Qual a razão de usarmos tantos filtros digitais em nossas fotos postadas nas redes sociais? Qual o motivo de termos tantos filtros que parecemos avatares de nós mesmos? Quem define o que é belo nas redes sociais? De que forma o conceito de belo massificado pela escolha de algoritmos em nossos feeds pode influenciar na nossa escolha estética? Até onde os algoritmos e os filtros nas redes sociais contribuem para o preconceito e a escolha de um padrão de beleza dominante? Algoritmos que priorizam a publicação de fotos de pessoas em um padrão estético XYB estão realizando preconceito?
Essa ditadura estética nas nossas redes sociais vem alimentando muitos preconceitos, e estereotipando para além das redes sociais o que é ou não belo.
Não são poucas as pessoas que sofrem com isso, e em muitos casos as pessoas que se sentem ofendidas vem procurando os tribunais.
É crescente o número de demandas de ações na justiça por pessoas que alegam terem sido vítimas de gordofobia.
Apenas em São Paulo houve 9 pedidos de indenização por dano moral em três anos e 7 foram julgados procedentes; na área trabalhista, TST já tem em análise de cerca de 1.414 processos.
Em que pese não termos ainda exista um padrão estatístico, o número de ações na Justiça com alegação de gordofobia vem crescendo nos tribunais brasileiros. Só no Estado de São Paulo foram quatro sentenças este ano em pedidos de indenização por dano moral, segundo levantamento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP). No ano passado, foram três decisões e, em 2020, duas. Dessas nove ações, sete foram julgadas procedentes, de acordo com matéria publicada no jornal Estadão.
Ainda que recente, a busca de reparação por danos morais por gordofobia ainda não possui jurisprudência com esse termo no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Até agora são mais comuns os casos de assédio moral no ambiente de trabalho, tratados como questões trabalhistas. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) registrou aumento do número de ações de pessoas contra empresas por causa da gordofobia.
Define-se gordofobia como repúdio ou aversão preconceituosa a pessoas gordas, que ocorre nas esferas afetiva, social e profissional.
Em que pese o Brasil não ter uma lei específica para punir quem pratica a gordofobia, a nossa Magna Carta prevê que ninguém pode sofrer discriminação por nenhuma característica ou atributo pessoal. Com a universalização das redes sociais, a gordofobia foi anabolizada.
Em outubro de 2021, a bailarina e influenciadora Thais Carla venceu um processo judicial que moveu contra um humorista após sofrer gordofobia, abrindo caminho para outras ações semelhantes, uma vez que o querer viralizar com piadas e exposição de terceiros, nas reses sociais amplificam o preconceito, mas ao mesmo tempo servem de elemento probante nas demandas judiciais por quem se sente ofendido.
O caso foi julgado pela 8.ª Vara Cível do Juizado Especial de Salvador e o humorista foi condenado a pagar R$ 5 mil por danos morais.
Em Franca, interior de São Paulo, o ex-vereador e jornalista José Corrêa Neves Júnior entrou com ação contra um engenheiro, alegando ter sido ofendido por ele ao ser chamado pejorativamente de gordo e gordão em publicação em rede social que teve dezenas de visualizações e compartilhamentos. O juiz Humberto Rocha condenou o engenheiro a pagar indenização de R$ 20 mil a título de danos morais.
No último dia 20 de maio na 2.ª Vara do Fórum Regional de Santo Amaro, em São Paulo, a técnica de enfermagem D. procurou a Justiça depois de ser ofendida moralmente por uma médica na unidade de saúde em que ambas trabalhavam. A vítima relatou que, por várias vezes, a médica impediu que ela usasse uma cadeira da área de atendimento, pois poderia quebrá-la. Você é muito gorda, vai quebrar a cadeira de minha amiga. Já não disse para você pegar outra cadeira mais forte?
Na defesa, a médica alegou que teve apenas cuidado e não intenção de ofender, mas a juíza Andrea Ayres Trigo entendeu que houve gordofobia e ela foi condenada a pagar R$ 10 mil à vítima. E nem se fale que a ré apenas exerceu o seu direito de liberdade de expressão, visto que a liberdade de expressão se limita ao atingir a honra e a imagem da pessoa, devendo, assim, ser reconhecido o ato culposo da requerida, bem como o abalo moral sofrido pela requerente, escreveu.
Na decisão, o juiz lembrou que o preconceito contra a obesidade compromete a saúde, dificulta o acesso de pessoas acima do peso ao mercado de trabalho e a tratamentos adequados, afeta suas relações sociais e a saúde mental. Os dados são de um periódico científico publicado em 2020 pela Nature Medicine, e assinado por mais de 100 instituições de todo o mundo, incluindo a Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica, disse o juiz.
Cerca de 57% da população no Brasil está acima do peso, segundo dados de 2021 do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas, o que pode dar a dimensão do número de pessoas sujeitas a todo tipo de preconceito.
A gordofobia, o preconceito ao corpo gordo que pode ser um dos gatilhos para levar à anorexia e outros transtornos alimentares, não são problemas novos, mas têm sido reforçados pelo acesso às redes sociais, que propiciam as relações e a exposição das dificuldades com o corpo, das dicas de como disfarçar a anorexia, do apoio para permanecer na doença. Mas por outro lado, as redes sociais também têm colaborado para ampliar movimentos de aceitação do corpo e para apoiar as pessoas que desejam se tratar.
Os transtornos alimentares são condições graves relacionadas a comportamentos alimentares persistentes que afetam negativamente a nossa saúde e as nossas emoções. Os distúrbios mais comuns são anorexia nervosa, bulimia, compulsão alimentar, transtorno alimentar restritivo evitativo e vigorexia. Esses distúrbios são desencadeados por uma série de fatores associados à depressão ou à ansiedade.
No caso da Anorexia nervosa, por exemplo, ela acontece quando há uma preocupação exagerada com o próprio peso. A pessoa se olha no espelho e, embora esteja extremamente magra, se enxerga obesa. Com medo de engordar ainda mais, exagera na atividade física, faz jejum, vomita, toma laxantes e diuréticos. E esse processo pode causar danos físicos muito graves.
Cotidianamente e de forma intensa, abrimos nossos celulares e nas diversas redes sociais que nós e nossos filhos frequentam nos deparamos com aquela pessoa que tem uma imagem escultural, uma perfeição, seja pelos filtros, academias e outros aplicativos que tornam muitos e suas publicações, verdadeiros avatares.
Quando a convivência com esses perfis se torna diárias para jovens e crianças estabelecemos um padrão ditatorial de estética, afinal mais likes geram mais publicações nos feeds e mas comentários geram dentro da economia da desatenção mais visualizações.
Assim jovens e adultos viram prisioneiros de estereótipos estéticos quase que inatingíveis. Vamos ao espelho, nos comparamos numa obrigação estética que é imposta pela ditadura dos algoritmos de atenção, e que muitos de nós republicamos com filtros e outros avanços tecnológicos pra ficarmos mais próximos das novas referências.
Para pessoas que sofrem com Transtorno de Imagem, não é tão simples assim, também conhecido tecnicamente como Transtorno Dismórfico Corporal ele envolve pessoas que acreditam serem portadoras de algum defeito que lhes confere feiura ou as fazem ser o centro negativo das atenções. O caso pode ocorrer por uma crença no que chamam de um nariz torto, um cabelo sem valor, um rosto quadrado pernas tortas etc, em quantos encontros de amigos assistimos amigas e amigos perfeitos sempre infelizes com a sua aparência? Adolescentes em plena transformação falando em intervenções cirúrgicas?
Estudos indicam que o Transtorno de Imagem é hoje considerado como parte integrante do espectro obsessivo compulsivo. Mas as redes sociais são uma arma perigosíssima na mão dos pacientes. Podem trazer a ideia de que uma cirurgia plástica ou uma harmonização facial resolveria o problema. Mas não resolveria. Porque não se soluciona problema de mundo interno atuando no mundo externo.
Logo tente imaginar os milhões de jovens insatisfeitos diante da ditadura estética das redes sociais e a convivência desses nas redes sociais quando estiveram instrumentalizadas com as ferramentas do metaverso? Em breve teremos a ditadura doa avatares no metaverso, onde a perfeição dos corpos sempre será atingida por nossos avatares, como cuidar disso?
De acordo com um estudo realizado pela entidade de saúde pública do Reino Unido, a maioria das pessoas apontou a rede social visual dos stories e reels como a que mais influencia no sentimento de ansiedade e solidão. De forma idêntica, em terras brasileiras, a Fundação Getúlio Vargas publicou estudo em 2019 mostrando que 41% dos jovens brasileiros responsabilizam as redes sociais por sintomas como tristeza, ansiedade ou depressão.
As redes criam a ditadura da estética e logo nos comparamos com os outros e sofremos. Queremos ter a vida de Instagram, o emprego de LinkedIn e a casa de Pinterest, ainda que muito pouco daquilo seja real.
Aparentemente as pessoas se inscrevem em diferentes serviços por diferentes motivos, e estar em tantas delas ao mesmo tempo acaba gerando um cansaço, ou seja desatenção, onde as pessoas nem sabem o que de fato estão curtindo e o fazem no hábito que chamo de protocolar.
As redes dentro da sua lógica de atenção dão vazão a tudo que possa ser multiplicado, gerando mais compartilhamentos, curtidas e comentários e assim toda tristeza e mágoa que é despejada nela se multiplica, todo delírio ganha adesões e é por isso que as Fake News nela se multiplicam.
É nessa confusão de sentimentos que repousa o diabo das redes sociais, aquele que ao invés de nos aconselhar a conversar com quem verdadeiramente nos ama, nos leva a acreditar que a audiência de colegas, conhecidos e muitos desconhecidos pode de alguma forma nos ajudar.
Hoje é possível observar tanto um aumento no número de transtornos alimentares como também no número de vítimas. Esse processo fez com que o Congresso Brasileiro de Psiquiatria, que aconteceu no Rio de Janeiro em abril de 2021, criasse uma sessão especial para discutir as diferentes formas desse problema se manifestar. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 4,7% dos brasileiros sofrem de distúrbios alimentares, no entanto, na adolescência, esse índice chega a 10%. Imagine o que as redes sociais fazem com esses jovens.