3. INTEGRAÇÃO DA INFRAESTRUTURA REGIONAL SUL-AMERICANA
Uma característica comum a muitos países é o expansionismo, e o Brasil não é uma exceção. Uma de suas metas, explícita ou implícita, sempre foi a expansão em direção ao Pacífico, seguindo o modelo dos Estados Unidos na sua marcha para o oeste. Não por acaso, muitas nações vizinhas barraram esse avanço brasileiro (assim como o argentino, diga-se de passagem), rotulando-o de imperialista.
Embora essa tendência expansionista, ao menos em termos territoriais, não seja mais tão evidente, pode-se dizer que ela ainda reverbera no ordenamento jurídico do país. Um exemplo disso é o parágrafo único do artigo 4º da Constituição Federal de 1988, que estabelece:
"A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações."
A Carta Magna exige que o Brasil busque essa integração com os demais povos latinos. Mas e se essas nações não quiserem essa aproximação? O texto constitucional não abre espaço para essa possibilidade: o Brasil deve continuar insistindo. Em outras palavras, a Constituição define que a integração é um objetivo positivo e que deve ser perseguido, independentemente dos obstáculos.
Um exemplo desse anseio expansionista pode ser encontrado na criação da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA). A ideia surgiu no Chile, em 1998, durante uma cúpula da Organização dos Estados Americanos (OEA), como um esboço sul-americano da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) foi designado como responsável pelo financiamento do projeto.
No entanto, foi apenas em 2000, no Brasil, sob os auspícios do então presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC), que a proposta foi efetivamente implementada. O objetivo da IIRSA era a integração da infraestrutura regional, funcionando como facilitadora do comércio transnacional, reduzindo o custo do transporte das matérias-primas exportadas da região para os mercados do Norte (PEREGALLI; PANEZ; AGUIAR, 2020, p. 01).
Pode-se dizer que a IIRSA é uma entidade com matizes políticos de direita e essencialmente neoliberal, cuja meta sempre foi promover uma integração de cunho mais econômico do que cultural.
É importante diferenciar bloco econômico de organização econômica. O primeiro é mais rígido em termos normativos e busca uma integração total, abrangendo aspectos políticos, sociais e até linguísticos, como é o caso do Mercosul. Já a segunda foca mais na questão econômica, sendo mais flexível em outros aspectos. A integração ocorre sob uma perspectiva essencialmente desenvolvimentista.
As críticas à IIRSA surgiram desde o momento de sua criação, pois muitos alegam que ela representa a sul-americanização do planejamento estratégico da infraestrutura brasileira. Ou seja, os projetos de desenvolvimento econômico inicialmente planejados para o Brasil foram estendidos aos países vizinhos. Por essa razão, muitos desses países criticaram a forma como os acordos foram firmados.
Neste ponto, a oposição à IIRSA não se restringe a um embate entre esquerda e direita. Alguns setores neoliberais das nações vizinhas também viam a iniciativa como uma interferência do Estado brasileiro em suas políticas internas. A burguesia de cada país luta por seus próprios interesses e, por isso, dentro da própria IIRSA, havia conflitos. Quando esses grupos econômicos chegavam a um consenso, utilizavam o poder dos Estados para consolidar suas ideias.
A partir do início do século XXI, entretanto, o modelo neoliberal, até então hegemônico na América do Sul por cerca de vinte anos, começou a perder força. Nos países democráticos da região, os eleitores passaram a rejeitá-lo, o que resultou em uma guinada política à esquerda. No Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a Presidência da República com a promessa de alterar a política econômica do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC). Assim como seus homólogos latino-americanos, Lula se opôs à Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), mas manteve os projetos da IIRSA, nos quais o Brasil possuía fortes interesses estratégicos. Ao contrário do que se poderia esperar, os investimentos na iniciativa se intensificaram.
Apesar da retórica socialista, o governo Lula manteve diversas políticas neoliberais herdadas do governo anterior, entre elas a desenvolvimentista. É provável que, mesmo sob um regime comunista, a política expansionista e desenvolvimentista do Brasil não teria sido alterada. Na verdade, poderia até ser intensificada, como ocorreu com a Rússia após a Revolução Bolchevique e com a China de Mao Tse-tung. A mudança de regime não eliminou o expansionismo e o caráter geopolítico dessas nações.
Por essa razão, a administração do ex-presidente Lula da Silva deu continuidade às construções da IIRSA, pois a iniciativa refletia um traço específico da formação do país: o expansionismo. Os projetos não foram alterados nem tiveram seu escopo reduzido. Pelo contrário, entre 2005 e 2015, houve um aumento de quase 100% no número de projetos da IIRSA, passando de 335 para 562, dos quais 160 foram concluídos (PEREGALLI, Alessandro; PANEZ, A.; AGUIAR, Diana, 2020, p. 01).
Foi nesse contexto desenvolvimentista que ocorreram as manobras políticas patrocinadas pela Odebrecht e outras construtoras. O pacto do governo Lula da Silva com o grande capital foi crucial para impulsionar o desenvolvimento do país, apesar dos escândalos de corrupção. Esse pacto permitiu que a Odebrecht, que já havia experimentado um período de grande crescimento econômico durante a Ditadura Militar de 1964, atingisse seu auge durante a Era Lula. Segundo Deutsche (2020, p. 01):
"A prosperidade da Odebrecht durante o regime militar quase foi obscurecida pela experimentada na Era Lula (2003-2010), quando o Estado retomou a prática de financiar grandes obras."
Ou seja, as críticas feitas à atuação dos militares de 1964 foram maximizadas durante o governo petista. No final, as parcerias público-privadas acabaram beneficiando, sobretudo, o setor privado:
Parte da expansão se deu graças a generosos empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e grandes obras para a Copa e os Jogos Olímpicos. Ao mesmo tempo, segundo revelações da Lava Jato, a organização irrigava campanhas políticas do PT e de outros partidos, inclusive da oposição (DEUTSCHE WELLE, 2020, p. 01).
Essa "parceria", entretanto, não se iniciou com o então presidente Lula da Silva:
Durante a devassa na companhia no âmbito da Lava Jato, investigadores descobriram o setor de "operações estruturadas" na prática, um departamento de propinas para políticos e funcionários de estatais. O setor funcionava pelo menos desde o governo Sarney (1985-1990) e se expandiu nas administrações seguintes, quando a Odebrecht começou a abocanhar estatais privatizadas (DEUTSCHE, 2020, p. 01).
Em vez de amenizar a situação, essa parceria entre governo e grandes empreiteiras agravou ainda mais o problema. O governo petista havia sido eleito justamente com a promessa de combater esse tipo de organização fraudulenta. No entanto, no imaginário popular, a administração petista foi um êxito, afinal, o crescimento econômico ocorreu de fato.
As políticas assistencialistas foram fortalecidas, garantindo estabilidade social, enquanto os grandes projetos da IIRSA seguiam seu curso sem grandes resistências. O socialismo de Lula da Silva, até então, assemelhava-se ao de Franklin Delano Roosevelt, pelo menos em termos de políticas desenvolvimentistas. Sob essa perspectiva, seu estilo de governar não diferia tanto do modelo adotado por Xi Jinping na China ou Vladimir Putin na Rússia.
Lula nunca declarou publicamente o desejo de um terceiro mandato, mas não impediu que a PEC da reeleição ganhasse força no Congresso (STUDART, 2007). O Brasil vivia um período de euforia econômica e, lentamente, caminhava na direção de países como a Venezuela de Hugo Chávez. Mesmo que uma transição para um governo autocrático tivesse ocorrido, a política desenvolvimentista e expansionista do Brasil dificilmente mudaria de rumo – pelo contrário, poderia até se fortalecer.
Outro fator importante é que, embora os países sul-americanos compartilhassem ideologias políticas semelhantes naquele período, isso não significava ausência de conflitos. O Brasil, como maior economia da região, era naturalmente o país mais influente do grupo. No entanto, com o crescimento econômico acelerado do período, o governo Lula ganhou respaldo interno e internacional, o que causou ressentimentos entre alguns líderes da região.
Além de disputas de ego, havia também a histórica rivalidade entre Brasil e Argentina, ambos buscando se consolidar como a maior potência da América do Sul. Esse bipolarismo regional não agradava a outros países, principalmente os andinos e caribenhos, que tentaram, a seu modo, criar organizações econômicas alternativas – mas frequentemente encontraram resistência do Brasil e da Argentina. Um exemplo foi a tentativa de Hugo Chávez de criar um novo bloco econômico, barrada pelo governo brasileiro.
Graças a investimentos maciços do Estado, o Brasil consolidou-se como a grande liderança regional. Desde o início, a IIRSA baseava-se em três pilares fundamentais:
Abertura dos mercados mundiais;
Promoção da iniciativa privada;
Redução do papel do Estado na economia.
No governo Lula, essa estratégia se traduziu em um período de construção de megaprojetos de infraestrutura, como as usinas hidrelétricas do rio Madeira. Esses empreendimentos, parte do plano da IIRSA, tinham o objetivo de tornar o rio Madeira navegável entre Bolívia e Brasil. A oposição, em ambos os países, tentou barrar tais obras, mas sem sucesso.
Entre os diversos conflitos gerados pela IIRSA, o impacto ambiental foi um dos que mais repercutiu na mídia.
4. O CONFLITO AMBIENTAL
O avanço da infraestrutura capitalista na América do Sul gerou diversos conflitos. Entre eles, destacam-se a mobilização indígena em defesa do parque natural TIPNIS, na Bolívia; a greve dos operários da construção da barragem de Jirau, na Amazônia brasileira; e o repúdio no Equador ao superfaturamento de obras executadas pela Odebrecht (PEREGALLI; PANEZ; AGUIAR, 2020, p. 1).
No entanto, os maiores opositores das obras da IIRSA foram os grupos ambientalistas, que alegam que essa infraestrutura afeta o meio ambiente e gera impactos ambientais significativos, mesmo nos casos de obras voltadas à viabilização de hidrovias. Um exemplo é o Complexo de Obras do Rio Madeira, que inclui hidrovias e hidrelétricas. Esse projeto prevê a construção de eclusas para permitir o transporte hidroviário na região, mas muitas ONGs ambientalistas alertam que ele pode causar grandes impactos ambientais.
O lobby ambientalista tornou-se tão forte que conseguiu mobilizar figuras internacionais, como o cineasta James Cameron, que aderiu à causa contra a construção das hidrelétricas na região (ONG Rios Vivos, 2006, p. 1).
Apesar das polêmicas e da forte oposição, grandes obras, como as do Rio Madeira, foram concluídas. É um ponto a ser analisado, pois, embora bastante criticadas, essas obras eram essenciais para o desenvolvimento do país. A geração de energia nessa região, uma das mais pobres do sul da Amazônia, permitiu o fornecimento de eletricidade para milhares de habitantes, tanto no Brasil quanto na Bolívia, que antes não tinham acesso à energia (FERNANDES et al. apud Wikipedia, 2005, p. 1).
Mas, afinal, em que as eclusas prejudicariam o meio ambiente? De fato, elas facilitam a interligação das hidrovias das bacias Amazônica e Platina, permitindo o trânsito fluvial por toda a América do Sul.
Os desenvolvimentistas também criticam os ambientalistas, argumentando que muitas ONGs contrárias a tais obras recebem financiamento de nações ricas para sustentar um discurso climático e antidesenvolvimentista. Segundo essa visão, o verdadeiro objetivo dessas ONGs seria impedir o progresso das nações menos desenvolvidas, evitando que se tornem concorrentes diretas das grandes potências (ÂNGELO, 2010).
Não há como negar os impactos ambientais. Independentemente do perfil político-ideológico dos governos centrais no Brasil, a tendência tem sido a expansão do desmatamento para a construção de infraestrutura, seja para produção de energia, seja para a agroindústria. É por isso que há uma pressão internacional crescente para a proteção da região amazônica.
Existe um pacto internacional, com protagonistas variados – desde as Nações Unidas até Bill Gates – que propõe a Década da Restauração de Ecossistemas (2021-2030). Segundo Romélia Souza, trata-se de um apelo global para a adoção de práticas de proteção e revitalização ambiental, visando beneficiar tanto a natureza quanto as populações humanas (ICCA/BRASIL, 2021).
Nesse sentido, já há movimentações nos meios de comunicação e nas instituições de ensino para gerar uma aceitação massiva ao pacto. Como destaca Souza, os recursos hídricos desempenham um papel fundamental nesse processo, pois sua disponibilidade está diretamente relacionada à manutenção e recuperação de áreas vegetadas, que, por sua vez, influenciam o ciclo das chuvas. Dessa forma, a restauração ambiental tem impacto direto nas recorrentes crises hídricas (ICCA/BRASIL, 2021).
Em termos internos, uma das grandes vitórias dos ambientalistas brasileiros foi a criação do Programa de Pesquisa em Biodiversidade (PPBio), um desdobramento dos debates ocorridos na ECO-92. Um dos resultados desse evento foi a Convenção sobre a Diversidade Biológica, que estabeleceu três metas principais:
Conservação da diversidade biológica;
Uso sustentável dos seus componentes;
Repartição justa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos (GARDA, 2021, p. 13).
Como país signatário da Convenção, o Brasil implementou a Política Nacional da Biodiversidade para atender às demandas do acordo. No entanto, não havia uma rede de informações eficiente que pudesse embasar os diferentes segmentos da sociedade, especialmente os gestores ambientais. Foi nesse contexto que, em 2004, surgiu o PPBio, que, inicialmente, atuava apenas na Amazônia e na Caatinga.
Entretanto, o diálogo entre a comunidade científica e os gestores governamentais é escasso. Assim, o conhecimento gerado pelo PPBio é pouco utilizado nas políticas ambientais, o que representa um contrassenso, já que os biomas continuam sendo degradados, mesmo com a existência de abundantes informações sobre a biodiversidade e seu potencial econômico, especialmente na área farmacêutica.
Independentemente das disputas políticas, o PPBio cumpre sua função ao integrar pesquisas biológicas em cadeias eficientes de produção científica e tecnológica, articulando grupos de pesquisa em núcleos regionais e buscando:
A conservação da biodiversidade;
A integridade e funcionalidade dos habitats e ecossistemas;
A mitigação da pressão das atividades humanas sobre a biodiversidade e os ecossistemas (GARDA, 2021, p. 21-22).
Em suma, o PPBio mantém um banco de dados atualizado e contribui significativamente para a proteção ambiental.
Por outro lado, há outro tipo de mapeamento sendo realizado: o do desenvolvimento industrial:
Regiões industrializadas do Brasil
Fonte: TiebrioGeo, disponível em: https://www.tiberiogeo.com.br/AssuntoController/buscaAssunto/71?pg=contato
Como se observa, as regiões mais industrializadas do Brasil concentram-se no Sul, Sudeste e litoral, áreas que passaram por diversos ciclos econômicos até atingir o atual estágio de desenvolvimento. Um desses ciclos incluiu a exploração de recursos naturais, a produção expressiva de energia, a urbanização acelerada e o surgimento de grandes centros consumidores.
Há pobreza nessas regiões? Sim, há. Existem problemas sociais? Com certeza. No entanto, quando se fala em pobreza na Amazônia, muitas vezes os índices de alfabetização, nutrição, consumo, acesso à internet, moradia e saúde dos povos amazônicos são comparados aos das regiões mais ricas e desenvolvidas do Sul e Sudeste.
Alguns argumentam que a redução da pobreza na Amazônia deveria ocorrer por meio de políticas não consumistas, igualitárias e ambientalmente sustentáveis, evitando investimentos em grandes usinas hidrelétricas e a criação de um parque industrial de ponta.
No entanto, até mesmo Karl Marx reconhecia que o comunismo necessitava do capitalismo como gerador de riquezas. Ele nunca concebeu a revolução do proletariado em um país semi-feudal.
Seria possível aplicar essa lógica à Amazônia? E, mesmo que houvesse uma revolução comunista na região, haveria garantia de que o meio ambiente não seria devastado da mesma forma?
Não há como afirmar com certeza. Como mencionado anteriormente, o DNA brasileiro carrega fortemente o expansionismo e o desenvolvimentismo. Para mudar essa realidade, seria necessária uma revolução cultural semelhante à da China maoísta – e o Brasil já rejeitou essa possibilidade diversas vezes ao longo da história.