Nosso objetivo nesse artigo é descrever a estrutura dogmática do crime de importunação sexual previsto no artigo 215-A, do Código Penal (CP), que foi inserido com o advento da Lei 13.718/2018 na legislação penal, punindo a importunação ofensiva ao pudor, sem violência ou grave ameaça.
É um crime comum que pode ser praticado por qualquer pessoa (homem ou mulher), com idade igual ou superior a 14 anos. O crime admite o concurso de pessoas e tem por objeto jurídico a liberdade sexual, que segundo Bitencourt, é entendida como a faculdade individual de escolher livremente não apenas o parceiro ou parceira sexual, como também quando, onde e como exercitá-la, ou seja, a autodeterminação sexual do indivíduo, que sofre uma ação com objetivo sexual excluindo sua vontade.
Para o preenchimento da figura típica é desnecessário o contato físico, pois a prática é direcionada ao cometimento do ato libidinoso, porém diverso da conjugação carnal, relacionado à satisfação da sua lascívia, sem a anuência da vítima. O núcleo da figura típica é o de praticar contra alguém ato libidinoso. Não configura o crime do artigo 215-A do CP, quem pratica atos libidinosos que não são executados contra alguém.
Importante mencionar, que esse delito não se aplica aos vulneráveis. Caso a vítima seja menor de 14 anos, dependendo do caso concreto, podemos estar diante da modalidade criminosa prevista no artigo 217-A (Estupro de Vulnerável) ou 218-A (Satisfação de Lascívia mediante presença de criança ou adolescente), ambos do Código Penal, pois nestas situações a conotação sexual é uma questão de domínio e poder na forma abusiva.
A Constituição da República de 1988, em seu capítulo Da família, da criança, do adolescente, do Jovem e do Idoso, positiva no artigo 227, §4°, a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. Nestes casos independe do consentimento da vítima, pois há uma razão de presunção de violência.
O dolo tem como objetivo a satisfação da própria lascívia ou de terceiros. O crime que se consuma com a prática da conduta independente do resultado naturalístico. É um crime comissivo, que depende de um fazer pelo agente criminoso, porém admite-se a omissão imprópria (ou comissiva por omissão), quando presente o dever de agir. De acordo com Mirabete, no exame do tipo subjetivo, a libidinosidade do ato deve ser objetivamente considerada independentemente da intenção do agente, como se verifica nos crimes de estupro e estupro de vulnerável.
Como exemplo, podemos citar um policial a paisana em um ônibus, que observa um sujeito se masturbando sem que tenha sido notado pela vítima, e nada faz. Caso a vitima perceba a ação indecorosa, e o policial nada faça, este incorre no crime de importunação sexual (artigo 215-A, CP) na forma comissiva por omissão.
Relevante diferenciarmos as condutas da importunação sexual (art.215-A, CP) do crime de ato obsceno (art. 233, CP). A conduta prevista no art. 215-A, CP é direcionada a realização do ato libidinoso e contra uma vítima ou vitimas, determinadas.
Já a conduta exigida pelo tipo penal do ato obsceno, art.233, CP, é voltada para a coletividade, pois o ato obsceno não tem um destinatário da ação, ou seja, um sujeito passivo individual. É um crime voltado à tutela do pudor público, como exemplo podemos citar o Crime de Streaking, ou correr nu pela rua. Outro exemplo, é a prática de sexo dentro de veículo em via pública, seja estacionado ou em movimento.
Para a caracterização dessa modalidade criminosa, a ação precisa ser realizada em local aberto ou exposto ao público. Como nos ensina Masson, Precisa de uma conduta positiva, de um fazer, de uma exposição corporal. Além disso, o ato obsceno, que configura como um elemento normativo do tipo necessita de um juízo de valor a ser aferido com parâmetro no princípio da adequação social.
Para que tenha o interesse necessário de aptidão ao direito penal, a conduta exibicionista, impulsionada pelo desejo de expor ou exibir seus órgãos genitais, precisa ferir o sentimento de pudor da sociedade, bastando uma conotação sexual. É relevante destacarmos que essa conduta é passível da necessidade de instauração do procedimento do incidente de insanidade mental, previsto nos artigos 149 a 154 do Código de Processo Penal.
Distinção entre Importunação Sexual (art. 215-A, CP) e crime de Injúria (art. 140, CP): Na configuração estrutural da conduta do crime de injúria, o dolo do agente é direcionado a subjugar ou menosprezar a vítima, com a intenção de humilhá-la em público. Exemplo dessa conduta, o agente em um ônibus se aproxima da vítima e diz que deseja realizar sexo com ela. Neste caso, estamos diante do crime de injúria (art. 140, CP), pois a conduta foi direcionada a sua honra subjetiva. Outro exemplo, conforme magistério de Masson, ainda dentro do contexto do crime de injúria real (art. 140, §2°, CP), ocorre quando o agente após uma discussão vem a ejacular na roupa da vítima com o intuito de humilhá-la. Não existe uma conotação sexual.
Conforme consta no preceito secundário do crime de importunação sexual (art. 215-A, CP), existe uma subsidiariedade expressa, caso a conduta do agente não constitua um crime mais grave. É um crime que admite a tentativa, uma vez que a conduta pode ser fracionada (plurissubsistente), pois se o agente inicia a execução delituosa e tem sua ação interrompida pela vítima, terceiro ou qualquer circunstância que impeça a realização do ato, existirá a admissibilidade da tentativa.
Importantíssimo mencionar que nos termos do artigo 234-B do CP, os processos que apuram essa modalidade criminosa dos crimes contra a dignidade sexual correrão em segredo de justiça, para fins de proteção das partes envolvidas.
Bibliografia:
Bitencourt, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal Parte Especial 4 13ª edição São Paulo , Saraiva Educação, 2019.
Masson, Cléber. Direito Penal Parte Especial Volume 3 10ª Edição. Forense. 2020.
Marcão, Renato. Crimes contra a dignidade sexual 3ª edição São Paulo Saraiva 2018.
SALVADOR NETTO, Alamiro Velludo. Estupro bilateral: um exemplo de limite. Boletim IBCCRIM, n. 202, set. 2009.
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: parte geral, 3ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris.