A associação entre o homem e outros animais é muito antiga. Em alguns casos levou à domesticação intencional de espécies, em outras à domesticação acidental. No primeiro caso estão cães e gatos, no segundo ratos comuns e baratas urbanas. De toda forma, a fauna que nos acompanha é chamada cientificamente de sinantrópica.
As domesticações intencionais tiveram como finalidade facilitar a vida do ser humano, assim como a agricultura, contribuíram para o surgimento da civilização através da manutenção de soldados e sacerdotes, uma vez que nem todos os indivíduos do grupo social precisavam se dedicar à caça, coleta e submeter-se ao nomadismo. Já que seus recursos alimentares estavam próximos e não era mais necessário persegui-los.
Com a evolução das cidades, como formas principais dos assentamentos humanos, também vieram algumas domesticações indesejadas. Mesmo que houvesse pragas já associadas ao homem antes dessas; como exemplo os piolhos; os ratos, baratas, moscas domésticas, entre outras, tornaram-se comuns e foram até erroneamente considerados animais que traziam boa sorte em alguns períodos e por algumas civilizações.
Um exemplo clássico é o rato comum (Ratus ratus) que era considerado de bom agouro no continente europeu em plena época da peste negra. Acreditava-se que a doença era transmitida pelo ar e não pela pulga do rato. Os pombos domésticos, que hoje são uma praga em muitas localidades do mundo, foram animais domesticados intencionalmente, para fins alimentares e para servir de correio.
O caso dos cães e gatos é em muitos aspectos controverso e em outros parece muito com o dos pombos. Em muitas civilizações e culturas tiveram funções definidas. Os gatos eram considerados deuses pelos egípcios, uma vez que livravam seus celeiros dos ratos. Os cães ainda são de grande importância para esquimós, pastores de gado da áfrica e de ovelhas da frança, entre outros. A relação desta subespécie do lobo com o homem data do pleistoceno, mais ou menos 100.000 anos atrás.
Nestes idos de nossa aurora evolutiva precisamos domesticar o Canis lupus, vulgarmente conhecido como lobo, para proteger nossas aldeias de predadores e para nos ajudar a rastrear nossa caça. No decorrer da história surgiram muitas variações sobre o tema e, o Canis lupus familiaris foi modificado em raças diferentes que vão desde o enorme Rotweiler (usado na guerra pelos romanos) até o minúsculo Chihuahua (usado para caçar ratos pelos mexicanos).
O uso desta subespécie do lobo, assim como de gatos como animais de companhia desenvolveu-se em diversas partes do mundo e tornou-se “chic” na corte francesa do século XVII. Acredita-se, com bases arqueológicas, que já então havia muitos problemas com animais abandonados que se reproduziam mundo afora se tornando asselvajados. Contudo, dado que não se tinha muita preocupação com direitos dos animais (nem tampouco com os direitos humanos), as populações eram controladas por métodos que hoje consideraríamos dignos de filmes de horror.
Mais recentemente, da metade do século XX para cá, estes animais não só se tornaram alvo da atenção de mais pessoas, mas também de uma indústria que vende filhotes e produtos para seus donos. Filmes como “Lassie”, “BENJI” e livros como a série “Cachorrinho Samba” fomentaram uma cultura em que todo bom menino e toda boa menina tinham que, obrigatoriamente, ser os donos de um animal (como se alguém pudesse possuir uma vida).
Infelizmente, para aqueles que não podiam dedicar-se adequadamente à canicultura, a guarda de um mamífero carnívoro (ordem e não hábito alimentar) não foi tão simples quanto parecia nos filmes e livros. Muitas pessoas deixaram seus, uma vez amados, bichinhos fugirem ou os levaram para longe de casa e, as matilhas urbanas e peri-urbanas surgiram em muitas regiões do mundo. No Serengeti, Tanzânia, a sinomose, doença transmitida por cães, foi responsável pelo quase desaparecimento dos leões na década de 1980. Na índia, hoje, os cãe, que se reproduzem em profusão devido a um efeito cascata causado pela quase extinção dos abutres, atraem os leopardos para os subúrbios, o que causa muitas mortes entre crianças e idosos.
No Brasil, do Norte ao Sul, matilhas asselvajadas causam dores de cabeça homéricas aos administradores de unidades de conservação, já que mordidas de cães transmitem doenças a muitos animais silvestres, e espécies de pequeno porte de nossa fauna são dizimadas por estes animais soltos.
Acho os cães e gatos animais magníficos, assim como todos os outros animais. Do cachalote ao musaranho, todas as espécies do reino em questão merecem nossa atenção e nossa consideração. Afinal somos autoconscientes num sentido amplo e podemos refletir e raciocinar sobre nossa existência a ponto de ter criado a filosofia. E acredito que maus tratos são inaceitáveis a qualquer espécie. Contudo, fazer da companhia de um animal um fetiche, a ponto de criar um em ambiente reduzido em extensão, obrigar seus semelhantes a ouvir as vocalizações de seus bichinhos por horas a fio, a pisar e inalar os odores de seus excrementos e ser obrigados a compartilhar da guarda de seu “pet”, pois é isso que ocorre hoje me dia (escrevo este texto ouvindo os latidos incessantes de meia dúzia de animais em pelo menos três casas ao redor da minha que já duram mais de duas horas, detalhe, são 00:30), não passa de abuso da liberdade concedida pela lei e de falta de educação, adequação e consideração pelo próximo.
Ter um canil e criar cães é atividade regulamentada e não pode ser desenvolvida em área urbana. Resgatar animais da rua não é diferente de criá-los em termos de quantidade e de trabalho. E entendo que quem tem mais de uma dezena destes bichos, em espaço reduzido ou extenso dentro de área urbana, tem uma variação da Síndrome de Diógenes, mal que acomete àqueles que guardam lixo e entulho dentro de casa sem fim aparente. Com vista a estes problemas, tanto os de saúde pública quanto os de convivência (que envolvem educação, civilidade, etc, etc) muitos países criaram leis rígidas para dar a guarda de animais de estimação a qualquer pessoa. Concordo com estas exigências e se tivesse possibilidade as endureceria.
A responsabilidade de ter um animal sob sua guarda é enorme, e não se restringe a falar bonitinho, dar banho, carinho e comida. Mas. Envolve reconhecer o que realmente é importante para o bicho, sem vieses fofinhos, mas visando o bem estar biológico. E para tanto acredito que muito poucos estão capacitados, ou possuem recursos financeiros ou sequer irão alcançar o teor deste texto.
Já aguardo os comentários mal educados e grosseiros dos que defendem que só é feliz aquele que chafurda nos excrementos de mil cãezinhos, dorme com mais duzentos na cama e solta trezentos e cinco para defecar e latir nos portões dos vizinhos. Mas, os advirto, nossa sociedade, apesar de muito atrasada também evolui, e pode ser que um dia estes hábitos anti-sociais sejam vistos com olhos clínicos e rendam um tratamento compulsório por parte do estado.
Enquanto isto não acontece teremos de aguentar o barulho desagradável e o odor pungente, resíduo dos prazeres egoístas e equivocados de nossos vizinhos mal instruídos.