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Crimes hediondos. uma visão global e atual a partir da Lei nº 11.464/07

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17/05/2007 às 00:00
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7 – O recurso em liberdade. À época da edição da Lei 8.072/90, para a doutrina em geral, o legislador provocara enorme contradição ao proibir a concessão de fiança e de liberdade provisória e, ao mesmo tempo, no então art. 2º, § 2º, permitir que o Juiz concedesse na sentença a liberdade provisória, após a devida fundamentação.

Aquela aparente contradição deixa de existir com a nova redação do inciso II, porquanto com a possibilidade de liberdade provisória, esta pode vir antes, durante ou ao término do processo.

No entanto, hipótese rara de ocorrer, se a liberdade provisória for permitida em sede de sentença condenatória, para o antigo § 2º e atual § 3º, o juiz deverá justificar a benesse.

A situação alvitrada pelo atual § 3º refoge à lógica, ao bom senso. Atento aos requisitos permissivos da liberdade em conflito com os autorizadores da custódia a regra é: se o réu permaneceu em liberdade durante o processo, poderá recorrer em liberdade, salvo situações excepcionais; se respondeu ao processo preso, de regra, ser-lhe-á vedado o recurso livre. Isto porque lá inexistiram motivos autorizadores da prisão preventiva para que sofresse a constrição, aqui remanesceram motivações para sua clausura decorrentes do flagrante ou preventiva.

Age equivocadamente o magistrado que, ausentes motivações de custódia mantém o réu preso até a prolação da sentença.


8 – Prisão Temporária. Não houve novidade, o art. 2º, atual § 4º, reza que a prisão temporária tem prazo de até 30 (trinta) dias, prorrogáveis por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade.


9 – Benefícios Prisionais (LCH, art. 5º).

Livramento Condicional. O art. 5º alterou a redação do art. 83 do CP, inserindo o inciso V, através do qual o condenado por crime hediondo ou assemelhado deve cumprir 2/3 da pena para fazer jus ao LC.

No caso de reincidente específico, ou seja, do reincidente em crimes hediondos ou assemelhados, não caberá benefício algum, devendo cumprir a pena em regime fechado. Não são permitidos benefícios aos que praticaram crimes hediondos, salvo a liberdade provisória que acabamos de analisar.

Há a reincidência específica quando o agente tendo sido irrecorrivelmente condenado por qualquer dos crimes hediondos ou assemelhados previstos no diploma em comento, vem novamente cometer um deles, como por exemplo: atentado violento ao pudor e estupro; latrocínio e homicídio qualificado etc., observada a restrição do art. 64, I, do diploma penal (prescrição da reincidência).

O Código Penal de 1940 previa a reincidência genérica, quando os crimes fossem de natureza diversa; e específica, quando crimes da mesma natureza (artigo 46, I e II). A reincidência específica importava na aplicação da pena privativa de liberdade acima da metade da soma do mínimo com o máximo (artigo 47, I, do CP). Na reforma de 84, remanesceu somente a genérica e a LCH revitalizou a específica.

Penas restritivas de direitos. A maior parte dos crimes hediondos e assemelhados traz em sua gênese a elementar da violência, de modo que fica vedada a pena substitutiva, conforme impedimento expresso do art. 44, I, do CP. A exceção ficaria por do crime de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais (art. 273, caput e § 1º, § 1º-A e § 1º-B), contudo ainda que não perpetrado com violência, a pena mínima de 10 anos supera em muito o máximo de 4 anos que autoriza a pena substitutiva.

A única possibilidade ficava por conta do crime de tráfico de drogas [07]. No entanto, a novel disciplina dada pelo art. 44 da Lei Antitóxicos (n. 11.343/06) igualmente impede o benefício da pena substitutiva.

Consigne-se que a pena restritiva de direitos tem sua disciplina estatuída no CP e sua aplicabilidade se restringe às infrações leves e médias, jamais a crimes hediondos e assemelhados.

De se concluir que, atualmente, as penas restritivas são inaplicáveis, in totum, aos crimes hediondos e assemelhados.

Suspensão condicional da pena. Este instituto não é vedado pela LCH, de modo que pode ser aplicado a algumas decisões. Um estupro ou um atentado violento ao pudor, na forma tentada, aplicada a redução máxima, poderiam ter a pena suspensa. Não há impedimento legal, de sorte que, atendidos os pressupostos do Código Penal, caberia a suspensão.

Em 1999, decisão da lavra do eminente Celso de Mello, nos autos do HC 72.697-6/RJ, apontando a incompatibilidade da suspensão pela incompatibilidade com o regime integral fechado, foi um dos marcos para que se passasse a negar benefício. Em sentido contrário: HC 84.414/SP – Relator Min. Marco Aurélio (14.09.2004).

No STJ, existia controvérsia entre as duas Turmas, uma admitindo a suspensão (6ª T.) quando satisfeitos os requisitos do art. 77 do CP e outra negando pela incompatibilidade (5ª T.).

Em nosso sentir, como o regime de cumprimento de pena passou a ser o inicial fechado, de se supor viabilizada a suspensão condicional da pena, uma vez afastada a incompatibilidade que a vedava. Neste sentido: STJ (HC 54518/SP).


10 – Delação Premiada (LCH, art. 7º). Sem alterações. Introduzido o § 4º ao art. 159, do Código Penal, com a seguinte redação: Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do seqüestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços.

Os requisitos legais são: a) prática do crime em concurso de pessoas; b) delação feita por um ou mais dos co-autores ou partícipes à autoridade; c) eficácia da delação, pois se não propiciar a libertação da vítima, não haverá redução de pena. O quantum da redução dependerá da maior contribuição prestada pelo agente para a libertação do seqüestrado.


11 – Quadrilha ou Bando (art. 8º da Lei 8072). Por tratar do crime de quadrilha ou bando, recorrendo aos elementos estruturais do art. 288 e repetindo o preceito primário, inserindo a finalidade da prática de crimes hediondos ou assemelhados, a LCH diferenciou os dispositivos pelo elemento subjetivo.

Enquanto no CP, o elemento subjetivo está direcionado a todo e qualquer crime, na LCH, o fim é de finalidade estrita; as penas no CP ficam entre os patamares de um e três anos de reclusão, enquanto que na LCH, variam de três a seis anos de reclusão.

Perdeu o sentido a discussão se o art. 8º havia revogado o art. 14 da Lei 6368/76 ante sua revogação expressa pela atual Lei 11.343/06.


12 – Causa de aumento de pena (art. 9º). Os crimes de latrocínio; extorsão qualificada pela violência; extorsão mediante seqüestro simples, ou qualificada pela idade da vítima, pela duração, por ter sido cometido por quadrilha ou bando, ainda, se praticada com resultado morte; no estupro e atentado violento ao pudor, simples ou qualificados pelo resultado lesão grave ou morte, terão acréscimo de metade, respeitado o limite superior de trinta anos de reclusão, no caso da vítima estar nas hipóteses do art. 224 do CP.

Requisitos para incidência:

a) situações do art. 224: vítima não maior de 14 anos; alienada ou débil mental, e o sujeito conhecia essa circunstância; não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência.

Anote-se que a causa de aumento, no caso de crimes de estupro e atentado violento ao pudor, somente incidirá se do fato resultar lesão corporal grave ou morte (CP, art. 223 e parágrafo único). É que a presunção legal de violência (CP, art. 224), por ser elemento constitutivo do tipo penal, não se pode converter, também, em causa especial de aumento de pena, sob pena de bis in idem.

b) a menoridade da vítima deve ser considerada na data da conduta e não na data da produção do resultado, aplicando-se a teoria da atividade (CP, art. 4º). Portanto, o crime ocorrendo na data do aniversário, aplica-se a majorante; idem, se a conduta se der antes de completar quatorze anos e o resultado agravador vier depois, quando se desprezará a agravante genérica do art. 61, II, h, do Código Penal (crime cometido contra criança), segundo Damásio de Jesus;

c) o juiz não pode fixar a pena acima de trinta anos.


Notas

01 Informativo do STF nº 418: Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, deferiu pedido de habeas corpus e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90, que veda a possibilidade de progressão do regime de cumprimento da pena nos crimes hediondos definidos no artigo 1º do mesmo diploma legal - v. Informativos 315, 334 e 372. Inicialmente, o Tribunal resolveu restringir a análise da matéria à progressão de regime, tendo em conta o pedido formulado. Quanto a esse ponto, entendeu-se que a vedação de progressão de regime prevista na norma impugnada afronta o direito à individualização da pena (CF, artigo 5º, LXVI), já que, ao não permitir que se considerem as particularidades de cada pessoa, a sua capacidade de reintegração social e os esforços aplicados com vistas à ressocialização, acaba tornando inócua a garantia constitucional. Ressaltou-se, também, que o dispositivo impugnado apresenta incoerência, porquanto impede a progressividade, mas admite o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena (Lei 8.072/90, artigo 5º). Vencidos os Ministros Carlos Velloso, Joaquim Barbosa, Ellen Gracie, Celso de Mello e Nelson Jobim, que indeferiam a ordem, mantendo a orientação até então fixada pela Corte no sentido da constitucionalidade da norma atacada. O Tribunal, por unanimidade, explicitou que a declaração incidental de inconstitucionalidade do preceito legal em questão não gerará conseqüências jurídicas com relação às penas já extintas nesta data, uma vez que a decisão plenária envolve, unicamente, o afastamento do óbice representado pela norma ora declarada inconstitucional, sem prejuízo da apreciação, caso a caso, pelo magistrado competente, dos demais requisitos pertinentes ao reconhecimento da possibilidade de progressão. HC 82.959/SP, rel. Min. Marco Aurélio, 23.2.2006. (HC-82959)

02 CF, art. 102, § 2º. As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. (Parágrafo com redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004 - DOU 31.12.2004).

03 Jesus, Damásio Evangelista de, Novas Questões Criminais, São Paulo, Saraiva, 1993, p. 28.

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04 BATISTA, Weber Martins. O princípio constitucional de inocência: recurso em liberdade, antecedentes do réu. Revista de Julgados e Doutrina do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo, São Paulo, n. 6, p. 20, 2º trimestre, 1990.

05 Vide artigo Eles podem ser soltos, Revista Veja, ed. 2004, 18 de abril de 2007.

06 Recomenda-se a leitura de dois excelentes artigos publicados no site Jus Navigandi:

a) BASTOS, Marcelo Lessa. Crimes hediondos, regime prisional e questões de direito intertemporal. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1380, 12 abr. 2007.

b) idem MARCÃO, Renato. Lei nº 11.464/2007: novas regras para a liberdade provisória, regime de cumprimento de pena e progressão de regime em crimes hediondos e assemelhados. Artigo publicado no site Jus Navigandi, Teresina, ano 11, boletim nº 1377, de 09 de abril de 2007.

07 Informativo 463 do STF. A Corte Maior nacional passou a entender viável a pena substitutiva aos crimes de tráfico sob a égide da Lei 6368/76. Os fundamentos são sentidos no julgamento do HC 85.894/RJ, cuja essência é a seguinte: Em conclusão de julgamento, o Plenário, por maioria, concedeu habeas corpus impetrado em favor de condenada à pena de 3 anos de reclusão, em regime integralmente fechado, pela prática do crime do art. 12 da Lei 6.368/76, para que, afastada a proibição, em tese, de substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direito, o Tribunal a quo decida fundamentadamente acerca do preenchimento dos requisitos do art. 44 do CP, em concreto, para a substituição pleiteada. Alegava-se, na espécie, ocorrência de direito público subjetivo da paciente à substituição da pena, uma vez que preenchidos os requisitos do art. 44 do CP, nos termos da alteração trazida pela Lei 9.714/98, bem como ausência de fundamentação do acórdão proferido pela Corte de origem, que reputara a substituição incompatível e inaplicável ao crime de tráfico de entorpecentes, em face da vedação imposta pela Lei 8.072/90 (art. 2º, § 1º) — v. Informativos 406 e 411. Tendo em conta a orientação firmada no julgamento do HC 82959/SP, no sentido de que o modelo adotado na Lei 8.072/90 não observa o princípio da individualização da pena, já que não considera as particularidades de cada pessoa, sua capacidade de reintegração social e os esforços empreendidos com fins a sua ressocialização, e, salientando que a vedação da mencionada lei não passa pelo juízo de proporcionalidade, entendeu-se que, afastada essa vedação, não haveria óbice à substituição em exame, nos crimes hediondos, desde que preenchidos os requisitos legais. Considerou-se, também, o que decidido no julgamento do HC 84928/MG (DJU de 11.11.2005), em que assentado que, somente depois de fixada a espécie da pena (privativa de liberdade ou restritiva de direito) é que seria possível cogitar do regime de seu cumprimento. Vencidos os Ministros Joaquim Barbosa, Carlos Velloso, Celso de Mello e Ellen Gracie que denegavam a ordem. HC 85894/RJ, rel. Min. Gilmar Mendes, 19.4.2007. (HC-85894).

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Sobre o autor
Jayme Walmer de Freitas

Professor da Escola Paulista da Magistratura e de Pós-Graduação no COGEAE da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Coordenador do 7º Curso de Pós Graduação "Lato Sensu" - Especialização em Direito Processual Penal, da Escola Paulista da Magistratura. Autor das obras Prisão Cautelar no Direito Brasileiro (3ª edição), OAB – 2ª Fase – Área Penal e Penal Especial, na Coleção SOS – Sínteses Organizadas Saraiva vol. 14, pela Editora Saraiva, além de coordenador da Coleção OAB – 2ª Fase, pela mesma Editora. Coautor do Código de Processo Penal Comentado, pela mesma Editora. Colaborador em Legislação Criminal Especial, vol. 6, coordenada por Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha, pela Editora Revista dos Tribunais. Colaborador em o Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana, coordenada por Jorge Miranda e Marco Antonio Marques da Silva, pela Editora Quartier Latin. Colaborador em o Direito Imobiliário Brasileiro, coordenada por Alexandre Guerra e Marcelo Benacchio, pela Editora Quartier Latin. Autor de artigos jurídicos publicados em revistas especializadas e nos diversos sites jurídicos nacionais. Foi Coordenador Pedagógico e professor de Processo Penal, Penal Geral e Especial, por 14 anos, no Curso Triumphus – Preparatório para Carreiras Jurídicas e Exame de OAB, em Sorocaba. Juiz criminal em Sorocaba/SP, mestre e doutor em Processo Penal pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Jayme Walmer. Crimes hediondos. uma visão global e atual a partir da Lei nº 11.464/07. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1415, 17 mai. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9887. Acesso em: 19 dez. 2024.

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