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Dicas de escrita: um roteiro para aprimorar o estilo de linguagem

11/08/2022 às 16:30
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Os melhores juristas se destacam por saberem apresentar seu conhecimento em uma linguagem correta, clara e elegante.

O que diferencia os juristas medianos dos juristas excepcionais?

Os melhores juristas se destacam por saberem apresentar seu conhecimento em uma linguagem correta, clara e elegante. Suas ideias são bem estruturadas, concisas e fáceis de entender. Eles conseguem conectar o leitor com frases bem construídas, demonstrando ter um domínio pleno da situação.

Na direção oposta, existem alguns juristas que têm um conhecimento razoável, mas não sabem transmitir as ideias com eficiência. Eles escrevem de modo confuso, desorganizado e truncado. A impressão que dá é que possuem apenas uma consciência nebulosa do assunto e lutam para formular um pensamento coerente.

Um texto bem escrito é como um selo de qualidade de quem escreve. Para escrever bem, é preciso ter conhecimento do tema, domínio da língua, vocabulário requintado, capacidade de argumentar e de estruturar ideias, poder de concisão e de clareza, além de um estilo cativante. Só quem se dedica com afinco consegue impressionar em poucas linhas.

Só há um caminho para desenvolver essa habilidade: praticar, praticar e praticar. Um texto bom é a recompensa por milhares de textos ruins que alguém já produziu. Mesmo sabendo que escrever se aprende escrevendo, há algumas dicas que podem ajudar quem deseja aprimorar essa habilidade. Se esse for seu caso, siga até o fim, pois serão fornecidas dicas valiosas para mudar de nível.

Dica 1: Organize suas ideias antes de escrever

Antes de colocar suas ideias no papel, tenha alguma noção de como você irá estruturar o texto. Faça um plano incluindo todos os tópicos e subtópicos relevantes que você lembrar, com palavras-chave, dados, conceitos, citações, curiosidades, pessoas, exemplos, argumentos, objeções etc. Não precisa ter um quadro completo, pois a tendência é que outras ideias surjam ao longo da escrita. O ideal é elaborar uma árvore hierárquica para dar uma visão geral do que será apresentado, como um mapa mental. Nada muito sofisticado. Pode ser feio, confuso e cheio de lacunas, pois é isso que se espera de um esboço. O importante é que você tenha um norte para estruturar as ideias.

Dica 2: Capriche nos primeiros parágrafos

A introdução tem o poder de ativar na mente do leitor diversos gatilhos que irão influenciar toda a leitura. Se o início for promissor, a mente do leitor estará preparada para enxergar com mais clareza as qualidades do texto. Se o início for frustrante, o cérebro acionará um alerta para detectar os defeitos. Por isso, gere uma boa impressão nas frases iniciais. Faça com o que o leitor se sinta animado para seguir seus passos com simpatia e atenção. Se você conseguir fisgar o leitor em dois ou três parágrafos, o resto flui com muito mais facilidade.

E seja extremamente cuidadoso com as regras gramaticais. Erros básicos (como separar um sujeito do verbo com vírgula) podem destruir a credibilidade. Essa preocupação vale para todo o processo de escrita, mas o esforço deve ser redobrado nos primeiros parágrafos.

Dica 3: Diga não ao estilo forense

Em um texto jurídico, queremos expor nossas ideias de modo claro, coerente, conciso, cativante e persuasivo. Se é este o objetivo, não use o estilo forense. O juridiquês é brochante, artificial e sem calor humano. Ele dá sono, quebrando qualquer possibilidade de conexão com o leitor.

Comece abolindo os arcaísmos, como outrossim, destarte, ademais, decerto, posto que, empós. Faça o mesmo com verbos pernósticos, como afigurar-se, olvidar, dessumir, agasalhar, perscrutar, emanar, "vislumbrar". Estenda essa lógica para termos semelhantes.

Como sugere Zinsser, nunca diga por escrito algo que você não se sentiria confortável para dizer em uma conversa. Você fala outrossim? Se não fala, então não escreva.

Do mesmo modo, evite latinismos, tais como ex vi, exempli gratia, ab initio, ad cautelam, in casu, a priori, etc. As únicas palavras latinas que merecem ser usadas são aquelas com sentido técnico, como habeas corpus, a quo ou ad hoc, por exemplo. No mais, sem latim.

Na mesma linha, fuja do vício típico do juridiquês de substituir expressões de uso corrente por expressões que exigem do leitor um esforço de compreensão. Chame a constituição de constituição e petição inicial de petição inicial. Não fique inventando sinônimos como lex fundamentalis, caderno repressor, digesto obreiro ou "exordial". Isso vale para tudo!

Também evite adjetivos pomposos, como respeitável doutrinador, "ilustríssimo pensador", augusto tribunal, indigitado artigo, malsinada lei, vergastada norma, conspícuo julgador. Não precisa disso.

Evite ainda o uso de formas gramaticais de mau gosto, como em se tratando, em havendo, no que tange, é cediço que, restou provado, em que pesem, como sói acontecer, "mormente", não há falar-se, indubitavelmente, mister se faz, impende ressaltar, com espeque em.

Abolindo esses vícios, a sua escrita dará um salto imediato de qualidade.

Dica 4: Simplifique sem medo

Pessoas tolas acreditam que escrever difícil é sinal de inteligência. É justamente o contrário. Um texto obscuro demonstra a incapacidade do autor de se comunicar. Portanto, é sempre um indicativo de mediocridade.

A linguagem simples transmite segurança, domínio e respeito ao leitor. O segredo é tornar o texto mais fácil de entender. Há várias formas de simplificar o texto: (a) se possível, reduza as orações; (b) opte por palavras mais conhecidas, mas evite clichês ou termos que causem incômodo ao serem lidos; (c) se tiver em dúvida, prefira palavras mais curtas; (d) na apresentação das ideias, o que for familiar, conhecido e simples deve vir antes do que for novidade, desconhecido e complexo; (e) se, ao ler em voz alta, o texto estiver truncado, reescreva até encontrar uma forma que seja natural aos ouvidos.

E corte o desnecessário. Um bom texto não deve conter adornos inúteis. Submeta cada componente a um teste de utilidade, para saber se preenchem uma necessidade real de estar ali. O que for dispensável deve ser cortado, abreviado ou reduzido.

Dica 5: Cuidado com a maldição do conhecimento

O escritor precisa transferir uma ideia que está na sua cabeça para a cabeça de outro ser humano, usando apenas palavras. Já o leitor deve ler o texto, codificar o seu significado e reconstruir o pensamento do escritor em sua própria mente.

O principal risco nesse processo de transmissão chama-se maldição do conhecimento, que nada mais é do que a ilusão de pressupor que o leitor possui um conhecimento prévio para entender tudo o que está sendo dito.

A maldição do conhecimento ocorre porque, quanto mais conhecemos alguma coisa, menos nos lembramos de como foi difícil aprendê-la. Isso pode fazer com que o escritor atropele algumas etapas do raciocínio na hora de transmitir a mensagem e acabe suprimindo algumas informações necessárias que, para ele (escritor), parecem óbvias, mas que o leitor talvez não conheça.

Para evitar a maldição do conhecimento, é preciso se colocar na posição do leitor e ter consciência de que ele não sabe o que se passa na sua cabeça e não leu o mesmo conteúdo que você leu. Seja didático, explicando exatamente o que você pretende dizer com aquelas palavras e narrando os passos que você dará para chegar à conclusão que pretende oferecer.  

Dica 6: Instigue o sentido de visão do leitor

Steven Pinker sugere que o ato de escrever deve ser como um tipo de conversa em que o escritor dirige a atenção do leitor para alguma coisa no mundo, preferencialmente instigando os sentidos visuais. A metáfora que ele usa é a da escrita como uma janela para o mundo.  Quando conseguimos levar o leitor a ler com os olhos da mente, ativamos o sentido mais poderoso do cérebro e criamos as melhores condições para a recepção da mensagem.

Esse apelo ao visual pode ser feito de várias formas: (1) utilização de verbos de sinalização que evoquem o senso de visão do leitor (mostrar, olhar, ver); (2) preferência por expressões mais concretas, mais vívidas e mais específicas que permitam ao leitor formar imagens visuais; (3) uso de exemplos com referência ao mundo real, narrando acontecimentos em que pessoas fazem coisas; (4) construção de metáforas e analogias visuais; (5) apresentação de ideias em diferentes pontos de vista.

Dica 7: Construa frases amigáveis

O cérebro está preparado para compreender uma estrutura de frase que começa com um sujeito seguido de um verbo. Esse é o modo padrão que o cérebro enxerga o mundo e adota para codificar um texto. Ao violar esse esquema, você frustrará as expectativas do leitor e o forçará a um esforço de compreensão, aumentando os riscos de falha na transmissão da mensagem.

Por isso, o melhor é manter, sempre que possível, a estrutura sujeito verbo predicado para transmitir uma ideia. Além disso, procure colocar o sujeito próximo ao início da frase para o que o leitor descubra, rapidamente, quem é ele. Do mesmo modo, não intercale muitas palavras entre o sujeito e o verbo. Quando fazemos isso, não só aumentamos o risco de erros de concordância, mas também dificultamos a vida do leitor, que terá que fazer um esforço mental para aproximar os dois principais componentes da frase.

Em suma: escreva para os outros como você gostaria que os outros escrevessem pra você. Se você não gosta de uma frase fora de ordem e repleta de intercalações, não entregue isso ao seu leitor.

Dica 8: Saiba usar o jogo de vozes

A voz ativa é viva, porque se aproxima mais de uma conversa. E o cérebro está equipado para captar as informações transmitidas no formato de uma conversa. Já a voz passiva é escorregadia, sem força, tímida. Geralmente, a voz passiva é usada para esconder o sujeito real, tornando o texto mais impessoal, frio e monótono. Prefira, portanto, a voz ativa.

Mas há um contexto em que a voz passiva pode ser usada. O leitor tende a focar a sua atenção no sujeito da frase. Se o texto diz "o cão mordeu a criança" (voz ativa), cria-se na mente do leitor a imagem de um cachorro mordendo uma criança. O cão é o personagem principal. Por outro lado, se o texto diz "a criança foi mordida pelo cão" (voz passiva), a primeira coisa que virá à mente do leitor é a imagem de uma criança sendo atacada por um cachorro. A criança se torna o personagem principal. Apesar de ser exatamente a mesma cena, o uso da voz ativa ou da voz passiva pode provocar uma mudança de foco, dando ao escritor poder sobre a perspectiva que o leitor adotará.

Dica 9: Dê elegância ao texto

A elegância importa. Um texto frio dificulta a comunicação, porque dispersa o leitor.

O segredo da elegância é estruturar bem as ideias, escolher as palavras certas e dar ritmo ao texto. Isso tende a ocorrer no processo de revisão, quando reconstruímos mentalmente cada frase até encontrar o encaixe perfeito. É difícil explicar como ocorre esse processo, porque é introspectivo. Mas há algumas dicas interessantes.

Para dar ritmo, vale usar a regra de 3 da comunicação. A regra de 3 é uma fórmula simples, elegante e poderosa. Quando usamos essa regra, tornamos a nossa ideia mais fluida, mais efetiva e mais memorável. Essa regra é uma técnica de estilo em que o comunicador usa três palavras ou frases para expressar a ideia que pretende transmitir. Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Simples, elegante e poderosa.

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Outra dica é escrever como se estivesse compondo uma música. Gary Provost mostra como fazer:

Esta frase tem cinco palavras. Aqui estão mais cinco palavras. Frases com cinco palavras estão bem. Mas várias juntas tornam-se monótonas. Ouve o que está a acontecer. A escrita começa a ficar aborrecida. O som começa a afogar-se. É como um disco riscado. O ouvido exige alguma variedade.

Agora ouça. Eu vario o comprimento da frase e crio música. Música. A escrita canta. Tem um ritmo agradável, uma melodia, uma harmonia. Eu uso frases curtas. Eu uso frases de médio comprimento. E, por vezes, quando tenho a certeza de que o leitor está calmo, eu envolvo-o com uma frase de um comprimento considerável, uma frase cuja energia queima, construindo com todo o ímpeto de um crescendo, o rufar dos tambores, o bater dos címbalos sons que dizem Ouça isto, isto é importante.

Assim, escreva com uma combinação de frases curtas, médias e longas. Crie um som que agrada ao ouvido do leitor. Não escreva apenas palavras. Escreva música.

Por último, uma dica poética de Eduardo Affonso: use proparoxítonas. É uma dica que viola o princípio da simplicidade, mas produz elegância. Veja que fantástico:

As proparoxítonas são o ápice da cadeia alimentar do léxico. (...)

Sob qualquer ângulo, a proparoxítona tem mais crédito.
É inequívoca a diferença entre o arruaceiro e o vândalo.
O inclinado e o íngreme. O irregular e o áspero. O grosso e o ríspido. O brejo e o pântano. O quieto e o tímido. (...)

Quer causar um impacto insólito? Elogie com proparoxítonas.
É como se o elogio tivesse mais mérito, tocasse no mais íntimo.
O sujeito pode ser bom, competente, talentoso, inventivo mas não há nada como ser considerado ótimo, magnífico, esplêndido. (...).

Dica 10: Leia sobre estilo de escrita

O que você viu acima é apenas a ponta do iceberg. Para mergulhar mais fundo, a leitura de alguns livros de referência é essencial. Os bons livros de estilo partem de algumas qualidades que uma boa escrita deve ter (força, clareza, concisão, organização, vivacidade, conexão e elegância) e apresentam exemplos positivos e negativos de como obter esses resultados, permitindo uma aprendizagem através de modelos.

Para não abrir tanto o leque, indico dois livros excelentes, na minha ordem de preferência:

1 - Guia de Escrita: como conceber um texto com clareza, precisão e elegância, de Steven Pinker.

2 - Como Escrever Bem, de William Zinsser.

Recomendo esses livros porque: (1) estão atualizados; (2) explicam o que está por trás das dicas; (3) focam a escrita científica; (4) foram escritos por quem entende de escrita; (5) possuem uma linguagem deliciosa.

PS. Semanalmente, publico uma newsletter gratuita com várias dicas como essas. Quer conhecer a Brain Hacks? É só cadastrar seu melhor email e conferir.

PS2. Caso queira aprofundar, aqui a relação completa dos livros consultados e recomendados:

The Elements of Style, de William Strunk e E. B. White

Guia de Escrita: como conceber um texto com clareza, precisão e elegância, de Steven Pinker

Como Escrever Bem, de William Zinsser

Sobre a Escrita, de Stephen King

A Arte de Escrever - Arthur Schopenhauer

Mapas Mentais Tony Buzan

100 ways to improve your writing: proven Professional techniques for writing with style and Power Gary Provost

Style: Lessons in Clarity and Grace Joseph M. Williams

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Sobre o autor
George Marmelstein

Juiz Federal, doutor em direito pela Universidade de Coimbra, professor de direito constitucional

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, George Marmelstein. Dicas de escrita: um roteiro para aprimorar o estilo de linguagem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6980, 11 ago. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/99584. Acesso em: 24 abr. 2024.

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