Sobre Ação Reivindicatória e a Questão da Propriedade veja o tema Publicado em 28/03/05 às 15:22 pelo professor Fernando Joaquim Ferreira Maia, de Teoria Geral do Processo, escreve artigo sobre A Ação Reivindicatória e a questão da Propriedade no Sistema Processual Civil Brasileiro, in verbis.
A AÇÃO REIVINDICATÓRIA E A QUESTÃO DA PROPRIEDADE NO SISTEMA PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO
O ordenamento positivo brasileiro abraçou as idéias de Jhering sobre a posse, vendo esta como a exteriorização da propriedade. Aqui, discorrer-se-á, em linhas gerais, sobre este aspecto que, embora não deixe de envolver a posse, com esta não se confunde: a propriedade e a ação reivindicatória, esta como seu meio de tutela da propriedade.
A posse se relaciona com a propriedade, visto que a sua caracterização se resume a atos praticados por alguém relativos a uma coisa determinada, como se proprietário fosse, visualizando para a sociedade em geral a sua condição de dono, independentemente de ter ou não o título aquisitivo de propriedade. A posse complementa a propriedade no sentido de que é através dela que o proprietário goza e usufrui da coisa, dando utilização econômica a esta.
A propriedade pode existir juridicamente, não ultrapassando jamais os limites mencionados. Para que a propriedade atinja a sua finalidade, exige-se atos que visualizem a propriedade do seu titular sobre a coisa. Já a posse existe e manifesta-se por si só, realizando sua função sócio-econômica, independentemente da existência ou não de algum direito que a justifique(FIGUEIRA JÚNIOR, 1994: 100).
A posse tem autonomia em relação à propriedade no sentido de que para alguém ter a posse sobre uma coisa não precisa ter um justo título que materialize a sua aquisição.
O art. 1228 do Código Civil, ao dispor que a lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua ou detenha, embora tenha mantido, em linha geral, a idéia fundamental do Código Civil de 1916, não deixou de inovar, trazendo a figura do detentor para o pólo passivo da relação dominical. O Código Civil de 1916, por sua vez, se equiparou ao pensamento do Código de Napoleão que, ao seu modo, igualou a idéia de domínio à idéia de propriedade, ao afirmar, em seu art. 544, que a propriedade é o direito de fazer e de dispor do modo mais absoluto, contanto que dela não se faça um uso proibido pelas leis ou pelos regulamentos.
Outrossim, num sentido amplo, a propriedade pode recair tanto em coisas corpóreas como em coisas incorpóreas. Entretanto, na sistemática da legislação civil brasileira, a propriedade é concebida num sentido estrito, sendo expressão que tem por objeto coisas corpóreas, excluindo, assim, coisas incorpóreas, típicas de direitos pessoais. (MONTEIRO, 1997: 82-85)..
A propriedade, assim sendo, tem dois elementos que a compõe: a atribuição e a exclusão. Pela atribuição, a propriedade é uma faculdade concedida a alguém de retirar de uma coisa todas as utilidades que ela pode dar, estando limitada, apenas, em função do interesse público e da acomodação do direito de propriedade dos demais indivíduos na sociedade(AFTALIÓN; VILANOVA, 1994: 948). Pela exclusão, a propriedade é uma obrigação imposta a todas as outras pessoas de respeitar os frutos desta mesma coisa, e de nada se opor ao direito do proprietário, ou seja, a mesma coisa não pode pertencer com exclusividade e simultaneamente a duas ou mais pessoas(TORRENTE, 1975: 41).
Outrossim, a propriedade revela caráter irrevogável, visto que, uma vez adquirida, a propriedade não pode ser perdida senão pela vontade do proprietário, subsistindo independentemente de exercício, enquanto não houver causa legal extintiva(MONTEIRO, 1997: 84).
O Código Civil, em seu art. 1228, acolhe os elementos dados acima e, ainda, informa outros elementos da propriedade: o direito de usar, jus utendi, o direito de gozar, jus fruendi, o direito de dispor, jus abutendi, o direito de reaver a coisa, rei vindicatio.
O jus utendi compreende o direito de exigir da coisa todos os serviços que ela pode prestar, sem alterar-lhe a substância(PEREIRA, 1996: 73-74). Já o jus fruendi consiste em se tirar livremente proveito econômico da coisa, ou seja, de perceber seus frutos(MONTEIRO, 1997: 85).
O jus abutendi envolve o poder de atingir a substância da coisa, visto que é nesta que reside a essência do domínio, poder este que pode ser material ou jurídico(PEREIRA, 1996: 74-75).
Já o rei vindicatio é a ação competente que o proprietário tem para provocar a intervenção da tutela jurisdicional do Estado, diante da verificação de um esbulho, visando enquadrar o esbulhador no direito material e restabelecer a relação jurídica disciplinada pelo direito(PEREIRA, 1996: 75). Esta ação é chamada de reivindicação de propriedade.
Os referidos elementos são autônomos e quando todos estão reunidos no direito do proprietário, a propriedade é considerada plena, ilimitada; caso contrário, havendo ônus real, ou a propriedade sendo resolúvel, ela será limitada(MIRANDA, XI, 1983: 30-31).
As características, em geral, da propriedade são:
a) ela é de direito geral, visto que o proprietário pode tudo sobre a coisa, salvo as exceções legais;
b) ela é de direito coletivo, pois abrange uma série de direitos;
c) ela é de direito unitário, visto que a coletividade de direitos que giram na propriedade estão reunidos e unificados na propriedade;
d) ela é perpétua, pois não se extingue pelo uso;
e) ela é absoluta no sentido de ser oponível erga omnes;
f) ela é exclusiva, pois é inadmissível a cumulação de dois ou mais domínios sobre a mesma coisa.
g) ela é elástica, visto que pode reduzir-se a certo mínimo ou de alcançar um máximo, tudo sem deixar de ser propriedade(BESSONE, 1988: 47-50).
Ademais, vale ressaltar que no direito brasileiro a propriedade do solo abrange o espaço aéreo e o subsolo até onde o proprietário puder utilizá-lo economicamente, desde que não prejudique o interesse público, devendo, ainda, ter amparo legal.
A ação de reivindicação de propriedade e a ação de reintegração de posse são meios de tutela de relação jurídica. Aquela visando defender as relações jurídicas calcadas na propriedade, esta visando defender as relações jurídicas calcadas na posse.
A ação reivindicatória tem como base o art. 5º, inciso XII da Constituição Federal de 1988, ao assegurar a todos o direito de propriedade, e o art. 1228 do Código Civil, além do art. 923 do Código de Processo Civil.
Reivindicar é uma expressão empregada strictu sensu às reclamações sobre coisas. Daí que a ação reivindicatória presta-se a recuperar coisa que se encontra em poder de quem se coloca em antagonismo ao direito e ao exercício do direito de propriedade(FIGUEIRA JÚNIOR, 1994: 73, 285).
A ação reivindicatória, portanto, é uma ação petitória, de natureza real, tendo por finalidade a retomada da coisa do poder de quem quer que injustamente a detenha, exercitável contra todos, adversus omnes(MONTEIRO, 1997: 87).
O cerne da compreensão do direito de proteção da propriedade, assegurado pelo Estado, através da ação reivindicatória, repousa no direito à substância da coisa. Uma vez que esta substância passa a outrem injustamente, contra a vontade do proprietário, está configurada a perda injusta da propriedade e, aí, justificada a provocação da intervenção da tutela jurisdicional do Estado, por meio da reivindicatória, visando restabelecer a relação jurídica material(PEREIRA, 1996: 75).
Observa-se, pois, que a proteção do domínio, da propriedade, assenta-se na exclusividade da propriedade e no seu caráter erga omnes. Sendo impossível pelo direito material brasileiro a cumulação de propriedade sobre um mesmo objeto e tendo o proprietário direito de defender a sua propriedade contra todos, constata-se que os elementos essenciais da ação reivindicatória são a propriedade do autor e a posse injusta do réu, esta que, com base na propriedade, é atacada pelo autor(BESSONE, 1988: 195-196).
A pretensão e a ação reivindicatória, calcadas no jus possidendi, exigem a defesa estrita da propriedade e o fato da posse estar com outrem, pela qual o autor alega e prova, com a apresentação da transcrição do justo título, a escritura, no cartório de registro de imóveis competente, de que adquiriu a propriedade e é o verdadeiro proprietário(MIRANDA, X, 1983: 388-390).
Na reivindicatória, o proprietário não vai buscar a posse, ele vai buscar o seu direito de usar, gozar e dispor da propriedade, que se encontra impossibilitado de exercer em virtude da prática de esbulho. O esbulhador, neste caso, sempre assumirá a condição de detentor da coisa esbulhada. Se o proprietário, além da propriedade tem a posse, ele pode tanto usar da reivindicatória como da reintegratória. Neste caso, o proprietário poderá disputar a posse com base na propriedade, conforme dispõe o art. 1210 do Código Civil e a súmula nº 487 do Supremo Tribunal Federal(MIRANDA, 1977: 101). Se não, só poderá usar apenas de um destes meios de tutela, conforme tenha a posse ou a propriedade. Vale citar os seguintes acórdãos:
\"Não cabe, em sede possessória, a discussão sobre o domínio, salvo se ambos os litigantes disputam a posse alegando propriedade ou quando duvidosas ambas as posses alegadas (STJ-4ª Turma, Resp 5462-MS, Rel. Min. Athos Carneiro, j. 20.8.91, não conheceram, v.u. DJU 7.10.91, p. 13.791)\" (NEGRÃO, 1999: 808).
\"Na pendência de processo possessório fundado em alegação de domínio, é defeso assim ao autor como ao réu intentar a ação de reconhecimento de domínio - art. 923 do CPC (RE 89179-0-PA, Rel. Min. Cordeiro Guerra, j. 3.8.79, deram provimento, v.u., DJU 31.8.79, p. 6470)\" (NEGRÃO, 1999: 809).
Por fim, a reivindicatória é uma ação de defesa da propriedade corpórea. Sendo assim, pela sistemática do Código Civil brasileiro só poderá ser objeto de ação reivindicatória bens corpóreos, pelo qual só quem poderá intentá-la é a pessoa que detiver o título aquisitivo de propriedade. O autor deverá provar em juízo, como já dito, a condição de proprietário, apresentando o justo título. Então, cabe ao autor provar que a coisa ainda se acha na posse do réu, pouco importando a natureza da posse, e detalhar a coisa reivindicada(ARZUA, 1978: 251).
Bibliografia
ARZUA, Guido. Posse: o direito e o processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978.
AFTALIÓN, Enrique R.; VILANOVA, José. Introduccion al derecho. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1994.
BESSONE, Darcy. Direitos reais. São Paulo: Saraiva, 1988.
FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias. Posse e ações possessórias: fundamentos da posse. Curitiba, Juruá, 1994, v.1.
MIRANDA, Francisco Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1977, tomo XIII.
_______. Tratado de direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, tomo X, XI.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1997, v. 3.
NEGRÃO, Theotônio. Código de processo civil e legislação processual em vigor. São Paulo: Saraiva, 1999.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1996, v.4.
TORRENTE, Andrea. Manualle di diritto privato. Milano: Giuffré, 1975.