Após muitos anos de um entendimento absolutamente sedimentado pelo E. STJ a respeito do prazo extintivo do incentivo Fiscal do crédito-prêmio do IPI, a Egrégia Corte, que até então era absolutamente pacífica quanto à extinção do incentivo em 1990 por força do art. 41 do ADCT, resolveu rediscutir o tema, inclusive em razão da mudança dos Ministros que compõem as Turmas Tributárias, gerando uma disparidade de entendimentos nos últimos três anos. Uns Ministros entendem que o crédito-prêmio foi extinto em 1983; outros, que o incentivo vigorou até 1990; e outros ainda concluem que o benefício vale até hoje.
No entanto, os contribuintes que possuem ações propostas há mais de vinte anos, muitos deles em fase de execução de sentença, com créditos já aproveitados na via administrativa, estão vivendo uma situação angustiante com toda essa polêmica, tendo que se defender não só no Judiciário, inclusive em ações rescisórias propostas pela Fazenda Nacional, mas também na via administrativa, já que o Fisco, aproveitando-se dessa reviravolta, resolveu autuar os contribuintes e questionar, por via obliqua, os títulos judiciais, gerando uma total insegurança jurídica, inclusive em razão do novo debate no próximo dia 13/06/2007 com a entrada do Ministro Herman Benjamin, que até agora não se sabe qual posição adotará, o que poderá levar a uma nova mudança de entendimento.
Como a segurança jurídica é o tema que mais tem vindo à tona diante da celeuma que se criou em torna da matéria, o presente estudo servirá apenas como um alerta para demonstrar as posições antagônicas que se vale o Estado para fazer prevalecer sua fúria arrecadatória, mesmo que isso implique em desrespeito flagrante aos direitos dos contribuintes e ao ordenamento jurídico vigente. Tais considerações devem ser levadas em conta pelo Poder Judiciário no próximo dia 13/06/2007, pois, se é certo que no Brasil não se pode contar com uma coerência nas manifestações do Poder Executivo, o mesmo não se pode concluir com relação ao Poder Judiciário, que deve trazer uma certeza, uma precisão na garantia de proteção jurídica conferida ao cidadão.
Vicente Rao [01], citando as lições de Portális, com o intenção de definir a questão da segurança jurídica e da irretroatividade das normas jurídicas, afirma com precisão que:
"O homem, que não ocupa senão um ponto no tempo e no espaço, seria o mais infeliz dos seres se não se pudesse julgar seguro sequer quanto à sua vida passada. Por essa parte de sua existência, já não carregou todo o peso do seu destino? O passado pode deixar dissabores, mas põe termo a todas as incertezas. Na ordem da natureza, só o futuro é incerto, e esta própria incerteza é suavizada pela esperança, a fiel companheira de nossa fraqueza. Seria agravar a triste condição da humanidade querer mudar, através do sistema da legislação, o sistema da natureza, procurando, para o tempo que já se foi, fazer reviver as nossas dores, sem nos restituir as nossas esperanças.".
Uma peculiaridade que tem cercado o assunto do crédito-prêmio do IPI, mas que não tem sido estudado com a profundidade com o tema merece, é a questão da segurança jurídica relacionada à expedição de determinados atos administrativos pelo próprio Ministro da Fazenda e pela Procuradoria da Fazenda Nacional à época da concessão do incentivo previsto no Decreto-lei nº 491/69, quer regulamentando-o em data posterior a 30/06/83, quer emitindo opiniões no sentido do Decreto-lei nº 1.658/79 ter sido revogado pelo Decreto-lei nº 1.724/79, o que teria fulminado com a data extintiva prevista no referido diploma legal, em 30/06/83. No entanto, depois de condenada em processo judicial a restituir o crédito-prêmio após essa suposta data limite, a Fazenda Nacional resolver voltar atrás no seu entendimento para tentar minimizar os efeitos da sua derrota na ação, asseverando, de forma casuística, que o Decreto-lei nº 1.658/79 teria produzido efeitos no sentido de extinguir o crédito-prêmio em 30/06/83.
Assim, longe de pretender esgotar o assunto, mas apenas no intuito de aguçar o debate no meio jurídico, o presente estudo também tem o propósito de avaliar toda essa situação para averiguar se o ordenamento jurídico permite que o estado seja susceptível de orientações de tal natureza, em notório prejuízo aos contribuintes e ao estado democrático de direito, que em seu ápice prevê a segurança jurídica como forma de preservar a estabilidade das relações sociais.
Diante do contexto que se instaurou com a edição de diversas normas tendentes a regulamentar o ressarcimento do incentivo, não basta se debruçar apenas sobre a questão da validade, vigência e eficácia dos Decretos-leis que regulamentaram o crédito-prêmio, sendo imprescindível analisar o conjunto normativo editado na época, para verificar se deste contexto fático nasce uma situação jurídica apta a merecer uma proteção do Poder Judiciário.
É que o Judiciário tem cuidado apenas destas normas superiores, ou seja, dos Decretos-leis que criaram o incentivo e permitiram que órgão inferiores viabilizassem o uso do mesmo, conforme se verifica da seguinte passagem do REsp nº 541.239/DF [02], no qual o Ilustre Ministro Teori Albino Zavascki, nega, data venia, a existência do conjunto normativo editado à época do incentivo, se atendo apenas à questão das normas de superior hierarquia:
"Ora, conforme antes se fez ver da evolução legislativa do incentivo fiscal em exame, não há norma alguma que tenha assegurado a vigência do benefício para além de 30.06.83. O que existia era apenas a "possibilidade" de isso vir a ocorrer, se assim o decidisse o Ministro da Fazenda, com base na delegação de competência que lhe fora atribuída."
Data maxima venia do entendimento do Ilustre Ministro Zavascki, é notório que existiu sim norma jurídica, não só no sentido lato da palavra (compreendendo-se a exegese construída a partir de uma lei de superior hierarquia - Decretos-leis nº 491/69 e 1.724/79), mas também no sentido restrito (Portarias e Pareceres), criados pelo próprio Poder Executivo para viabilizar o uso do incentivo após 30/06/83, inclusive extinguindo-o em 01/05/85 (Portaria nº 176 de 12/9/84), conforme se verá detalhadamente adiante, razão pela qual não se pode querer separar todo esse conjunto normativo para analisar somente a eficácia das normas de superior hierarquia, se as de inferior graduação também produziram efeitos, regulando e legitimando a conduta dos contribuintes, inclusive com base nestas normas jurídicas (pareceres e portarias) expedidas pelo próprio governo.
Assim, convém fazer apenas alguns apontamentos acerca dos atos administrativos, ou seja, de onde retiram sua validade, a necessidade de sua motivação, o seu objetivo ou propósito, seus efeitos no mundo jurídico, e a sua desconstituição, tudo a demonstrar que a elaboração de um ato normativo (parecer, por exemplo) ou a expedição de uma norma infralegal (v.g., Portaria), a respeito de determinado assunto, necessariamente produzem efeitos – mesmo que em caráter meramente opinativo – vinculando não só o administrado, mas também a administração na sua conduta de aplicar a lei e exigir o tributo, razão pela qual não podem simplesmente serem desprezados ou abandonados, pois a partir do momento em que foram expedidos, inclusive em razão de uma norma de superior hierarquia que validava aquela atividade, devem ser preservados e respeitados, até mesmo em nome da moralidade administrativa, da segurança jurídica, e em razão da vinculação da administração com os motivos que deram suporte ao ato (teoria dos motivos determinantes).
Há necessidade de se resguardar situações consolidadas pelo tempo, principalmente quando solucionadas à luz de manifestações de vontade da própria administração, e feitas com o fim de implementar o comando da lei, pois daí nasce a previsibilidade, a estabilidade, a certeza, e é nessas últimas que se assentam institutos ou princípios que protegem o cidadão, dentre eles, a segurança jurídica e a proteção a confiança, valores plenamente aplicáveis à administração, conforme, aliás, explicitado pela Lei nº 9.784/99 (art. 2º) [03].
No direito administrativo, os princípios da segurança jurídica e da moralidade administrativa ganham especial relevo pois, tendo o Estado como principal meta o desenvolvimento de atividades voltadas a consecução dos interesses coletivos, visando sempre a orientar os cidadãos na sua conduta de como proceder com o intuito de proporcionar um estado de equilíbrio e certeza nas relações jurídicas, tem-se que, ao exercer qualquer destas atividades, o mesmo deve agir com honestidade, com transparência, com imparcialidade, com razoabilidade, e nunca de forma desleal ou imoral, pois nos primeiros valores é que o cidadão assenta sua credibilidade e confiança no administrador da coisa pública.
De um modo geral, os atos administrativos podem ser conceituados como a manifestação de vontade do estado ou de quem lhe faça as vezes, expedidos com o fim de complementar o comando da lei, para certificar, criar, extinguir, transferir, declarar ou modificar direitos ou obrigações, e sujeitos a controle de legitimidade por órgão jurisdicional [04].
Assim, para a elaboração de um determinado ato administrativo, imprescindível que o administrador se paute primordialmente na lei, isto é, que o mesmo se subsuma ao comando da norma, complementando o sentido e a vontade do legislador para que esta ingresse no mundo jurídico produzindo seus efeitos próprios de direito, surgindo daí o conceito de validade e eficácia, ou seja, de pertinência ou não com o sistema normativo e de produção ou não de efeitos.
Assim, imprescindível que os atos administrativos contenham todos os elementos necessários para ingressar validamente no mundo jurídico, e para tanto, necessário que possuam um conteúdo, uma forma, um objeto, um motivo que seja pertinente com a função administrativa e que tenha uma finalidade específica, conforme nos ensina Hely Lopes Meirelles [05]:
"O exame do ato administrativo revela nitidamente a existência de cinco requisitos necessários à sua formação, a saber: competência, finalidade, forma, motivo e objeto. Tais componentes pode-se dizer, constituem a infra-estrutura do ato administrativo, seja ele vinculado ou discricionário, simples ou complexo, de império ou de gestão.
...................................................................................................................
Sem a convergência desses elementos não se aperfeiçoa o ato, e, conseqüentemente, não terá condições de eficácia para produzir efeitos válidos.".
Na mesma linha, veja o entendimento de Celso Antonio Bandeira de Mello [06]:
"Costuma-se dizer que o ato administrativo pode ser decomposto em elementos, como abstração visando a facilitar-lhe o estudo. Este procedimento de decomposição corresponderia à anatomia do ato, tendo em vista exame de sua eventual patologia, isto é, dos vícios que, porventura, possa apresentar.".
Antes, porém, de analisar os efeitos do ato, vejamos as espécies a fim de compreender seu objetivo. Como no presente estudo só nos interessa a Portaria e o Parecer, vejamos separadamente cada um deles. Assim, por exemplo, a Portaria é uma espécie de ato ordinatório [07], que visa disciplinar o funcionamento da administração e a conduta de seus agentes, quer explicitando o comando de uma lei, quer transmitindo decisões de efeito interno, quer ainda comunicando o andamento das atividades que lhe são afetas. Já os Pareceres são atos expedidos com o fim de atestar um fato, ou emitir uma opinião sobre determinado assunto. Este último, se aprovado pela autoridade competente é convertido em norma de procedimento interno, vinculando todos os órgãos hierarquizados [08].
No caso em estudo, ao expedir uma Portaria disciplinando, por exemplo, a concessão do incentivo para determinados produtos ou para certos segmentos da economia, o objeto desta é a de regulamentar o estímulo para este setor, enquanto que o motivo é o de possibilitar o incremento da exportação para aquela área específica. Ao expedir um parecer para um caso em concreto, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional nada mais faz do que expedir sua opinião sobre a real interpretação da norma legal a ser observada pela administração e pelo administrado, sendo este o objeto principal do ato. Já o motivo, é a necessidade de dirimir uma controvérsia em torno da matéria. Nesta última espécie de ato, há necessidade de motivação, que nada mais é do que "...a exposição dos motivos, a fundamentação na qual são enunciados (a) a regra de Direito habilitante, (b) os fatos em que o agente se estribou para decidir e, muitas vezes, obrigatoriamente, (c) a enunciação da relação de pertinência lógica entre os fatos ocorridos e o praticado." [09]
Todos estes requisitos cairiam no vazio, se, obviamente, não houvesse uma lei concedendo o estímulo, eis que na ausência desta não haveria o que complementar, daí, pois, a importância de se afirmar, que é a lei que irá pautar todas as atividades da autoridade administrativa que, dentro de uma lógica, de uma coerência, deverá retratar de forma incontestável a realidade fática e jurídica daquele momento (vide Teoria dos Motivos Determinantes), de acordo com o real objetivo da norma a ser implementada pela administração e pelo administrado.
É o que nos ensina Hely Lopes Meirelles [10], com base na Teoria dos Motivos Determinantes, ao afirmar que:
"os atos administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade. Mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses motivos como causa determinante de seu cometimento e sujeitam-se ao confronto da existência e legitimidade dos motivos indicados. Havendo desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido.".
Nesse mesmo sentido é o entendimento da jurisprudência do E. STJ a respeito da matéria, entendendo que a motivação é que legítima e confere validade ao ato administrativo, vinculando a administração aos fatos que serviram de suporte ao ato:
"ADMINISTRATIVO. MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL. PROMOTORA. AFASTAMENTO PARA REALIZAÇÃO DE CURSO NO EXTERIOR. PRAZO. PRORROGAÇÃO. LEI COMPLEMENTAR 75/93. ATO ADMINISTRATIVO. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES.
- As decisões proferidas na instância administrativa e na esfera jurisdicional conferiram ao art. 204, I, da Lei Complementar nº 75/93 uma interpretação literal, no sentido de que concedido o primeiro período de afastamento ao membro do parquet, o segundo período deverá exatamente ser igual ao primeiro. Se o primeiro foi de seis meses, o segundo será também de seis meses; se for um período de um ano e meio, outro também será de um ano e meio. Mas se for o primeiro período de 2 anos, o último poderá ser também de 2 anos.
O Direito, na lição dos doutores, é uma ciência, e como tal deve se conformar com seu caráter plural. Nessa perspectiva, deve produzir respostas plurais, interpretações plurais, de modo a alcançar os seus elevados fins, atuando sempre de maneira teleológica, na busca do bem comum.
Daí porque não tem sentido conferir ao citado preceito da LC nº 75/93 uma interpretação dissociada do elemento axiológico, com resultado gravoso para ambas as partes. E este prejuízo plural evidencia-se em razão das conseqüências decorrentes da denegação do pedido formulado pela recorrente.
Ao motivar o ato administrativo, a Administração ficou vinculada aos motivos ali expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tem aí aplicação a denominada teoria dos motivos determinantes, que preconiza a vinculação da Administração aos motivos ou pressupostos que serviram de fundamento ao ato. A motivação é que legítima e confere validade ao ato administrativo discricionário.
No caso, se o Conselho Superior do Ministério Público autorizou o afastamento da recorrente sob a premissa de ser relevante e conveniente para a instituição a realização do curso referenciado, vinculou-se a tal motivação não podendo retroceder sob a alegação de que a fração do período letivo não se conformava com as duas quantidades máximas contidas no permissivo da Lei Complementar nº 75/93.
- Segurança concedida."
(RMS 10165/DF, Rel. Ministro Vicente Leal, DJ 04.03.2002 p. 294, LEXSTJ vol. 152 p. 38)."RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIÇO DE DESPACHANTE. PENALIDADE. CASSAÇÃO DE SEU CREDENCIAMENTO JUNTO AO DETRAN. TEORIA DOS MOTIVOS DETERMINANTES. INOBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO E DE FUNDAMENTAÇÃO. DECISÃO NULA DE PLENO DIREITO.
I - Os motivos que determinaram a vontade do agente público, consubstanciados nos fatos que serviram de suporte à sua decisão, integram a validade do ato, eis que a ele se vinculam visceralmente. É o que reza a prestigiada teoria dos motivos determinantes.
II - A sanção, ainda que administrativa, não pode, em hipótese alguma, ultrapassar em espécie ou quantidade o limite da culpabilidade do autor do fato. A afronta ou a não-observância do princípio da proporcionalidade da pena no procedimento administrativo implica em desvio de finalidade do agente público, tornando a sanção aplicada ilegal e sujeita a revisão do Poder Judiciário.
III - Decisão da Autoridade coatora que, pela ausência de fundamentação, afronta o disposto no art. 38, § 1.º, da Lei n.º 9.784/99, imbuindo-a, portanto, de vicissitudes que a invalidam.
IV - Recurso conhecido e provido."
(RMS 13617/MG, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 22.04.2002 p. 183).
Assim, ao expedir um parecer, a Procuradoria nada mais faz do que interpretar de forma discricionária a norma, o que é feito para esclarecer, dirimir uma controvérsia acerca de um determinando assunto, o que deve ser realizado, portanto, de forma motivada, como ocorreu no Parecer IV de 27/08/1981 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, 1981, Ano CXXXII, Tomo I, no qual expunha seu entendimento acerca da inaplicabilidade do Decreto-lei nº 1.658/79 que pretendeu inicialmente extinguir o incentivo a partir de 30.06.83, de acordo com a situação de fato existente à época:
"A Análise da legislação Posterior do Decreto-lei nº. 1.658/79
69. Cumpre seja assinalado que, em 3 de dezembro de 1979, foi editado o Decreto-lei nº. 1.722, que, a par de autorizar, no seu art. 1º, o Poder Executivo, a estabelecer normas para utilização dos benefícios dos arts. 1º a 5º do Decreto-lei nº 491 de 1969, e de estabelecer, no seu art. 3º, nova sistemática para utilização dos redutores previstos no Decreto-lei nº 1.658, de 1979, estatuiu, em seu art. 5º:
Art. 5º. Este decreto-lei entrará em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir de 1º de janeiro de 1980, data em que ficarão revogados os parágrafos 1º e 2º do Decreto-lei nº 491, de 5 de março de 1969, o parágrafo 3º do artigo 1º do Decreto-lei nº 1.457, de 7 de abril de 1976, e demais disposições em contrário.
70. Todavia, antes mesmo que se esgotassem os efeitos desse diploma legal, foi expedido o Decreto-lei nº 1.724, de 7-12-79, estabelecendo que:
Art. 1º O Ministro de Estado da Fazenda fica autorizado a aumentar ou reduzir, temporária ou definitivamente, ou extinguir os estímulos fiscais de que tratam os artigos 1º e 5º do Decreto-lei nº 491, de 05 de março de 1969."
71. Dispondo sobre os estímulos fiscais criados pelos artigos 1º e 5º do Decreto-lei nº 491, de 1969, e tendo autorizado o Ministro da Fazenda não só a aumentar ou reduzir, temporária ou definitivamente, mas também a extinguir os referidos estímulos, de forma clara revogou os Decretos-leis nº 1.658, e nº 1.722 de 1979, regulou a matéria em contradição com aqueles diplomas legais, de modo que hoje a concessão ou retirada desses estímulos depende de ato discricionário do Ministro da Fazenda.
72. Ora, a Lei de Introdução ao Código Civil dispõe, no § 1º de seu artigo 2º que:
§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando com ela seja incompatível ou quando regule a matéria de que tratava a lei anterior." (Grifei).
73. O alcance dessa regra ganha preciosos contornos na lição de Serpa Lopes:
Diz-se que a lei regula inteiramente a matéria da lei anterior quando, dispondo sobre os mesmos fatos ou idênticos institutos jurídicos, os abrange em sua complexidade, v. g. uma lei hipotecária, regulando todo o instituto da hipoteca. Em casos tais, ocorre uma oposição de conteúdo ao lado de uma identidade de objetivo, formando singular e heteróclito consórcio." (In Comentário Teórico e Prático da lei de Introdução ao Código Civil. Pgs. 60/61).
74. Dessa forma, quando o Decreto-lei nº 1.724 de 1979, estabeleceu que o Ministro da Fazenda poderá aumentar ou reduzir, ou ainda, extinguir os benefícios fiscais dos arts. 1º e 5º do Decreto-lei nº 491, de 1969, não só abrangeu a competência limitada do Poder Executivo (art. 1º do Decreto-lei nº 1.722 de 1979), para dispor sobre a forma de utilização de tais créditos, como também fulminou a aplicabilidade do comando extintivo previsto no Decreto-lei nº 1.658 de 1979, porquanto incompatível a existência de uma norma determinando extinguir com outra, posterior que, além de autorizar igualmente a extinção, prevê, concomitantemente, a possibilidade de ampliação dos estímulos fiscais em tela.
75. Sem dúvida, as normas do Decreto-lei nº 1.658 de 1979, modificado pelo Decreto-lei nº 1.722, de 3-12-79, que regulavam a extinção, gradual, no tempo, do denominado crédito-prêmio (Decreto-lei nº 491, de 1969), são incompatíveis com o preceito, posterior, do Decreto-lei nº 1.724, de 7-12-79, que atribui competência discricionária ampla ao Ministro da Fazenda, para extinguir o referido estímulo fiscal, vale dizer, sem as limitações fixadas nos Decretos-leis anteriores. "
Em outro parecer, verifica-se que a própria Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional sedimentou seu posicionamento, de forma pública, isto é, de que o Decreto-Lei nº 1.658 foi revogado pelo Decreto-Lei nº 1.724, conforme Parecer XIII, publicado no livro "Pareceres da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional", Tomo I, 1982, pg. 53 e segs., devidamente aprovado pelo Ministro da Fazenda, que diz em seu item 5, que o Decreto-Lei nº 1.658/79, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 1.722/79, foram revogados e não teriam aplicação após 07/12/79:
"Nesse particular sobreleva notar, o Decreto-Lei nº 1.658, de 24 de janeiro de 1979 - o qual determinara a redução gradual do incentivo até sua extinção, e que, alterado pelo Decreto-Lei nº 1.722, de 03 de dezembro de 1979, foi a final revogado pelo Decreto-Lei nº 1724, de 07 de dezembro de 1979 - bem como o disposto na Portaria nº 960 dessa mesma data, que suspendeu o estímulo fiscal, e na Portaria nº 78, de 1º de abril de 1981, que revogou a suspensão, autorizando a fruição do "Crédito-Prêmio" em alíquotas decrescentes."
Esse Parecer foi aprovado pelo Sr. Ministro da Fazenda, Carlos Viacava, em 19/02/82.
E a corroborar essa posição do ilustre publicista, a Lei Complementar 73/93 é expressa sobre a vinculação obrigatória dos órgãos ligados à Advocacia-Geral da União, entre eles, é claro, a Procuradoria da Fazenda Nacional (vide art. 2º da LC 73/93), quanto às operações postas em pareceres, ficando obrigados os procuradores a "lhe dar fiel cumprimento", conforme arts. 40 e 42:
"Art. 40. Os pareceres do Advogado-Geral da União são por este submetidos à aprovação do Presidente da República.
§ 1º. O parecer aprovado e publicado juntamente com o despacho presidencial vincula a Administração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento.
§ 2º. O parecer aprovado, mas não publicado, obriga apenas as repartições interessadas, a partir do momento em que dele tenham ciência."
"Art. 42. Os pareceres das Consultorias Jurídicas, aprovados pelo Ministro de Estado, pelo Secretário-Geral e pelos titulares das demais Secretarias da Presidência da República ou pelo Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, obrigam, também, os respectivos órgãos autônomos e entidades vinculadas.".
Referido entendimento devidamente motivado da Procuradoria da Fazenda Nacional foi também implementado em juízo, conforme se vê das razões expostas no recurso extraordinário interposto em 28/07/89, contra o v. acórdão proferido na Apelação Cível nº 110.397-DF (Reg. 7862768), no qual o Procurador defendia que o crédito-prêmio tinha sido prorrogado além dos 30/06/83 em face da edição do Decreto-lei nº 1.724/79:
"Posteriormente, em função de nova conjuntura, o ora atacado Decreto-lei nº 1.724, de 7 de dezembro de 1979, autorizou o Ministro da Fazenda a adotar esquema mais flexível que o determinado no transcrito Decreto-lei nº 1.658/79 (alterado), com o fim de "melhor compatibilidade da Política Fiscal e a de Comércio Exterior" (EM nº 468, de 7/12/79, in DCN de 15/03/80, pg. 186). Esse esquema foi altamente favorável aos exportadores de manufaturados, que tiveram, assim, os estímulos fiscais prorrogados além de 30 de junho de 1983 e aplicação de alíquotas mais vantajosas (vencida a fase de suspensão da Portaria 960/79)..
Vide também o entendimento exarado pela Procuradoria na Apelação nº 89.01.24126-9-DF, em que confessa em juízo, no seu recurso que o Decreto-Lei 1.658/79 não chegou a ter vigência por ter sido revogado pelo Decreto-Lei 1.724/79, nos seguintes termos:
"Em conseqüência, foi baixado o Decreto-Lei 1.658/79, que nem chegou a ter vigência por sua efêmera duração, estabelecendo a redução progressiva do estímulo fiscal em apreço.
A pressão externa forçou mais ainda, o que nos levou à imediata revogação do Decreto-Lei 1.658/79 pelo Decreto-Lei nº 1.724/79, cujo efeito imediato foi a suspensão do crédito-prêmio (Portaria 960/79)."
Assim, o que se vê é que todas essas manifestações exaradas pela própria Procuradoria da Fazenda Nacional foram feitas de acordo com a interpretação discricionária das normas vigentes à época, e de acordo com o que ocorria naquele momento, ou seja, de que o incentivo não havia sido extinto em 1983, daí pois a motivação esposada no Parecer acima no sentido da total incompatibilidade do Decreto-lei nº 1.724/79 com o Decreto-lei nº 1.658/79, o que implicaria na revogação (de forma clara – é o termo utilizado no Parecer) deste último diploma legal na forma da Lei de Introdução ao Código Civil.
A realidade, portanto, apontava um outro caminho que não aquele determinado inicialmente pelo Decreto-lei nº 1.658/79, daí, pois, os Pareceres elaborados pela própria Procuradoria da Fazenda Nacional, assim como inúmeros atos normativos (leia-se portarias) expedidos pela administração, depois da suposta data extintiva prevista no Decreto-lei nº 1.658/79, conforme arrolado pelo Ilustre Advogado Tributarista, Dr. Francisco Roberto Souza Calderaro, precursor da tese do Crédito-Prêmio do IPI no Brasil, em importante estudo sobre o tema, que foi publicado na Revista dos Tribunais nº 850, de agosto de 2006, pgs. 111/161:
Passa a conceder o crédito-prêmio, para as exportações realizadas a partir de 11/7/83 (depois da falsa extinção) para os produtos das posições da T.I.P.I. 17.03.00 (melaços), 22.08.00.00 e 22.09.01.00 (álcool etílico) de diversas graduações, que não faziam jus ao incentivo."Portaria 161 – 8/7/83:
Portaria 264 de 17/10/83: Passa a conceder o crédito-prêmio para os produtos da posição 23.07.99.00 da T.I.P.I. (cloreto de colina) com vigência a partir de 19/10/83 (mais de três meses depois da falsa extinção).
Portaria 267 de 25/10/83: Passa a conceder o crédito-prêmio para a posição 02.01.04.00 da T.I.P.I. (carnes de suíno) a partir de 27/10/83.
Portaria 294 de 6/12/83: Aumenta a base de cálculo do crédito-prêmio do IPI (concede mais incentivo) para as exportações de produtos têxteis industrializados, nas condições nela prevista.
Portaria 05 de 5/1/84: concede o estímulo fiscal para produtos das posições 76.01.01.00 (alumínio em barra e em ligas) a partir de 6/1/84.
Depois temos as Portarias 6 de 5/1/84 e 9 de 9/1/84 para, respectivamente, produtos da posição TIPI 25.23.00.00 (cimento) e para todos produtos do capítulo 47 da TIPI (papel, cartolina, cartão, etc...)
Portaria 50 de 26/3/84: aumenta o valor do crédito-prêmio, através de sua base de cálculo para fibras de poliéster.
Portaria 84 de 23/5/84: concede o crédito-prêmio para carbonato de magnésio.
Portaria 86 de 23/5/84: dá crédito para pimenta do reino verde em salmoura.
Portaria 94 de 5/6/84: dá crédito para pimentão-doce industrializado (posição 09.04.03.99 da TIPI)
Portaria 95 de 5/6/84: dá crédito para alumínio (posição 76.01.01.00 e 76.01.02.00)
Portaria 143 de 31/7/84: concede o crédito-prêmio para "mel rico invertido" da posição 17.02.99.00
Portaria 156 de 9/8/84: dá o incentivo para os produtos das posições 09.10.04.00 e 09.10.07.00 (gengibre e corcuma desidratados)
Portarias 195 de 4/10/84 e 205 de 4/10/84: a primeira estende o incentivo do Crédito-Prêmio para fibras de poliéster e a segunda aumenta a base de cálculo da Portaria 292/81, de Fob para CIF permitindo a inclusão de
drawback na mesma.Portaria 32 de 11/3/85, dá o crédito-prêmio para a posição 27.10.99.00 (isoparafina)."
O que se vê, é que nos atos administrativos consubstanciados nos pareceres e nas Portarias que expunham um comando geral visando a correta aplicação da lei, explicitando a correta interpretação da norma legal a ser observada pela administração e pelo administrado - continuidade do estímulo após 30.06.1983 - havia uma perfeita correspondência entre o que os mesmos dispunham e a realidade fática e jurídica daquele momento (Teoria dos motivos determinantes), já que na prática o governo continuava pagando o incentivo após 1983, daí a justificativa exposta naqueles atos administrativos para viabilizar a concessão do estímulo em detrimento do disposto no Decreto-lei nº 1.658/79.
A provar tal assertiva, basta ver o decidido administrativamente pelo Conselho de Contribuintes, com base em decisões internas do Consultor da República e do Presidente da República, no qual foi permitido, sem recurso ao Judiciário, que um grupo de empresas usufruíssem o crédito-prêmio, corrigido monetariamente, até o prazo dos ajustes celebrados com o governo o que alcança exportações de 1995 até 1999, eis que no entender do Conselho de Contribuintes, o Parecer JCF 08/92 da C.G.R., tem caráter normativo e é de cumprimento obrigatório pela Administração, como se pode ver da ementa do Acórdão nº 201-69.365 da 1ª Câmara do 2º Conselho de Contribuintes, publicada no D.O. U. de 8/6/95:
"IPI – RESSARCIMENTO EM ESPÉCIE DE CRÉDITO-PRÊMIO. O parecer CF 08-92 da Consultoria-Geral da República, aprovado pelo Exmo., Presidente da República e publicado no DOU em 07.07.86, tem caráter normativo e é de cumprimento obrigatório pelos órgãos hierarquizados. Cumpre, pois, reconhecer o direito ao crédito pelas exportações efe tivamente realizadas ao abrigo de programas BEFIEX e contratadas antes de 31.12.89, corrigindo monetariamente Inexistência de questionamento quanto à matéria fática. Recurso provido, defere-se o ressarcimento postulado.".
Portanto, se houve a expedição de tais normas, o que restou complementado pela edição dos Pareceres devidamente motivados com um fim determinado, os quais visaram integrar o sentido e a vontade do legislador, é porque, obviamente, existia o incentivo depois de 1983, eis que para todo ato administrativo há necessidade da necessária motivação que consagra a teoria dos motivos determinantes segundo uma lei válida, daí porque, o Estado fica vinculado aos motivos determinantes do ato, porquanto em perfeita sintonia com a realidade, em estrita consonância com aquilo que ocorria na prática, e que serviu de suporte aos administrados, aos exportadores que se basearam naquelas normas administrativas e nos pareceres para viabilizar suas condutas.
São portanto, atos válidos que produziram efeitos, e como nenhum deles foram invalidados na época da concessão do incentivo através de um meio válido, tendo produzidos seus efeitos de direito, inclusive posteriormente em juízo, com a discussão singela de que seria constitucional a delegação de poderes concedida pelos Decretos-leis nº 1.724/79 e 1.894/81, bem como as Portarias do Ministro da Fazenda, o que já foi devidamente dirimido pelo Poder Judiciário no RE nº 186.623/DF, Rel. Ministro Carlos Velloso, e no RE nº 250.288-0/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, e principalmente no RE nº 180.828-4, este último visando a concessão do incentivo no período de 1985 a 1990, resta claro e evidente que a mudança de entendimento feita de forma casuística somente em 1998 através do Parecer AGU-SF-01/98, quanto à aplicação do comando extintivo previsto no Decreto-lei nº 1.658/79, é no mínimo imoral, é desleal e fere, de forma patente, a moralidade administrativa e a segurança jurídica e do direito, pois daquela norma expedida pelo poder público, surgiu para o cidadão a previsibilidade, a estabilidade, a certeza de que nem mesmo o executivo seguia uma lei, que ao ver da mesma inexistia no mundo jurídico já que revogada (de forma clara).
E isto que nos ensina o Professor Almiro do Couto e Silva em importante estudo sobre o "Princípio da Segurança Jurídica (proteção à Confiança) no Direito Público Brasileiro e o Direito da Administração Pública de Anular seus próprios Atos Administrativos: O prazo decadencial do art. 54 da Lei do Processo Administrativo da União (Lei nº 9.784/99)", publicado na Revista Eletrônica de Direito do Estado:
"É certo que o futuro não pode ser um perpétuo prisioneiro do passado, nem podem a segurança jurídica e a proteção à confiança se transformar em valores absolutos, capazes de petrificar a ordem jurídica, imobilizando o Estado e impedindo-o de realizar as mudanças que o interesse público estaria a reclamar. Mas, de outra parte, não é igualmente admissível que o Estado seja autorizado, em todas as circunstâncias, a adotar novas providências em contradição com as que foram por ele próprio impostas, surpreendendo os que acreditaram nos atos do Poder Público."
E nem há que se falar que a Procuradoria resolveu "voltar atrás" posteriormente e emitir novo juízo acerca da aplicabilidade do prazo extintivo previsto no referido diploma legal, conforme se verifica do Parecer AGU-SF-01/98 de lavra do Dr. Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho, elaborado em 15.06.98, pois além de haver uma forma específica para desconstituição dos atos administrativos, que é feita mediante a expulsão desta do ordenamento jurídico, nenhuma norma pode retroagir para alcançar situações passadas e consolidadas pelo tempo (art. 5º, XXXVI c/c o art. 37 da C.F.), havendo inclusive prazo para tanto, conforme explicitado pelo art. 54 da Lei nº 9.784/99, que inclusive veda a aplicação retroativa de nova interpretação da norma administrativa (inciso XIII do art. 2º da referida lei).
Mesmo que se diga que a Lei nº 9.784/99 é inaplicável para situações passadas, ainda assim há que se admitir a existência de um princípio maior previsto no Texto Magno, que é a segurança jurídica plenamente aplicável para as situações em apreço, conforme, aliás, ressalvado pelo próprio Supremo Tribunal Federal no MS nº 22.357/DF, em que o Ilustre Ministro Gilmar Mendes indagado sobre a possibilidade de se invocar o art. 54 da Lei nº 9.784/99 para situações ocorridos anteriormente à vigência da lei, afirmou com precisão que, independentemente da existência da lei, a própria Constituição Federal contempla um princípio maior que é o da Segurança jurídica:
"Não estou seguro de que se possa invocar o art. 54 da Lei nº 9.784, de 1999 (...) – embora tenha sido um dos incentivadores do projeto que resultou na aludida lei – uma vez que, talvez de forma ortodoxa, esse prazo não deve ser computado com efeitos retroativos. Mas afigura-se-me inegável que há um "quid" relacionado com a segurança jurídica que recomenda, no mínimo, maior cautela em caso como os dos autos."
Essa foi também a conclusão do ilustre Professor Almiro do Couto e Silva no mencionado estudo:
"Entenda-se bem: não se está postulando a atribuição de eficácia retroativa ao prazo do art. 54 da Lei de Processo Administrativo da União. O que estamos afirmando é que essa lei, ao instituir prazo de decadência do direito à invalidação, em regra inspirada no princípio da segurança jurídica, introduziu no nosso sistema jurídico parâmetro indicador do lapso de tempo que, associado a outras circunstâncias, como a boa-fé dos destinatários do ato administrativo, estaria a recomendar, após o seu transcurso, a manutenção do ato administrativo inválido.".
Conforme nos ensina o Ilustre Doutrinador (Revista de direito Público – RBDP, Belo Horizinte, ano 2, n. 6, jul/set, 2004, p 7-58) a boa-fé objetiva estende-se ao direito público e é com base nesse princípio que as partes devem proceder, em conformidade com a palavra empenhada, se enquadrando nesse contexto a segurança jurídica, razão pela qual, nos vínculos entre Estado e individuo deve ser assegurada uma certa previsibilidade da ação estatal, assegurando a estabilidade das relações jurídicas e uma certa coerência na conduta do Estado.
O Ministro Gilmar Mendes (MC nº 2900; MSº 24268 e MSº 22357) já decidiu que a proteção à confiança das pessoas atinentes aos atos, procedimentos e condutas do Estado impõe limitações na liberdade de alterar sua conduta e de modificar atos que produziram vantagens para os destinatários, pois não é admissível que o Estado seja autorizado, em todas as circunstâncias, a adotar novas providências em contradição com as que foram por ele próprio impostas, surpreendendo os que acreditam nos atos do poder Público e, como destacado por Karl Larenz, o ordenamento jurídico protege a confiança suscitada pelo comportamento do outro, porque poder confiar é condição fundamental para uma pacífica vida coletiva e uma conduta de cooperação entre os homens e, portanto, da paz jurídica.
E se a própria Procuradoria da União reconheceu que o Decreto-Lei 1724/79 fulminou com o comando extintivo do Decreto-Lei 1658/79, pois "incompatível a existência de uma norma determinando extinguir com a outra posterior, que, além de autorizar igualmente a extinção, prevê, concomitantemente, a possibilidade de aplicação dos estímulos fiscais", conforme exposto no Parecer da Procuradoria da Fazenda Nacional (Ano 1986: Tomo I), aprovado pelo Ministério da Fazenda e pelo princípio da boa-fé objetiva e da proteção da confiança, não pode sustentar o oposto para tentar minimizar sua condenação.
Assim sendo, com as manifestações de vontade exaradas pelo próprio estado no seu mister de orientar os cidadãos com o intuito de proporcionar um equilíbrio nas relações jurídicas, nasce para o administrado a certeza, a previsibilidade da legalidade dos atos do Poder Público, que não podem ser ignorados ou contrariados posteriormente, já que além de vincularem o estado, dessas declarações nasce um valor intrínseco ao ser humano, que é a dignidade, que deve ser preservada, sob pena de ferir de morte os princípios da moralidade administrativa e segurança jurídica.
Portanto, se é certo que o Estado ignorou todo esse conjunto normativo e agiu com total antagonismo, defendendo suas posições de acordo com a sua conveniência e vontade, do outro lado não podemos esperar uma instabilidade nas decisões do Poder Judiciário, que tendo a missão de julgar a compatibilidade destas normas com o ordenamento jurídico, não pode vacilar nas suas posições, deixando o contribuinte nessa eterna vicissitude de entendimentos, já que a segurança jurídica é qualidade intrínseca na missão de julgar, sendo o que se espera no próximo dia 13/06/2007 com a declaração de voto do Ministro Herman Benjamin.
Notas
01 - O direito e a Vida dos Direitos, São Paulo: ed. Max Limonad, 1952, v. 1, pg. 429
02 - Ressalte-se que depois desse julgamento ocorrido em 09.11.2005, no qual se concluiu que o incentivo foi extinto em 1983, o E. STJ voltou atrás em 08.03.2006 (EREsp 396.836/RS) para declarar que o crédito-prêmio vigorou até 1990 por força do art. 41 do ADCT, posição essa, aliás, em absoluta conformidade com a do Colendo Supremo Tribunal Federal, que, no RE nº 180.828-4, concluiu que o contribuinte possuía o direito ao crédito-prêmio no posteriormente a 1983, já que a ação se referia ao ressarcimento do benefício no período de 1985 a 1990. No entanto, com a entrada do Ilustre Ministro Herman Benjamin, que ainda não declarou seu voto, não se sabe ainda o que ocorrerá no próximo dia 13/06/2007.
03 - Art. 2º - A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência..
04 - Celso Antonio Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo. 19ª edição, ed. Malheiros, pgs. 358 e seguintes.
05 - Direito Administrativo Brasileiro – 9ª edição, ed. Revista dos Tribunais, pgs. 105 e seguintes.
06 - idem acima, pgs. 362/363
07 - Hely Lopes Meirelles, in Direito Administrativo Brasileiro – 9ª edição, ed. Revista dos Tribunais, pgs.137 e seguintes.
08 - idem – pgs. 145 e seguintes.
09 - Celso Antonio Bandeira de Mello, in Curso de Direito Administrativo. 19ª edição, ed. Malheiros, pgs. 372/373.
10 - Direito Administrativo Brasileiro, 9ª edição, ed. Rev. Dos Tribunais, pgs. 151 e seguintes.