6.A PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 33/07
O pacote de 5 (cinco) Projetos de Lei anteriormente comentado recebeu complemento pelo mesmo Deputado Sérgio Carneiro, igualmente por sugestão do IBDFAM, em 10 de abril de 2007, quando ele apresentou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de nº 33/07, que visa alterar o art. 226, parágrafo 6º, do Texto Maior, para eliminar do ordenamento jurídico pátrio o instituto da separação judicial (em qualquer modalidade).
Atualmente o art. 226, § 6°, da Constituição Federal apregoa que "o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos". Caso seja aprovada a PEC, tal dispositivo passará a contar com a seguinte redação:
"Art. 226, § 6°. O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio consensual ou litigioso, na forma da lei".
A separação judicial (antigo desquite) está ligada historicamente ao embate travado no Congresso Nacional entre divorcistas e antidivorcistas à época da discussão da Lei nº 6.515/77 (Lei do Divórcio): muito embora estes últimos tenham sido derrotados em tal embate (afinal, o divórcio passou a ser permitido no país), continuaram exercendo fortes pressões para extirpar do ordenamento jurídico um instituto considerado (por eles) pernicioso à formação da família (entenda-se: família matrimonializada), a qual deveria ser sempre e em qualquer hipótese preservada; para aliviar estas pressões, aqueles (os divorcistas) acabaram aceitando a manutenção no ordenamento do instituto da separação como meio de frear e desestimular as partes a procurarem o divórcio.
Passado o calor desta discussão [02] e diante do reconhecimento constitucional de novas entidades familiares, verifica-se que a manutenção da separação judicial, no ordenamento brasileiro, perdeu completamente sua razão de ser. Clama-se então por uma imediata reforma legislativa para que este instituto seja definitivamente extirpado do cenário jurídico nacional.
Nesse contexto é que acreditamos ser muito oportuna a Proposta, ainda mais quando se leva em conta que o divórcio vem cada vez mais sendo facilitado (princípio constitucional da facilitação do divórcio), ex vi da recente Lei n° 11.441/07, a qual autoriza o fim do vínculo matrimonial até mesmo em cartório.
Aliás, impende mencionar que, estatisticamente, os casais acabam optando pelo uso da via menos traumática do divórcio (direto) pelo fato deste se preocupar apenas com a causa objetiva da separação de fato do casal, deixando de lado a apuração do odioso (e completamente subjetivo) elemento culpa pelo término do relacionamento conjugal.
Acrescente-se ainda que o estabelecimento de dois processos judiciais (separação judicial e divórcio por conversão) para que se atinja o fim do vínculo matrimonial provoca no casal oneração financeira desnecessária, isso sem falar do aumento do desgaste psíquico peculiar de processos desta natureza.
7.O ESTATUTO DA FAMÍLIA E DAS SUCESSÕES
Como é cediço, o Código Civil de 1916 foi concebido para ser o instrumento de centralização de todo o Direito Privado, em particular o Direito Civil, daí porque foi conceituado por Gustavo Tepedino (2001) como a Constituição do Direito Privado. Destarte, apesar do brilhantismo técnico do Código, as intensas e dinâmicas relações sociais operadas ao longo do século XX e a constante intervenção do Estado nas ordens econômica e social (Welfare State) provocaram, pouco a pouco, a quebra do monopólio pretendido por aquele, promovendo a criação de uma série de leis, as quais, inicialmente, não constestaram a autoridade do Código, mas que, em um momento posterior, passaram a conviver lado a lado com ele, caracterizando os chamados microssistemas jurídicos, estatutos cuja nota marcante é a consagração de regras próprias de determinados ramos jurídicos, tanto de direito material como de direito processual. Como exemplos mais destacados desses microssistemas, temos o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e o Estatuto da Cidade.
Neste cenário, em 05 de outubro de 1988, a Constituição Federal assume o papel reorganizador do então caótico Direito Civil, passando a ocupar a posição máxima e centralizadora do sistema, sendo que, em posição hierarquicamente inferior a ela, se encontram em pé de igualdade o Código Civil e os estatutos jurídicos. Em clássica metáfora do Professor argentino Ricardo Luís Lorenzetti (1998), em um sistema solar, a Carta Magna funcionaria como o sol, o Código Civil como a Terra e os estatutos jurídicos como satélites ao redor desta.
É neste contexto que se insere a proposta de criação de um Estatuto da Família e Sucessões, tão em voga atualmente na comunidade jurídica brasileira, haja vista que o Deputado Sérgio Carneiro vem discutindo amplamente com membros do IBDFAM a elaboração de Projeto de Lei para instituí-lo no país, à semelhança de avançados Estatutos desta natureza existentes ao redor do mundo, como os Estatutos da Catalunha, do Panamá e da Bolívia.
O Estatuto, por ser especializado, englobará com muito mais eficácia e precisão toda a matéria referente aos Direitos da Família e das Sucessões, inclusive aquela encontrada nos Projetos de Lei e na PEC analisados nos capítulos anteriores, contendo também regras processuais peculiares destas searas jurídicas. O esboço do Projeto de Lei já foi finalizado, encontrando-se em fase de debate com cada um dos mais de 2.000 (dois mil) membros que hoje ocupam os quadros do IBDFAM, debate este que acaba presenteando o instituto no aniversário dos seus 10 (dez) anos de existência.
Evidentemente, a discussão não se restringe aos muros do IBDFAM. Por envolver matéria de interesse de todos, merece ser ampliada aos demais estudiosos dos Direito de Família e das Sucessões, que, caso queiram fazer algum comentário, crítica ou sugestão, podem (e devem) se manifestar diretamente no portal do instituto (www.ibdfam.com.br), em link próprio. O prazo para tal discussão já se encontra no seu final. Portanto, mãos à obra!
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme sucintamente visto ao longo deste trabalho, 6 (seis) propostas de reforma dos Direitos de Família e das Sucessões aportaram recentemente no Congresso Nacional, além do que uma outra importante proposta se encontra atualmente em discussão no âmbito do órgão de maior respeito no trato de questões relacionadas àquelas áreas do Direito Civil, o IBDFAM. Todas essas propostas visam alterar o Código Civil, conferindo aos institutos destas áreas uma nova roupagem, mais condizente com os princípios insculpidos na Constituição Federal de 1988, os quais deram novos contornos à família.
Assim, pretende-se eliminar a influência da culpa na separação judicial na concessão do direito a alimentos e possibilitar a renúncia a este mesmo direito quando proveniente do casamento ou da união estável (Projeto de Lei nº 504/07); inserir a mediação familiar como recomendação na regulação dos efeitos da separação e do divórcio (Projeto de Lei nº 505/07); disciplinar a posse do estado de filiação (paternidade sócio-afetiva) e a inseminação artificial heteróloga autorizada pelo marido (Projeto de Lei nº 506/07); extirpar definitivamente do ordenamento jurídico nacional os efeitos da culpa na separação, eliminando a separação-sanção e, indo além, todas as demais modalidades de separação litigiosa, a separação-falência e a separação-remédio (Projeto de Lei nº 507/07); estabelecer a igualdade de direitos sucessórios entre o cônjuge e o companheiro de união estável (Projeto de Lei nº 508/07); decretar o fim do instituto da separação judicial (Proposta de Emenda à Constituição nº 33/07).
O Estatuto da Família e das Sucessões, no momento em estágio de discussão, pretende abarcar todas essas matérias e, além disso, conferir um tratamento mais preciso e eficaz a estas searas do Direito.
As propostas aqui apreciadas ainda estão em fase embrionária, mas gostaríamos de encerrar o presente trabalho registrando a nossa sincera esperança de que todas elas sejam aprovadas para que as novas tendências dos Direitos de Família e das Sucessões sejam concretizadas. Que venham as novidades! A sorte está lançada...
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TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 2ª ed. rev. atual., Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
NOTAS
01 Noticie-se, entretanto, que, a respeito desta matéria, tramita também no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 108/07, de autoria da Deputada Solange Amaral (PFL/RJ), que pretente aumentar de 60 (sessenta) para 70 (setenta) anos a idade em que passa a ser obrigatória a adoção do regime de separação de bens.
02 A discussão encontra-se superada no plano jurídico. Contudo, setores conservadores da sociedade mundial, em pleno século XXI, ainda relutam em admitir o instituto do divórcio. Nesse sentido, registre-se que o Papa Bento XVI, em sua Sacramentum Caritatis, divulgada no início do ano 2007, afirmou categoricamente que o divórcio é "a praga do ambiente social contemporâneo".