anteriores, gerando até mais de duas pensões para a mesma pessoa.
Porém, aqui a lei traz uma vedação específica. Não se pode cumular pensões por morte do mesmo regime previdenciário quando o falecido for cônjuge ou companheiro(a). Essa vedação do RGPS geralmente é replicada em todos os RPPS. Veja como a proibição aparece no RGPS, no RPPS federal e no RPPS de Goiás.
Art. 24, da Emenda Constitucional 103/19. É vedada a acumulação de mais de uma pensão por morte deixada por cônjuge ou companheiro, no âmbito do mesmo regime de previdência social, ressalvadas as pensões do mesmo instituidor decorrentes do exercício de cargos acumuláveis na forma do art. 37 da Constituição Federal.
Art. 124, da Lei n. 8.213/91. Salvo no caso de direito adquirido, não é permitido o recebimento conjunto dos seguintes benefícios da Previdência Social: [...] VI - mais de uma pensão deixada por cônjuge ou companheiro, ressalvado o direito de opção pela mais vantajosa.
Art. 225, da Lei n. 8.112/90. Ressalvado o direito de opção, é vedada a percepção cumulativa de pensão deixada por mais de um cônjuge ou companheiro ou companheira e de mais de 2 (duas) pensões.
Art. 92, da Lei Complementar n. 161/20. É vedada a acumulação de mais de uma pensão por morte deixada por cônjuge, companheiro(a) ou ex-cônjuge, ex-companheiro(a) ou o cônjuge separado de fato, com direito a recebimento de pensão alimentícia do segurado falecido, no âmbito do RPPS/GO, ressalvadas as pensões do mesmo instituidor decorrentes do exercício de cargos acumuláveis na forma do art. 37 da Constituição Federal.
Contudo, a proibição não se aplica quando cada um dos cônjuges ou companheiros(as) falecidos era segurado em regimes previdenciários diferentes. Como seria isso na prática?
Imagine que Eduardo casou muito novo com sua primeira esposa. Depois de 20 anos casados, ela veio a falecer de câncer. Como ela era aposentada por invalidez (RGPS), ele passou a receber pensão por morte dela. No hospital, enquanto cuidava da esposa, conheceu uma enfermeira que cuidava de sua esposa. Após a viuvez, iniciou um relacionamento amoroso com a enfermeira e depois Eduardo se casou com ela. Porém, a sua segunda esposa, que era concursada (RPPS) também veio a falecer. Assim, Eduardo passou a receber duas pensões por morte por falecimento de cônjuge, pois cada uma veio de um regime diferente. Porém, caso a sua segunda esposa trabalhasse em um hospital particular (RGPS), ele receberia apenas uma das duas pensões, podendo escolher a mais vantajosa.
VALORES DAS PENSÕES: uma integral, outra proporcional
Depois da reforma previdenciária (EC 103/19), quando há cumulação de pensões por morte, haverá também uma redução no valor da segunda pensão. Antes da reforma de 2019 o pagamento das duas pensões era integral. Assim, se o(s) falecimento(s) ocorreu(ram) antes de 13/11/2019, o valor das duas pensões será integral, mesmo que o(s) requerimento(s) tenha(m) sido feito(s) depois, em respeito ao direito adquirido. Veja como ficou a alteração pós-reforma:
Art. 24, da EC 103/19. [...] § 2º Nas hipóteses das acumulações previstas no § 1º, é assegurada a percepção do valor integral do benefício mais vantajoso e de uma parte de cada um dos demais benefícios, apurada cumulativamente de acordo com as seguintes faixas:
I - 60% (sessenta por cento) do valor que exceder 1 (um) salário-mínimo, até o limite de 2 (dois) salários-mínimos;
II - 40% (quarenta por cento) do valor que exceder 2 (dois) salários-mínimos, até o limite de 3 (três) salários-mínimos;
III - 20% (vinte por cento) do valor que exceder 3 (três) salários-mínimos, até o limite de 4 (quatro) salários-mínimos; e
IV - 10% (dez por cento) do valor que exceder 4 (quatro) salários-mínimos.
Resumindo: quando duas pensões acumularem, o recebimento da mais vantajosa será integral enquanto o da outra será proporcional. A proporcionalidade é escalonada, aplicando os percentuais em cada faixa. Vou dar um exemplo para ilustrar a aplicação da lei.
Márcia solicitou duas pensões por morte de familiares que faleceram em 2022. Uma foi calculada no valor de R$ 7.000,00 e a outra no valor de R$ 5.000,00. A primeira ela receberá integral. Mas a segunda será proporcional. Considerando o salário-mínimo de 2022 de R$ 1.212,00, Márcia receberá R$ 2.681,59 da segunda pensão por morte. Veja a tabela a seguir para entender a conta.
Faixas em 2022 |
Percentuais |
Parcela |
Até R$ 1.212,00 |
100% |
R$ 1.212,00 |
De R$ 1.212,01 até R$ 2.424,00 |
60% |
R$ 727,19 |
De R$ 2.424,01 até R$ 3.636,00 |
40% |
R$ 484,80 |
De R$ 3.636,01 até R$ 4.848,00 |
20% |
R$ 242,40 |
Acima de R$ 4.848,01 |
10% |
R$ 15,20 |
Soma |
R$ 2.681,59 |
Espero ter conseguido responder as suas principais dúvidas quanto às três hipóteses de acumulação de pensão por morte. Porém, caso ainda tenha restado alguma dúvida, entre em contato ou procure a ajuda de um advogado previdenciarista.
Leia também: