O País do “faz de conta”!!!

29/07/2022 às 15:46
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De acordo com o pai dos burros[1], faz de contas representa o mundo da imaginação, da fantasia, aquilo que é dissimulado ou fingido. Acredito que ninguém teria dificuldade em reconhecer aquilo que não é real, ou aquilo que é criado, imaginado, fantasiado. Desde pequenos somos expostos a tais representações da realidade ao assistirmos ou ouvirmos as histórias dos contos infantis dos irmãos Grimm[2], por exemplo.

Para além das histórias infantis, existe aquele faz de conta da vida real que é encarnado por quem deseja modificar a realidade mediante dissimulação e/ou fingimento. E, infelizmente, estamos cheios desses contos aqui no Brasil, o que, inclusive, nos fez ter uma expressão popular apenas para representar esse falseamento da realidade: isso é pra inglês ver. Tal expressão não possuí uma origem precisa[3], porém, em todas elas a ideia é a mesma: fingir uma aparência de normalidade, de conformidade com as regras...

Pois bem. Deixando as alegorias teóricas de lado, vamos partir para uma análise prática de como isso acontece no nosso País. Abaixo apresentamos exemplos de dissimulações/fingimentos que ocorrem no Poder Executivo, Legislativo e Judiciário e que guardam estrita ligação com a questão criminal no Brasil.

PODER EXECUTIVO

Não é segredo pra ninguém o caos que é o sistema prisional brasileiro: falta de vagas; presídios caindo aos pedaços; superlotação; ausência de energia elétrica; enfim, são diversos os pontos que denunciam esse caos.

Porém, longe de querer passar pano para o bandido que voluntariamente escolheu ir para essas masmorras, o fato é que o Estado deveria prover um local mais adequado à segregação desses indivíduos pra, quem sabe, eles pudessem voltar ao convívio social em uma situação melhor do que quando ali ingressaram.

Fato é que a forma como o sistema prisional se encontra hoje, comparado ao que é previsto na legislação, é uma evidente situação de faz de conta, na medida em que o Estado finge que aplica a sanção penal e o bandido finge que busca se tornar uma pessoa melhor, pois, ainda durante o cumprimento da pena, tais indivíduos continuam praticando crimes de dentro das prisões (tráfico de drogas, estelionato, estupros, etc) e o Estado sequer consegue controlar esses indivíduos que estão presos sob sua custódia.

Acontece que esse faz de contas custa um total de R$ 15,8 bilhões por ano aos cofres públicos[4], dinheiro esse que é evidentemente mal-empregado, na medida em que tal sistema não alcança o seu objetivo legal de ressocializar o preso, mas, sim, acaba propiciando a sua reincidência criminal e, em grande parte das vezes, o recrudescimento para formas mais graves de criminalidade.

Não bastasse o caos do sistema prisional, ainda dentro do Executivo é possível constatar diversos outros faz de contas, porém, vamos destacar aquele que aflige um dos direitos mais basilares da sociedade, qual seja, a Segurança Pública.

O Brasil é um País violento e isso é inegável, muito embora essa violência tenha reduzido no último ano (2021)[5]. Contudo, ainda foram contabilizados cerca de 47 mil homicídios, 56 mil estupros, 334 mil roubos/furtos de veículos, 847 mil roubos/furtos de celulares[6] (apenas para citar alguns exemplos), o que deixa evidente que o Brasil não é um País seguro, e isso se dá em razão de diversos fatores potencializadores dessa violência, alguns deles já tivemos a oportunidade de abordar em outro trabalho (clique aqui para conferir), porém, outros podem ser listados, tais como:

I a vaidade existente entre as agências policiais, na medida em que uma quer fazer o serviço da outra, o que causa ineficiência na execução das próprias funções;

II a vaidade existente dentro de cada agência policial nas suas divisões internas (carreiras) em que se busca a satisfação de um interesse privado em detrimento do interesse público;

III - o excesso de burocracia (burra) no trabalho policial;

IV - inexistência de uma real valorização do policial, o que acaba levando à realização de trabalhos paralelos (bicos) e até mesmo à corrupção;

V a falta de diálogo entre as agências policiais e demais integrantes do grande sistema de Segurança Pública e Segurança Nacional;

A lista poderia ser maior, mas não é nosso objetivo neste trabalho. O foco é dizer, infelizmente, que a Segurança Pública é mais um faz de contas no Brasil, e não sou eu que digo isso, os números falam por si só, ou alguém vai dizer que vivemos num Estado de tranquilidade/civilidade/paz diante do quadro apresentado?

PODER LEGISLATIVO

O Poder Legislativo existe, essencialmente, para legislar. Essa é sua função precípua e é a razão pela qual ele existe. Acontece que, no Brasil, o Poder Legislativo parece não aceitar bem esse papel que lhe foi atribuído, pois além de não legislar, quando o faz vai de mal a pior, embora o nosso Congresso Nacional custe cerca de R$ 14 milhões de reais por dia!

Para sairmos da seara do achismo ou do subjetivismo, deixemos que os números falem por si só. Por exemplo, ao menos desde 2012 se pretende estabelecer um novo Código Penal para o Brasil[7], ou seja, há pelo menos 1 década os parlamentares se debruçam sobre esse tema e não se tem qualquer perspectiva de quando isso vai virar realidade ou não, em que pese o atual Código de Penal ser de 1940, parece que não há pressa sobre o tema, afinal, a sociedade não mudou nada nesses 80 anos.

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Um outro exemplo são as inúmeras proposições legislativas que tramitam no Congresso Nacional que visam aliviar a barra do bandido, uma delas é a cristalizada no projeto de lei 4540/2021 de um grupo de deputados federais do PSOL e do PT que visa descriminalizar os pequenos furtos[8] pela aplicação do princípio da insignificância, mesmo que o bandido seja reincidente neste tipo de conduta.

O que você acha disso? Imagine que uma pessoa entre na sua casa e furte alguma coisa de pequeno valor financeiro, mas que tenha um grande valor sentimental pra você. Isso não seria mais considerado crime. E mais, ele poderia fazer isso quantas vezes ele quisesse. Essa é a intenção do citado projeto de lei.

PODER JUDICIÁRIO

O Judiciário, infelizmente, também não fica incólume nesta questão, aliás, seus integrantes parecem viver numa realidade paralela ao das pessoas comuns que vivem no Brasil, afinal, é um Poder onde os seus membros (juízes) possuem 60 dias de férias por ano[9], além de um recesso judiciário/forense de 18 dias[10], salários acima do teto constitucional[11], e mais de 32 (trinta e dois) tipos de auxílios (privilégios) que engordam os seus contracheques[12], e qual o resultado disso? Uma justiça de faz de conta.

Com efeito, é bem capaz que o caro leitor já tenha sentido na pele essa justiça do faz de conta ao se sentir lesado de alguma forma e ter ingressado na justiça e seu processo ter demorado anos para ser resolvido (se é que foi resolvido), ou mesmo ter deixado de ingressar na justiça por saber do tempo que um processo leva e achar melhor deixar pra lá.

Infelizmente, isso não é privilégio apenas de vocês, eu também já passei por isso. E pior! No meu caso se deu num processo penal em que, exercendo a função de delegado de polícia pedi algumas medidas cautelares numa determinada investigação e a resposta judicial veio (pasmem!) 1 ano após o pedido inicial. E eu posso dizer que ganhei nessa loteria mais de uma vez, pois isso aconteceu 2 vezes e em Juízos distintos.

É um escárnio! Afinal, como diria Rui Barbosa, [...]Justiça atrasada não é justiça; senão injustiça qualificada e manifesta[...] (sic).

Não bastasse a demora costumeira da justiça brasileira, ainda temos casos em que juízes fazem interpretações lenientes da legislação penal, que já é extremamente benéfica ao bandido no Brasil, e isso contribui ainda mais com esse conto de fadas às avessas, afinal são criminosos perigosos colocados na rua sem justificativas plausíveis[13], ou mesmo a proibição de realizar operações policiais em determinados locais que são sabidamente controlados por facções criminosas[14].

Enfim, esses são apenas alguns dos exemplos do faz de conta que torna o Brasil um conto de fadas para os criminosos de plantão, um País onde o crime compensa (leia mais aqui) e onde ser honesto parece ser errado e cada dia mais raro.

Sobre o autor
Gabriel Ciríaco Fonseca

Delegado de Polícia Civil do Estado de Minas Gerais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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