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Desenquadramento retroativo do regime de tributação das sociedades de profissionais

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É aceitável uma sociedade se beneficiar do regime especial de tributação das SUPs possuindo em seu quadro societário um médico e uma enfermeira, por exemplo.

CONSULTA

Assunto: Desenquadramento retroativo do regime de tributação das sociedades de profissionais

A Consulente informa que é sociedade de médicos com seus atos constitutivos arquivados no Cartório de Registro Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Porto Velho, Estado de Rondônia e na Junta Comercial do Estado de Rondônia, que tem como objeto a prestação de serviços médicos radiológicos, ultrassonográficos e outros que envolvam diagnóstico por imagem, de acordo com a cláusula quarta de seu contrato social, cujas atividades se enquadram no item 4.02 da Tabela F, Anexo II da Lei Complementar nº 878/2021, Código Tributário do Município de Porto Velho.

Informa, ainda, que os serviços médicos são prestados de forma pessoal por seus sócios sob sua responsabilidade pessoal, conforme cláusula décima terceira, parágrafo quarto de seu contrato social em que ficou “convencionado entre os sócios que os procedimentos médicos executados ficarão sob a responsabilidade particular de cada um, observada rigorosamente a legislação regulamentar em vigor”.

Relata que no ano de 2004 foi desenquadrada do regime de tributação das sociedades de profissionais sob o fundamento de que a tributação por alíquota fixa haveria deixado de existir em face da revogação expressa da LC nº 56/87 pela LC nº 116/03, bem como que assumiria característica empresarial. Esclarece que após impetrar o mandado de segurança distribuído sob o nº 00120040104825, perante a 2ª Vara da Fazenda Pública de Porto Velho/Rondônia foi-lhe garantido o direito de recolher o ISSQN por quantia fixa. 

Posteriormente no ano de 2016 a Consulente foi novamente desenquadrada do regime de tributação por alíquota fixa e que impetrado mandado de segurança a ordem foi denegada em primeira e segunda instâncias, sob o fundamento de que seria constituída sob a forma de sociedade empresária ltda., desenvolvendo atividade eminentemente empresarial com auxílio de terceiros (68 empregados) e faturamento de mais de 47 milhões em  5 anos, encontrando-se o processo aguardando julgamento de agravo interno no TJRO aonde se discute a remessa do RESP interposto pela Consulente para o STJ. 

Apesar de desenquadrada a Consulente continuou a recolher o ISS por alíquota fixa, porque não houve o bloqueio do respectivo código.

Informa que não obstante ter recolhido o ISS por alíquota fixa próprio das sociedades uniprofissionais nos últimos 5 anos pelo código disponibilizado no sistema informatizado da Municipalidade, e ter obtido mensalmente certidão negativa de tributos durante esse período, a fim de comprovar a  sua regularidade fiscal perante os órgãos públicos e privados para quem presta serviços médicos, em 22/03/2022, foi notificada, pelo Município de Porto Velho, para recolher a diferença do imposto com base no faturamento mensal promovendo lançamento do ISS retroativo ao ano de 2017 com correção monetária, juros de 0,5% ao mês e multa de 20%, no valor total de R$ 8.379.691,70, conforme demonstrativo abaixo:

Período Imposto a recolher (R$)

2017 1.409.303,25

2018 1.745.207,15

2019 1.777.559,20

2020 1.743.020,24

2021 1.704.601,86

Total R$ 8.379.691,70

Conforme se verifica do Relatório de Auditoria Fiscal nº 020/2022, da Notificação Fiscal de Lançamento nº 130/2022, o agente fiscal entendeu que a Consulente seria sociedade empresária porque estaria registrada na Junta Comercial do Estado de Rondônia – JUCER, e após exame dos seus “Relatórios e Demonstrativos Contábeis recepcionados, ficou evidenciado não haver dúvidas quanto à aplicabilidade do regime de apuração do ISSQN sobre a atividade empresarial, considerando incidente sobre o MOVIMENTO MENSAL.”

A Consulente relata que impetrado mandado de segurança distribuído sob o nº 7021568-10.2022.8.22.0001, perante a 1ª Vara da Fazenda Pública de Porto Velho/Rondônia para que fosse declarada nula a Notificação Fiscal de Lançamento nº 130/2022, de 22/03/2022 e considerados inexistentes os atos posteriores para os fins de direito, foi o mesmo julgado extinto sem julgamento de mérito por não ser possível a dilação probatória em sede mandamental.

Porém, examinando a manifestação do Município de Porto Velho oferecida naquele mandamus, é possível verificar que o Município de Porto Velho atribui o enquadramento da Consulente para recolhimento do ISSQN sobre o movimento econômico mensal aos seguintes fatos:

O recolhimento do ISS pelo regime especial de tributação da sociedade de profissionais foi recolhido apenas sobre o número de sócios, a despeito da Consulente contar com 64 profissionais, pelo que a base de cálculo do imposto deveria ser o número de todos os profissionais habilitados empregados ou não que prestam serviço em nome da sociedade.

As atividades da Consulente se enquadram no item 4.03 da tabela F, do anexo II, da Lei Complementar nº 878/2021 – Código Tributário do Município de Rondônia- que não estão sujeitas ao regime de tributação especial das sociedades uniprofissionais.

Os serviços não são prestados de forma pessoal pelos sócios da Consulente, devido à grande quantidade de colaboradores.

A Consulente possui tamanho e estrutura empresarial.

Nessa manifestação o Município de Porto Velho ainda transcreve trecho da sentença proferida no MS de 2016 em que se  decidiu que “as documentações demonstram que a atividade da Consulente é notadamente empresarial, sendo de conhecimento de toda a sociedade de Porto Velho que ela possuí estrutura empresarial, executando atividade econômica profissionalmente organizada, com finalidade lucrativa, possuindo nítido caráter empresarial”.

A Consulente ainda relata que impugnou administrativamente a Notificação Fiscal de Lançamento Tributário nº 130/2022, de 22 de março de 2022.

Por fim, a Consulente informa que vem sendo tributada atualmente mediante a aplicação da alíquota de 5% sobre o seu faturamento mensal, desde abril de 2022.

Apresentando o seu contrato social, a notificação de lançamento fiscal nº 130/2022, o acórdão proferido no Mandado de Segurança nº 00120040104825, as peças principais do mandado de segurança nº 7021568-10.2022.8.22.000, a impugnação administrativa, a notificação fiscal de lançamento tributário nº 130/2022, as guias de pagamento do ISS sobre o faturamento de abril e maio de 2022, solicita nosso parecer acerca do seu enquadramento tributário no regime de tributação especial das sociedades de profissionais, formulando os seguintes quesitos:

Qual os serviços prestados pela Consulente e quem realiza esses serviços?

O fato de a Consulente estar inscrita na Junta Comercial do Estado de Rondônia – JUCER – e ser constituída sob a forma de sociedade ltda., é fator impeditivo de sua tributação pelo regime especial das sociedades uniprofissionais?

O número de empregados pode ser utilizado como  fator de discrimen para o enquadramento da sociedade no regime de tributação especial das sociedades uniprofissionais.

A Consulente cumpre os requisitos para enquadramento no regime especial de tributação das sociedades uniprofissionais?

É legal a cobrança do ISS retroativo dos exercícios de 2017, 2018, 2019, 2020 e 2021 da Consulente?


PARECER

A Consulente é sociedade de médicos que tem por objeto social a prestação de serviços médicos radiológicos, ultrassonográficos e outros que envolvam diagnóstico por imagem, atividades essas que se enquadram no item 4.02 da Tabela F, Anexo II da Lei Complementar nº 878/2021, Código Tributário do Município de Porto Velho que prescreve:

“4.02 – Análises clínicas, patologia, eletricidade médica, radioterapia, quimioterapia, ultrassonografia, ressonância magnética, radiologia, tomografia e congêneres.”

Do concurso de auxiliares e colaboradores

Em que pese o fato da Consulente contar com a colaboração de 68 empregados, quer sejam, 1 administrador, 1 enfermeiro, 3 biomédicos, 24 recepcionistas, 5 auxiliar de serviços gerais, 1 auxiliar de escritório, 4 auxiliar de faturamento, 1 chefe de faturamento, 1 contínuo, 4 telefonistas, 1 encarregada, 9 técnicos de radiologia, 5 digitadores, 6 técnicos de enfermagem, 1 técnico de informática e 1 faturista, estes não participam da atividade-fim, e nem poderiam, uma vez que não possuem habilitação técnica para o exercício da medicina, sendo, portanto, considerados meros colaboradores para a consecução da atividade-fim que é justamente o exercício da medicina que se dá com o exame das imagens e elaboração do respectivo laudo médico pelos sócios.

O administrador, o auxiliar de escritório, os auxiliares de faturamento, o chefe de faturamento, o contínuo, a encarregada,  o faturista, as recepcionistas,  as telefonistas, os digitadores, o técnico de informática  desempenham atividades necessárias à consecução da atividade-fim da Consulente, e que nada têm a ver com a prestação de serviços médicos a terceiros.

O enfermeiro e técnicos de enfermagem auxiliam na consecução da atividade- fim da Consulente administrando sedativos e contrastes, quando necessários à realização dos exames por imagem.

Já  os técnicos de radiologia e os biomédicos operam os equipamentos de imagem, cujas imagens captadas serão analisadas e laudadas pelos sócios no exercício de sua atividade médica. 

Os auxiliares de serviços gerais, diga-se de passagem, cuidam de manter o ambiente limpo e saudável a todos, o que não se assemelha em nada a prestação de serviços médicos.

Como se vê, nenhum de seus colaboradores exerce a medicina, ou qualquer um dos serviços listados no item 4.02 da Tabelas F, do Anexo II, da Lei Complementar nº 878/2021 que são prestados pelos sócios sob sua responsabilidade pessoal.

A utilização de auxiliares e colaboradores é perfeitamente autorizada pela lei (parágrafo único do art. 966 do Código Civil), que expressamente dispõe que não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

Corroborando com nosso entendimento transcrevemos abaixo jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, que há muito tempo permite a colaboração de outros profissionais para a realização da atividade-fim:

“EMENTA: EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. DECADÊNCIA DE PARTE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO E INEXIGIBILIDADE DO RESTANTE. ISSQN EXERCÍCIO DE 1995/2001. SOCIEDADE CIVIL- QUE HOJE CORRESPONDE À SOCIEDADE SIMPLES- FORMADA POR MÉDICOS, OU SEJA, CONSTITUÍDA COMO NÃO EMPRESARIAL. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DE QUE SUA ATIVIDADE ERA ORGANIZADA DE MODO A CARACTERIZAR UMA EMPRESA (REUNIÃO DOS FATORES DE PRODUÇÃO). DIREITO AO TRATAMENTO DIFERENCIADO PREVISTO NO ARTIGO 9º, § 3º DO DECRETO-LEI 406/68, QUE SE DESTINA ÀS SOCIEDADES UNIPROFISISONAIS SEM CARÁTER EMPRESARIAL. DÁ-SE PROVIMENTO AO RECURSO DA EMBARGANTE E NEGA-SE AO DO EMBARGADO.

........

O conceito de empresário é definido pelo caput do artigo 966 do Código Civil, segundo o qual "considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços". Já nos termos do parágrafo único do mesmo dispositivo legal, "não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa".

........

No caso dos autos, à época dos fatos geradores a executada era uma sociedade civil, ou seja, constituída como sociedade não empresarial. Ademais, a contratação de duas atendentes de enfermagem (fls. 87/88) está longe de representar a reunião de todos os fatores de produção, da mesma forma que a prestação de serviços médicos especializados a um hospital (fls. 89/90) é insuficiente para caracterizar como empresarial a atividade intelectual desenvolvida pelos seus sócios.”

(Apelação sem Revisão n° 0473221-05.2010.8.26.0000,18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, Rel. Desa. Beatriz Braga, DJ de21/3/2011.)

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Ademais, diante da judiciosa atualização da jurisprudência aos acontecimentos atuais, hoje em dia já é aceitável uma sociedade se beneficiar do regime especial de tributação das SUPs, possuindo em seu quadro societário um médico e uma enfermeira, partindo-se da premissa que o que sobreleva é estarem habilitados para o exercício do mister a que se dedica a sociedade. Esse entendimento atual vem em resgate da antiga jurisprudência do STF, que defendia a pluriprofissionalidade da sociedade. 

Senão, vejamos:

“EMENTA. TRIBUTO ISS MUNICÍPIO DE SÃO ROQUE-PRETENSÃO DA CONTRIBUINTE DE, NA CONDIÇÃO DE SOCIEDADE PROFISSIONAL, CUJOS SÓCIOS PRESTAM SERVIÇOS SOB RESPONSABILIDADE PESSOAL, RECOLHER O IMPOSTO SOBRE VALOR FIXO, NO TERMOS DOS §§ 1º E 3º DO ART. 9º DO DECRETO-LEI Nº 406/68 - AÇÃO ANULATÓRIA C/C DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃOJURÍDICO-TRIBUTÁRIA JULGADA IMPROCEDENTE – SUFICIÊNCIA DE PROVAS DOCUMENTAIS ACERCA DA CONDIÇÃO DA INTERESSADA DE SOCIEDADE BENEFICIÁRIA DO PRETENDIDO TRATAMENTO - HIPÓTESE DE CORRELAÇÃO ENTRE AS ATIVIDADES DOS SÓCIOS, EMBORA NÃO HAJA IDENTIDADE DE PROFISSÃO -HABILITAÇÃO DE AMBOS PARA A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NA ÁREA DA SAÚDE – RECURSO PROVIDO.

........

Embora a jurisprudência do STJ se incline por conceder o tratamento diferenciado às sociedades que, afora se ajustarem às previsões do § 3º do art. 9º do Decreto-Lei nº 406/68, sejam uniprofissionais, isso não significa, data vênia, que se requeira propriamente identidade de profissões para tanto. Como adverte AIRES F. BARRETO a respeito, a concessão desse regime de tributação “...pressupõe que todos os profissionais que prestam serviços em nome da sociedade sejam habilitados para o exercício da atividade que constitua o objeto da sociedade. Não é rigorosamente necessário tenham todos a mesma profissão. O que sobreleva é estarem habilitados para o exercício do mister a que se dedicar a sociedade”(“Curso de Direito Tributário Municipal”, 2009, Ed. Saraiva, pág. 427).

Na obra referida, o ilustre tributarista, indicando bastar a correlação das atividades em lugar da identidade das profissões, fornece exemplos de admissibilidade de concessão do regime diferenciado para sociedades formadas por contadores e técnicos de contabilidade cujo objeto social seja o de prestar serviços de escrituração fiscal e contábil, bem como para as constituídas por engenheiros e arquitetos cujo objeto seja a elaboração de projetos. E acrescenta: “A necessidade é a de que essas sociedades sejam uniprofissionais, mas esse vocábulo deve ser tomado em relação aos serviços prestados pela sociedade, e não em função meramente do nome das profissões”(obra citada, pág 429).

Ora, assim delineada a noção de uniprofissionalidade, é forçoso concluir, no caso sob exame, não afastar o direito ao tratamento diferenciado de recolhimento do ISS o fato de a sociedade-autora ser formada por um médico e por uma enfermeira, ao enfoque do objetivo da mesma, segundo o indicado no contrato social, que é a prestação de serviços de saúde na área de ginecologia e obstetrícia.

Acima de tudo, o que importa considerar é que as feições da sociedade-apelante acorrem perfeitamente à idéia que orientou a distinção de Tratamento abraçada pelo dispositivo sob exame, entre rendimentos provenientes exclusivamente do trabalho daqueles derivados do capital, ou do capital e do trabalho, à evidência de ser inferior a capacidade contributiva das sociedades cujos rendimentos resultam apenas da prestação de serviços sob responsabilidade pessoal, prestando-se a diferenciação, assim, para atender ao primado da isonomia, constitucionalmente assegurado.

..........” (Apelação nº 0008616-35.2012.8.26.0586, 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo. Rel. Des. Erbetta Filho, DJde  08/05/2015) 

É o nosso parecer smj.

São Paulo, 14 de junho de 2022.

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Sobre os autores
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi ; HARADA, Marcelo Kiyoshi. Desenquadramento retroativo do regime de tributação das sociedades de profissionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7006, 6 set. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/99361. Acesso em: 19 dez. 2024.

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