O feminicídio e a efetividade das medidas protetivas da Lei Maria da Penha

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Resumo:


  • A Lei Maria da Penha e o Feminicídio são temas abordados para analisar a eficácia das leis de proteção à mulher diante da violência diária.

  • A Lei Maria da Penha, de 2006, e a Lei do Feminicídio, de 2015, foram criadas para prevenir e punir a violência doméstica e o assassinato de mulheres.

  • Medidas protetivas como afastamento do agressor, restrição de contato e prestação de alimentos são algumas das ações previstas para proteger as vítimas de violência doméstica.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Resumo: O presente trabalho trata das medidas protetivas da Lei 11.340/2006, conhecida por Lei Maria da Penha e o Feminicídio  previsto na Lei nº 13.104/2015, que alterou o art. 121 do Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940). O objetivo central é demonstrar as eficiências e/ou ineficiências das leis de proteção à mulher, diante de todo contexto social, uma vez que, a violência contra a mulher são violências diárias, que resultam em um problema social. Será contextualizado um apanhado geral relacionando a Lei 11.340/2006 e Lei nº 13.104/2015, trazendo como pontos chaves, a evolução histórica, o impacto das referidas  leis na sociedade, as medidas protetivas de urgência e suas disposições, ao passo em que se faz possível a análise de sua eficácia, utilizando como método  a pesquisa  bibliográfica. 


INTRODUÇÃO

O presente trabalho visa obter uma análise quanto à aplicação e cumprimento das medidas protetivas elencadas na lei Maria da Penha, versos os casos de Feminicídio.

Em 2006, foi sancionada a Lei Maria da Penha, 11.340/06, que recebeu esse nome em homenagem à farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de diversas agressões e duas tentativas de homicídio, praticadas pelo seu ex-marido. A lei tem como objetivo eliminar e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher através de suas medidas protetivas.

E em 2015, foi criada a Lei 13.104/15, a partir de uma recomendação da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) sobre Violência contra a Mulher do Congresso Nacional, que investigou a violência contra as mulheres nos estados brasileiros entre março de 2012 e julho de 2013. Esta lei alterou o Código Penal brasileiro, incluindo como qualificador do crime de homicídio, o Feminicídio e o colocou na lista de crimes hediondos, com penalidades mais altas.

No entanto, após a criação desses dispositivos, os números de casos de violência contra a mulher continuaram crescendo. Levando-nos ao entendimento de que mesmo a vítima gozando-se das medidas protetivas e tipificação penal, a seu favor, esses mecanismos não têm sido suficientes para inibir o agressor de praticar novos atos de violência contra as mulheres.

Diante disso, surgem alguns questionamentos como: quais seriam as medidas protetivas falhas em sua eficiência? Por que os agressores não temem descumprir uma ordem diretamente a eles imposta? As medidas realmente são um obstáculo ao Feminicídio?

As indagações citadas ganharão desenvolvimento no corpo do presente artigo, através de análises doutrinárias e jurisprudenciais. O resultado dessa análise permitirá o entendimento dos mecanismos utilizados e uma reflexão sobre o cumprimento do direito absoluto à integridade física, psíquica e mental, da pessoa humana, especificamente das mulheres.


CAPÍTULO I- COMPREENDENDO A VIOLÊNCIA

I.1 O Brasil, A Mulher e a Violência

Dificilmente encontraremos na história da humanidade um momento em que a mulher não tenha sido subjugada. Entretanto, na idade média, a subjugação tomou uma conotação estrutural, como se pode verificar pelo discurso da medicina, dos teólogos e dos juristas que influenciaram, e influenciam os comportamentos sociais, por ditarem normas e regras com base científicas hipoteticamente neutras e objetivas. O conjunto destes discursos (médico, jurídico e teológico) constroem uma figura intelectual e moral da mulher, com a intenção de evidenciar que a ela é inevitável comportamento como fraqueza.

A violência doméstica e familiar contra a mulher é um fenômeno histórico. Havia a figura patriarcal, em que o pai era o eixo da família e todos os demais eram submissos a ele, o homem crescia com a ideia de que também quando chegasse a fase adulta iria se tornar aquela figura, e sua mulher, consequentemente será submissa. Assim, a mulher era tida como um ser sem expressão, que não podia manifestar a sua vontade, e por isso sempre foi discriminado, humilhada e desprezada.

Por mais que a sociedade lute para não haja desigualdade entre homens e mulheres, como visa a própria Constituição Federal, ainda é cultivada essa ideia da família patriarcal e de desigualdade entre os sexos, assim, como consequência a criança que cresce vendo sua mãe sendo vítima da violência doméstica, e considera a situação natural.

Mesmo após as lutas promovidas pelo movimento feminista, a integração da mulher no mercado de trabalho exercendo funções que antes pertenciam só aos homens, e até mesmo a criação de métodos contraceptivos, grande parte das mulheres têm medo, vergonha, temor de não serem compreendidas, se sentem incapazes, impotentes, e assim não fazem nada para que a violência sofrida por elas não cesse.

I.2 Da Violência de Gênero a Constitucionalidade

Gênero constitui-se como conceito sociológico na década de 60 e, muito recentemente, vem sendo empregado no Direito. Como conceito sociológico, é utilizado como uma categoria analítica que reconhece que as diferenças entre homens e mulheres são construídas socialmente e se fundam em relações de poder. Por intermédio das relações de gênero, papéis sociais diferenciados são atribuídos ao feminino e ao masculino com sobre valoração do sexo masculino.

O equipamento biológico sexual inato não dá conta da explicação do comportamento diferenciado masculino e feminino observado na sociedade. Diferentemente de sexo, o gênero é um produto social, aprendido, representado, institucionalizado e transmitido ao longo das gerações.

Somente nos anos 90, a categoria de gênero passa a ser incorporada aos estudos sobre violência contra a mulher, muito embora esta questão já fizesse parte da agenda política de grupos feministas desde a década de 80.

O Comitê responsável pelo monitoramento da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, em sua Recomendação Geral, sobre violência contra a mulher, refere que a discriminação inclui a violência de gênero – a violência dirigida especificamente contra a mulher por ser mulher ou que a afeta de maneira desproporcional. Essa violência inclui atos que causem ou possam causar danos ou sofrimento físico, sexual, ou psicológico às mulheres, incluindo ameaças, coerção e outras formas de liberdade.

A violência de gênero se distingue da violência doméstica por seu caráter amplo e por ser dirigida às mulheres pelo simples fato de serem mulheres. Daí algumas autoras afirmarem que a violência de gênero e violência doméstica são coisas distintas, já que a primeira apontaria a mulher como objeto da violência, e a segunda, a família.

Importa ressaltar que a igualdade existente no texto constitucional é uma que exige esse reconhecimento da perspectiva de gênero. As Nações Unidas e o histórico cultural apontam que existem desigualdades, a ponto de a cada 4 minutos uma mulher ser vítima de violência, a igualdade não pode ser somente formal, deve, também, ser substancial, e daí existência de normas específicas.

A existência de uma aparente “maior proteção” em favor do gênero feminino tem por finalidade ultrapassar a barreira da igualdade meramente formal para buscar uma igualdade material da mulher face ao homem, equiparando-as à posição destes e compensando eventuais desigualdades historicamente arraigadas em nossa cultura.

A Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher prevê a possibilidade de adoção pelos Estados de medidas afirmativas com o intuito de trazer maior celeridade na obtenção da igualdade entre homens e mulheres. O artigo 5º, inciso I, dispõe que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”, já o artigo 226, parágrafo 8º, vai dizer que “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. As duas coisas complementadas dão a obrigação do Estado de ter uma norma nesse sentido.

I.3. Os Tipos de Violência

A Lei n. 11.340/2006, conhecida como Maria da Penha, objeto do nosso estudo, define violência doméstica no seu artigo 5º, in verbis:

Art. 5° Para os efeitos desta Lei configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - No âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II - No âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.

É obrigatório que a ação ou omissão ocorra na unidade doméstica ou familiar, ou em razão de qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. De modo expresso, está ressalvado que não há necessidade de que vítima e agressor vivam sob o mesmo teto para a configuração de violência como doméstica ou familiar. Basta que agressor e agredida mantenham, ou já tenham mantido, um vínculo de natureza familiar.8

Entendo que o que caracteriza, de fato, a “violência na família” não é exatamente o fato de ela ocorrer no espaço privado da casa ou na intimidade do lar, mas, principalmente, por envolver pessoas que gozam de intimidade pelos laços sanguíneos e partilham da convivência no espaço familiar. A inversão de valores e a destituição dos papéis no universo da família têm produzido episódios de violência tão atrozes e cruéis, que muitas vezes surpreendem nossa capacidade de “imaginação sociológica”.

É sábia em dizer que quando fala de vítimas, não está retirando a condição de “sujeito” das pessoas que se encontram com seus direitos violados. Mas, sim, ressalta a sua condição de pessoa titular e sujeito de direitos que, ao ser vítima de violência, sofre violação dos seus direitos fundamentais. As vítimas trazem consigo danos físicos, psíquicos e sociais. A violência contra as mulheres torna-se ainda mais complexa e contraditória quando os agressores são homens com os quais as mulheres se relacionam afetiva e sexualmente. Os autores, nesses casos, conhecem bem as vítimas e seus pontos mais vulneráveis. Dominam a situação e sabem como e onde ameaçá-las, como espancá-las, humilhá-las e cometer outras práticas de agressão e lesão.

A lei Maria da Penha, no seu artigo 7º, divide a violência doméstica em cinco formas, quais sejam: violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. É sob a ótica desse artigo que analisaremos cada uma dessas formas.

I.3.1. Violência Física

Artigo 7º, inciso I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

Ainda que a agressão não deixe marcas aparentes, o uso da força física que ofenda o corpo ou a saúde da mulher constitui vis corporalis, expressão que define a violência física. A violência física pode deixar sinais ou sintomas que facilitam a sua identificação: hematomas, arranhões, queimaduras e fratura. O estresse crônico gerado em razão da violência também pode desencadear sintomas físicos, como dores de cabeça, fadiga crônica, dores nas costas e até distúrbios no sono.

O Código Penal Brasileiro protege juridicamente a integridade física e a saúde corporal, no seu artigo 129, caput, classificando esse ato como lesão corporal. A violência doméstica já configurava forma qualificada de lesões corporais, tendo sido inserida no Código Penal, em 2004, pela Lei 10.886/2004, com o acréscimo do parágrafo 9º ao art.129 do CP: se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade.

A Lei Maria da Penha, portanto, limitou-se a alterar a pena desse delito, diminui a pena mínima e aumentou a pena máxima: de seis meses a um ano, a pena passou para três meses a três anos.

I.3.2 Violência Psicológica

Artigo 7°, inciso II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause danos emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

A violência psicológica consiste na agressão emocional (tão ou mais grave que a física). O comportamento típico se dá quando o agente ameaça, rejeita, humilha ou discrimina a vítima, demonstrando prazer quando vê o outro se sentir amedrontado, inferiorizado e diminuído, configurando a vis compulsiva. A ocorrência de desigualdade de poder entre os sexos fortalece os alicerces desse tipo de violência. É a mais frequente e a menos denunciada. A vítima, muitas vezes, nem se dá conta de que agressões verbais, silêncios prolongados, tensões, manipulações de atos e desejos são violências e devem ser denunciados. Para a configuração do dano psicológico não é necessária a elaboração de laudo técnico ou realização de perícia. Reconhecida pelo juiz sua ocorrência, é cabível a concessão de medida protetiva de urgência.

É importante destacar que a violência psicológica não afeta somente a vítima de forma direta. Ela atinge a todos que presenciam ou convivem com a situação de violência. Por exemplo, os filhos que testemunham a violência psicológica entre os pais podem passar a reproduzi-la por identificação ou mimetismo, passando a agir de forma semelhante com a irmã, colegas de escola e, futuramente, com a namorada e esposa/companheira.

I.3.3. Violência Sexual

Artigo 7°, inciso III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

A violência sexual abrange uma variação de atos ou tentativas de relação sexual, seja fisicamente forçada, ou coagida, que se dá tanto no casamento bem como em outros tipos de relacionamentos. O fato de os autores serem geralmente cônjuges é fator que contribui para que esse tipo de violência permaneça invisível.

Os atos de violência sexual podem ocorrer em diferentes circunstâncias e cenários. Por exemplo, estupro na constância do casamento ou namoro; negação da mulher quanto ao direito de fazer uso de anticoncepcionais ou de diferentes medidas que a proteja de doenças sexualmente transmissíveis; ser forçada a cometer aborto; e atos de violência contra a integridade sexual da mulher como a mutilação da genital feminina e exames que a obriguem provarem sua virgindade.

Tais agressões provocam nas vítimas, não raras vezes, culpa vergonha e medo, o que as faz decidir, quase sempre, por ocultar o evento.

A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica também reconheceu a violência sexual como violência contra a mulher. Ainda assim, houve certa resistência da doutrina e da jurisprudência em admitir a possibilidade da ocorrência de violência sexual nos vínculos familiares. A tendência sempre foi identificar o exercício da sexualidade como um dos deveres do casamento, a legitimar a insistência do homem, como se estivesse ele a exercer um direito. Aliás, a horrível expressão “débito conjugal” parece chancelar tal proceder, como se a mulher tivesse o dever de submeter-se ao desejo sexual do par.

I.3.4 Violência Patrimonial

Artigo 7°, inciso IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;

É o ato de “subtrair” objetos da mulher, o que nada mais é do que furtar. Assim, se subtrair para si coisa alheia móvel, configura o delito de furto. Quando a vítima é mulher com quem o agente mantém relação de ordem afetiva, não se pode mais admitir a escusa absolutória. O mesmo se diga com relação à apropriação indébita e ao delito de dano. É violência patrimonial “apropriar” e “destruir”, os mesmos verbos utilizados pela lei penal para configurar tais crimes. Perpetrados contra a mulher, dentro de um contexto de ordem familiar, o crime não desaparece e nem fica sujeito à representação.

I.3.5 Violência Moral

Artigo 7º, inciso V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

A violência moral encontra proteção penal nos delitos contra a honra: calúnia, difamação e injúria. São denominados delitos que protegem a honra, mas, cometidos em decorrência de vínculo de natureza familiar ou afetiva, configuram violência moral. Na calúnia, o fato atribuído pelo ofensor à vítima é definido como crime. Na injúria não há atribuição de fato determinado, mas na difamação há atribuição de fato ofensiva à reputação da vítima. A calúnia e a difamação atingem a honra objetiva; a injúria atinge a honra subjetiva. A calúnia e a difamação consumam-se quando terceiros tomam conhecimento da imputação; a injúria consuma-se quando o próprio ofendido toma conhecimento da imputação. Sabe-se que a violência não se define somente no plano físico; apenas a sua visibilidade pode ser maior nesse plano. Essa observação se justifica quando se constata que violências como ironia, a omissão e indiferença não recebem, no meio social, os mesmos limites, restrições ou punições que os atos físicos de violência. Entretanto, essas “armas” de repercussão psicológica e emocional são de efeito tão ou mais profundo que o das armas que atingem e ferem o corpo, porque as “armas brancas” da ironia ferem um valor precioso do ser humano: a autoestima.


CAPÍTULO II - A LEI MARIA DA PENHA E AS MEDIDAS PROTETIVAS

II.1. A Lei Maria da Penha

Em 1983, Maria da Penha Maia Fernandes, farmacêutica brasileira, sofreu severas agressões do seu marido, o colombiano Marco Antônio Heredia Viveiros, professor universitário.

Apesar das inúmeras e severas agressões, destacam-se a dupla tentativa de feminicídio, na primeira ocasião Maria foi atingida por um tiro de espingarda e ficou paraplégica, foi necessário a hospitalização por quatro meses e inúmeras cirurgias. Após quatro meses hospitalizados, quando voltou para casa Heredia tentou eletrocutá-la, durante seu banho.

Após as tentativas contra Maria e também as agressões contra as filhas, Maria pôde sair de casa, graças a uma ordem judicial, ela pôde sair de casa e começou uma incessante batalha judicial para condenar o agressor.

Em junho de 1983 as investigações pela primeira tentativa de homicídio foram iniciadas, porém a denúncia só foi oferecida em setembro do ano seguinte perante a 1ª Vara Criminal de Fortaleza. Em 1991 e 1996, o caso foi julgado, a defesa alegou irregularidades no procedimento do júri, o processo continuou em aberto por mais alguns anos e Heredia permaneceu em liberdade. Durante a tramitação do processo, Maria escreveu um livro, no qual conta tudo que ela e as filhas passaram.

A repercussão do caso de violência doméstica sofrida por Maria da Penha foi além do âmbito nacional, inconformada com a omissão da Justiça Brasileira, por não ter aplicado medidas de investigações e nem mesmo punição ao agressor dentro de um prazo razoável de duração do processo, Maria da Penha juntamente com o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e o comitê Latino-Americano de Defesa dos direitos da Mulher (CLADEM), formalizou uma denúncia contra o Brasil à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA).

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos tem como principal tarefa analisar as petições apresentadas, denunciando violações aos direitos humanos. Possuem legitimidade para formular tais petições qualquer indivíduo, grupo ou ONG legalmente conhecida por pelo menos um Estado-membro do OEA, a vítima da violação também tem legitimidade para peticionar.

O governo brasileiro apresentou-se omisso perante as indagações formuladas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Em 19 de outubro de 1998, a Comissão solicitou informações ao Estado, não obtendo qualquer resposta. Em 04 e agosto de 1999, reiterou o pedido anterior, novamente sem sucesso. Tornou a fazê-lo em 07 de agosto de 2000 e também desta vez não obteve qualquer esclarecimento.

Desta maneira como se passaram mais de 250 dias desde a transmissão da petição ao Brasil e este não havia apresentado observações sobre o caso, os fatos relatados na denúncia seriam presumidos verdadeiros. O governo brasileiro teria nova chance, para dentro de um mês se manifestar, porém nenhuma resposta foi obtida.

Em virtude disto, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos publicou um relatório em 16 de abril de 2001, nesse relatório nº 54/2001 é realizada uma profunda análise do fato gerador da denúncia, e também as falhas cometidas pelo governo brasileiro, já que é parte da Convenção Americana e Convenção de Belém do Pará e assim assumiu perante a comunidade internacional o compromisso de implantar e cumprir os dispositivos constantes desses tratados. Deste modo, concluiu a Comissão Que a ineficácia judicial, a impunidade e a impossibilidade de a vítima obter uma reparação mostram a falta de cumprimento do compromisso do governo brasileiro de reagir adequadamente à violência doméstica do crime até a elaboração do relatório nº54/2001, a impunidade verificada por conta, principalmente da lentidão da justiça e da inutilização desenfreada de recursos, revela que o Estado brasileiro, de fato, não aplicou internamente as normas constantes das convenções por ele ratificadas.

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Assim, foi imposto ao governo brasileiro o pagamento de indenização no valor de 20 mil dólares em favor de Maria da Penha, e foi responsabilizado por negligência e omissão em relação à violência doméstica, recomendando a adoção de várias medidas, entre elas a simplificação dos procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo do processo.

Com a pressão que o governo brasileiro sofreu perante órgãos internacionais passou a cumprir os tratados e convenções dos quais faz parte. O projeto inicial da lei Maria da Penha começou em 2002, e foi elaborado com a participação de 15 ONGs que trabalhavam com a violência doméstica. O Grupo de Trabalho Interministerial que elaborou o projeto foi criado pelo Decreto 5.030/2004, e tinha a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres como coordenadora. A Deputada Jandira Feghali, relatora do projeto da Lei contra a violência doméstica realizou audiências públicas em vários Estados, foram feitas alterações e o Senado Federal substituiu o projeto original (PLC 37/2006), após a Lei nº 11.340 foi sancionada pelo Presidente da República em 07 de agosto de 2006, e está em vigor desde 22 de setembro de 2006.

O caso de Maria da Penha não foi uma exceção. Na verdade, ele apenas deixou clarividente para o Brasil e para o mundo um problema grave da justiça brasileira: a sistemática conivência com crimes de violência doméstica e a falta de instrumentos legais que possibilitam a rápida apuração e punição desses crimes, bem como a proteção imediata das vítimas.

Antes da Lei Maria da Penha, os casos de violência doméstica eram julgados em juizados especiais criminais, responsáveis pelo julgamento de crimes considerados de menor potencial ofensivo. Isso levava ao massivo arquivamento de processos de violência doméstica. Assim, na falta de instrumentos efetivos para denúncia e apuração de crimes de violência doméstica, muitas mulheres tinham medo de denunciar seus agressores.

II.2 Avanços da Lei Maria da Penha

Esta Lei trouxe avanço nos procedimentos de acesso à Justiça, deu transparência ao fenômeno da violência doméstica e provocou acalorados debates sobre o tema perante a sociedade e no meio jurídico. Vejamos:

2017

Lei nº 13.505/2017

  • Foi adicionado dispositivo na Lei de Violência Doméstica.

  • Foi determinado, que o trabalho prestado de atendimento à mulher vítima de violência doméstica deve ser prestado, preferencialmente, por servidoras do sexo feminino previamente capacitado.

  • Garantias quanto à priorização da saúde psicológica e emocional da mulher; protegê-la do contato com os agressores; e evitar a revitimização, ou seja, questionamentos sucessivos sobre o mesmo fato em diferentes fases do processo.

  • Novas diretrizes quanto ao local do atendimento e registro dos depoimentos.

2018

Lei nº 13.772/2018 e Lei nº 13.641/2018

  • Alteração do art. 7.º, inciso II, da Lei, onde se lia “violência psicológica “passou a ser “violação da intimidade”;

  • Passou a prever como crime a conduta do agente que descumprir medida protetiva imposta.

2019

Lei nº 13.894/2019; 13.871/2019; 13.882/2019; Lei nº 13.880/2019; Lei nº 13.836/2019; Lei nº 13.827/2019.

  • Inseriu um novo inciso ao art. 9º §2º, trazendo ao juiz, nas situações que envolvem violência doméstica e familiar contra mulher, quando for o caso, a incumbência de encaminhar à assistência judiciária, inclusive para eventual ajuizamento da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável perante o juízo competente.

  • Acrescentou uma nova redação ao art. 11, inciso V, e insere o art. 14-A e seus parágrafos e traz a atribuição de o Delegado de Polícia informar à ofendida os direitos a ela conferidos e os serviços a ela disponíveis, inclusive os de assistência judiciária para o eventual ajuizamento perante o juízo competente da ação de separação judicial, de divórcio, de anulação de casamento ou de dissolução de união estável.

  • Trouxe um acréscimo na redação do art. 18, inciso II, de modo que o juiz diante do recebimento de medida protetiva de urgência requerida pela vítima, deverá decidir em 48 (quarenta e oito) horas.

  • Criou a obrigação de ressarcimento ao Estado pelos gastos relativos ao atendimento da vítima através do Sistema Único de Saúde (SUS), para aquele que por ação ou omissão, causar lesão, violência física, sexual ou psicológica e dano moral ou patrimonial à mulher.

  • Criou ainda outra sanção ao agressor, qual seja, de ressarcir os gastos estatais a utilização dos dispositivos de segurança destinados ao uso em caso de perigo iminente e disponibilizados para o monitoramento das vítimas de violência doméstica ou familiar amparadas por medidas protetivas.

  • Trouxe para as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar a prioridade para matricular seus dependentes em instituição de educação básica mais próxima de seu domicílio, ou transferi-los para instituições mais próximas.

  • Ocorreu modificação no artigo 23, que trata das medidas protetivas de urgência à ofendida, determinado que o possa o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas.

  • Instituiu a apreensão de arma de fogo sob posse de agressor em casos de violência doméstica, evitando que o agressor a utilize para qualquer finalidade e que a arma possa ser periciada e utilizada como prova no processo.

  • Suspende a posse, proibindo, temporariamente, que o agressor tenha a arma no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que este seja responsável legal da empresa.

  • Torna obrigatória a inclusão de informação nos boletins de ocorrência, quando a mulher vítima de agressão ou violência doméstica for pessoa com deficiência.

  • Permitiu que as medidas protetivas, no âmbito da Lei Maria da Penha, sejam aplicadas por Delegado de Polícia ou por policiais, com chancela a posteriori do Poder Judiciário.

2020

Lei nº 13.9848/2020

  • Estabeleceu como medidas protetivas de urgência a frequência do agressor ao centro de educação e de reabilitação e acompanhamento psicossocial.

II.3 Das Medidas Protetivas

II.3.1. Conceito

Podemos compreender por medidas protetivas, as medidas que visam garantir que a mulher possa agir livremente ao optar por buscar a proteção estatal e, em especial, a jurisdicional, contra o seu suposto agressor. E para que haja a concessão dessas medidas, é necessária a constatação da prática de conduta que caracterize violência contra a mulher, desenvolvida no âmbito das relações domésticas ou familiares dos envolvidos.

II.3.2. Das Medidas Protetivas de Urgência que obrigam o Agressor

As medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor estão elencadas no artigo 22 da Lei nº 11.340/2006 – Maria da Penha:

Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I - Suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - Prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

§ 1º As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.

§ 2º Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6º da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.

§ 3º Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.

§ 4º Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5º e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil).

Desse modo, verifica-se que são as medidas protetivas voltadas a quem pratica a violência doméstica, ficando sujeitas as obrigações e restrições.

II.3.2.1 Suspensão da Posse ou Restrição ao Porte de Armas

O legislador demonstra preocupação em desarmar quem faz uso de arma de fogo para a prática da violência doméstica, sendo admitido que o Juiz suspenda a posse ou restrinja o porte de arma. Usar ou possuir arma é proibido, conforme consta no Estatuto do Desarmamento, e para ter a posse é necessário registro na Polícia Federal.

Caso o agressor possua posse devidamente registrada na Polícia Federal, o desarmamento só pode ocorrer caso haja pedido de medida protetiva feita pela vítima, porém caso o uso ou a posse não sejam legais e haja violação dos dispositivos legais, é a autoridade policial a responsável pelas providências a serem tomadas.

Como descreve a desembargadora Maria Berenice Dias:

“Sendo legal a posse e o uso da arma de fogo pelo agressor, denunciando a vítima à autoridade policial a violência e justificando a necessidade de desarmá-lo, por temer pela própria vida, será instalado expediente a ser remetido ao juízo. Deferido o pedido e excluído o direito de o ofensor manter a posse da arma, ou sendo limitado o seu uso, deve-se comunicar a quem procedeu ao registro e concedeu a licença: o Sistema Nacional de Armas (SINARM) e a Polícia Federal. Caso o agressor tenha direito ao uso de arma de fogo, segundo o rol legal, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição que o impôs. O superior imediato do agressor fica responsável pelo cumprimento da determinação judicial sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou desobediência. A restrição é válida para evitar tragédia maior. Se o marido agride a esposa, de modo a causar lesão corporal, se possuir arma de fogo, é possível que, no futuro, progrida para o homicídio.”

II.3.2.2 Afastamento do lar, Domicílio ou Local de Convivência Com a Ofendida.

Já a medida protetiva encontrada no inciso II do mesmo artigo expressa que o agressor pode ser afastado do lugar onde mantém a convivência com a ofendida, não importando que seja uma casa, um apartamento, um sítio, um quarto de hotel, uma barraca, etc., caso haja prática ou risco concreto de algum crime que possa vir a acontecer, e não pode ser usado esse dispositivo apenas por capricho da ofendida.

Caso haja histórico de violência, uma das medidas mais eficazes para cessar a violência doméstica é exatamente essa. Caso o sujeito passivo não acate esta medida, vigorará o art. 359 do Código Penal, ou seja:

“Desobediência à decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito Art. 359 - Exercer função, atividade, direito, autoridade ou múnus, de que foi suspenso ou privado por decisão judicial: Pena - detenção, de três meses a dois anos, ou multa.”

E em casos em que o vínculo familiar já foi cessado, a medida será a do artigo 150 do Código Penal, ou seja, invasão de domicílio.

No mesmo sentido, Pedro Rui da Fontoura Porto esclarece:

“Tratando-se de crime de menor potencial ofensivo, conforme determina o art. 69, parágrafo único, primeira parte, da Lei 9.099/95, não se imporá prisão em flagrante, ao autor do fato que assumir o compromisso de comparecer em juízo. Todavia, tal regramento não pode ser aplicado quando a desobediência recair sobre uma medida de proteção à mulher, vítima da violência doméstica ou familiar contra a mulher. Frise-se que esta desobediência a uma imposição judicial de medida protetiva, sempre, de um modo ou outro, caracterizará uma das formas de violência contra a mulher de que trata o art. 7º da Lei Maria da Penha.”

Assim, cabe a prisão em flagrante do agressor que tenha violado a lei e tenha cometido uma desobediência de ordem judicial, sempre que a ação ou omissão se depare com um dos elementos contidos nas medidas protetivas contidas na Lei nº 11.340/06.

II.3.2.3 Vedação de Condutas

Através das Medidas Protetivas de Urgência da Lei, é possível que haja proibição do sujeito ativo, para a prática de certas condutas, levando em consideração que essa medida possa prevenir crimes e consequentemente proteger as reais vítimas da violência. Porém, como menciona o mesmo autor:

“Há dificuldades estruturais do Estado em implementá-las. E, nesse ponto, é bom ter presente que impor medidas que não poderão ser fiscalizadas ou implementadas com um mínimo de eficácia é sempre um contributo para o desprestígio da Justiça. De nada adianta o juiz justificar-se intimamente com escusas do tipo: ‘isso é problema da polícia, do poder executivo, etc.’, pois, na visão social, todos os órgãos – polícia, Poder Judiciário, advogados, Ministério Público – estão entre as imbricados e compreendem o grande sistema de justiça, de modo que as falhas em quaisquer dessas engrenagens depõem contra o todo sistêmico.”

Apesar de essas medidas protetivas serem de difícil fiscalização, elas devem e podem ser deferidas, porém a imposição das mesmas deve ser bem refletida, afirma Pedro Rui da Fontoura Porto:

“Por exemplo, a fixação de distância entre agressor e agredida é uma dessas medidas de escassa praticidade e difícil fiscalização. Já se viu pedidos em que, a deferir-se a distância de afastamento pleiteada pela ofendida, o suposto agressor teria que se mudar para o meio rural, pois o perímetro urbano da pequena cidade onde ambos moravam, não lhe permitiria continuar habitando a sede do município. Esta medida parece, todavia, ter sentido naquelas hipóteses em que o agressor, obstinado em acercar-se da vítima, segue-a teimosamente por todos os lugares, especialmente, para o trabalho, causando apreensão e risco. Mas nesse caso em que o agressor insiste em aproximar-se ou mesmo adentrar o local de trabalho da vítima, é possível aplicar-lhe a proibição de frequência nesse local, conforme letra ‘c’.”

Quando há prática de ameaças, ofensas e perturbação do sossego é cabível que haja entre agressor e vítima, incluindo seus familiares e testemunhas, proibição de comunicação, seja por qualquer meio, porém com o avanço da tecnologia, e com o grande número de aparelhos telefônicos, a vida social tornou-se por um lado mais prática e por outro mais conturbada, pois é notável a existência e o aumento da criminalidade via telefone, pois há possibilidades de golpes, extorsões, determinações dadas de dentro dos presídios, e até mesmo ameaças, crimes contra a honra e perturbação do sossego, essas muito comuns no âmbito de violência doméstica.

E assim consequentemente surge mais um obstáculo para a aplicação da lei: como se obter a prova das conversas telefônicas, Pedro Rui da Fontoura Porto determina que:

“Com efeito, na maioria das vezes a ocorrência ou não de crimes, bem como se foi extrapolado o limite entre uma acalorada discussão recíproca e a prática de ameaça ou ofensas refletidas e sérias é um tema de árdua elucidação. Em primeiro lugar, em razão de a maioria desses delitos – ameaçam, crimes contra a honra, perturbação do sossego – ser aplicada penas de detenção ou prisão simples, já não se admite a interceptação das comunicações telefônicas ou telemáticas (art. 2º, III, da Lei 9.296/96). Tem-se, contudo, que possam ser requisitados os dados cadastrais dos titulares de telefones utilizados para a prática de tais infrações, quando a vítima, através de recurso disponível em seu aparelho receptor, tiver identificado a origem das chamadas. Assim, será possível conhecer o autor da ligação, embora não se tenha acesso ao seu conteúdo. Porém, quanto a este, é possível que a vítima grave a conversa por conta própria, utilizando a gravação como prova do delito contra si praticado – ameaça, constrangimento ilegal, ofensas – pois tal proceder não constitui interceptação telefônica de uma conversa entre terceiros, mas simples, meio de prova de uma dada comunicação efetuada por um dos interlocutores.” (2009, p. 96)

Importante destacar que além do contato com a vítima poder constituir direito de ameaça, constrangimento ilegal, crime contra a honra, ou perturbação do sossego, também pode constituir crime de extorsão, existindo a possibilidade de se averiguar por interceptação telefônica, além do delito de coação, quando o sujeito ativo, entra em contato com vítima, seus familiares ou até mesmo testemunhas, constrangendo-as mediante ameaças para que mudem seus depoimentos ou renunciem a representação.

II.3.2.4 Restrição ou Suspensão de Visitas

Quanto à medida da restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, deve ser aplicada quando a violência estiver direcionada a eles, principalmente quando são vítimas de violência sexual, tentativa de homicídio, tortura, além de maus-tratos.

Se apenas um dos dependentes for vítima da violência doméstica, as medidas podem ser estendidas aos outros, pois também estão sujeitos ao risco. Caso haja apenas violência contra a mãe, entende-se que não há razões para que as visitas sejam suspensas, portanto podem ser restringidas quanto ao local e horário das visitas, além de ser proibida visitação, quando o agressor se encontra em estado de alcoolismo ou após o uso de substâncias entorpecente, além de frequentar determinados lugares não recomendados.

Se a mulher e seus filhos forem removidos para um abrigo ou até mesmo para a casa de seus familiares, essa restrição será mais rígida, pois este lugar deve ser mantido em sigilo, e até mesmo não deve ser mencionado no processo, justamente para que o sujeito ativo não tome conhecimento. Em relação às visitas aos dependentes, não serão proibidas, porém para que isto ocorra deverá ter um local previamente indicado pela autoridade.

II.3.2.5 Fixação de Alimentos Provisionais ou Provisórios

Outra Medida Protetiva de Urgência inovadora é a prestação de alimentos provisionais ou provisórios, a Lei Maria da Penha determina que os alimentos provisionais ou provisórios possam ser fixados pelo Juiz criminal ou pelo Juizado de Violência Doméstica e Familiar.

Quando os alimentos provisionais ou provisórios Pedro Rui da Fontoura Porto esclarecem que:

“O legislador usou as duas expressões para eliminar as discussões semânticas sobre a suposta diferenciação entre alimentos provisionais ou provisórios, visto que ambas significam, em linhas gerais, a fixação de alimentos antes de uma decisão faz coisa julgada, de modo que, demonstrada alteração no célere binômio necessidade- possibilidade pode o quantum ser revisto a qualquer momento. [...] Como regra, entende-se que alimentos provisórios são aqueles fixados imediatamente pelo juiz, a título precário, ao receber a inicial, na ação de alimentos do rito especial disciplinada pela Lei 5.478/68, ao passo que, provisionais, são aqueles reclamados pela mulher ao propor, ou antes de propor, a ação de separação judicial ou de nulidade de casamento, ou de divórcio direto, para fazer face ao seu sustento durante a demanda. Chamam-se também provisionais os alimentos fixados na sentença de primeira instância, na ação de investigação de paternidade, de acordo com o artigo 5º da Lei nº 883/49.”

A fixação dos alimentos torna-se imprescindível, pois a vida não pode esperar, desta maneira, nota-se que a dependência econômica é o ponto que determina a submissão da própria mulher e de seus filhos, ao patriarca agressivo. Portanto, caso a mulher tenha condições próprias de sobrevivência essa medida não se torna necessária a ela, porém é fundamental para os filhos, por se tratar de um direito indisponível.

Essa medida cautelar se baseia na necessidade dos requerentes e também na possibilidade que o requerido possui, desta maneira o Juiz deverá colher informações a respeito de ambos, e também dos filhos, buscando obter as respostas sobre as necessidades básicas da mulher e dos dependentes, ou seja, deve buscar informações como, de saber se os requerentes estão em casa ou em abrigo. O Juiz também pode se informar a respeito do requerido através de requisição a seu estabelecimento de trabalho, sua declaração de renda, informações da previdência social.

Desta maneira o mesmo autor ainda afirma:

“Conforme já assinalado ao introduzir o tema das medidas cautelares, o deferimento dos alimentos provisionais pressupõe o ingresso, por parte da ofendida, por si ou em representação de seus dependentes, da competente ação principal no prazo de trinta dias, na Vara de Família ou cível, visto que não compete ao Juiz Criminal e nem mesmo ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher examinar ação de alimentos que, notoriamente, não tem a violência doméstica por causa de pedir. No seio da ação principal, ou até mesmo em seu exame liminar, poderá o juiz cível ou de família, à vista de melhores elementos, rever os alimentos provisionais fixados pelo juiz criminal, corrigindo eventual excesso ou insuficiência.”

Existe a possibilidade dos alimentos gravídicos, que não aqueles destinados a cobrir despesas adicionais durante o período de gravidez, desde a concepção até o parto. Esses alimentos cobrem despesas referentes à alimentação especial da mãe, assistência médica e psicológica, exames, internações, parto, medicamentos, etc.

As despesas devem ser custeadas pelo futuro pai sendo ele o agressor, e após o' nascimento da criança, os alimentos gravídicos são convertidos em pensão alimentar, sendo que a prova da paternidade pode ser baseada em indícios.

II.3.3 Das Medidas Protetivas de Urgência à ofendida

As medidas protetivas de urgência ligadas à ofendida estão elencadas nos artigos 23 e 24 da Lei nº 11.340/2006 – Maria da Penha:

Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:

I - Encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;

II - Determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;

III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

IV - Determinar a separação de corpos.

Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:

I - Restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;

II - Proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;

III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;

IV - Prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.

Parágrafo único. “Deverá o juiz oficiar ao cartório competente para os fins previstos nos incisos II e III deste artigo.”

Desse modo, o legislador estabeleceu que o artigo 23 estivesse ligado à proteção à vítima, e o artigo 24 trata do patrimônio do casal bem como dos outros bens particulares da ofendida.

II.3.3.1. Encaminhamento a Programas de Proteção e Atendimento

Para a efetividade dessa medida protetiva, é necessário que haja esses Programas de Proteção e Atendimento e esteja funcionando corretamente, estes Programas não precisam ser específicos para as vítimas de violência doméstica, e podem ser criados não somente através de ações de grupos de apoio à mulher ou organizações não governamentais, mas pode, porém, ser criado pelo Estado.

Nos Programas de Proteção e Atendimento deve haver uma estrutura para atendimento multidisciplinar, além de possuir devida segurança, já que a vítima se encontra em situação de risco.

Nesse sentido, um exemplo é dado por Pedro Rui da Fontoura Porto:

“A Secretaria Municipal de Assistência Social pode ter programas de auxílio habitacional ou alimentar para pessoas necessitadas. A Secretaria de Saúde pode atender a vítima ou seus dependentes se necessitar algum tratamento médico ou mesmo acompanhamento psicossocial através dos Centros de Atendimento Psicossocial (CAPS).”

II.3.3.2. Recondução ao Domicílio

A recondução da vítima e de seus dependentes ao domicílio é uma consequência do inciso II do artigo 22 da mesma Lei, assim pressupõe que houve o afastamento do lar decorrente do medo, em relação à violência sofrida ou que a vítima poderia vir a sofrer. A recondução é possível principalmente quando não há o recolhimento da vítima em Programa Oficial ou Comunitário de Proteção.

Há casos, em que é necessário por conta do risco, transportar a vítima e seus dependentes do domicílio para um local seguro, este transporte deve ser providencia.

Tomada de ofício pela polícia, e depois, requerer judicialmente a pedido da própria vítima ou do Ministério Público, o afastamento do agressor. Caso seja deferido o pedido, a vítima poderá retornar.

II.3.3.3. Afastamento do Lar

Ao contrário do que expressa o inciso III do artigo 23, o legislador teve o intuito de sustentar a ideia que, a vítima pode ser afastada do lar, pelo juiz, sem prejuízo de seus direitos relativos aos bens, guarda dos filhos e até mesmo alimentos.

Pedro Rui da Fontoura Porto sustenta:

“Onde se lê, ‘determinar’ deve-se entender ‘autorizar’, isto porque o juiz não pode obrigar a vítima a afastar-se do lar; só o agressor pode ser compelido a tanto, caso contrário, estar-se-ia vitimando-a duplamente. ‘Autorizar’ significa aqui legitimar o famigerado ‘abandono do lar’, tido, tradicionalmente, como atitude que atenta contra os deveres matrimoniais. Na realidade, a mulher que abandona o lar, especialmente levando consegue os filhos, tendo depois como prova que o fez por razões de segurança, não pode por isso mesmo ser acusada de haver desentendido obrigações inerentes ao matrimônio, porque o fez em situação de necessidade, sendo-lhe inexigível conduta diversa, sequer a de que aguardasse uma autorização judicial para sair de casa.”

II.3.3.4. Separação de Corpos

A separação de corpos poderá ser deferida, tanto nos casos em que agressor e ofendida sejam casados, quanto na possibilidade de viverem em união estável. A ofendida que pretenda tornar efetiva essa medida protetiva, deverá buscar autorização judicial para se afastar do marido ou companheiro, durante o processo de separação, dissolução de união estável e até mesmo anulação do casamento. Com a separação de corpos, os deveres de coabitação e convivência, ficam suspensos.

Mesmo após a separação de corpos a ação principal de separação judicial, dissolução de união estável e até mesmo anulação do casamento deve ser proposta com o prazo de 30 dias, contados a partir da efetivação da medida.

II.3.3.5 Medidas de Ordem Patrimonial

A Lei Maria da Penha prevê a possibilidade da aplicação de medidas protetivas no âmbito patrimonial, são as destinadas a proteção dos bens do casal ou também dos bens particulares da mulher, determináveis com base na lei civil.

Assim demonstra Sérgio Ricardo de Souza:

“O art. 24 prevê a possibilidade de o juiz do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher conceder em favor da vítima, medidas protetivas de natureza eminente patrimonial, voltadas a impedir a prática comum de o cônjuge, companheiro ou convivente, dilapidar o patrimônio comum ou simular transferências de bens, em prejuízo da vítima. O legislador valeu-se do método empírico e normatizou medidas que já vinham sendo diuturnamente requeridas, principalmente nos juízos de família, mas que, agora, poderão ser aplicadas no mesmo juízo detentos da competência criminal, pois os novos JVDFCM são órgãos detentores de uma competência ampliada, com vistas a possibilitar a almejada proteção integral para a vítima, que agora poderá resolver praticamente todas as questões vinculadas com a agressão doméstica e familiar sofrida, em um único lugar.”

A primeira dessas medidas impõe ao suposto agressor, que restitui os bens que tenha subtraído do patrimônio da ofendida, essa situação configura o furto, e será considerada violência patrimonial pela Lei Maria da Penha. Já que, a mulher é a vítima, e o autor do delito de furto, é a pessoa com quem possuiu um vínculo de natureza familiar, os artigos 181 e 182 do Código Penal não serão aplicados.

A expressão “subtrair”, refere-se apenas a bens móveis, pois bens imóveis não estão sujeitos ao crime de furto. Essa transferência de bens pode ocorrer de maneira bem simples, em curto espaço de tempo.

Porém, esse dispositivo pode ter a sua interpretação ampliada, pois o juiz pode até mesmo autorizar a reintegração de posse no imóvel pertencente à vítima, e que o agressor esbulhou, quando a expulsou do lar.

Caso haja discussão quanto a propriedade ou posse do imóvel, deve ser ajuizada ação principal de caráter possessório ou dominial, no juízo cível, em 30 dias após a efetiva reintegração de posse.

A medida que visa a proibição de celebrar negócios jurídicos encontra-se no inciso II do artigo 24 da Lei Maria da Penha, para a sua real eficácia é necessário que a vítima de violência doméstica indique os bens que pretende, que fiquem interditados da alienação ou locação por parte do agressor.

Há casos em que é necessário que haja publicidade dessas medidas protetivas, feitas através da imprensa, porém, isso só ocorre quando não tem outra maneira mais discreta para evitar a exposição dos envolvidos.

Nos casos de união estável, por mais que a compra dos bens se dê durante o estado de comunhão, não é possível fazer o controle do patrimônio comum que não esteja no nome do casal. Caso um imóvel seja adquirido em nome de apenas um dos companheiros durante a união, e seja utilizado pelos dois, não há como saber que o bem é dividido, pois, quem o adquiriu, é tratado como proprietário, assim pode aliená-lo livremente.

Nesse sentido, Maria Berenice Dias ainda afirma:

“Não vendo o magistrado justificativa suficiente para conceder a restituição reclamada pela vítima, o juiz tem faculdade (art. 22, § 1º) de determinar tão só o arrolamento dos bens ou o protesto contra alienação de bens, como forma de assegurar a higidez do patrimônio. Desta forma evita a probabilidade de dano irreparável.”

Por outro lado, para a venda de bens imóveis se faz necessária à concordância do cônjuge, então não há a possibilidade de o agressor desfazer-se do patrimônio sem que a vítima assine a escritura. A vítima, além de ter a possibilidade de vedar a venda, poderá também se manifestar contra a compra de bens. Por mais que o bem adquirido por um dos cônjuges ou companheiros seja comum no patrimônio do casal, esse negócio pode ser prejudicial aos interesses da vítima ou da própria família. Desta maneira, quando for realizado o pedido de medidas protetivas haverá a possibilidade de que essa medida protetiva seja requerida.

Para o caso de locações, é necessária outorga do cônjuge apenas quando a locação for superior a dez anos, porém a Lei nº 11.340/06 tornou possível, que a mulher vítima de violência doméstica busque em sede liminar a proibição de o agressor locar bem comuns.

Há situações em que determinadas mulheres depositam imensa confiança em seu cônjuge ou companheiros que até mesmo os autorizam a tratar de seus “negócios”, assim concedem a eles, procurações com plenos poderes, ficando assim dependentes a vontade do cônjuge ou companheiro, que têm a liberdade de fazer o que quiser. E quando nesse meio ocorre violência, pode surgir o sentimento de vingança do homem, e assim é possível que aconteça de serem usadas as procurações, para o desvio de patrimônio.

Nesse sentido, Maria Berenice Dias observa:

“Ainda que a Lei fale em suspensão, a hipótese é de revogação do mandato, até porque ‘suspensão da procuração’ é figura estranha no ordenamento jurídico. De qualquer modo, seja suspenso, seja revogado, o fato é que o agressor não mais poderá representar a vítima”.

Consequentemente, o Juiz poderá também suspender procurações outorgadas pela vítima ao agressor, em sede liminar, após a denúncia feita na polícia, e consequentemente deverá ocorrer a suspensão das procurações no prazo de 48 horas. A possibilidade de suspensão de procuração pode ocorrer inclusive ao mandado judicial conferido ao agressor quando ele for advogado, porém quando a procuração esteja outorgada a figura de advogado que tenha ligação com o agressor, não há como a mesma ser revogada.

Como garantia do cumprimento de um dever ou de uma obrigação, e garantir posterior pagamento de indenização torna-se necessária a exigência de caução, assim a caução consiste em colocar à disposição do juízo bens ou um fiador que possa assegurar tal finalidade. Trata de uma medida acautelatória, para garantir a satisfação de um direito que o juiz tenha reconhecido.

Para a fixação do valor da caução, o juiz deverá seguir o bom senso, juntamente levando em consideração os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, onde deverá levar em conta a condição financeira da vítima e do agressor, a violência que tenha acontecido, além do valor do bem que foi desviado, destruídos ou apenas retirados da posse da vítima.

2.4 Da (In) eficácia da Lei Maria da Penha e as Falhas na sua aplicabilidade

Mulheres são violentadas a todo instante no Brasil. Muitos casos não são denunciados por medo. As mulheres agredidas se escondem e omitem a triste realidade porque vivem amedrontadas diante das ameaças de seus parceiros.

A chamada cultura machista tem destruído sonhos, calando a voz feminina e destruindo famílias. Foi tentando acabar com essa situação vivenciada por mulheres que surgiu a Lei Maria da Penha, que as encorajou a pedir socorro, bem como dar um fim na realidade violenta vivida em seus lares.

É perceptível que toda violência doméstica e familiar praticada contra a mulher que traga ofensa à integridade física ou a saúde, se trata de lesão corporal. Para que seja configurada lesão corporal é preciso que a vítima tenha sofrido algum dano no seu corpo, podendo este vir a prejudicar a sua saúde, causando até abalos psíquicos.

Embora haja proteção às vítimas de violência doméstica, estas situações não podem somente ficar a cargo do Direito Penal, devendo o Estado implantar programas para que os agressores sejam submetidos a tratamentos. Para que isso ocorra é que o Código Penal Brasileiro listou algumas penas restritivas de direito, que servem para os agressores que praticam a violência doméstica e familiar contra a mulher.

Uma delas é a limitação de fim de semana (CP, art. 43, VI). Seu cumprimento consiste na obrigação do réu permanecer, aos sábados e domingos, por 5 horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado (CP, art. 48). Durante esse período faculta a lei que sejam ministrados cursos e palestras ou atribuídas atividades educativas. (CP, art. 48, parágrafo único; LEP, art. 152).

Depois de aplicada a pena que determina a limitação dos finais de semana, a Lei Maria da Penha autoriza que o juiz determine ao réu o seu comparecimento a programas de recuperação e reeducação, sendo este obrigatório. Poderá também o juiz determinar a aplicação de outras medidas ao réu, como “prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, além da interdição temporária de direitos e perda de bens e valores (CP, art. 43, II, IV, V e VI)”.

Tais medidas são tomadas para que o agressor se conscientize que não poderá praticar tais atos, pois não são proprietários das mulheres, dando então um basta ao crime cometido de forma contínua por muito tempo.

Sabe-se que o Estado neste sentido é falho porque as penas estão elencadas no Código Penal para serem utilizadas, mas não existem profissionais suficientes das áreas psicossociais. Cabe então ao Estado adotar ações diretas com os agressores, e com as vítimas, “e garantir a capacitação permanente dos profissionais que lidam com a atenção da vítima e aos agressores”.

A Lei 11.340/06 que cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher estabelece algumas medidas de assistência e proteção às mulheres. Estes verbos coibir, prevenir, punir, erradicar, nos levam a acreditar que se pode impedir evitar, castigar, e por fim acabar com toda forma de violência contra a mulher.

Por este motivo, foram articuladas ações entre a União, Estado, Distrito Federal, Municípios e entes não governamentais, visando coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, adotando programas de prevenção.

Fomentar o conhecimento e a observância do direito da mulher a uma vida livre de violência e o direito da mulher a que se respeitem e protejam seus direitos humanos. Modificar os padrões socioculturais de conduta de homens e mulheres, incluindo a construção de programas de educação formais e não formais apropriados a todo nível do processo educativo. Fomentar a educação e capacitação do pessoal na administração da justiça, policial e demais funcionários encarregados da aplicação da lei assim como o pessoal encarregado das políticas de prevenção, sanção e eliminação da violência contra a mulher.

Aplicar os serviços especializados apropriados para o atendimento necessário à mulher, por meio de entidades dos setores público e privado, inclusive abrigos, serviços de orientação para toda família.

Fomentar e apoiar programas de educação [...] oferecer à mulher, acesso a programas eficazes de reabilitação e capacitação que lhe permitam participar plenamente da vida pública, privada e social.

A Lei Maria da Penha estabelece que a autoridade policial deverá adotar providências legais cabíveis, assim que tiver conhecimento da prática de violência doméstica. Deve ainda: garantir à mulher a proteção policial; encaminhá-la ao hospital, posto de saúde ou ao Instituto Médico Legal; fornece abrigo ou local seguro quando ficar configurado o risco de vida; acompanhá-la ao local da ocorrência, a fim de assegurar a retirada dos seus pertences; e informar os direitos a ela conferidos nesta Lei e os serviços disponíveis. Tais medidas dão suporte às mulheres que buscam ajuda às autoridades competentes, visando a sua segurança.

Esclarece Fernando Vernice dos Anjos que,

O combate à violência contra a mulher depende fundamentalmente, de amplas medidas sociais e profundas mudanças estruturais da sociedade (sobretudo extrapenais). Como afirmamos a nova lei acena nesta direção, o que já é um bom começo. Esperamos que o Poder Público e a própria sociedade concretizem as almejadas mudanças necessárias para que possamos edificar uma sociedade mais justa para todos, independentemente do gênero. Desta forma, o caráter simbólico das novas medidas penais da lei 11.340/06 não terá sido em vão, e sim terá incentivado ideologicamente medidas efetivas para solucionarmos o grave problema de discriminação contra a mulher.

As medidas protetivas são justamente para proteger a vítima, reprimindo o agressor. No dia a dia isso não tem sido real, pois a mulher fica à mercê do seu companheiro violento.

A Lei Maria da Penha foi criada para proteger a vítima do seu agressor. Se por um lado é aplicada com eficiência, por outro, falham os órgãos competentes para executá-la mediante a falta de estrutura dos órgãos governamentais.

Fato recente aconteceu em Belo Horizonte com uma cabeleireira. Maria Islaine de Morais chegou a denunciar seu ex-marido por cinco vezes, e mesmo assim, ele continuou rondando o salão de beleza onde a mesma trabalhava, como forma de ameaça. Nota-se que houve falhas quanto à aplicação das medidas protetivas, vez que a mesma não foi aplicada como ordena a Lei.

Uma mulher foi morta com sete tiros, no Bairro Santa Mônica, na região de Venda Nova, em Belo Horizonte, nessa quarta-feira. O crime aconteceu dentro de um salão de beleza. De acordo com testemunhas, a vítima teria pedido proteção à polícia por causa de ameaças de morte, feitas pelo ex-marido, identificado como Fábio Willian, de 30 anos, borracheiro, autor dos disparos.

Um caso semelhante foi o de Joice Quele, uma jovem morta na cidade de Salvador pelo homem com quem convivia. Joice vinha sendo perseguida pelo seu ex-marido há três meses. Compareceu a Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM), onde prestou queixa de ameaça de morte, na tentativa de se livrar das perseguições, mas isso de nada adiantou. Segundo uma amiga da vítima, se a polícia tivesse isso atrás do agressor, esta tragédia poderia ter sido evitada.

Outro fato de violência doméstica ocorreu na cidade de Guairá. A brasileira Rosemary Fracasso, uma mulher de 37 anos, compareceu a delegacia e denunciou as agressões e ameaças sofridas. Porém a lei 11.340/06, que prevê medidas de proteção à vítima, como também a prisão preventiva ou o afastamento do agressor, proibindo-o de aproximar-se da ofendida, não foi aplicada, sendo a queixosa morta a golpes de facão.

É notável que a mulher, vítima de agressão, tem comparecido com maior frequência nas delegacias apropriadas, denunciando o seu algoz, porém as medidas de proteção não são aplicadas como determina a Lei.

O Brasil avançou muito desde a década de 80 na criação de instituições destinadas a frear a violência machista contra as mulheres. Em 1985 foi criada a primeira Delegacia da Mulher e depois surgiram as casas-abrigo para as vítimas e os órgãos judiciais especializados, até entrar em vigor, finalmente, a Lei Maria da Penha. Mas falta aplicar a legislação com eficiência e que os órgãos criados para a executar operem adequadamente, queixam-se ativistas, vítimas e parentes de vítimas.

A autora da Lei 11.340/06, num ato desesperador, declarou que “deveria ter uma lei para prender imediatamente em virtude de ameaça. Só assim diminuiriam os ataques contra as mulheres”. Diante dessa colocação, ela incita que a lei que leva o seu nome demonstra ineficácia. É lamentável quando a própria inspiradora da Lei faz esse desabafo, uma vez que, a Lei dá diretrizes à proteção da vítima e a punição do agressor, observando assim que não há ineficácia na lei e sim na sua aplicabilidade. Mediante a forma de como a Lei “está sendo encarada pelo Poder Público, pela sociedade civil e por cada cidadão e cidadã individualmente”.

A Lei Maria da Penha é eficaz e competente, porém, há falhas na sua aplicabilidade e isso se dá no Poder Executivo, Judiciário e no Ministério Público gerando impunidade na apuração do fato em si, conforme afirma o jurista Miguel Reale Júnior em entrevista realizada ao Jornal Recomeço, com a Tribuna do Direito.

TD — De quem é a falta de vontade para que a lei se cumpra?

Reale Jr. — Do Executivo, do Judiciário e do Ministério Público.

TD — Como resolver a situação?

Reale Jr. — Não adianta reformar a lei se não ocorrer uma mudança de mentalidade. Há uma resistência, especialmente na Magistratura, na adoção de novas medidas. Não é um fenômeno que ocorre só no Brasil, mas também em vários outros países, onde foram criadas as penas restritivas, que são fáceis de serem aplicadas, de ser controladas e cujo resultado no plano preventivo e também como punição é extraordinário. E se não se aplica gera-se a impunidade.

O Estado é negligente quando não são tomadas as providências em coibir e prevenir atos violentos contra a mulher, já que, a lei 11.340/06 é eficiente na sua aplicação, pois determina punição a quem comete violência doméstica e proteção a parte violentada. Falta ao poder público agir com responsabilidade e possibilitar ações corretas na criação de projetos, que deem segurança as mulheres que são agredidas por seus companheiros.

Em entrevista ao site O Globo, o Ministro Gilmar Mendes afirmou que:

O juiz tem que entender esse lado e evitar que a mulher seja assassinada. Uma mulher, quando chega à delegacia, é vítima de violência há muito tempo e já chegou ao limite. A falha não é da lei, é na estrutura, disse, ao se lembrar de que muitos municípios brasileiros não têm delegacias especializadas, centros de referência ou mesmo casas de abrigo.

É dever de a administração pública criar mecanismos para proteger as vítimas de violência. Enquanto a lei garante direitos às mulheres violentadas, o papel do governo é promover condições favoráveis na proteção da vítima, construindo abrigos dignos com profissionais competentes para ressocialização do ser humano que sofreu traumas psicológico, físico e moral.

Se a administração pública não cria as casas de albergados, o Judiciário acaba sendo obrigado a transformar a prisão albergue em prisão domiciliar, apesar de a lei de execução proibir terminantemente isso. O que é a prisão domiciliar? É nada, é a impunidade. Você tem uma impunidade que decorre do fato de a administração pública não criar os meios necessários de a magistratura aplicar a lei, de o Ministério Público controlar. De outro lado, a inoperância policial. Porque a impunidade não está na fragilidade da lei, está na fragilidade da apuração do fato.

Logo, faz-se necessário a celeridade na aplicabilidade da lei Maria da Penha em punir com rigor àqueles que promovem a violência, buscando condições e agilidade no cumprimento da lei contra os possíveis agressores no âmbito familiar.

Por isso, não há ineficácia na Lei Maria da Penha, vez que, está claro que a lei é muito bem assistida. As mulheres comparecem às delegacias e denunciam seus agressores. Entretanto, é verificado falhas na execução da lei, pois o Estado não dá suporte necessário, montando uma estrutura, como: preparar o agente policial, equipar viaturas, construir abrigos dignos com profissionais competentes na área de psicologia, assistência social, etc., que possa amparar as vítimas, assegurando a elas uma vida livre de violência.

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