Dr. Sven,
O assunto aqui é adoção de adulto por terceiro, sendo que há paternidade biológica reconhecida. Sua jurisprudência tratando de menor e nada é a mesma coisa. Até poderia dizer os fundamentos jurídicos que impedem a consideração desta decisão para este caso, não o farei, a uma porque o senhor sabe e a duas porque pra mim está claro que não consegue fundamentar sua tese e joga para sua platéia de pelegos que não conseguem ver o abismo que diferencia adoção de menores e adultos.
Pois bem, eis a raríssima jurisprudência sobre o tema:
PROCESSO: 00239109220098140097 Ação: Adoção em: 24/11/2010 REQUERENTE:T. L. Representante(s): JALVO ARANTES GRANHEN (ADVOGADO) REQUERENTE:S. M. P. L. Representante(s): JALVO ARANTES GRANHEN (ADVOGADO) REQUERENTE:K. D. S. P. S. Representante(s): JALVO ARANTES GRANHEN (ADVOGADO). SENTENÇA Vistos etc, justificando o tempo de conclusão em face do elevadíssimo volume de serviço. (...), qualificado nos autos, através de seu advogado, ingressou com pedido de ADOÇÃO em favor da adulta (...), também qualificada. Informa que a adotanda é sua enteada, filha de sua esposa, a (...), com o (...). Refere que desde o casamento, ocorrido em 30 de dezembro de 1998, convive com a adotanda, como se sua filha fosse, ¿criando laços socio-afetivos fortes, sendo tal sentimento recíproco¿, pelo que a presente pretende regularizar a mencionada situação de fato. Juntou documentos (fls. 02-31). Ouvido, o Ministério Público requereu a realização de audiência, sendo ouvidos o Requerente, os pais biológicos e a adotanda, os quais ratificaram os termos do pedido, inclusive cientes das consequências jurídicas específicas (fls. 32, 33 v°, 44-45). O Ministério Público requereu diligências, atendidas integralmente pelo Requerente (fls. 43, 48-52). Instado a se manifestar, o Ministério Público, em parecer de mérito, verificando que a pretensão representa reais vantagens para a adotanda, além de amparada em situação de fato, entendendo preenchidos os requisitos de lei, em fundamentado parecer, opinou pelo deferimento do pedido (fls. 56). É o relatório. D E C I D O . Trata-se de pedido de adoção de pessoa adulta. Sobre a adoção de maior, prescreve o Código Civil: Art. 1.619. A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente. Quanto às citadas regras, incidentes à hipótese, tem-se: ECA Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil. § 1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando. § 2º Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família. § 3º O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando. (...) Art. 43. A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos. (...) Art. 47. O vínculo da adoção constitui-se por sentença judicial, que será inscrita no registro civil mediante mandado do qual não se fornecerá certidão. § 1º A inscrição consignará o nome dos adotantes como pais, bem como o nome de seus ascendentes. § 2º O mandado judicial, que será arquivado, cancelará o registro original do adotado. § 3º A pedido do adotante, o novo registro poderá ser lavrado no Cartório do Registro Civil do Município de sua residência. § 4º Nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas certidões do registro. § 5º A sentença conferirá ao adotado o nome do adotante e, a pedido de qualquer deles, poderá determinar a modificação do prenome. (¿) § 8º O processo relativo à adoção assim como outros a ele relacionados serão mantidos em arquivo, admitindo-se seu armazenamento em microfilme ou por outros meios, garantida a sua conservação para consulta a qualquer tempo. Observo não se tratar de adoção internacional, eis que o Requerente é naturalizado brasileiro e reside em território nacional (art. 51, CA). O Requerente goza das condições subjetivas e objetivas necessárias para a adoção pleiteada, eis que tem vínculo familiar com a adotanda há cerca de 12 anos, cuidando da mesma em companhia da mãe biológica, como se seu pai fosse, fundando-se, portanto, em motivos legítimos, a pretensão. Ressalte-se que a adotada referiu o desejo antigo da presente adoção. Por força da convivência feliz e harmoniosa, vê-se que o pedido é francamente benéfico aos interesses da adotanda, revelando-se meio eficiente de suprimento de suas necessidades afetivas e materiais, mormente o exercício regular de seu direito personalíssimo de paternidade. A conveniência da constituição do vínculo pela adoção, destarte, resta inequivocamente demonstrada. Ouvidos, os interessados disseram-se unissonamente acordes na presente adoção, cientes das conseqüências jurídicas desta, inclusive as esculpidas art. 41, e §§, da Lei nº 8.0069/90. Satisfeitos os pressupostos legais, é de ser atendida a pretensão, ressaltando-se o parecer favorável do Parquet. PELO EXPOSTO, com fulcro no art. 1.619, do Código Civil, e nos arts. 42, §§ 1°, 2° e 3°, e 43, do Estatuto da Criança e do Adolescente, e demais legislação aplicável, JULGO PROCEDENTE o pedido, deferindo ao Requerente THOMAS LENHER, qualificado nos autos, a adoção da adulta (...), também qualificada, a qual passará a se chamar (...), pelo que determino o CANCELAMENTO DO REGISTRO ORIGINAL da adotada, bem como dos documentos oficiais expedidos com base em sua certidão de nascimento, com abertura de NOVO REGITRO, no qual se lavrará o assento de (...), filha de (...) e de (...), sendo avós paternos (...) e avós maternos (...), não podendo constar nas certidões dos respectivos ofícios nenhuma observação sobre a origem do ato, salvo tratar-se de ordem judicial. Ante os indicados efeitos sobre os documentos pessoais da adotada, encaminhe-se via/ cópia conferida da presente decisão à Delegacia Regional da Receita Federal, à Delegacia Regional do Trabalho, à Justiça Eleitoral, à Polícia Federal e ao Instituto de Identificação. Oficie-se. Expeça-se mandado de registro da presente decisão, ao Cartório Extrajudicial local. Procedase à conta, intimando-se o Requerente à satisfação no prazo de lei. Ao fim, transitando em julgado, cumprida e recolhidas as custas, arquivemse, com as cautelas legais. Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. Adoção de pessoa maior de idade. Extinção do poder familiar que não implica automaticamente na cessação do elo familiar. Outras questões de grande relevância que demonstram a necessidade de citar o pai para que tome conhecimento desta pretensão da filha. Recurso desprovido.
(994092825829 SP , Relator: Teixeira Leite, Data de Julgamento: 25/02/2010, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/03/2010)
ADOÇÃO. MAIOR DE IDADE. NECESSIDADE DE CITAÇÃO DOS PAIS BIOLÓGICOS.Em que pese a adoção de pessoa maior de idade independa do consentimento dos pais biológicos do adotando, de acordo com artigo 472 do CPC, a citação de todos interessados é condição para que a sentença produza coisa julgada em relação a terceiros. (Agravo de Instrumento Nº 70017937723, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 05/12/2006)472CPC
(70017937723 RS , Relator: Maria Berenice Dias, Data de Julgamento: 05/12/2006, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 13/12/2006)
Percebo que o judiciário não tem permitido tal adoção sem a anuência do pai biológico. Claro que o senhor pode conseguir uma procedência dispensando tal requisito, o direito não é estanque.
Como não estou aqui a buscar amigos e quando vejo um calhorda incitando a prática de um crime lhe digo explicitamente, notadamente o de fingir uma agressão, e por acreditar que como eu, o senhor se interessou pelo assunto, trago um artigo do juiz de direito Celio de Almeida Mello que trata da paternidade sócio afetiva. Sigo sempre me reciclando e acho interessante compartilhar novidades.
CÉLIO DE ALMEIDA MELLO
Juiz de Direito no Estado de São Paulo
1. Introdução
Hodiernamente proliferam, nas Varas de Família de todo o país, ações visando à
desconstituição do vínculo familiar entre pai e filhos sob o argumento, dissimulado
nas entrelinhas, de que somente a biotecnologia seria capaz de dar a palavra final
acerca da validade ou não de uma relação familiar que até então vinha sendo por
eles protagonizada.
Essas ações, movidas por pais que teriam “descoberto” depois de vários anos
que não eram, na verdade, os pais biológicos de seus filhos, acabam por desestruturar
a mais antiga das instituições (a família), provocando, em conseqüência, uma grave
desestabilidade na própria sociedade como um todo.
E, como alicerce da própria sociedade, célula da organicidade do mundo contemporâneo,
a família e os respectivos vínculos existentes entre seus integrantes já
estão por merecer melhor consideração, não podendo sobrepujá-los uma ciência que
praticamente nasceu em meados da década de 70.
Essa, portanto, é a tônica deste despretensioso trabalho, mais voltado à preocupação
quanto ao destino da família e da sociedade do que propriamente com a
perfeição de uma produção jurídico-científica.
Afinal de contas, jamais será possível, mesmo com o ritmo acelerado dos avanços
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na área da biotecnologia, substituir por um mero exame de DNA todo o legado deixado
por aqueles que estiveram juntos nas principais fases do crescimento e desenvolvimento
humano (voltadas à formação do caráter), que experimentaram e descobriram sentimentos
nas situações mais importantes da vida.
Certo é, porém, que a biotecnologia moderna,1 como ciência, não pode ser
responsabilizada por qualquer abalo nos alicerces do Direito de Família, haja vista que
o problema da desconstituição da paternidade não está relacionado às descobertas na
referida área, mas sim à introdução desconcatenada desses avanços nas questões ligadas
à personalidade e à relação parental disciplinadas pelo Código Civil Brasileiro.
Se, de um lado, existe o legítimo interesse na busca pela verdade, de rigor que
a pretensão posta em Juízo seja detalhadamente investigada, porquanto, na grande
maioria das vezes, a ação negatória de paternidade está sendo utilizada visando
exclusivamente à exoneração de pensão alimentícia, o que não deve ser admitido,
uma vez que os sentimentos e experiências que unem pai e filhos não se resumem
numa mera obrigação de natureza pecuniária.
Será, pois, que devemos permitir que a biotecnologia possa alterar e/ou modificar
os sentimentos humanos já enraizados pelo convívio familiar?
2. A concepção de família e a visão dos filhos
2. como integrantes indissociáveis desse núcleo social
Já se disse que a família seria a célula social por excelência, e disso ninguém
nunca duvidou.
O vocábulo família, quando aplicado ao indivíduo, possui, pelo menos, dois significados
distintos:2 o primeiro, denominado especial, compreendendo o pai, a mãe e
os filhos, e o segundo, denominado geral, compreendendo todos os parentes.
Para o estudo ora em comento, de rigor considerar a primeira distinção, mais
precisamente o conceito especial do vocábulo família, a fim de abarcar tão-somente as
relações entre genitor e sua prole, em contraste com as conseqüências advindas do
verdadeiro “dogma” em que se transformou o exame DNA em matéria de paternidade.
Alguns julgados reconhecem (v.g. TJRS, AI nº 599.296.654, j. 18.08.99) três
espécies de paternidade: a paternidade jurídica, a paternidade biológica e a paternidade
socioafetiva. Esses entendimentos jurisprudenciais concluem que, em nosso ordenamento
jurídico, seria possível reconhecer — a partir dos princípios constitucionais
de proteção à criança e ao adolescente — a adoção da denominada paternidade
socioafetiva.
Dentro desse contexto, há de se entender que a relação entre pai e filhos não
deve ser abruptamente interrompida por um mero exame de DNA que revele a inexistência
de materiais genéticos compatíveis entre eles. Na verdade, os filhos, como
integrantes de um núcleo familiar, têm o direito de permanecerem unidos pelo vinculo
de parentesco àquele que tenha atuado na posição de pai nas fases próprias de
crescimento e desenvolvimento humano.
O filho não deve ser considerado, ao contrário do que muitos possam pensar,
mero patrimônio sangüíneo de um determinado indivíduo, pois, para ele, assim como
para o resto da sociedade, pai será sempre aquele que demonstre efetivo carinho e
1 Que, de acordo com a Enciclopédia Larousse, consiste na manipulação de células e do próprio material genético (DNA) e
é denominada tecnologia do DNA recombinante ou engenharia genética.
2 ALMEIDA E SOUSA (Notas de Uso Prático, II, 290).
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afeição para com sua prole, independentemente da existência de alguma compatibilidade
genética (primazia da questão afetiva sobre a biológica).
2.1. A sociedade e a necessidade do fortalecimento
2.1. dos vínculos jurídicos entre pais e filhos
2.1. sob a ótica do Direito de Família
O Direito de Família, cujo objeto é a exposição dos princípios jurídicos que regem
as relações de família, quer quanto à influência dessas relações sobre as pessoas,
quer sobre os bens daqueles que a integram, é, para fins didáticos, subdividido em
duas partes, a primeira, que estuda a sociedade conjugal, seus caracteres (capacidade,
celebração etc.) e suas conseqüências morais, pessoais e patrimoniais (sucessão,
comunicação dos bens etc.), e a segunda, que estuda a sociedade parental, que tem
como objeto as normas tendentes à fixação do parentesco, a que se juntam, por
extensão, tutela e curatela, ausência etc.
O que nos interessa neste estudo é o Direito de Família aplicado à sociedade
parental, mais precisamente no tocante ao vínculo que une pai e filhos.
A esse propósito, vale destacar que os direitos relativos à família são, em regra,
absolutos, havendo até mesmo aqueles que defendam a necessidade de incluí-los
como direitos públicos, e não privados (teoria da publicização3), porquanto sua disciplina
objetiva a proteção não só das relações intersubjetivas, mas também, e talvez
principalmente, das relações dos grupos sociais que as compõem e são a razão de
existir do próprio Estado.
Por isso, é de suma importância o fortalecimento dos vínculos entre pais e filhos,
pois disso decorre a própria estabilidade da sociedade como um todo. Quanto maior
preocupação tivermos para assegurar e garantir uma disciplina sólida nos aspectos
mais importantes do Direito de Família (dentre os quais destaca-se a relação parental),
maior será a consolidação e o respeito daqueles que integram os grupos sociais
para com o Estado.
Por essas razões, não seria possível descartar , sem resistência, as norma utilizadas
para estabelecimento do vínculo parental entre o genitor e seus filhos e que, de
forma reflexa, serviram também para confirmar e assegurar a estabilidade dos grupos
que integram e formam a própria sociedade, com base em uma prova exclusivamente
científica (exame de DNA), sem qualquer preocupação com o aspecto sentimental
envolvido nessa relação.
Nesse sentido, reforça-se a idéia de que, em nosso ordenamento jurídico, foi
adotada a paternidade socioafetiva, revelada em decorrência da denominada “posse
do estado de filho”, a qual deve se sobrepor — como este estudo procurará despretensiosamente
demonstrar — até mesmo à paternidade biológica.
3. A força do exame DNA em contraste
3. com o reconhecimento voluntário da paternidade
A principal indagação para o desenvolvimento da teoria é: o que deve prevalecer,
3 A começar da caracterização mesma do Direito de Família como complexo normativo, há uma tendência marcante para
retirá-lo do Direito Privado, sob o fundamento de que se não deve restringir à proteção da pessoa e à afirmação de direitos
subjetivos, mas tem em vista, mais do que o indivíduo, a tutela de toda a sociedade, ou do Estado mesmo (texto extraído
do livro Instituições de Direito Civil, autor CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA, vol. V, 11ª ed., ed. Forense, 1996, p. 2).
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o exame DNA ou o reconhecimento voluntário da paternidade manifestado por ocasião
da lavratura do assento de nascimento?
Já se disse alhures que o Direito de Família se enquadra em uma categoria
especial, possuindo regras inerentes ao Direito Privado e regras próprias de Direito
Público, razão pela qual haveria, na grande gama dos institutos jurídicos que o compõem,
um interesse voltado à fiscalização e à garantia, pelo Estado, dos atos envolvendo
relações dessa natureza.
Assim é que vários atos jurídicos previstos no Direito de Família não podem ser
realizados diretamente pelas partes envolvidas, como é o caso dos pedidos de separação
ou divórcio, os quais prescindem de prévia e necessária chancela estatal — proferida
pelo Poder Judiciário — declarando ou não a extinção do vínculo matrimonial.
Da mesma forma, o suprimento de idade para o filho homem menor de 18 anos
de idade (ou 16 anos, segundo o novel Código Civil4), e principalmente a extinção do
poder familiar nas hipóteses previstas no art. 1.635 do Código Civil, o que significa
que o Estado não reconhece, dada a importância das questões relacionadas à família,
a disponibilidade desses direitos e/ou deveres.
WASHINGTON DE BARROS DE MONTEIRO assim discorre sobre o tema: “...cumpre
notar, com JOSÉ AUGUSTO CÉSAR, que, no domínio do Direito de Família, as
figuras dos negócios jurídicos, casamento, filiação e parentesco, se acham rigorosamente
determinadas, sendo muito limitada a esfera deixada à vontade individual. Em
princípio, os particulares não podem afastar-se das normas legais que organizam e
regulamentam os direitos e deveres decorrentes da família. Suas regras obrigatórias e
de ordem pública, impondo-se a todos de modo imperativo...”.5
Não se pode, portanto, aceitar que o exame DNA possa sobrepujar o interesse
público que motivou nossos legisladores a considerarem o pátrio-poder (hoje poder
familiar) como fonte de autoridade e de união entre pais e filhos, reconhecendo,
implicitamente, a “posse de estado de filiação”, mormente quando a legitimação da
prole pelo pai se deu em face de uma declaração voluntária por ocasião da lavratura
do assento de nascimento.
A existência de materiais genéticos combináveis entre pais e filhos, detectada
no exame de DNA, é, sem dúvida, prova de herança genética, porém não deve servir
de prova absoluta de paternidade contra aquele que assumiu voluntariamente essa
responsabilidade, mesmo na hipótese em que ele próprio esteja buscando a desconstituição
do parentesco em sede de ação negatória de paternidade.
“ [...] O aspecto socioafetivo do estabelecimento da filiação, baseado
no comportamento das pessoas que a integram, revela que
talvez o aspecto aparentemente mais incerto, o afeto, em muitos
casos, é o mais hábil para revelar quem efetivamente são os pais.
A incerteza presente na posse de estado de filho questiona fortemente
a certeza da tecnologia. Ademais, a verdadeira paternidade
decorre mais de amar e servir do que de fornecer material
genético...” 6
4 Conforme art. 1.517, da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
5 Curso de Direito Civil, vol. 2, 29ª ed., São Paulo: Saraiva, 1992.
6 Texto extraído do excelente trabalho “O papel jurídico do afeto nas relações de família”, de autoria da eminente advogada
e professora SILVANA MARIA CARBONERA, o qual faz parte do livro constante da bibliografia desta monografia, elaborado
sob a coordenação do eminente professor LUIZ EDSON FACHIN.
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Contra a legitimação dos filhos assumida pelo reconhecimento voluntário da
paternidade, o exame DNA constitui apenas uma salvaguarda para o conhecimento
de eventuais patologias de ordem genética, nunca, porém, uma prova definitiva para
a desconstituição do parentesco entre aquele que fez a declaração voluntária do
nascimento e do filho assim reconhecido.
3.1. O reconhecimento voluntário da paternidade
3.1. comparado à adoção e sua irrevogabilidade
A manifestação de vontade exarada sem vícios pelo suposto pai perante o Oficial
do Registro Civil equipara-se — do ponto de vista da proposta inicial deste trabalho
— a verdadeira adoção, tratando-se, assim, de ato irrevogável (art. 48 do Estatuto
da Criança e do Adolescente).
Claro que a disciplina relacionada à adoção de pessoa adulta, que não se enquadre
na hipótese do art. 40 do Estatuto da Criança e do Adolescente, seria aquela
estabelecida pelo Código Civil, de modo que, neste caso, haveria, pelo antigo Código
Civil de 1916, a possibilidade de dissolução do vínculo da adoção nas hipóteses do
art. 374, incisos I e II, daquele diploma legal,7 situação que não se encontra mais
prevista no atual Código Civil.
Retornando ao estudo dos casos envolvendo a paternidade voluntariamente reconhecida,
sendo o adotado menor, referida manifestação de vontade corresponderia
a verdadeira adoção daquele em favor de quem foi feita a declaração, de modo que,
em momento algum, mesmo com base em prova científica (exame de DNA), seria
possível desconstituir a relação de parentesco por ela gerada e tampouco todas as
suas conseqüências de ordem moral e patrimonial, tratando-se, portanto, de ato irrevogável.
Nas pesquisas jurisprudenciais acerca dessa irrevogabilidade, podem ser citadas
as seguintes ementas:
“Adoção - Transação - Retorno do menor aos pais naturais - Inadmissibilidade
- Irrevogabilidade da adoção verificada - Recurso não
provido” (Agravo de Instrumento nº 204.252-1, Santos, rel.
GODOFREDO MAURO, 13.04.94).8
“Adoção - Irrevogabilidade - Artigo 48 do Estatuto da Criança e
do Adolescente - Inadmissibilidade de distinção entre a filiação -
Recurso parcialmente provido” (Apelação Cível nº 170.567-1, São
Paulo, rel. RENAN LOTUFO, 17.11.92).9
E, em relação às características próprias da adoção, vale destacar que “Essa é a
forma de família substituta que mais se aproxima da família natural e, na verdade,
por disposição constitucional, ela se transforma numa família natural, pois, para o
Constituinte de 1988, filhos são filhos, não importando se foram gerados por um ato
sexual ou por ato de escolha”.10
7 O art. 374 do Código Civil de 1916 previa a possibilidade de dissolução da adoção em duas hipóteses: a) quando as duas
partes convierem; b) nos casos em que é admitida a deserdação.
8 Texto extraído do compêndio de jurisprudência (CD-ROM) da Associação Paulista do Ministério Público de São Paulo.
9 Idem, nota anterior
10 JEFFERSON MOREIRA DE CARVALHO, in Estatuto da Criança e do Adolescente, Manual Funcional, Ed. OM, 1997, p. 82.
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Portanto, considerando-se que, nos termos do art. 227, § 6º, da Constituição
Federal, os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, têm os
mesmos direitos, e, sabendo-se de antemão que a adoção é um ato irrevogável, de
nada valerá a realização de exame de DNA objetivando desconstituir o vínculo parental
resultante do reconhecimento voluntário e sem vícios da paternidade.
O sentimento que move o declarante a reconhecer o menor como sendo filho
seu não está simplesmente voltado para uma questão genética, mas sim para o comprometimento
de formação de uma estrutura familiar sólida, de responsabilidade
quanto à necessidade de participação nas fases de crescimento, de compaixão para
com um ser indefeso e desprotegido, de estabilidade emocional-afetiva, e até mesmo
de satisfação pela assunção desses encargos (para as quais o homem, no significado
regular da palavra, é preparado durante toda a vida).
3.2. A impossibilidade de se rediscutir a paternidade
3.2. já reconhecida voluntariamente
Situação comum nas Varas de Família envolve o reconhecimento da paternidade
advindo de manifestação não viciada da vontade, como nos casos em que o homem,
vivendo em companhia de mulher que tenha filhos de relações anteriores, resolve,
voluntariamente e com o prévio conhecimento de que não é o genitor biológico, criar
vínculos familiares mais sólidos mediante declaração de ser o pai dos filhos de sua
companheira.
Ora, se o ato de manifestação de vontade, que, à época, foi realizado voluntariamente
pelo declarante, é equivalente, como pretende demonstrar este trabalho, à
adoção (de caráter irrevogável, portanto), não seria possível admitir sequer a tentativa
de rediscutir judicialmente essa qualidade.
Seguindo-se esse raciocínio, a ação negatória de paternidade proposta pelo pai
contra o filho, nessa hipótese, deveria ser indeferida de plano, sem julgamento de
mérito, em face da total impossibilidade jurídica do pedido.
Com efeito, se a impossibilidade jurídica do pedido deve ser reconhecida pelo
juiz quando a pretensão inicial tenha por objetivo algo não amparado pelo Direito,
como é o caso da revogação da adoção, por força do art. 48 do Estatuto da Criança
e do Adolescente, de rigor reconhecer como carecedor de ação aquele que pretende
desconstituir a paternidade que por ele já havia sido confirmada na certidão de nascimento
ou mesmo através de escritura pública, dada a total impossibilidade da desconstituição
do parentesco nessas circunstâncias.
Contudo, como tal circunstância só poderá ser identificada no curso da ação e
desde que apresentada na defesa, de rigor que, antes mesmo da realização do exame
de DNA, seja aberta oportunidade para o contraditório, com a oitiva de testemunhas,
objetivando eventual caracterização de reconhecimento equiparável à adoção.
Para tanto, deve-se considerar presente o interesse da genitora, que, em tais
hipótese, deverá integrar a lide no pólo passivo.
In casu tampouco se poderia falar em erro essencial, porquanto o reconhecimento
espontâneo da paternidade junto ao Cartório de Registro Civil não tem como
pressuposto a certeza da filiação legítima, mas sim a vontade de assumir a responsabilidade
pela criação e educação do recém-nascido, de um ser humano indefeso,
independentemente da questão genética, como ocorre nos casos de adoção.
A respeito do tema, vale transcrever, neste trabalho, trecho do percuciente voto
do eminente desembargador ANTONIO CARLOS MARCATO que, embora vencido no
entendimento perante seus pares, bem demonstrou a inexistência de falsidade ideológica
em casos de reconhecimento voluntário da paternidade:
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“...é incontroverso o fato de o autor não ser o pai da criança,
mostrando-se altamente duvidosa, isto sim, sua versão de haver
sido induzido em erro. Vale dizer, o assento de nascimento não
expressa a verdadeira paternidade biológica da criança, mas a
exclusão da presunção da paternidade que emana do assento (CC,
art. 348), através de ação negatória de legitimação (e não negatória
de paternidade), só é possível, segundo autorizada doutrina,
se e quando demonstrados: a) a inexistência do casamento, caso
em que inexistente também é a legitimação; b) a nulidade absoluta
do casamento e não ser ele putativo, por má-fé de ambos os
contraentes (mas atualmente os filhos se aproveitam — art. 14,
parágrafo único, da Lei do Divórcio); c) o parto suposto ou a nãoidentificação
do reconhecido (nesse sentido PONTES DE MIRANDA,
Tratado de Direito de Família, vol III, São Paulo: Max Limonad,
1947, pp. 72 e segs.; ORLANDO GOMES, Direito de Família,
1a ed., nº 146, Rio: Forense, 1968, p. 233)...” 11
Reforçando essa mesma tese, recente julgado da E. 2a Câm. Civ. do Tribunal de
Justiça de Minas Gerais entendeu que o reconhecimento voluntário da paternidade é
irretratável:
“Uma vez aperfeiçoada, torna-se irretratável a declaração de vontade
tendente ao reconhecimento voluntário da filiação. A invalidação
dar-se-á apenas em razão de dolo, erro, coação, simulação
ou fraude. Se foi o próprio recorrido a pessoa que compareceu ao
cartório e fez as declarações de registro, não pode ele agora procurar
anulá-la para beneficiar-se da anulação, principalmente em
prejuízo de quem não participou do ato e nem podia participar, por
ser menor de idade” (Ap. nº 117.577/7, rel. des. RUBENS XAVIER
FERREIRA, j. 09.03.1999, DOMG 30.09.1.999, in RT 772/341).
O fator que impulsiona o pai a reconhecer espontaneamente uma criança como
sendo seu filho legítimo perante a sociedade (entenda-se legítimo aquele cuja lei
brasileira reconheça como tal, e não aquele que possua as características genéticas
do genitor) está voltado principalmente a uma questão sentimental, própria das relações
humanas, de modo que o aspecto científico a ele relacionado de nada valeria.
Sendo a adoção irrevogável e levando-se em conta que o reconhecimento espontâneo
da paternidade manifestado pelo “pai” por ocasião da lavratura do assento
de nascimento do filho possui a mesma natureza jurídica da adoção (intenção de
legitimar a paternidade), qualquer posterior pretensão tendente a desconstituir o vínculo
parental nessas circunstâncias estabelecido estaria fadada à extinção em razão
da impossibilidade jurídica do pedido.
3.2. Críticas ao art. 1.601 do Novo Código Civil brasileiro
“Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos filhos nascidos de sua
mulher, sendo tal ação imprescritível” (art. 1.601 da Lei nº 10.406/02).
11 Tribunal de Justiça de São Paulo, 6ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível nº 84.721.4/0.
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Será que o legislador pátrio pretendeu impor, em nosso ordenamento jurídico, a
supremacia do parentesco genético?
Será que a ação de contestação da paternidade poderia ser utilizada pelo “marido”
mesmo após o falecimento de sua esposa e de seus filhos?
De acordo com a redação do referido artigo, poder-se-ia entender que, em nosso
sistema jurídico, o parentesco genético seria absoluto, e o que é pior, que a pretensão
objetivando esse reconhecimento seria imprescritível, razão pela qual estaria sendo
desconsiderada, em todos os aspectos, a própria essência do denominado parentesco
civil, circunstância esta que, sem dúvida, acarretará graves e perniciosas conseqüências
na estabilidade familiar e da própria sociedade como um todo.
Acredito, porém, que essa não foi a intenção do legislador, na medida em que
estabeleceu, no mesmo diploma legal, apenas duas espécies de parentesco:12 a) o
natural, ou seja, aquele resultante da consangüinidade; b) o civil, ou seja, de outra
origem, desde que assim reconhecido pela própria legislação.
Além disso, o novo diploma legal, repetindo a dicção do art. 348 do atual Código
Civil, novamente reconheceu a “posse do estado de filiação”, estabelecendo, em
seu art. 1.604, que ninguém pode vindicar estado contrário ao que resulta do registro
de nascimento, salvo provando-se erro ou falsidade do registro.
Ao que parece, referido dispositivo legal (art. 1.601 do Novo Código Civil)
poderá ser utilizado nos casos em que a legitimação é presumida pater is est quem
nuptiae demonstrant, ou seja, tão-somente em relação às questões envolvendo a
filiação havida exclusivamente da presunção advinda do casamento, excluindo-se,
porém, os casos em que o próprio genitor, casado ou não com a genitora, pretenda
a desconstituição da posse do estado de filiação daquele que por ele mesmo foi
legitimado através de reconhecimento pessoal e espontâneo da paternidade por
ocasião da lavratura do respectivo assento (ato comparado à adoção e, portanto,
irrevogável).
Embora o art. 1.601 do Novo Código Civil reconheça o direito ad eternum do
marido de contestar a paternidade, determinando assim sua incidência exclusivamente
nas relação decorrentes do casamento e relacionadas à paternidade, e não à legitimação
propriamente dita (não se tratando, portanto, de ação objetivando impugnar
a legitimação, mas a própria paternidade), de rigor que as futuras interpretações desse
dispositivo sejam favoráveis ao fortalecimento dos vínculos familiares e afetivos.
Sobre o tema, vale destacar a proposta de alteração legislativa para o referido
artigo. Jornada STJ 130: “Cabe ao marido o direito de contestar a paternidade dos
filhos nascidos de sua mulher, sendo tal ação imprescritível. § 1º Não se desconstituirá
a paternidade caso fique caracterizada a posse do estado de filho. § 2º Contestada a
filiação, os herdeiros do impugnante têm direito de prosseguir na ação”.
E, contrapondo-se à idéia da supremacia do parentesco genético, o art. 1º da Lei
nº 8.560, de 29 de dezembro de 1992, expressamente reconhece como irrevogável o
reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento.
Pois bem, se a adoção é irrevogável (art. 48 do Estatuto da Criança e do Adolescente),
se o reconhecimento dos filhos havidos fora do casamento é irrevogável (art.
1º da Lei nº 8.560/92), por que não entender que o reconhecimento voluntário feito
pelo genitor no assento de nascimento do menor não possa ser equiparado à verdadeira
adoção, relegando-se a um segundo plano a questão genética?
12 Arts. 1591 e segs. do Novo Código Civil.
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5. O direito inexorável do filho
5. à identificação de seu pai biológico
Os avanços da biotecnologia justificam cada vez mais o interesse pelo pleno
conhecimento da hereditariedade genética, possibilitando, dada a perfeita identificação
dos caracteres biológicos transmitidos de geração para geração, a revelação de
eventuais alterações genéticas que possam repercutir na vida e na saúde do indivíduo.
Daí porque não se deva negar a nenhum indivíduo a iniciativa de investigação
tendente a descobrir sua verdadeira descendência genética, porquanto do conhecimento
pleno de sua formação genética poderá depender e comprometer a sua própria
existência.
Aqui, para sustentar tal posicionamento, cabe uma breve explanação de ordem
científica: cada uma das células que compõe o corpo humano contém um conjunto
completo de genes chamado genoma. Os genes estão guardados em estruturas (chamadas
cromossomos) e são feitos de DNA (cuja aparência seria aquela já fixada em
nossas retinas como uma espécie de espiral). As informações químicas contidas nos
genes são “escritas” por meio de quatro bases, pedaços menores do DNA, denominadas
guanina, timina, citosina e adenida, simbolizadas pelas letras G T C A , que são
agrupadas em grupos de três. Eventuais mutações desses grupos podem tornar os
genes defeituosos, de modo que um teste genético constituiria justamente na detecção
dessas possíveis má-formações (que, em confronto com os desarranjos dos genes
já conhecidos de várias doenças, serviria para alertar o indivíduo sobre a predisposição
de seu organismo ao desenvolvimento de uma determinada patologia).
Disso, portanto, não pode ser privado o indivíduo, não obstante a posse de estado
de paternidade de que já detenha o ascendente indicado no assento de nascimento,
porquanto nada impede que a investigação da herança genética se desenrole
normalmente e que seu resultado não venha a alterar a paternidade socioafetiva já
consolidada (salvo, é claro, de forma casuística, nas hipóteses em que todos os envolvidos
concordem com a anulação do assento e que essa solução seja a mais adequada
possível dadas as circunstâncias).
E esse “direito” não poderá nem mesmo ser impedido pelo art. 178, § 9º, VI, do
atual Código Civil, porquanto, se as ações de investigação de paternidade e de impugnação
ao reconhecimento propostas pelo filho em face de quem o reconheceu
devam ser extintas por impossibilidade jurídica do pedido após o decurso do prazo de
quatro anos contados da maioridade do reconhecido (REsp. nº 38.856/RS, 4ª T. rel.
min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO), a ação de investigação da paternidade biológica, movida
com base em fundamentos meramente científicos e que não tenha por objetivo
a desconstituição do vínculo de parentesco, pode e deve ser aceita mesmo após o
decurso do prazo decadencial.
6. O erro substancial e a manifestação voluntária
6. do genitor perante o Cartório de Registro Civil
6. das Pessoas Naturais
O erro substancial, como se sabe, envolveria a falsa noção, pelo agente, de uma
situação que seria determinante para a perfeita manifestação de sua vontade. Segundo
CAIO MARIO DA SILVA MARTINS, substancial é o erro que diz respeito à natureza
do ato, ao objeto principal da declaração, ou a algumas qualidades a ele essenciais.
No caso específico do reconhecimento da paternidade, o erro substancial (ou essencial)
seria, em tese, aquele relacionado à condição sangüínea, ou seja, à existência de
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parentesco (entre pai e filho) pela herança genética. Entretanto, não se pode negar
que o suposto pai teria, no ato de manifestação de vontade, motivos particulares para
o reconhecimento da paternidade do infante.
Quiçá pudesse este trabalho resolver, em definitivo, os problemas jurídicos trazidos
pela biotecnologia no campo do Direito de Família, notadamente nos aspectos
envolvendo a paternidade sociológica em confronto com a paternidade biológica.
Entretanto, algumas “insinuações” jurídicas apresentadas no corpo deste estudo
devem ser ressaltadas:
O reconhecimento voluntário da paternidade revelado através da declaração apresentada
perante o Cartório de Registro Civil no momento da lavratura do assento de nascimento
não possui , ao contrário do entendimento que muitos possam advogar, a certeza da
existência de uma herança genético-biológica como requisito, vale dizer, quem afirma ser
o genitor de uma criança assim se declara porque pretende assumir essa qualidade perante
a sociedade, porque nutre dentro de si sentimentos de afeto e carinho em relação à criança
e/ou à mãe dessa, como acontece, sem rodeios, nas hipóteses de adoção.
Assim, considerando que “os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou
por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações
discriminatórias relativas à filiação” (art. 227, § 6º, da Constituição Federal), e
levando-se em conta que a adoção é irrevogável (art. 48 do Estatuto da Criança e do
Adolescente), por que não podemos entender que a paternidade socioafetiva deva se
sobrepor à paternidade genética?
Em verdade, se como resultado da irrevogabilidade da adoção, jamais se poderá
aceitar uma pretensão que vise à declaração de nulidade do ato em face da inexistência
de combinação genética entre adotante e adotado, da mesma forma, dada a
igualdade assegurada pelo dispositivo constitucional supramencionado, deveria ser
impossível a ação negatória de paternidade, com fundamento exclusivo no exame
DNA, nos casos em que o próprio requerente já tenha reconhecido voluntariamente o
requerido no assento de nascimento e este, por intermédio de sua representante
legal, não concorde com tal pretensão.
Caso contrário, estaremos aceitando que a condição do filho legitimado pelo
reconhecimento voluntário seja totalmente diferente daquele legitimado pela adoção,
pois, em relação a este, o exame DNA jamais poderá ser elevado à categoria de
prova absoluta capaz de desconstituir a paternidade socioafetiva já consolidada.
Aliás, essa mesma preocupação sobre a necessidade de se dar maior importância
aos laços familiares já foi abordada por SÉRGIO GISCHOKOW PEREIRA:
“[...] a paternidade é conceito não só genético ou biológico, mas
psicológico, moral e sociocultural. Em grande número de ocasiões,
o vínculo biológico não transcende a ele mesmo e revela-se completo
e patológico o fracasso da relação de paternidade sob o prisma
humano, social e ético. Em contrapartida, múltiplas situações de
ausência de ligação biológica geram e mostram relação afetiva, em
nível de paternidade, saudável, produtiva, responsável. E os milhões de
casos de paternidade biológica não desejada? Por outro lado, a paternidade
oriunda da ação é plenamente consciente e desejada.” 13
13 PEREIRA, Sérgio Gischkow. “Algumas considerações sobre a nova adoção”, Revista dos Tribunais, nº 682, agosto de 92,
p. 65.
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Do ponto de vista deste trabalho, o reconhecimento voluntário da paternidade
estaria no mesmo plano jurídico da adoção, visto que, em ambos os casos, haveria a
intenção livre e desembaraçada de se estabelecerem laços e vínculos de parentesco
entre pai e filho(a), movida pela necessidade, inerente ao próprio ser humano, de
constituir família, tudo isso independentemente da “perpetuação” genética.
Por derradeiro, apenas como última reflexão, o reconhecimento expresso da
supremacia da paternidade socioafetiva sobre a paternidade biológica pelo nosso
ordenamento jurídico seria extremamente importante para a proteção da família e da
sociedade, pois, com os incessantes avanços na área de biotecnologia, é bem possível
que a certeza hoje conferida ao exame DNA possa vir a ser contestada cientificamente,
deixando novamente o Direito de Família à mercê de um ramo da ciência que
deu seus primeiros passos na década de 70 e que ainda pode ser totalmente redimensionada
nos próximos anos.
7. Referências bibliográficas
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1996.
CARVALHO, Jeferson Moreira de Carvalho. Estatuto da Criança e do Adolescentes -
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Saraiva, 1989.
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Revista dos Tribunais, 1998.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito de Família, vol. III, 1ª ed. atual. por VILSON
RODRIGUES ALVES, Campinas-SP: Bookseller, 2001.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, vol. 2, 29ª ed., São Paulo:
Saraiva, 1992.
NEGRÃO, Theotônio. Código Civil e Legislação Civil em Vigor, 21ª ed., com colab. JOSÉ
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NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, 2ª ed., São
Paulo: Saraiva, 1993.
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Manual da Monografia Jurídica, 3ª ed., revista e ampliada.
São Paulo: Saraiva, 2001.
SANTOS, J.M. de Carvalho. Código Civil Brasileiro Interpretado, vol. V, 9ª ed., Rio de
Janeiro: Freitas Bastos, 1963.
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