7. Aumento da pena de multa desnatura o caráter mais benéfico do novo dispositivo?
Resta a questão da pena pecuniária, que na Lei n. 11.343/06 é no mínimo de quinhentos dias – patamar sensivelmente superior ao adotado pelo artigo 12 da Lei n. 6368/76, que o estabelecia em cinqüenta dias.
Tomando por premissa que a norma, anterior ou posterior, só poderá ser aplicada por inteiro, a profunda diferença para maior da multa cominada pela nova lei (art. 33) não a torna mais gravosa para o réu do que a lei antiga (art. 12)?
Depende. Se a análise do caso concreto não indicar o reconhecimento da causa de diminuição de pena definida no parágrafo 4º do artigo 33 da Lei n. 11.343/06, ou se, mesmo com esse reconhecimento, a pena de alguma forma resultar maior que a aplicável com base no artigo 12 da Lei n. 6368/76, então o citado artigo 33 representará, sem sombra de dúvida, uma norma mais severa para o réu e assim deverá ser rejeitada no seu todo. Mas se for caso de aplicar a redução de pena do parágrafo 4º e esta ficar aquém da que seria imposta com base na lei anterior, então a lei nova será considerada a mais benéfica, pelo menos no que diz respeito à pena privativa de liberdade.
Pode a multa maior anular essa benignidade resultante da aplicação da nova lei? Quer parecer que não. Uma, porque os bens em jogo são, de um lado a liberdade e de outro, o patrimônio, havendo-se de dar maior importância à primeira. Outra, porque a multa, ao contrário da pena de prisão, pode ser quitada em parcelas, a teor do disposto no artigo 50 do Código Penal, de aplicação subsidiária aos casos disciplinados por leis extravagantes com as quais não for incompatível (art. 12). Outra ainda, porque, eventualmente não paga, nunca se converterá em privação de liberdade, graças à nova redação do artigo 51 do Código Penal, mas em dívida de valor, exeqüível na forma utilizada pela fazenda pública para haver seus créditos. A possível inexistência de patrimônio a garantir o débito resultará, na prática, apenas no inadimplemento de uma obrigação civil.
Se, de qualquer modo, persistir alguma dúvida acerca da determinação da lei mais benigna, ainda restará, por fim, a análise do caso concreto e, se necessário, o recurso extremo da consulta ao defensor do acusado sobre a norma que seja mais conveniente a este, adotando-se a solução preconizada por MIRABETE, de novo lembrando HUNGRIA, no sentido de que
Não parece absurdo que se permita ao defensor do réu ou condenado escolher aquela [lei] que mais convier a este quando, havendo conflito, somente o interessado possa aquilatar o que mais o beneficia. [9]
Conclusão
De tudo, é possível enfim concluir que:
- O parágrafo 4º do artigo 33 da Lei n. 11.343/06, ao trazer causa de diminuição de pena para o autor dos crimes de tráfico e equiparados, constitui dispositivo mais benéfico ao réu;
- Cuida-se de dispositivo de natureza penal, surgindo daí a discussão sobre sua aplicabilidade retroativa;
- Tal dispositivo é, na verdade, apenas parte de uma norma, que é o artigo 33 da Lei n. 11.343/06;
- Setores da doutrina e da jurisprudência admitem a aplicação desse novo dispositivo em combinação com o artigo 12 da Lei n. 6368/76, em atenção ao princípio constitucional da retroatividade da lei penal mais benigna;
- Outros, ao revés, não aceitam a conjugação de duas normas, pois isso resultaria na criação de uma terceira norma, o que não é dado ao juiz fazer. É a posição do autor.
- Aplicando-se isoladamente as normas referentes ao assunto contidas na Lei n. 6368/76 e na Lei n. 11.343/06, coloca-se o problema de considerar qual delas é mais favorável ao réu;
- Essa dúvida deve ser resolvida pena análise do caso concreto, em prol da norma de que resulte pena privativa de liberdade menor, com ou sem reconhecimento da causa de diminuição de pena do artigo 33, parágrafo 4º, da Lei n. 11.343/06, e a despeito da cominação de multa maior por esta lei;
- Em último caso, nada obsta fazer consulta ao defensor do acusado a respeito de qual será para este a norma de aplicação mais conveniente.
Notas
-
Proc. n. 1.0433.05.154458-6/001(1), pub. 13/jan./2007, Rel. Des. Jane
Silva.
apud MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do
direito. São Paulo: Martins, 1973, 2 v., p. 25.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito.
Rio de Janeiro: Forense, 1997.
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de
Janeiro: Forense, 1977, 1 v., 1 t., p. 120.
Apelação criminal n. 885.704.3/9-0000-000, Comarca de S. Paulo, Rel.
Des. Marco Antonio, v.u., 01/mar./2007. No mesmo sentido é o julgamento da
apelação n. 969.988-3/5: "PENA – Fixação – Tráfico de
entorpecentes – Redução da reprimenda aplicada (3 anos de reclusão, em
regime integralmente fechado e pagamento de 50 dias-multa) nos termos da Lei nº
11.343/06 – Impossibilidade – Hipótese – Quantidade de entorpecentes
apreendida (22 tijolos de maconha e 5g de cocaína) – Observância – Recurso
não provido – Santa Bárbara D’Oeste – 14ª Câmara Criminal – Relator:
Alfredo Fanucchi – 15.3.07 – v.u.)
Proc. n. 1.0024.04.357927-5/001(1), pub. 10/jan./2007, Rel. Des.
Eduardo Brum.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. São Paulo:
Atlas, 1996. 1 v., p. 65.
ibidem, p. 64.
ibidem, p. 64.
Bibliografia
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1977.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1997.
MINAS GERAIS. Estado. Site do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. São Paulo: Atlas, 1996.
MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. São Paulo: Martins, 1973.
ROMEIRO, Jorge Alberto. Curso de direito penal militar. São Paulo: Saraiva, 1994.
SÃO PAULO. Estado de. Site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.