Direito de uso da água em propriedade rural vizinha

08/06/2022 às 07:56
Leia nesta página:

O Código Civil orienta a denominada servidão de aqueduto, que assegura ao proprietário ou possuidor necessitado, o direito de canalizar e conduzir água por meio de propriedades alheias através de aquedutos.

A servidão de passagem não diz respeito apenas a serviços públicos como a passagem de transmissão e distribuição de energia elétrica, mas também trata de outros bens de interesse público com uso particular, como o uso da água, ou seja, há possibilidade de estabelecer entre particulares, a servidão de passagem para acesso à água na propriedade do vizinho.

O direito de vizinhança traz uma série de discussões e limitações, estabelecidos pela legislação para resguardar a convivência social e mútuo respeito à propriedade, pois a vizinhança, por si só, é uma fonte permanente de conflito. E para resolver estes conflitos, as respostas são encontradas no Código Civil quanto ao direito de vizinhança e no Código de Águas, decreto de 1934, com relação ao controle das águas pelo Poder Público.

O Código Civil orienta a denominada servidão de aqueduto, que assegura ao proprietário ou possuidor necessitado, o direito de canalizar e conduzir água por meio de propriedades alheias através de aquedutos (duto, canal ou tubulação), feito às expensas de seu dono, causando o menor prejuízo ao vizinho e com a obrigação de conserva-lo, devendo previamente indenizar os prejudicados pelo uso do terreno, assim como os danos que falhas no aqueduto do imóvel possam produzir.

Portanto, é permitida a canalização das águas pelo vizinho, através dos prédios alheios, de acordo com o Código Civil (artigo 1.293) e também de acordo com o Código das Águas (artigos 117 a 138), desde que sejam previamente indenizados os proprietários prejudicados e podendo exigir que o aqueduto (canos, tubos, manilhas etc.) seja subterrâneo quando atravessar áreas edificadas, quintais, pátios, hortas, jardins, bem como casas de habitação e suas dependências.

Esta canalização só se justifica quando para atender às primeiras necessidades da vida, para os serviços da agricultura ou da indústria, para o escoamento das águas superabundantes, ou para o enxugo e drenagem dos terrenos. Neste caso, o proprietário prejudicado tem direito ao ressarcimento pelos danos que de futuro lhe advenham da infiltração ou invasão das águas, bem como da deterioração das obras destinadas a canalizá-las.

O proprietário do solo afetado, por sua vez, terá o dever de não criar obstáculo ao direito daquele de implantar, de fazer funcionar e de conservar o aqueduto e assim, são criadas regras de equidade no Código Civil, para tentar dialogar entre as partes, o menor prejuízo do imóvel onerado com a máxima satisfação do titular da servidão do aqueduto.

Como não pode impedir a efetivação da obra, cabe o afetado pelo aqueduto exigir que, para a sua comodidade, a canalização seja subterrânea mediante tubulação, para evitar danos nas áreas edificadas e atendidas exigências técnicas para o aqueduto, de maneira que produza os mínimos prejuízos ao imóvel onerado.

Os donos dos solos onerados poderão neles cultivar, construir muros ou edificações, exercendo seu direito de propriedade, pois apenas deverão abster-se de atos que impeçam a passagem de condutos de água.

Poderá, ainda, o proprietário onerado utilizar as águas que excedam a necessidade do titular do aqueduto, a fim de satisfazer suas necessidades. E se a água que flui pelo aqueduto não se destinar à satisfação das exigências primárias, o proprietário do aqueduto deverá ser indenizado pela retirada das águas supérfluas aos seus interesses de consumo.

Como a água é um bem de domínio público de uso múltiplo, cada caso analisado deve verificar se há o dever de suportar a passagem de aqueduto pela propriedade, pois o mero direito abstrato à água não conduz, necessariamente, ao reconhecimento do direito de vizinhança de exigir do vizinho a passagem de aqueduto.

A garantia deste direito pelo Código Civil parte da averiguação de não haver outro meio de acesso às águas. Se houver outros meios possíveis de acesso à água, não deve ser reconhecido o direito de vizinhança, pois a passagem de aqueduto representaria mera utilidade.

Sobre o autor
Pedro Puttini Mendes

Advogado, Consultor Jurídico (OAB/MS 16.518, OAB/SC nº 57.644). Professor em Direito Agrário, Ambiental e Imobiliário. Sócio da P&M Advocacia Agrária, Ambiental e Imobiliária (OAB/MS nº 741). Comentarista de Direito Agrário para o Canal Rural. Colunista de direito aplicado ao agronegócio para a Scot Consultoria. Organizador e coautor de livros em direito agrário, ambiental e aplicado ao agronegócio. Membro fundador da União Brasileira da Advocacia Ambiental (UBAA), Membro Consultivo da Comissão de Direito Ambiental e da Comissão de Direito Agrário e do Agronegócio da OAB/SC. Foi Presidente da Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócio da OAB/MS e membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/MS entre 2013/2015. Doutorando em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental pela Universidade do Estado de Santa Catarina, Mestre em Desenvolvimento Local (2019) e Graduado em Direito (2008) pela Universidade Católica Dom Bosco. Pós-graduação em Direito Civil e Processo Civil pela Anhanguera (2011). Cursos de Extensão em Direito Agrário, Licenciamento Ambiental e Gestão Rural. PRODUÇÃO BIBLIOGRÁFICA: "Pantanal Sul-Mato-Grossense, legislação e desenvolvimento local" (Editora Dialética, 2021), "Agronegócio: direito e a interdisciplinaridade do setor" (Editora Thoth, 2019, 2ª ed / Editora Contemplar, 2018 1ª ed) e "O direito agrário nos 30 anos da Constituição de 1988" (Editora Thoth, 2018). Livros em coautoria: "Direito Ambiental e os 30 anos da Constituição de 1988" (editora Thoth, 2018); "Direito Aplicado ao Agronegócio: uma abordagem multidisciplinar" (Editora Thoth, 2018); "Constituição Estadual de Mato Grosso do Sul - explicada e comentada" (Editora do Senado, 2017).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos