3. AUDIÊNCIAS DE CONCILIAÇÃO NA COMARCA DE PARACURU/CE
3.1 A CONCILIAÇÃO NAS AÇÕES DE DIVÓRCIO LITIGIOSO
No art. 1.571 do Código Civil (BRASIL, 2002) elencam-se as formas de dissolução da sociedade conjugal, entre elas o divórcio:
Art. 1.571. A sociedade conjugal termina:
I pela morte de um dos cônjuges;
II pela nulidade ou anulação do casamento;
III pela separação judicial;
IV pelo divórcio.
O divórcio pode se dar de duas formas: litigiosa ou amigável. Entende-se por divórcio amigável, quando não há litígio e as partes entram em acordo, já no divórcio litigioso existe um litígio entre as partes, que não conseguem decidir as questões relativas ao divórcio de forma consensual, é o fim do casamento de forma não-amigável.
Todavia, para dar entrada em uma ação de divórcio, seja litigioso ou consensual, as partes tinham que estar previamente separadas judicialmente pelo período de 1 (um) ano, fato que foi alterado a partir da Emenda Constitucional n°66/2010[3], que alterou o artigo 226, §6° da CF(BRASIL,1988).[4]
Assim, tornou-se possível entrar com ação de divórcio a qualquer tempo e por qualquer das partes, sem precisar haver prévia separação judicial. Sobre o assunto, Gagliano e Pamplona Filho (2016, p. 60) afirmam que:
o divórcio passa a caracterizar-se, portanto, como um simples direito potestativo a ser exercido por qualquer dos cônjuges, independentemente da fluência de prazo de separação [...].
Ademais, nas ações de divórcio litigioso, que são caracterizadas pela presença de litígio, a conciliação é instrumento de pacificação social, sendo ferramenta importante para resolver litígios que podem ser evitados através de um acordo entre as partes durante a audiência de conciliação.
Com o advento do NCPC/2015, tornou-se obrigatória a audiência de conciliação, envolvendo também as ações de divórcio. Todavia, se tal audiência não for realizada, caracteriza o cerceamento da defesa, conforme jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, in verbis:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE DIVÓRCIO LITIGIOSO COM PEDIDO DE ALIMENTOS. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO. DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA. 1. Caso concreto em que se faz imperiosa a realização de audiência de conciliação, nos termos dos arts. 6º e 13, ambos da Lei nº 5.478/68. Precedentes desta Corte. 2. Desconstituição da sentença. PRELIMINAR ACOLHIDA. SENTENÇA DESCONSTITUÍDA.
(Apelação Cível Nº 70076295245, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 19/01/2018). (TJ-RS - AC: 70076295245 RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Data de Julgamento: 19/01/2018, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 24/01/2018).
Vislumbra-se que a conciliação nas ações de divórcio litigioso nada mais é do que a tentativa de restabelecer o diálogo entre as partes, objetivando a resolução do litígio.
No primeiro momento, o advogado realiza a propositura da ação, e se a petição inicial atender aos requisitos essenciais e não for caso de improcedência liminar do pedido, o juiz logo designará audiência de conciliação.
Autor e réu serão devidamente intimados da audiência, todavia, ambos deverão justificar expressamente o desinteresse pela realização da audiência de conciliação, pois a ausência de forma injustificada é considerada ato atentatório á dignidade da justiça, é o que traz o art. 334, §8° do NCPC(BRASIL,2015):
Art. 334.(...) § 8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.
Durante a audiência de conciliação, que será composta pelas partes, conciliador e respectivos advogados, o conciliador usará meios para tentar aproximar as partes à realização de um acordo. Após a realização do acordo, este será reduzido a termo e homologado por sentença. Maria Berenice Dias (2016, p. 89) afirma que:
Nas ações de família, deve o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação (CPC 694). A audiência de mediação e conciliação pode dividir-se em tantas sessões quantas sejam necessárias para viabilizar a solução consensual (CPC 696).
A audiência de conciliação poderá acontecer a qualquer tempo durante o processo de divórcio litigioso e poderá ser quantas vezes forem necessárias, não podendo ultrapassar dois meses da data da primeira sessão. Outrossim, a pauta da audiência deverá respeitar o intervalo de pelo menor vinte minutos entre o início de uma audiência e o início da outra.
3.2 ANÁLISE ESTATÍSTICA DAS AUDIÊNCIAS DE CONCILIAÇÃO NA COMARCA DE PARACURU/CE
A presente pesquisa foi realizada por meio da coleta de dados no Sistema de Automação da Justiça (SAJ), onde foram filtrados inicialmente todos os processos de divórcio consensuais que estavam em tramitação desde o ano de 2015 a 2019 e litigiosos em tramitação entre os anos de 2015 a 2021. Empós, separou-se os processos de divórcio litigioso em que houve audiência de conciliação.
Por conseguinte, foi analisado quantos acordos houveram nas audiências de conciliação nas ações de divórcio litigioso e a eficiência das audiências de conciliação nessas ações.
Na sequência também foram analisadas outras ações em andamento como alimentos e guarda e a porcentagem de ações que foi realizada audiência de conciliação, afim de tornar possível um comparativo estatístico.
No município de Paracuru, os resultados obtidos com as audiências de conciliação nos últimos 5 anos vêm sendo satisfatórios. A título de exemplo, destacam-se os dados da tabela 1:
TABELA 1 - EFICIÊNCIA DA CONCILIAÇÃO NO DIVÓRCIO LITIGIOSO
DIVÓRCIOS LITIGIOSOS EM NÚMEROS | ||||||
ANO |
||||||
2015 |
2016 |
2017 |
2018 |
2019 |
TOTAL |
|
AUDIÊNCIAS REALIZADAS |
6 |
11 |
8 |
10 |
8 |
62 |
ACORDOS |
3 |
9 |
7 |
10 |
4 |
45 |
EFICIÊNCIA (%) |
50 |
81,8 |
87,5 |
100 |
50 |
72,58 |
Fonte: Adaptado do Sistema de Automação da Justiça Primeiro Grau SAJPG-CE
No ano de 2015, das 114 audiências de conciliação realizadas, 6 foram referentes a divórcio litigioso, resultando 50% dessas audiências em acordos.
Em 2016, das 143 audiências de conciliação realizadas, 11 foram de divórcio litigioso, resultando em um total de 81,82% em acordos.
Já em 2017, foram realizadas 78 audiências de conciliação, sendo 8 delas de divórcio litigioso, tendo como resultado 87,5% de acordos.
A pesquisa referente ao ano de 2018 revela que foram realizadas 124 audiências de conciliação, sendo 10 delas referentes à divórcio litigioso, na qual em 100% foram obtidos acordos.
Sobretudo, no ano de 2019, foram realizadas 118 audiências de conciliação, sendo 9 delas audiências de conciliação referente à divórcio litigioso, na qual em 77,78% foram obtidos acordos.
Das questões decorrentes do divórcio litigioso, como por exemplo, alimentos, tivemos no ano de 2015, o total de 26 audiências de conciliação realizadas, e em 2016, 19 audiências, em 2017, 27 audiências, em 2018, 58 audiências, e em 2019, o total de 48 audiências de conciliação, conforme se vê na tabela 2:
TABELA 2 - CONCILIAÇÃO EM NÚMEROS EM PARACURU

Fonte: Adaptada do Sistema de Automação da Justiça SAJPG-CE
Percebe-se na tabela acima que dentre os procedimentos analisados a demanda de ações de alimentos sem dúvida, são as que predominam na Comarca de Paracuru, o que nos remete aos aspectos sociais e culturais deste Município.
Costumaz a relação se darem tão somente pela união estável dos casais no município de Paracuru. Logo, se explica o maior quantitativo de ação de alimentos quando comparados ao divórcio litigioso.
Sabe-se que no ano de 2020, houveram várias alterações no regime de trabalho do judiciário, tendo em vista o vírus que assolou o mundo, a covid-19, influenciando diretamente na forma de realização das audiências, inclusive nas audiências conciliatórias, como podemos observar por meio dos dados a seguir:
TABELA 3 - ANÁLISE DE EFICIÊNCIA NO PERÍODO DE 2019-2021

Fonte: Adaptado do Sistema de Automação da Justiça Primeiro Grau SAJPG-CE
Tomando por base a tabela acima, extrai-se que houve uma diminuição no número de audiências de conciliação de acordos realizados nas ações de divórcio litigioso nos anos de 2019 e 2020 em relação aos anos anteriores.
Tal fato se deu principalmente por conta do período de pandemia, onde não se sabia ao certo como iriam funcionar as audiências, já que estava suspenso o trabalho presencial sendo substituído pelo remoto por tempo indefinido e toda a população teve que se adaptar a nova forma de realização das audiências e ás tecnologias.
Ademais, várias portarias, decretos e resoluções foram sancionados afim de adaptar o trabalho a realidade vivida durante a pandemia, procurando respeitar o isolamento social e dar continuidade ás atividades sem pôr em risco a vida da população.
Um dos diversos atos foi a Portaria n° 640/2020 que regulamentou o procedimento para a realização de audiências durante a pandemia, senão vejamos em alguns trechos:
Art. 1.º Autorizar, a partir do dia 1° de maio de 2020, durante o período da pandemia do novo coronavírus (COVID-19), consoante Resolução n° 314, do CNJ, e, até que sobrevenha solução definitiva, a realização de audiências por meio de videoconferência, no âmbito do 1.° Grau do Poder Judiciário do Estado do Ceará, principalmente em processos criminais com réu preso, representações da Infância e Juventude e audiências de conciliação, excluindo no último caso os CEJUSCs com regulamentação própria.
Art. 2.º Instituir o sistema Webex-Cisco, como plataforma padrão para realização de audiências por videoconferência no Estado do Ceará durante os efeitos da pandemia ocasionada pelo COVID-19, não excluindo a possibilidade de utilização de outros sistemas equivalentes, nos termos do parágrafo segundo, do art. 6.º, da Resolução nº 314 do CNJ (CEARÁ, 2020, online).
Percebe-se que as audiências de conciliação também passaram a ser feitas de forma remota durante a pandemia. Como este, tantos outros atos foram sancionados visando regulamentar às atividades durante o período, totalizando 35 atos normativos no ano de 2020 e 24 atos até 08 de outubro do ano de 2021.
Durante a pandemia foi adotado o regime de teletrabalho e as audiências de conciliação foram realizadas virtualmente, por meio de aplicativos como o Webex, Microsoft entre outros.
Tal situação teve seus prós e contras, por um lado as pessoas se manteriam no conforto de suas casas de certa forma protegidas do vírus, sem expor suas vidas em risco, por outro lado algumas pessoas não tinham acesso á internet ou aparelhos eletrônicos, e outras mesmo tendo acesso apresentaram dificuldades em manusear as ferramentas, dificultando assim o acesso ás audiências.
Em meio a essa transição, houve uma busca menor por conciliações, tanto pela desinformação de como seria, como também pela falta de habilidade para manusear as ferramentas tecnológicas para acesso às audiências.
Todavia, mesmo mediante os percalços, no ano de 2021, conforme gráfico a seguir, percebe-se que houve um avanço e um crescimento no número de audiências e acordos com o retorno gradativo das atividades presenciais:
GRÁFICO 1 - TENDÊNCIA DE AUDIÊNCIAS E ACORDOS

Fonte: Adaptado do Sistema de Automação da Justiça Primeiro Grau SAJPG-CE
Em que pese o período de isolamento social e regime de teletrabalho, vislumbra-se que o judiciário continuou trabalhando em prol da paz social, da resolução de conflitos de forma célere e pacífica trazendo resultados benéficos para os habitantes de Paracuru.
Por meio da análise foi possível a transformação dos números em dados, ou seja, houve a possibilidade de concluirmos alguns aspectos importantes, como por exemplo, vislumbra-se que as conciliações no divórcio litigioso com o passar dos anos não segue um padrão crescente de acordos. Ainda assim, as conciliações realizadas representam uma boa fatia de todas as audiências realizadas no decorrer dos últimos anos, pois representam 21% de todas as audiências conciliatórias na Comarca de Paracuru.
Ficou constatado que no município de Paracuru há mais realização de audiências de conciliação nas ações de alimentos, visto que há um número predominante de ações nessa área, como também que nas audiências de conciliação realizadas nas ações de divórcio litigioso há um número expressivo de acordos, tendo em vista a quantidade de audiências de conciliação nessas ações.
A partir do presente trabalho foi possível constatar também que no município de Paracuru não existem Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), método utilizado para resolver conflitos de forma célere. Nesses Centros as partes ingressam com uma reclamação e marcam data para realização de audiência visando a celebração de um acordo que se porventura for formalizado pelas partes, será posteriormente proferida sentença homologatória por um juiz coordenador do Cejusc.
Com implementação dos Cejuscs no município de Paracuru seria ampliada a eficiência na resolução de dissídios no município, reduzindo a mora nas tramitações processuais, ampliando o acesso á justiça.
Outrossim, também pôde se auferir que não há realização de audiências de mediação no município de Paracuru, método que visa resolver conflitos evitando processos demorados e novas controvérsias entre as partes, buscando o restabelecimento das relações anteriores.
Seria de grande valia para o município a implementação de Cejuscs e da mediação, métodos que estimulariam a autocomposição entre as partes, principalmente nas ações de divórcio litigioso, como também resultariam em uma maior fluidez no trâmite processual e no acesso à justiça.
Ressalte-se também que apesar dos números referentes às audiências de conciliação no divórcio não serem vultuosos, é possível vislumbrar uma constância nas conciliações no município de Paracuru.
Todavia, em que pese a conciliação ser uma realidade e facilitar o acesso à justiça, ainda poderia ser mais aderida pelas partes para resolução dos conflitos, visto que ainda impera em uma parcela da sociedade a cultura do litígio.
Visando solucionar o problema, no decorrer dos anos, a justiça brasileira vem buscando promover a conciliação como instrumento de pacificação social, utilizando de acordos e meios pacíficos para restaurar o diálogo entre as pessoas e buscando o consenso de forma não-violenta, diminuindo assim a demanda do judiciário, sobretudo, no Município de Paracuru não é diferente, tem se incentivado a prática da conciliação por meio da Semana da Conciliação que acontece geralmente entre os meses de novembro de dezembro.
Outrossim, apesar de ser um Município com poucos habitantes, mesmo assim percebe-se resultados satisfatórios, quanto à eficiência da conciliação, resultados esses comprovados na tabela 1 do presente trabalho, o que reitera a tendência a melhorar nos anos vindouros.
Contudo, sabe-se que a sociedade necessita de formas de resolução de conflitos, e com o passar dos anos a conciliação vem buscando atender essas necessidades, prevenindo conflitos, resolvendo controvérsias de forma pacífica, restabelecendo a comunicação entre as partes, buscando manter uma boa relação entre as partes e promovendo a cultura da pacificação social na sociedade, se mostrando como o caminho mais eficaz para o acesso à justiça de forma célere, segura e eficiente.