7. Causa de Redução de Pena
(art. 33, § 4º)A atual Lei Antidrogas trouxe uma importante inovação, que certamente irá contribuir para o abrandamento do controle penal em relação ao condenado do primeiro tráfico e que apresente um perfil criminológico de menor potencial ofensivo em relação ao bem jurídico protegido, que é a saúde pública. Trata-se da causa de redução de pena, de um sexto a dois terços, criada para beneficiar o condenado primário, de bons antecedentes e que "não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa" (art. 33, § 4º).
Parece-nos que o objetivo maior da minorante em exame é o de permitir ao juiz um instrumento mais racional e mais justo, em termos de aplicação e de individualização da pena, para enfrentar essa camisa de força imposta pela adoção da teoria monista, adotada por nosso Código Penal, em termos de concurso de pessoas. Como o tráfico, geralmente, é praticado por quadrilhas ou, ao menos, em concurso de pessoas, nem sempre é juridicamente justo ou razoável tratar o traficante primário – quando for o caso de um simples passador ou distribuidor da droga, é claro – com a mesma carga punitiva a ser aplicada aos principais agentes do crime.
Além de primário e dos bons antecedentes, o condenado deve demonstrar que, descontando sua atuação no tráfico, não se dedica às atividades criminosas e nem pertence a uma organização criminosa. Neste último caso, organização criminosa somente pode ser aquela a que se refere – embora sem defini-la – a Lei 9.034/95. Cremos que a minorante foi criada para beneficiar o traficante primário e de bons antecedentes que, isoladamente, na ponta da cadeia criminosa, faz seu trabalho à margem (ou, ao menos, sem contato direto) dos principais integrantes da quadrilha ou organização e que são os verdadeiros responsáveis pelo sinistro negócio do tráfico de drogas.
No entanto, cabe ressaltar que a norma em exame proíbe expressamente que a pena privativa de liberdade aplicada - embora possa ser objeto de redução - seja convertida em restritiva de direitos. Verifica-se, portanto, que a opção por um controle penal mais brando para o traficante do primeiro crime não o livrou do efetivo cumprimento da pena reclusiva.
A Lei Antidrogas, no entanto, não proíbe a aplicação do regime inicial aberto. Por isso, no caso de a pena aplicada ser reduzida para quatro anos ou menos de reclusão, o regime inicial aberto é perfeitamente cabível, pois se há merecimento penal para a redução da reprimenda haverá, necessariamente, merecimento também para a concessão do regime prisional mais benéfico; se a pena reclusiva for fixada acima de quatro até oito anos, o regime prisional inicial deve ser o semiaberto.
Também não há proibição expressa de concessão do sursis. Assim, se o condenado primário e de bons antecedentes tiver sua pena reclusiva reduzida para dois anos ou menos, a nosso ver é cabível o benefício da suspensão condicional da penal.
8. Considerações Finais
No tocante ao crime de tráfico ilícito de drogas, a nova Lei Antidrogas trouxe algumas inovações em termos de controle penal desta preocupante conduta. Operou, também, alguns ajustes em termos de linguagem descritos dos tipos penais acima examinados.
Em termos de Política Criminal, as inovações mais significativas consistiram no aumento da pena mínima, de três para cinco anos de reclusão, na previsão de uma causa de redução de pena para o traficante do primeiro crime e de bons antecedentes e, ainda, na redução, de seis para três, das hipóteses típicas equiparadas ao tráfico. Se, no primeiro caso, a lei nova optou por uma resposta penal mais severa, nas duas últimas prevaleceu a opção política por um controle penal de maior flexibilidade e de abrandamento do sistema.
Se o legislador acertou na correção da legislação anterior e adotou regras de convivência mais adequadas para o enfrentamento da problemática relacionada ao uso e tráfico de drogas, só o tempo e a práxis poderão dar a resposta.
De qualquer modo, vale a lição de Osvaldo Ferreira de Melo ao afirmar que a Política Jurídica tem por tarefa propor as necessárias correções na legislação vigente ou de descobrir as regras de convivência exigidas pelos chamados novos direitos, pois o Direito a ser produzido, com vistas à legalidade do futuro, deve "buscar renovar-se nas legítimas fontes das utopias." [14]
9. Bibliografia
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ZAFFARONI, Eugênio Raúl e PIERANGELLI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 132.
Notas
01 MELO, Osvaldo Ferreira de Melo. Temas Atuais de Política do Direito. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor-CPCJ/UNIVALI, 1998, p. 80.
02 Idem, p. 129.
03 FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal – Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 18.
04 DELMAS-MARTY, Mireille. Modelos e Movimentos de Política Criminal. Rio de Janeiro: Revan: 1992, p. 24.
05 ZAFFARONI, Eugênio Raúl e PIERANGELLI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 132.
06 KAISER, Günter. Introducción a la Criminologia. Trad. Rodriguez Devesa. Madri: Dykinson, 1988, p. 52.
07 GALVÃO, Fernando. Política Criminal. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 23.
08 Sobre o tema Política Criminal e controle penal do uso e do tráfico de drogas, ver: SILVEIRA, Renato de Melo Jorge. Drogas e Política Criminal: Entre o Direito Penal do Inimigo e o Direito Penal Racional. In REALE JÚNIOR, Miguel (Org). Primeiro Encontro de Mestres e Doutores do Departamento de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP. Drogas – Aspectos Penais e Criminológicos. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 25-52
09 FRANCO, Alberto Silva. Crimes Hediondos. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 146.
10 Conforme já antecipamos acima, denominamos tipo penal básico ou fundamental de tráfico ilícito de drogas ao tipo penal descrito no art. 33, caput, da atual Lei Antidrogas. Na vigência da Lei Nº 6.368/76, o crime em referência encontrava-se positivado no art. 12, caput. Cremos que a identificação se torna necessária para se estabelecer a distinção entre este tipo penal básico e suas formas legalmente equiparadas, previstas no § 1º e seus três incisos, do referido art. 33 e nos arts. 34 a 37, da atual Lei Antidrogas.
11 Ver, entre outros autores, que comentam a atual ou a antiga Lei Antidrogas: DELMANTO, Celso. Tóxicos. São Paulo: Saraiva, 1982, p. 12 e segs.; GOMES, Luiz Flávio e outros. Nova Lei de Drogas Comentada – Lei 11.343, de 23.08.2006. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, especialmente, p. 145-165. GRECO FILHO, Vicente. Tóxicos. Prevenção – Repressão. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 78 e segs.; GUIMARÃES, Isaac Sabbá. Tóxicos. Comentários, Jurisprudência e Prática à Luz da Lei 10.409/02. Curitiba: Juruá, 2003, p. 30 e segs.
12Política Criminal e a Lei 11.343/2006: Nova Lei, Novo Conceito de Substância Causadora de Dependência. Jus Navegandi. Teresina, Nº, de. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/8957
13 Sobre o tema, ver: BOTTINI, Pierpaolo. In REALE JÚNIOR, Miguel (Org). Primeiro Encontro de Mestres e Doutores do Departamento de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP. Drogas – Aspectos Penais e Criminológicos. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 69-86.
14 MELO, Osvaldo Ferreira de Melo. Temas Atuais de Política do Direito, cit., p. 72.