5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em prestígio à tendência crescente de consensualização e participação de particulares nas decisões e negociação administrativa, a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a Lei nº 14.133/21 inova no ordenamento jurídico ao apresentar instrumentos que possibilitam a maior participação privada no procedimento licitatório e contratações públicas.
Com efeito, a Lei nº 14.133/21 inovou ao dedicar um capítulo inteiro relacionado ao tema de utilização de mecanismos consensuais de resolução de conflito nas contratações públicas. Na prática, porém, apenas se prestou a reproduzir instrumentos tradicionais de autocomposição e hetorocomposição já previstos na legislação, além de apresentar a temática de uma forma genérica, esquecendo da regulamentação de inúmeros pontos tal como a procedimentalização.
Contudo, importa ressaltar dois instrumentos de resolução de controvérsias retratados, a arbitragem e o comitê de resolução de disputas. A previsão de tais mecanismos representa uma consolidação da admissão da utilização da consensualidade na Administração Pública, inclusive destacando-se como a primeira Lei Federal a regulamentar o comitê de resolução de disputas (dispute board) no ordenamento jurídico brasileiro.
Decerto, a nova Lei de Licitações e Contratos dedica maior atenção à arbitragem, porém peca ao não delimitar a arbitragem objetiva, ou seja, as matérias apta a se submeteram à arbitragem no âmbito administrativo, definindo de modo geral “direitos disponíveis”. Com isso, a legislação falha ao deixar ao encargo de outras previsões legislativas o estabelecimento de listas exemplificativas acerca da matéria passível de ser resolvida pela arbitragem podendo ocasionar em insegurança jurídica.
Ademais, embora acertada estabelece a incidência do princípio da publicidade na arbitragem envolvendo questões administrativas, mais um vez se percebe a falha do legislador na ausência de estabelecimento do procedimento por meio do qual essa publicidade se perfectibilizará na prática, melhor dizendo, quais atos do procedimento arbitral e quais decisões se submetem a publicidade.
No tocante aos comitês de resolução de controvérsias, despontam como a mais ousada inovação da Lei nº 14.133/21 na matéria, pois embora seja inegável o desenvolvimento da utilização dos comitês de resolução de disputas no ordenamento jurídico brasileiro, ainda não se encontra consagrado no país. Nesse ponto, a lei contribui ao positivar o instituto dos dispute boards no ordenamento jurídico, sendo a primeira lei federal a regulamentá-los.
Além dessas inovações, também foi inserida uma nova modalidade licitatória, estabelecendo uma negociação entre o poder público e o particular visando a construção conjunta de solução técnica mais adequada para um objeto contratual de alta complexidade e inovação tecnológica.
Porém sua utilização poderá nem sempre trazer vantagens para a Administração, em que pese seja um mecanismo eficaz no auxílio para materializar projetos inovadores pela Administração Pública, pois devido a natureza do procedimento poderá prejudicar a competição pelos particulares.
Tratando-se de institutos novos no direito brasileiro, suscitará ainda demasiada discussão na doutrina e jurisprudência, principalmente, no tocante ao modo de procedimento e às suas aplicações práticas. Desse modo, é papel do operador do direito possibilitar a compreensão do tema para auxiliar o Judiciário na sua aplicação e controle.
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Abstract: The Brazilian legislation on public tenders and administrative contracts has undergone recente changes, innovating in the legal system in some aspects. One of thes novelties is the adoption of consensual dispute resolution methods, typical civil law institutes, applied to administrative contracts. This paper has as its scope the innovatiosn brought by the Lam nº 14.133/21, especially regarding the admission and use of consensual methods of conflict resolution in administrative decisions, applying to contracts entered into by the Administration and individuals. Therefore, a study was carried out using elements extracted from doctrine, legislation and jurisprudence, about the evolution and admissibility of the consensul institute in Public Administration, as well as its prediction and application in other legal provisions, culminating in the positivization and application of the methods consensual agreements in administrative bidding and contracting, the main objective of this work. This paper ends by desmystifying in the understanding of a supreme and imperative Public Administration for a consensual Administration, focused on dialogue, bringing the public closer to the private.