Caro Rosalvio.
Entendo que este é um ponto de grande interesse na discussão, pois irá determinar
a criminalização de certos atos ou a sua abstinência em todo o escopo da história. Esta discussão que fora omitida nas linhas originais da obra nos permite levantar a questão da responsabilidade das autoridades quando da sua aquiescência que, sob nossa ótica, poderiam ter impedido todo o feito se por ventura, intercedessem efetivamente ou, ao menos, tentassem
ensejar a espera mais duradoura pelo resgate dos réus e, quem sabe, do próprio Roger Whetmore. Estamos falando de crimes comissivos e omissivos e o nosso Código Penal criminaliza tanto a ação quanto a omissão, desde que esta tenha dado causa ao feito.
Assim, explica o Art. 13 do CP.: “O resultado, de que depende a existência do crime,
somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido”.
Outra parte importantíssima do artigo, neste caso, é o § 2º. e suas alíneas “a” e “b” : A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado.
O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção e
vigilância, e b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado.
Sob esta visão, podemos entender que a afirmação positiva do presidente da comissão de resgate quando disse que os exploradores sobreviveriam mais tempo se se alimentassem da carne de um deles, consitui também crime, pois, era a autoridade maior no local e de alguma
forma assumiu a responsabilidade de impedir o resultado (assim o texto da lei se encaixa perfeitamente nos fatos). Por outro lado, a tentativa de consulta à autoridades presentes visando uma autorização para a morte de um deles e a consequente antropofagia, em face à excusa destas autoridades em impedir o feito também constitui crime de omissão pois, tinham por lei a obrigação de vigilância e cuidado, neste aspecto. Isto é, claro, se houver a criminalização do ato dos exploradores quando mataram Whetmore, que ainda vai-se verificar.
Neste sentido, presente o dever de agir, a omissão será atribuída penalmente ao garantidor desde que, no caso concreto, pudesse agir para evitar o resultado, como deixa claro o art.13, §2º do CP. A possibilidade de agir deve ser entendida como a capacidade concreta para a execução de determinada ação com a finalidade de evitar o resultado.
Pode agir quem:
tem conhecimento da situação de fato, tem consciência da condição que o coloca na qualidade
de garantidor, tem consciência e possibilidade de executar a ação114. Ainda, para corroborar a
posição argüida, o crime omissivo próprio consiste no fato de o agente deixar de realizar determinada conduta, tendo a obrigação jurídica de fazê-lo; configuram-se como simples abstenção da conduta devida, quando podia e devia realizá-la, independentemente do resultado. A inatividade constitui em si mesma, crime. No crime omissivo impróprio, o agente responde não pela omissão simplesmente, mas pelo resultado decorrente desta, a que
estava, juridicamente, obrigado a impedir. Também ficam obrigados a agirem, todos aqueles que, em razão de contrato ou de situações de fato, se colocaram, efetivamente, na situação de “garantidores” da não ocorrência do resultado.
Portanto, há de se considerar o fato das autoridades, então revestidas de poder, terem tido a obrigação de evitar o mal fadado ato. Porquanto não se destinaram a cumprir tal obrigação, podemos entender que estes têm de ser responsabilizados por isto, no caso de,
hipotéticamente, os réus serem condenados. Esta é seria a argumentação acerca deste fato omitido.
Porém, Rosalvino, esta argumentação não exime os exploradores de culpa. Cuidado na sua argumentação, pois, se você for defendê-los nesta linha de raciocínio, o máximo que conseguirá será condenar mais uma "meia duzia" junto com eles...
Abr.