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    Icaro Ruschel Segunda, 11 de fevereiro de 2013, 16h17min

    Sra. Elisete Almeida, é transparente que há que se comprovar o nexo causal. Creio que foi infeliz ao empregar a expressão "amante", pois remeteria ao concubinato, e não a união estável, que tem como elementos a intenção de estabelecer família e a coabitação.

    E não podemos simplesmente presumir que a pessoa não tenha boa-fé, essa presunção é uma anomalia jurídica que se faz presente somente na receptação culposa do art. 180, §3º, e ainda assim deve se levar em consideração o princípio do homem médio.

    E de fato é reconhecida sim a união estável putativa, o qual há o elemento da boa fé. Se seguir por sua linha de raciocínio, as partes mais fracas da relação jurídica ficariam desamparadas. Um bom exemplo para ilustrar tal ato, é a quando há gravidez mediante estupro, e tem respaldo legal para o aborto.

    Segue jurisprudência, reconhecendo a união estável putativa;

    TRF-4ª. Pensão por morte. União estável putativa. Rateio da pensão
    13 de maio de 2010

    É devido o rateio, em partes iguais, da pensão por morte entre as companheiras com quem o falecido segurado manteve, parelelamente, união estável putativa.
    É bem verdade que o modelo de família aceito pelo ordenamento jurídico brasileiro é o monogâmico, de modo que, como lembra o Prof. Fábio Ulhoa Coelho, “… assim como ninguém pode ser casado duas vezes (bígamo), também não pode manter simultaneamente um casamento (convivendo com o cônjuge) e uma união estável, nem duas uniões estáveis” (“Curso de Direito Civil”, São Paulo, Saraiva, 2006, p. 127). Não menos certo é que se, um dos conviventes em união estável desconhece o impedimento legal do outro, tem-se a chamada “união estável putativa”, caso em que “… o convivente de boa-fé terá os mesmos direitos que titularizaria caso não existisse o impedimento para a formação da união estável” (Fábio Ulhoa Coelho, op. cit., p. 140).
    Leia a íntegra do v. acórdão: Ap. Cív. 2003.70.01.015492-1/PR, rel. Des. Federal Rômulo Pizzolatti, j. 29.1.2008.

    Att.

    Icaro Ruschel

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    Elisete Almeida Segunda, 11 de fevereiro de 2013, 17h08min

    Caro Icaro;

    Neste caso, de forma genérica, como devemos tratar uma mulher/homem que "anda" com um homem/mulher casado(a)?

    Com todo o respeito pelo professor Fábio Ulhoa, no meu raciocínio, para se chegar a analogia relativa a boa fé, que o senhor suscitou, antes é preciso se chegar à união estável, e, para se chegar à união estável, é preciso que não haja impedimentos para o casamento (no caso, pelo fato de um dos companheiros já ser casado), havendo impedimento, cai-se no art. 1727, ou seja, concubinato impuro, sem a possibilidade de se fazer analogia ao dito artigo 1561 CC.

    Dizer que isto é injusto para quem desconhecia o fato do casamento, talvez, mas, e para a mulher que é casada e cai-lhe de pára-quedas, para disputar uma pensão, aquela que é a ________(o sr. faça-me o favor de preencher a linha em branco, já que falar "amante" é uma infelicidade da minha parte).

    Aliás, o senhor sabe me dizer pq que na relação concubinária não pode haver a intenção de constituir família?

    Cumprimentos

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    Elisete Almeida Segunda, 11 de fevereiro de 2013, 17h17min

    Ah! Já ia me esquecendo. Sr. Ícaro, ao invés de colacionar jurisprudências, colacione doutrinas, preferencialmente de pessoas de peso, como Venosa, Caio Mário, Maria Helena Dinis, etc., esta malta que já tirou o cueiro e sabe do que fala, pois têm longos anos de estudo.

    Se eles acompanharem este entendimento da boa fé naquele tipo de relação, então, ergo a minha cabeça e admito que estava errada.

    Cumprimentos

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    Victor Reithler Marroquim Terça, 12 de fevereiro de 2013, 0h11min

    Particularmente, comungo da opinião do Icaro. Entendo possível reconhecer a união estável putativa na hipótese em que a segunda companheira não tem ciência da primeira união estável. Também concordo que, nesse caso, não se pode presumir a má-fé da segunda companheira. Ressalto apenas que na união estável putativa apenas os efeitos que aproveitem à companheira putativa devem ser preservados.

    Não obstante, parece que o entendimento do STJ não é o mesmo. Em rápida pesquisa, encontrei apenas um julgado colegiado daquela corte que enfrenta o tema. Reproduzo a ementa:

    União estável. Reconhecimento de duas uniões concomitantes.
    Equiparação ao casamento putativo. Lei nº 9.728/96.
    1. Mantendo o autor da herança união estável com uma mulher, o posterior relacionamento com outra, sem que se haja desvinculado da primeira, com quem continuou a viver como se fossem marido e mulher, não há como configurar união estável concomitante, incabível a equiparação ao casamento putativo.
    2. Recurso especial conhecido e provido.
    (REsp 789.293/RJ, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/02/2006, DJ 20/03/2006, p. 271)

    Apesar de ser um julgado não muito recente (de lá pra cá já houve uma mudança substancial na composição do STJ), na falta de manifestação em sentido diverso, me parece correto afirmar que reflete o posicionamento do STJ.

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    Elisete Almeida Terça, 12 de fevereiro de 2013, 9h49min

    Caro Vitor;

    Se no caso estiverem envolvidas duas uniões estáveis, em que não surge o referido impedimento (apesar de que, se um pouco mais esmiuçado e dependendo da situação do caso concreto, talvez consiga se fazer uma boa fundamentação em sentido diverso), temos uma situação muito diversa daquela onde há uma casamento civil, onde sequer houve uma separação de fato e uma união concomitante, a qual não chega a ser união estável pois há o impedimento para, caso os companheiros queiram, se casarem. Neste último caso não há o que se falar em boa ou má fé, sequer há união estável para que possamos falar em analogia.

    Vitor, se me mostrarem algum artigo do Venosa, ou outro doutrinador de peso igual, a falar que é possível a segunda mulher (unida em concubinato) partilhar a pensão do de cujus com a primeira mulher (unida por casamento civil e não separada de fato), sem me desfazer da jurisprudência como fonte, então, posso, após ler o artigo e ver a fundamentação, mudar de ideia.

    Cumprimentos

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    Victor Reithler Marroquim Terça, 12 de fevereiro de 2013, 13h12min

    Cara Elisete,

    O reconhecimento da união estável putativa (assim considerada em razão de um dos envolvidos na relação ser casado ou conviver em união estável com outra pessoa) pressupõe a inexistência da união estável. União estável putativa é união estável inexistente. A putatividade diz respeito aos efeitos pessoais e patrimoniais da união em relação ao parceiro de boa-fé e aos filhos havidos do relacionamento, não à entidade familiar em si. Declara-se a inexistência da união estável, mas preservam-se os efeitos pessoais e patrimoniais em benefício do parceiro de boa-fé e da prole.

    A putatividade não é figura estranha ao nosso direito de família, que já disciplinou a hipótese do casamento putativo, cujo regime jurídico é bem próximo do ora preconizado para a união estável putativa. Com todo respeito, vou dispensar a referência a fontes doutrinárias. As razões aqui expostas para fundamentar o reconhecimento da união estável putativa me parecem claros o suficiente para abrir mão de argumentos de autoridade.

    Atenciosamente,

    Victor R. Marroquim

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    Elisete Almeida Terça, 12 de fevereiro de 2013, 18h00min

    Caro Vítor;

    Eu não sou burra, é lógico que eu sei o que é um casamento putativo, sei a origem da putatividade, conheço muito bem a evolução do casamento, a evolução da união estável (ou concubinato puro), dentre outras coisas.

    Por isso, não dispenso os "argumentos de autoridade", nem os jovens juristas deveriam dispensar, pois são fundamentais.

    Se quiser ser uma chata, que pega nos pés dos mais desprevenidos, posso fazê-lo já: um casamento inexistente não pode ser considerado putativo, apenas os nulos ou anuláveis.
    "União estável putativa é união estável inexistente" - foi o sr. quem disse, mas, também digo abobrinhas quando não penso, algo que faço muuuuuitas vezes.

    Por mais que queiramos dar força às uniões estáveis, de forma a igualá-las ao casamento, isto, juridicamente falando, hoje, não é possível, pelo menos, não com as leis que temos. A realidade é que, para o direito, a união estável, apesar de ser também um meio de constituir família, é uma relação inferior ao casamento, e isto não é nenhuma novidade, pelo menos para a Igreja. Kkkkk!

    Eu até aceito a tese da união estável putativa, mas para casos em que a disputa se dê em relação a existência de uma outra união estável, mesmo que o impedimento seja um pseudo impedimento; mas, se a outra relação for uma casamento civil, então, não há o que se falar em união estável putativa. Note que, se o sr. tiver uma união estável com uma pessoa e quiser casar com outra, não há o que se falar em impedimentos, mas, se a situação for inversa, não havendo separação de fato, a situação muda completamente, e o CC é bastante claro.

    Bem, é sempre bom entrar numa discussão onde possamos aprender mais, portanto, aguardo uma resposta sua, pois esta está a ser uma discussão prazerosa, pelo menos para mim.

    Os meus melhores cumprimentos

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    Icaro Ruschel Quarta, 13 de fevereiro de 2013, 16h10min

    Partindo da premissa que não existe a união estável putativa, que a meu ver é uma profunda injustiça. É uma negação ao princípio da dignidade da pessoa humana. Então se o(a) companheiro(a) que mantém a boa-fé, pode ser enganado sem amparo legal para postular? E ainda aquele que age de má-fé, sai lucrando com essa conduta desonrosa?

    Ao meu ver há uma colisão entre o princípio da monogamia com o princípio da dignidade humana.
    E nesse caso, o princípio da dignidade humana deve ser aplicado antes que o da monogamia.
    Mesmo que isso possa parecer antipático diante dos olhos da maioria das pessoas, devido à tradição cultural e religiosa, o fato é que essa realidade existe e precisa ser protegida pelo sistema jurídico brasileiro. Ilustro esse paradigma com lições doutrinarias:

    “No âmbito do Estado Social Democrático de Direito, que privilegia a cláusula da dignidade da pessoa humana, reconhece-se a concepção do pluralismo familiar, recepcionado pela ordem constitucional pátria.” (FERRARINI, Letícia. Famílias simultâneas e seus efeitos jurídicos, p.86)

    Neste sentido Pianovski – (..) “além da multiplicidade de relações matrimonializadas, a monogamia somente é relevante para o direito de família quando seu avesso violar a dignidade da pessoa humana. Se assim não for, não cabe ao estado ser o tutor da construção afetiva coexistencial, assumir o lugar do ́não`. A negação ao desejo mútuo, correspectivo, neste caso, já se apresenta por meio do juízo de reprovação social movido por uma moral ética. A coerção estatal encontra, aqui, o espaço em que legitimamente possa ser exercida. No entanto, diante da vida como ela é, e com os contornos que vem se delineando diante do mundo globalizado, dinâmico e cada vez mais complexo, não cabe ao poder estatal repudiar ilícitas formas de convivência resultantes de escolhas de coexistência materialmente livres. Negar proteção estatal a estas relações familiares simultâneas poderá, conforme o caso concreto, afetar a dignidade da pessoa humana.”

    Segundo Pereira - "o moralista prefere sempre a formalidade e a lei em sua literalidade, enquanto o ético, a essência do Direito, e, por isso, buscará sempre nos princípios a fundamentação para mais justa adequação". ( PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais e norteadores para a organização jurídica da família, p.88.)

    Maria Helena Diniz – “O princípio da dignidade da pessoa humana constitui base da comunidade familiar, garantido o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente, e critica juristas, que ante a nova concepção de família, falam em crise, desagregação e desprestígio, salientando que a família passa, sim, por profundas modificações, mas como organismo natural, ela não se acaba e como organismo jurídico está sofrendo uma nova organização.”

    Pedro Lenza – “A carta magma de 1988, passa o foco da organização do próprio Estado, para o indivíduo. Tratou-se primeiramente os direitos e garantias fundamentais e depois sobre a organização do Estado. Destaca-se como objetivos a construção de uma sociedade livre e JUSTA. (...) Em seu artigo 1º frisa que nosso país tem como fundamentos a dignidade da pessoa humana. Segundo os artigos 226 e seguintes, a família é a base da sociedade recebendo a proteção do Estado. (…) As Constituições passadas, bem como o Código Civil de 1916, só reconheciam a família decorrente do casamento, como instituição de produção e reprodução dos valores sociais, culturais, éticos, religiosos e econômicos. A Constituição de 1988 e o Código Civil de 2002 colocam a família sob o enfoque da tutela individualizada dos seus membros, ou seja, a visão constitucional antropocêntrica já abordada neste trabalho, coloca o homem como centro da tutela estatal, valorizando o indivíduo e não apenas a instituição familiar. Ainda que se entenda a dignidade da pessoa humana como um direito metaindividual, posição adotada por alguns juristas, e, neste sentido, a proteção seria da coletividade, que estaria sendo violentada como um todo, com a ofensa individual perpetrada a um único cidadão, este princípio no direito de família pode assegurar outros tantos direitos e garantias.”

    Carlos Roberto Gonçalves – "O Direito de Família é o mais humano de todos os ramos do Direito. Em razão disso, e também pelo sentido ideológico e histórico de exclusões, como preleciona Rodrigo da Cunha, 'é que se torna imperativo pensar o Direito de Família na contemporaneidade com a ajuda e pelo ângulo dos Direitos Humanos, cuja base e ingredientes estão, também, diretamente relacionados à noção de cidadania'. A evolução do conhecimento científico, os movimentos políticos e sociais do século XX e o fenômeno da globalização provocaram mudanças profundas na estrutura da família e nos ordenamentos jurídicos de todo o mundo, acrescenta o mencionado autor, que ainda enfatiza: 'Todas essas mudanças trouxeram novos ideais, provocaram um declínio do patriarcalismo e lançaram as bases de sustentação e compreensão dos Direitos Humanos, a partir da noção da dignidade da pessoa humana, hoje insculpida em quase todas as instituições democráticas'".

    É importante frisar que a união estável não se confunde com o concubinato, ainda que putativa. A doutrina distinguia entre concubinato puro e impuro, conforme existisse ou não impedimento matrimonial entre as pessoas unidas. Hoje, devido a imensa carga pejorativa da expressão “concubinato”, é imprescindível a exata compreensão de sua distinção do conceito de união estável (princípio da dignidade da pessoa humana). Ilustro a distinção, com os seguintes ensinamentos:

    Sílvio de Salvo Venosa – “A união estável ou concubinato, por sua própria terminologia, não se confunde com a mera união de fato, RELAÇÃO FUGAZ E PASSAGEIRA. Na união estável existe a convivência do homem e da mulher sob o mesmo teto ou não, mas more uxório, isto é, convívio como se marido e esposa fossem. Há, portanto, um sentido amplo de união de fato, desde a aparência ou posso de estado de casado, a notoriedade social. (...) Nesse sentido, a união estável é um fato jurídico, qual seja, um fato social que gera efeitos jurídicos”.

    Lourival Silva Cavalcanti – “O concubinato, já por ser um fenômeno social de múltiplas facetas, segundo o conceito que acabou se formando, abrigava tanto uniões da mais ampla aceitação sob o aspecto moral como aquelas mais reprováveis, não sendo portanto de admirar as cautelas com que era visto. A justificativa para a grande reserva com que, em alguns meios, ainda recentemente era visto o concubinato puro parece-nos residir na contaminação deste conceito pelo de adultério, fruto de inadvertência para a verdadeira feição histórica dessa forma de união. Em verdade, o concubinato sempre representou a união de pessoas impossibilitadas de legalmente se casarem, em vista de restrições jurídicas ou sociais, ou das que OPTARAM por unir-se à margem do casamento, mas foi, no mais das vezes, união de pessoas livres de compromissos com outrem, ao contrário do adultério, que, por definição, inclui outro leito. (...) Obviando num mesmo passo a inconveniência de utilizar o desgastado termo concubinato, que se tornara notoriamente ambíguo e portador de conotação negativa, adotou o constituinte de 1988 a expressão união estável para designar a célula familiar a que se destina a proteção do Estado, segundo o § 3o do art. 226. A locução deve ser entendida no seu todo, composta que é do substantivo união, no sentido de junção de duas pessoas que formam uma unidade, e do adjetivo estável, oriundo do latim stabilis, e que, tem entre outros os seguintes significados: que está firme, firme, que permanece firme, consistente, sólido, constante, certo, imutável,, duradouro, assente, fixo, permanente, que não varia, inalterável”.

    Afirma Zeno Veloso – "(...) a união estável é uma relação afetiva qualificada, espiritualizada, aberta, franca, exposta, assumida, constitutiva de família; o concubinato, em regra, é clandestino, velado, desleal, impuro"”.

    Aline Bueno “Diz-se putativo o casamento que, embora nulo ou anulável, foi contraído de boa-fé, por um só ou por ambos os cônjuges, reconhecendo-lhe efeitos a ordem jurídica. O termo vem do latim, putare, que significa “imaginar”.A união estável putativa nada mais é do que uma interpretação analógica ao casamento putativo, que resguarda os efeitos conferidos a união estável quando um dos companheiros, agindo de boa-fé, acreditava manter um relacionamento livre de quaisquer impedimentos. Ou ainda, é aquela união em que pelo menos um dos companheiros esteja de boa-fé, ou seja, desconheça que exista algum impeditivo legal para sua caracterização.”
    (Fonte: http://www.ibdfam.org.br/novosite/artigos/detalhe/857)

    Não podemos confundir, o(a) companheiro(a) com boa -fé, com um(a) simples amante. Pois se assim fosse estaria a empregar uma carga pejorativa, a quem na realidade é uma VÍTIMA.

    Interpretemos os seguintes artigos do código civil de 2002 (de forma teleológica):

    Art. 1.521. Não podem casar:
    VI - as pessoas casadas;

    Art. 1.561. Embora anulável ou mesmo nulo, se contraído de boa-fé por ambos os cônjuges, o casamento, em relação a estes como aos filhos, produz todos os efeitos até o dia da sentença anulatória.

    § 1o Se um dos cônjuges estava de boa-fé ao celebrar o casamento, os seus efeitos civis só a ele e aos filhos aproveitarão.

    Art. 1.564. Quando o casamento for anulado por culpa de um dos cônjuges, este incorrerá:

    I - na perda de todas as vantagens havidas do cônjuge inocente;


    Diante do exposto anteriormente, a respeito do conflito do princípio da dignidade da pessoa humana com o princípio da monogamia, devemos analogamente estender o § 1º do art. 1.561 para a união estável, ou seja no caso ocorreria o fenômeno da união estável putativa.

    Se o Código Civil fez uso expresso do impedimento de casar, o qual descumprido faz o casamento ser nulo, e depois estendeu todos os efeitos civis para a cônjuge de boa-fé. Justamente, deve-se interpretar de forma análoga, nesse caso anômalo, estendendo esse direito do cônjuge de boa-fé para a parceira de boa-fé inserida em uma união estável putativa.

    Trago novamente algumas lições doutrinárias a diante:

    Prof. Fábio Ulhoa Coelho - “ não há hierarquia entre as famílias constitucionais, ou seja, a família fundada no casamento e a família fundada na união estável gozam de idêntica proteção legal.” (Curso de Direito Civil, São Paulo, Saraiva, 2006, volume 5, p. 119-121)


    Segundo Ruzyk, o fenômeno da simultaneidade familiar é resultado desse sistema jurídico poroso que hoje se encontra em vigor e desafia os operadores do direito a encontrar soluções para estas novas demandas. (RUZIK. Carlos Eduardo Pianovski. Famílias simultâneas: da unidade codificada à pluralidade constitucional, p.167.)

    “ A lei e, de modo geral, os Poderes Públicos, devem não só observar a prescrita da Constituição, mas acima de tudo, estar em consonância com o seu espírito, o seu caráter axiológico e os seus valores destacados. A constituição, assim, adquire, de vez, o carácter de norma jurídica, dotada de imperatividade, superioridade (dentro do sistema) e centralidade, vale dizer, tudo deve ser interpretado a partir da Constituição”. Pedro Lenza


    Para Barcellos, do ponto de vista material destaca-se o seguinte elemento dentro da noção de constitucionalismo: “ a incorporação explícita de valores e opções políticas nos textos constitucionais, sobretudo no que diz respeito à promoção da dignidade humana e dos direitos fundamentais”. (Ana Paula Barcellos, Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle de políticas públicas, p.4 (www.mundojurídico.adv.br/cgi-bin/upload/textp853.pdf).


    Segundo Canotilho, “ Princípio da máxima efetividade, é um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da atualidade das normas programáticas (THOMA), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)”. (J.J.G. Canotilho, Direito Constitucional e a teoria da Constituição, 6. ed., p. 227)

    Canotilho, refere-se ao sistema jurídico do Estado de direito democrático como “um sistema normativo aberto de regras e princípios”.

    “Os princípios são normas de natureza ou com papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema de fones (princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico”. (L.R. Barroso, Interpretação da Constituição, 7. ed., p. 353.)

    (...)“cada caso concreto deverá ser analisado para que o intérprete dê exato peso entre os eventuais princípios em choque. Destaca-se, assim , a técnica da ponderação e do balanceamento, sendo, portanto, os princípios valorativos ou finalísticos.” (Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado, 2012, 16. ed. Pag. 147)

    Mesmo que a maioria relute, devido à tradição cultural e religiosa, (vale lembrar que o estado é laico), essa é uma realidade e deve ser protegida pelo sistema jurídico brasileiro.

    Não tenho dúvidas que o direito tem de evoluir para disciplinar a realidade social, e não virar as costas para os fatores sociais. Se assim fosse será que nosso direito teria evoluído a tal maneira?

    Atenciosamente;

    Icaro R. Ruschel

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    Elisete Almeida Quarta, 13 de fevereiro de 2013, 23h05min

    Antes de mais, quero parabenizar os participantes pela forma saudável e construtiva que têm deixado aqui o seu conhecimento.

    Caro sr. Ícaro;

    Antes que me esqueça ou que coloque em parte indesejada, peço, por gentileza, que indique a fonte bibliográfica do trecho citado de Maria Helena Diniz.

    Diferentemente do sr., digo: quem dera o direito não fosse necessário para disciplinar as relações sociais, pois isto seria sinónimo de paz.

    Por outro lado, será que o direito realmente evoluiu, não estamos nós aqui a cogitar possibilidades de igualar a relação que, no fundo, de certa forma, deu origem ao casamento? Se pensarmos bem, o casamento civil é uma forma de união muito recente.

    Só a título de brincadeira, Rômulo, onde quer que esteja, deve estar a se revirar, Augusto, então, nem quero imaginar... (espero que o sr. conheça a história do matrimónio)

    Quanto à expressão "concubinato", ainda a utilizo mais por uma questão didática e, diferentemente da conotação pejorativa que alguns tentam lhe conferir, no meu ver, é a expressão de uma realidade histórica que perdurou durante séculos. Mas, realmente, teúda e manteúda é mais giro do que concubina ou barregã, me faz lembrar Jorge Amado.

    Ora, por mais que tentemos igualar a união estável ao casamento, há uma enorme dificuldade em o legislador ordinário fazê-lo. Entre uma e outra relação há um pequeno detalhe que confere mais força ao casamento do que à união estável, é o contrato que dá a publicidade da existência da relação.

    Estou a tentar fazer um esforço imenso para tentar assimilar a possibilidade da putatividade da união estável, devido ao impedimento decorrente da existência de um casamento civil onde não haja separação de fato, mas, à 1h da manhã, tá difícil, já não consigo raciocinar, portanto, quando acordar, volto a pensar.

    Os meus cumprimentos

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    Icaro Ruschel Quarta, 13 de fevereiro de 2013, 23h39min

    Devo me desculpar, por não atender as formalidades, aja visto ser um tópico e não haver uma certa metodologia para tal. Mas devo ter me descuidado e esqueci de colocar a fonte da Maria Helena Diniz, em seu livro Direito de Família.

    Concordo, seria sinônimo de inexistência de conflitos. Embora, bem sabemos, nos dias de hoje não há como se falar da ausência do direito para reger os fatos sociais. O direito é um reflexo dos fatos sociais. Não só atualmente como desde os tempos do contrato social, passando por profundas mudanças. Digo que há uma profunda evolução do direito, principalmente no lado humano. Vou me abster de fundamentar aqui. Bem como já demonstrou um conhecimento na área do jurídica e sabe que não estou mentindo. Vejo a evolução histórica, diria que a progressão do direito, de forma objetiva e sucinta exponho, desde os tempos que era vigente a lei de Talião. Passando o direito por profundas transformações, na idade média para defender os interesses do rei. Passando para o liberalismo e remetendo-o o direito para um estado social, e hoje como estado democrático. A história jurídica perfaz uma notável evolução. Observemos após as guerras e revoluções, que ampliaram a dignidade da pessoa humana, e um todo dentro dos direito sociais, envolvendo desde o direito penal até o direito do trabalho. Se não houvesse evolução não haveria crimes como maus tratos dos animais, a nossa Maria da Penha, e um empregado ainda trabalharia mais de 8 horas diárias sem ganhar nem horas extras, ou ainda mais que 10 horas diárias sem perceber nenhuma verba de caráter indenizatória.

    Respondendo, ainda em título de brincadeira, eu prefiro que eles se revirem, do que passar despercebida alguma injustiça. Não preciso ter algum doutorado, e mesmo sendo jóvem consigo perceber que não podemos deixar desamparada uma pessoa, como é o caso da companheira, parceira inserida na União Estável putativa.

    Como diria Eduardo Juan Couture. “Teu dever é lutar pelo Direito, mas se um dia encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça.”

    Entendo que a estas horas o cansaço nos toma conta, principalmente para quem esta em fuso horário, que agora é 1h da manhã.

    Assim que tiver um tempo, vou de forma objetivo discorrer sobre essa sua opinião, do impedimento para caracterizar a putatividade da união estável. O que ficou muito claro, ao meu ver que é possível interpretando de forma teológica esta colisão de princípios, da dignidade da pessoa humana com a da monogamia, que é este o princípio que ao meu ver é o que na vossa opinião impede esta putatividade no instituto familiar da união estável.

    Atenciosamente;

    Icaro R. Ruschel

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    Icaro Ruschel Quinta, 14 de fevereiro de 2013, 11h28min

    Emendando:


    Posição doutrinária segundo Sílvio de Salvo Venosa. (Direito Civil, 8. ed, 2008, editora Atlas)


    "Introduzida a dicção constitucional a respeito da união estável reconhecida como entidade familiar (art. 226, §3º). (...) A primeira orientação é no sentido de entendermos o companherismo como equiparado ao casamento; ou seja, que os direitos da união estável não diferem do casamento." (pag. 45)

    "Enquando persistir válido o casamento anterior, persiste o impedimento. Trata-se do princípio do casamento monogâmico que domina a civilização cristã." (pag 72.)

    Segundo, ainda, Venosa, sobre o casamento putativo:

    “Partilham-se normalmente os bens adquiridos pelo esforço comum, como regra de equidade, independente da natureza do desfazimento do casamento, sob pena de enriquecimento ilícito de um cônjuge às custas de outro, o que é VEDADO EM NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO.”

    E se é um dos mais relevantes pontos a ser levado em consideração para a aceitação da putatividade da união estável. Imaginemos uma situação na prática:

    Um viajante, tem duas cidades em qual reside. Uma semana uma, e em uma semana outra.
    Na segunda cidade, ele conhece uma mulher, e começam a namorar, até após um tempo
    coabitam nessa cidade, em união estável. Eles tem filhos, constroem uma casa juntos, a casa fica no mone do companheiro que entende mais de burocracia. A companheira, contribui para todas as despesas do lar, cuida muito bem dos filhos, lava a roupa do marido, cozinha para ele. Até que depois de 15 anos nessa ,união estável, ela descobre que ele era casado. Ou ainda, quando ele vem a falecer descobre que ele já era casado. E ai como ficaria? Podemos deixar a mesma desamparada, sem qualquer tutela do estado?


    Raciocínio segundo César Fiuza, em sua obra Direito Civil, 12. ed., 2008, editora DelRey;


    (Sobre União estável) - “O entendimento mais moderno é que seja dispensável o mos uxorius, ou seja, a convivência idêntica ao casamento. Bastam a publicidade, a continuidade e a constância das relações, para alguém de simples namoro ou noivado. Aliás é o entendimento consagrado pela Súmula 382 do Supremo Tribunal Federal.” (pág. 966)

    “Casamento putativo é o casamento passível de anulação, o qual pelo menos um dos cônjuges acredita ser válido. (…) Mas o fato é que o marido casou-se enganado, com toda boa-fé. Nesse caso, o casamento putativo em relação a ele. (…) Significa que, em relação ao cônjuge de má-fé, o casamento será simplesmente anulado. Todavia, para o cônjuge de boa-fé, a anulação será tratada como se divórcio. Assim, todos os efeitos que porventura tenham sido gerados serão mantidos.” (pag. 965)


    Para concluir bato na tecla que discorri em tópico anterior fundamentado.
    Temos nada mais que conflito de princípios, o da dignidade da pessoa humana em choque com a da monogamia, e conforme em anterior oportunidade tratei. Deve-se aplicar, por um sistema de freios e contrapesos, o princípio que da a base da nossa constituição que é, obviamente, o princípio da dignidade da pessoa humana.

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    Elisete Almeida Sexta, 15 de fevereiro de 2013, 15h15min

    Caro Ícaro;

    Estou a adorar conversar com vocês.

    Olha, só, quando eu pedi a referência da Maria Helena, não foi para lhe constranger, mas foi pq a passagem que citastes me interessou, portanto, precisava do nome para ir ver na biblioteca da faculdade se há o livro.

    Eu peço desculpas Ícaro, pois estou a conversar contigo sem recurso as doutrinas brasileiras; como já observastes, não estou no Brasil e o acesso as fontes é mais difícil, para além de eu ser totó com este negócio de net. Portanto, estou a construir ideias a partir da leitura da lei seca. Também não convém pôr a doutrina que tenho acesso mais facilitado, ou seja, a daqui, pois, cá não há união estável, mas, tão-só união de fato, que é uma relação parafamiliar, ou seja, não é reconhecida como fonte de relação jurídica do tipo familiar, como o é o casamento.

    Quando eu falo em nomes como o de Venosa, não estou a procura de pessoas doutoradas, mesmo pq, hoje, qquer um faz um doutoramento, em parte, este perdeu o seu verdadeiro prestígio de trabalho de referência; mas, ora, no mínimo, é interessante termos as posições daqueles que já estão há vários e longos anos a lidar com esta área, que a conhecem profundamente e não andam de ânimo leve, se deixando impressionar com todo e qualquer fato social que, muitas vezes, não possuem interesse jurídico.

    Tomando o tema, a tese que estás a sustentar, do conflito de princípios, é boa, apesar de eu não ver, na situação trazida, uma violação ao princípio da monogamia, logo, não vejo um confronto entre os referidos princípios.

    Das palavras de Venosa não depreendo uma igualação total dos efeitos jurídicos da união estável com o casamento; tão-só, vejo uma equiparação na idoneidade da união estável como fonte de relação jurídica do tipo familiar, que merece proteção do Estado; ou seja, diz que, tal como o casamento, a união estável é um meio de constituir família e deve ter a proteção do Estado.

    Também, não podemos fazer outra interpretação da Constituição. O legislador constitucional brasileiro não iguala totalmente a união estável ao casamento. Observe bem o que ele diz no art. 226, parágrafo 3º: "Para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento". Ora, pergunto: se o legislador equiparasse totalmente uma relação a outra, teria dito isto: "devendo a lei facilitar sua conversão em casamento"? No meu ver, não.

    Antes de mais, o casamento está sujeito a uma formalidade, que introduz a relação pessoal na esfera jurídica, conferindo-lhe proteção pessoal e patrimonial; esta formalidade permitirá opor a situação civil da pessoa a quem quer que seja. Por isso, não podemos comparar totalmente a união estável ao casamento, justamente pq quem se une sem casar, não quer se sujeitar a tal formalidade, prefere se manter à margem do casamento (veja bem que estou a referir-me às situações atuais, em que realmente há uma opção; portanto, diferente das situações vividas durante décadas, em que as pessoas, que quisessem refazer a vida conjugal após uma separação, estavam obrigadas a se manterem na clandestinidade).

    O exemplo que trouxestes, creio que prolifere-se pelo Brasil. Realmente, uma pessoa que mantém uma união estável, em princípio, não tem como saber se o companheiro é casado ou não. No entanto, hoje, manter-se em união estável, exceto quando haja impedimentos, é uma opção, portanto, quem opta por uma relação sem formalidades, deve assumir as consequências, e, uma destas consequências é que a união estável não configura impedimento para um casamento civil, mas, o contrário, legalmente falando, transforma a relação paralela ao casamento em concubinato. Ou seja, não chega a existir uma união estável, esta, havendo casamento sem separação de fato, objetivamente, é uma relação concubinaria. A lei diz isso, e, por mais que Rodrigo da Cunha seja contra, a verdade é que a lei, por enquanto, é a fonte mais imediata que temos.

    Com isto, não estou a falar que a sua tese não tenha “pernas”, apenas, por enquanto, não consegui assimilar, na totalidade, pois não consegui ver, o "up" que se faz do concubinato para união estável putativa. Veja bem, da ótica da companheira, ela vive em união estável; da ótica do companheiro, ele vive em concubinato; mas o que no interessa é a ótica do julgador, e este, obrigatoriamente, pois é o que diz a fonte mais imediata, havendo casamento sem separação de fato, será remetido diretamente ao concubinato. Veja que, com isto, não estou a dizer que a putatividade seja impossível em outras situações de impedimento que possam vir a ser suscitadas.

    Por outro lado, não vejo uma total impossibilidade de, em situações como a que descrevestes, conferir alguns direitos patrimoniais às pessoas que vivam numa relação concubinária. Porém, esta hipótese requer melhor análise; desde já, lastro histórico da relação há, portanto, não seria nenhuma dificuldade; quanto à relação patrimonial, para esta eu nunca atentei, mas também é capaz de existir lastro histórico e possibilidade de atribuição de direitos. A relação em si, como fato social, pode constituir família, apenas a lei não a reconhece como forma idónea de constituir família, mas o fato da relação ser concubinária, não torna a família em ilegítima, pelo menos as relações de parentesco, de ascendência e descendência, serão legítimas. É uma questão de análise.

    Mas, pense comigo, tanto esforço legislativo para separar o joio do trigo, trocam o termo concubinato (puro) para união estável, pois é menos pejorativo, agora, simplesmente, querem transformar um concubinato (impuro) em união estável putativa. Isto é muita confusão para o meu cabeção.

    Os meus melhores cumprimentos

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    pensador Sexta, 15 de fevereiro de 2013, 19h05min

    Prezados,

    Permitam-me um breve apontamento, a pedido da ilustre Dra. Elisete. Com meus antecipados pedidos de desculpas por não estar inteirado com a jurisprudência do direito de família. Baseio as próximas linhas num raciocínio pautado pela teoria geral do direito civil e na hermenêutica.

    A primeira pergunta a ser respondida, ou óbice a ser vencido é saber se a união estável é questão de fato ou de direito. Nisto vejamos:


    "Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

    § 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente."

    Podemos notar que a união estável é fato; porém o reconhecimento como entidade familiar é estado de direito. Então, muito do que tratamos por união estável, não dizemos do fato, mas sim do estado de direito. Neste sentido:

    “(...) o estado (status, conditio) das pessoas indica certas qualidades a elas inerentes e tomadas em consideração, pela lei, para o efeito de lhes relacionar determinados efeitos de direito. Assim concebido, o estado assinala a situação ou modo de ser das pessoas na ordem jurídica conforme a qualidade considerada” (in Vicente Ráo, O Direito e a Vida dos Direitos, 6ª ed., Ed. RT, p. 711).

    Não há que se confundir a "união estável - fato" com a "união estável - estado de direito", sendo que este último é o reconhecimento legal da situação de fato.

    Superado este óbice, razoável concluir que para o reconhecimento daquilo que é fático, necessário seguir o disposto no diploma legal, que é a necessidade da separação de fato, que não se presume e deve ser provado. Ora, se não há a separação de fato, impossível superar o óbice legal e, a situação fática não chega a se converter numa situação de direito. Não chega a nascer.

    Portanto, o magistrado não pode declarar aquilo que jamais nasceu. Impossível o reconhecimento de união estável nestes casos.

    Pois, se jamais nasceu, não há que se falar em união estável putativa. Que aliás mostra-se raciocínio equivocado para este caso hipotético. O putativo traduz uma condição pessoal daquele que não sabe, referente aos seus atos. Não produz efeitos erga omnis.

    “(...) O direito subjetivo representa, por si mesmo, um valor jurídico, que a norma reconhece, declara e protege: possui, de fato, um valor específico, não identificado com a simples faculdade de atuação do imperativo jurídico, que o reconhece ou atribui, e ampara” (in Vicente Ráo, O Direito e a Vida dos Direitos, 6ª ed., Ed. RT, p. 586).

    No máximo, aquele que em erro incorreu por conduta dolosa do parceiro, pode requerer compensação financeira, não se confundindo tal com o reconhecimento da união estável.

    Salvo melhor juízo,

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    Elisete Almeida Sexta, 15 de fevereiro de 2013, 22h10min

    Querido Dr. O Pensador;

    Pedi a sua orientação, pois vc consegue verbalizar, muitas vezes, aquilo que penso e não consigo trazer ao texto.

    No caso em apreço, julgo não ser necessária a análise jurisprudencial, pois, como dissestes, a teoria geral do direito conjugada com a hermenêutica (julgo ser esta área um dos meus grandes problemas), são suficientes para responder.

    Mais uma vez, obrigada pela brilhante forma de opinar.

    Um grande BJU

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    Victor Reithler Marroquim Sábado, 16 de fevereiro de 2013, 3h35min

    Prezados comentaristas,

    Dando continuidade ao debate e sustentando a posição até aqui por mim defendida, reproduzo passagem de artigo em que Paulo Lôbo, um dos expoentes do movimento de constitucionalização do direito civil, defende a possibilidade de reconhecimento da união estável putativa e enquadra o fenômeno na teoria do fato jurídico:

    "(...) decidiu o STJ (REsp 789.293-RJ, 2006) que “mantendo o autor da herança união estável com uma mulher, o posterior relacionamento com outra, sem que se haja desvinculado da primeira, com quem continuou a viver como se fossem marido e mulher, não há como configurar união estável concomitante, incabível a equiparação ao casamento putativo”.

    No caso anteriormente referido, o tribunal de origem admitiu a união estável putativa, “em que a companheira posterior desconheça a existência da união anterior”, para admitir ambas. Tem razão o tribunal de origem em admitir a união estável putativa, mas a putatividade diz respeito não à entidade e sim ao parceiro que estiver em boa-fé (desconheça a existência de união estável do outro), tanto para fins pessoais quanto para fins patrimoniais; ou seja, os efeitos civis só a ele e a seus filhos aproveitam. Se o parceiro sabia da existência de outra união estável, então os efeitos civis só aos filhos aproveitam. A ocorrência comprovada da putatividade leva inevitavelmente à declaração judicial de inexistência da segunda união estável, diferentemente da incidência da nulidade do casamento putativo (art. 1.561 do Código Civil). A ação a ser manejada, em caso de união estável putativa, é a de inexistência dela.

    A correta utilização dos planos do mundo do direito – da existência, da validade e da eficácia – (outra fantástica contribuição teórica de Pontes de Miranda), é imprescindível para a correta prestação jurisdicional. O casamento, por ser ato jurídico, percorre os três planos, mas a união estável, por ser ato-fato jurídico, percorre apenas os planos da existência e da eficácia."

    (LÔBO, Paulo. A concepção da união estável como ato-fato jurídico e suas repercussões processuais. Revista EVOCATI, n. 48, jan. 2009. Disponível em: < http://www.evocati.com.br/evocati/artigos.wsp?tmp_codartigo=385 >. Acesso em: 16/02/2013)

    A tempo: assim como os demais comentaristas, me alegro em ver a qualidade dos argumentos expostos no debate. Discussões como essas, pautadas pelo respeito mútuo e pela exposição desapaixonada de idéias são sempre uma excelente oportunidade de aprendizagem.

    Atenciosamente,

    Victor R. Marroquim

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    pensador Sábado, 16 de fevereiro de 2013, 9h04min

    RECURSO ESPECIAL Nº 789.293 - RJ (2005/0165379-8)
    (...)

    O EXMO. SR. MINISTRO CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO:
    A recorrida ajuizou ação declaratória de união estável alegando que foi
    companheira do autor da herança por vinte e quatro anos, vivendo como se casados
    fossem. Há, também, ação de reconhecimento de união estável movida por Laurita Martiliana Ribeiro de Mello, ré na primeira ação.
    A sentença julgou as duas ações, improcedente a primeira e procedente a segunda. Considerou a Juíza, Dra. Anna Eliza Duarte Diab Jorge, que o falecido
    "mantinha relacionamento amoroso com Maria das Graças Santos, sem coabitação e intenção de constituir família, o que descaracteriza a união estável" (fl. 189),
    reconhecendo, com apoio na prova dos autos, que a autora da segunda ação, Laurita
    Martiliana Ribeiro de Mello, era companheira do falecido pelo período apontado na inicial.
    O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro proveu o especial para
    reconhecer a união estável também com a autora da primeira ação, Maria das Graças
    Santos. Segundo o acórdão, admite-se a união estável putativa, "em que a companheira posterior desconheça a existência de outra união anterior" (fl. 249). Para o acórdão, o "finado, embora sem se desvincular da primeira companheira, mantinha relacionamento antigo, duradouro e estável com a segunda, ora apelante, daí que se pode considerar e admitir tal relacionamento como união estável putativa. E o que mostra a prova dos autos" (fl. 250).
    O especial narra que Laurita Martiliana manteve com o falecido relacionamento estável desde 1956, residindo sob o mesmo teto; que com a morte foram distribuídos inventário e também um processo de abertura de testamento pela
    recorrida, no qual "o falecido reconhecia a Sra. Maria das Graças Santos como sua companheira, legando à mesma o imóvel situado na Rua Violeta, n° 255, BI. P, apto. 302, instrumento este anterior ao acima referido, processo esse que foi remetido, posteriormente, para 10 Vara de Órfãos e Sucessões" (fl. 262).
    Vê-se, portanto, que o falecido vivia sob o mesmo teto, sem o vínculo
    matrimonial, mas com convivência estável, com Laurita e mantinha relacionamento
    concomitante com Maria das Graças e, segundo o acórdão, esse relacionamento
    também seria "de forma pública e duradoura" (fl. 250). O que se vai saber neste feito é se é possível o reconhecimento concomitante de duas uniões estáveis com base em
    interpretação construtiva aproveitando o conceito de casamento putativo.
    O acórdão buscou analogia com o art. 221 do Código Civil de 1916 (art. 1.561 do vigente e art. 14, parágrafo único, da Lei n° 6.515/77), para o reconhecimento
    de união estável putativa.
    Casamento putativo, como sabido, é aquele que, em atenção à boa-fé de
    um ou de ambos os cônjuges, o matrimônio é nulo ou anulável, mas produz efeitos em
    relação aos cônjuges e aos filhos. No caso do casamento, o que dá tônus ao
    reconhecimento dos efeitos é a existência de ato formal, dispensando, portanto, a prova da convivência marital. O só fato de existir a prova do casamento formal, realizado perante a autoridade competente, serve para justificar o dispositivo da lei civil que relevou a boa-fé e deferiu efeitos.
    Diversamente, na união estável é necessário provar a convivência com
    vocação de permanência, isto é, aquela em que se pretende constituir família, fazendo a vida como se marido e mulher fossem sob o regime do casamento formal. É claro que
    não se está a exigir até mesmo a convivência sob o mesmo teto (REsp n° 474.962/SP,
    Relator o Ministro Sálvio de Figueiredo, DJ de 1º/3/04) mas, sim, a evidência de que
    existe estabilidade da comunhão de vida.
    Os passos agigantados em matéria de direito de família levaram a
    jurisprudência a enfrentar situações de fato, como, por exemplo, a de admitir a existência de união estável ainda que uma das partes permanecesse com o vínculo formal do casamento, desde que comprovada a separação de fato (Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n° 598.588/RJ, da minha relatoria, DJ de 3/10/05).
    Essa construção foi feita exatamente para evitar que se acolha uma
    multiplicidade de relacionamentos amorosos no padrão exigido para a configuração de
    união estável. Quem convive simultaneamente com duas mulheres não tem
    relacionamento putativo para fins de união estável, pela só razão de que ou bem uma
    delas é de fato a companheira e a outra o relacionamento não estável, embora longo no tempo, ou nenhuma das duas é companheira e não reúnem condições apropriadas para reconhecer a união estável.
    Não foi por outra razão que o novo Código Civil cuidou de conceituar a
    união estável na mesma linha da Lei n° 9.278/96, ou seja, reconhecer como entidade
    familiar a união estável "entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família" (art. 1.723). Ora, com o maior respeito à interpretação acolhida no acórdão, não enxergo possível admitir a prova de múltipla convivência com a mesma natureza de união estável, isto é, "convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família". O objetivo do reconhecimento da união estável e o reconhecimento de que essa união é entidade familiar, na minha concepção, não autoriza que se identifiquem várias uniões estáveis sob a capa de que haveria também
    uma união estável putativa. Seria, na verdade, reconhecer o impossível, ou seja, a existência de várias convivências com o objetivo de constituir família. Isso levaria, necessariamente, à possibilidade absurda de se reconhecer entidades familiares múltiplas e concomitantes.
    No caso dos autos, o acórdão afirma que o autor da herança mantinha
    esse relacionamento estável e duradouro com as duas mulheres, reconhecendo
    embora que com a recorrente o relacionamento era anterior e dela não se desvinculara
    ao manter o relacionamento com a recorrida. Essa circunstância, na minha
    compreensão, tira qualquer possibilidade do emprego analógico da regra do casamento
    putativo, porque, enquanto neste existe o vínculo formal duplo, o que é possível, naquele só existe a convivência com aquela vocação de constituir família, havendo, portanto, um vínculo não formal. Ora, se o falecido José Neres de Souza não se desvinculou da convivência mantida com a recorrente, a união estável estava caracterizada aqui, sendo a apelada, então, um relacionamento amoroso que se não pode identificar com união
    estável, muito menos equipará-lo com o casamento putativo. Para que houvesse a configuração da união estável com a recorrida, que é posterior à recorrente no amor do autor da herança, seria necessário que dessa última estivesse desvinculado, o que não ocorre neste feito.
    No caso, não tenho como possível a aplicação analógica do art. 221 do
    Código Civil anterior, negando-se vigência nessa decisão ao que disciplina o art. 10 da
    Lei n° 9.728/96.
    Conheço do especial e lhe dou provimento para restabelecer a sentença.

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    pensador Sábado, 16 de fevereiro de 2013, 9h09min

    Prezado Dr. Victor,

    Na jurisprudência citada o STJ não reconheceu a união estável putativa, não equiparando-o ao casamento putativo, exatamente pelas questões que suscitei na minha postagem anterior.

    Enquanto o casamento se dá pela forma - um estado de direito, que faz nascer a faticidade, na união estável a faticidade vêm a gerar um estado de direito, pelo seu reconhecimento.

    Obviamente surge a impossibilidade de putatividade daquilo que nunca chegou a ser, por impedimento óbvio anterior.

    Ora, a faticidade da convivência jamais chegou a ser união estável de direito, por lhe faltar a superação dos óbices legais.

    Quero lembrar que a idéia do casamento putativo, é a proteção de um estado de direito e não de um estado de fato.

    Saudações,

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    Victor Reithler Marroquim Quinta, 21 de fevereiro de 2013, 2h45min

    Caro Pensador,

    Agradeço a transcrição do julgado do STJ, mas eu já conhecia o seu inteiro teor. Em comentário anterior, nesse mesmo tópico, eu já havia citado esse acórdão como exemplo de que o STJ não acolhe a tese da união estável putativa.

    Não obstante, transcrevi a passagem do artigo publicado por Paulo Lôbo no intuito de ilustrar a crítica ao posicionamento do STJ, fundada numa adequada compreensão do fenômeno à luz da teoria do fato jurídico. O argumento utilizado pelo articulista na passagem transcrita coincide com aquele de que me vali em outra postagem nesse tópico, objeto de crítica da Elisete Almeida (a quem agradeço pela exposição clara e didática de suas razões).

    No mais, reitero a minha satisfação em ver um debate tão qualificado no âmbito desse fórum. Infelizmente, é coisa um tanto rara de se ver.

    Atenciosamente,

    Victor R. Marroquim

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    Elisete Almeida Quinta, 21 de fevereiro de 2013, 15h49min

    Caro Vitor;

    Por acaso, acompanho algumas posições doutrinárias do Paulo Lôbo. Porém, não de forma passiva em relação a todas.

    Por exemplo, Paulo Lôbo, no seu livro "Famílias", de 2009, defende a afetividade na forma de princípio jurídico. Ora, como é do conhecimento de alguns colegas aqui do fórum, eu ainda não consigo assimilar o afeto como princípio jurídico e isto pode ser pura teimosia minha. No entanto, cabe a mim estudar de forma aprofundada as duas correntes (a que entende como princípio e a que não entende como princípio), para depois, de forma fundamentada, seguir uma delas.

    Talvez para a sua surpresa, a mim, convinha muito encontrar no afeto um princípio jurídico, me facilitaria imenso a vida, isto seria a minha "galinha dos ovos de ouro"; mas isto não é tão simples assim, pois, se a minha fundamentação não for sólida o suficiente, eu terei um júri, composto por 7 doutores, a desmontá-la por completo.

    Ora, o que eu quero dizer com isso? É muito simples, há certas posições doutrinárias que nos soam muito agradáveis, inclusive abraçam uma série de seguidores, que, em parte, parece um bando de papagaios, que a repetem sem saber o «motivo», mas que, no fundo no fundo, não têm nem pé e nem cabeça.

    De resto, realmente a discussão está muito agradável, são raras as vezes que temos a oportunidade de nos embrenhar a sério no direito. Por isso, peço que não me leve a mal pela minha forma de expressão, eu não sei ser elegante, concisa, perfeita como o Dr. O Pensador, aliás, quem me dera!

    Os meus melhores cumprimentos

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    Alanna Queiroz Sexta, 26 de julho de 2013, 15h08min

    Olha tem uma caso bem semelhante a esse, minha Irma conheceu o Don Juan a 15 anos atrás, ele tinha uma família a qual não convivia e era noivo, então passaram a namorar, após 10 anos, ela teve uma filho dele que fez 4 anos agora, sobe o que o canalha fez??
    Foi a um interior do estado e casou escondido com essa primeira mulher dele minha Irma estando de resguardo, e morando com minha irma, a Irma dele foi quem contou a ela, ele mentindo alegou que era pra retirar um PIS que a mulher tinha direito, e que não queria deixar os dois filhos que mamam do dinheiro dele sem amparo.
    E agora o que será dela nessa situação! Passou de mulher para concubina praticamente.

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