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Responsabilização do Estado por danos decorrentes do consumo de organismos geneticamente modificados (OGMs)

Responsabilização do Estado por danos decorrentes do consumo de organismos geneticamente modificados (OGMs)

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Quando a lei assenta que responderão solidariamente, independente de culpa, os responsáveis por danos ao meio ambiente e a terceiros, a Administração Pública não pode ficar alheia ao rol dos juridicamente imputáveis.

De uma coisa sabemos: a Terra não pertence ao homem. É o homem que pertence à Terra. Disto temos certeza. Todas as coisas estão interligadas como o sangue que une uma família. Tudo está relacionado entre si. O que fere a Terra fere também os filhos e filhas da Terra. Não foi o homem que teceu a trama da vida: ele é meramente um fio da mesma. Tudo o que fizer à trama, a si mesmo fará.

Seattle, Cacique dos Duwamish, em carta ao Governador de Washington (1856).


SUMÁRIO: Introdução; 1. O Mercado de OGMs: Perspectivas e Riscos; 1.1. Evolução; 1.2 O Consumidor perante o Mercado de OGMs; 1.3. Interesses Transindividuais; 1.4. Sociedade de Risco; 2. Os OGMs no Programa Jurídico-Político Brasileiro; 2.1. O Viés da Tutela dos Direitos; 2.2. O Princípio da Precaução: da Construção Teórica à Aplicação pelos Tribunais; 2.3. Os OGMs na Legislação Ordinária; 2.3.1. Lei nº. 8.974/95; 2.3.2. A "Nova" Lei de Biossegurança: nº. 11.105/05; 3. A Responsabilidade do Estado; 3.1. Fundamentos Constitucionais da Responsabilidade Civil da Administração Pública; 3.2. Responsabilidade Civil por Dano ao Meio Ambiente; 3.3. A Eventual Responsabilidade Solidária da Administração Pública por Danos Decorrentes do Consumo de OGMs; Considerações Finais; Notas; Bibliografia.


INTRODUÇÃO

A polêmica em torno dos organismos geneticamente modificados (OGMs) está distante de se dissipar. Inúmeras são as interrogações levantadas desde a mera acepção do termo transgenia até as conseqüências do cultivo e da ingerência desses alimentos modificados na saúde humana, na qualidade de vida e no equilíbrio do meio ambiente.

Por meio da tecnologia do DNA Recombinante, o melhoramento clássico – a reprodução – deixou de ser a única opção para se incrementar espécies vivas, inserindo-se em um organismo uma característica de interesse procedente de um outro, que acarreta circunstâncias nunca antes possíveis.

Os progressos científicos se dão no sentido de aperfeiçoar as tecnologias conhecidas, resultando em maior domínio humano para acarretar um alcance mais amplo da qualidade de vida. Dúvidas não restam de que os avanços da ciência, as descobertas da engenharia genética – a biotecnologia em si – representam parcela expressiva da produção social de riqueza. No entanto, tem se percebido que evoluções andam atreladas à produção social de riscos.

Em diversos países da Europa e nos Estados Unidos, pesquisas na área de segurança alimentar e ambiental, embora ainda guardem grandes incertezas, já estão adiantadas. No Brasil, a discussão permaneceu estagnada por várias razões de ordem político-econômica. O despertar se fez sofrer em 1997, com a chegada da soja transgênica Roundup Ready da multinacional Monsanto ao país. Foi o primeiro carregamento autorizado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio).

Apesar de já existir Lei de Biossegurança em vigor na época – lei nº. 8.974/95, hoje revogada em seu inteiro teor pela lei nº. 11.105/05 –, os impasses quanto à liberação para pesquisas, licenciamento ambiental do produto e comercialização eram constantes, sendo necessárias medidas mais claras e objetivas acerca da natureza jurídica da CTNBio – criada por essa lei – a fim de dar cumprimento às suas atribuições. No período entre a promulgação da lei nº. 8.974/95 e a entrada em vigor da que a substituiu, alguns decretos almejavam apaziguar esses impasses, prevendo: a realização de estudo de impacto ambiental em torno de projetos que pudessem afetar a diversidade biológica; a implementação da Política Nacional da Biodiversidade – que objetivava a defesa do meio ambiente e da saúde humana; e enquadrar o tratamento dado aos OGMs nos parâmetros do Código de Defesa do Consumidor (MAGALHÃES, 2006, p. 25ss).

A nova Lei de Biossegurança, evidenciando a crise da baixa constitucionalidade vivenciada no país (STRECK, 2004a, p. 302), prevê poucos avanços e, por outro lado, manifesta retrocessos consideráveis em relação à lei anterior, os quais, inclusive, guardam indícios incisivos de incompatibilidade com as normas constitucionais. A lei estabelece normas que podem ensejar condutas propiciatórias de danos: no art. 16, § 3º, institui a incumbência da CTNBio de deliberar, em última e definitiva instância, sobre os casos em que a atividade é potencial ou efetivamente causadora de degradação ambiental, bem como sobre a necessidade do licenciamento ambiental. Isto significa dizer que a Comissão poderia desprezar a necessidade de prévia análise de impacto ambiental – que é imposição constitucional – quando julgar que determinada atividade não enseja ofensa potencial. E, ainda, autoriza, nas disposições finais e transitórias, a produção e a comercialização de sementes de cultivares de soja geneticamente modificadas – tolerantes a glifosato – cadastradas no Registro Nacional de Cultivares (RNC) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Não há como diminuir a importância da Responsabilidade do Estado diante do atual tratamento jurídico que recebem os OGMs no ordenamento brasileiro quando o Poder Público tem o dever constitucional de zelar pelo meio ambiente equilibrado – essencial à sadia qualidade de vida (art. 225, caput); e o dever de fazer exigir estudos prévios de impacto ambiental acerca de toda e qualquer atividade que vislumbre desencadear prejuízos ao meio ambiente e à saúde. Nesta perspectiva, quando a mesma lei assenta que responderão solidariamente, independente de culpa, os responsáveis por danos ao meio ambiente e a terceiros, a Administração Pública não pode ficar alheia ao rol dos juridicamente imputáveis.

Desenvolver a proposta de tutela reparatória, nos casos onde se verifica um prejuízo, talvez não represente garantia alguma de que danos não virão a ocorrer. A obrigação de indenizar, entretanto, não deixa de constituir ameaça à integridade patrimonial futura da pessoa jurídica de direito privado (CAUBET, 2005, p. 43), causadora do dano, e à Administração Pública, que tem se manifestado condescendente com ações imprevidentes que expõem terceiros a conseqüências prejudiciais.


1.O Mercado de OGMs: Perspectiva e Riscos

1.1. Evolução

A tecnologia dos organismos geneticamente modificados (OGMs) – ou dos transgênicos, como são mais conhecidos – é um conhecimento científico recente. Data de 1973, quando, por meio de técnicas específicas, se tornou possível permutar genes entre espécies vivas, que, em virtude de suas naturezas distintas, jamais se relacionariam. A causa-base desta transmutação é propiciar alterações no mecanismo de produção de proteínas no organismo modificado, fazendo com que: (i) passe a sintetizar novas substâncias; (ii) deixe de produzir proteínas que, antes da modificação genética, eram engendradas; (iii) ou, até mesmo, acumule quantidades significantes de substâncias já presentes no organismo (GUERRANTE, 2003, p. VII).

Graças à tecnologia do DNA recombinante, os cientistas podem identificar e isolar, no genoma de um dado organismo, um único gene responsável por uma determinada característica de interesse. Transgene, por sua vez, é aquele gene transportado de organismos diferentes da espécie do organismo-alvo e a ele fundido para que as alterações no genoma deste organismo sejam mais precisas e previsíveis do que as obtidas pelo melhoramento clássico, qual seja, o cruzamento, que mescla, em combinações aleatórias, todo o conjunto de genes dos dois organismos. Diversos são os fundamentos sócio-econômicos que impulsionam a transgenia, dentre eles, por exemplo, a idéia de imunizar tipos de vegetais contra herbicidas e a de enriquecer espécies de grãos constituintes da dieta básica de um grupamento populacional específico – caso do arroz na Ásia – com vitaminas que, embora estranhas a essas espécies alimentícias, sejam indispensáveis à saúde humana (RIECHMANN, 2002, p. 34ss).

É prática do ser humano valer-se de meios que possibilitem conhecer e administrar os recursos naturais ao seu redor. Há milênios, ele domestica animais, melhora raças e hibridiza animais e plantas. Nesta configuração, jaz a previsibilidade, indispensável a uma melhor e crescente qualidade de vida.

Por outro lado, a história destas práticas demonstra a existência de restrições naturais impostas pelas fronteiras das espécies: ainda que estes limites tenham sido eventualmente ultrapassados, as investidas nunca foram vistas com bons olhos e, não raro, proibidas. Tanta reserva tem seus fundamentos: animais híbridos como as mulas, por exemplo, são estéreis e as plantas híbridas, isto é, geradas por pais diferentes da mesma linhagem ou espécies vizinhas, não se reproduzem de forma eficiente. Em algumas palavras, percebe-se que há limites implícitos àquilo que pode ser manipulado e em que medida deve ser manipulado quando se trabalha no nível do organismo ou no da espécie (GUERRANTE, 2003, p. 1ss, 148).

Com a produção de sementes geneticamente modificadas, as promessas cresceram. Juntamente com elas, o ceticismo acerca da sustentabilidade desta cultura devido aos resultados pouco conclusivos. Em 1996, a multinacional Monsanto, hoje responsável por mais de 90% de todas as espécies de cultivares transgênicas no mundo, lançou no mercado a soja Roundup Ready, que teve repercussão imediata entre os produtores agrícolas no mundo inteiro. Foi encontrada uma bactéria imune ao glifosato, isolou-se o gene responsável por esta característica de interesse e, em seguida, introduziram-no no DNA da soja, o qual passou a apresentar resistência. O advento da semente resistente ao herbicida coincidiu com o aumento progressivo do cultivo de sementes geneticamente modificadas. Em 1995, havia menos de 200.000 hectares transgênicos no mundo; no ano seguinte, o número saltou para 2 milhões; em 1999, para 40 milhões. Destes últimos, 99% abrigados pelos Estados Unidos, Canadá e Argentina (RIECHMANN, 2002, p. 21).

A discussão no Brasil em torno dos transgênicos permaneceu estagnada por várias razões de ordem político-econômica. O despertar se fez sofrer em 1997, com a chegada da soja da Monsanto ao país. Foi o primeiro carregamento autorizado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão encarregado pela gerência dos assuntos concernentes aos OGMs, criado pela lei 8.974/95, hoje revogada. A CTNBio, ao analisar o pedido de uso do produto em escala comercial, limitou-se a examinar os resultados das pesquisas de segurança alimentar e ambiental apresentados pela Monsanto. A Comissão dispensou, assim, a realização de estudo e de relatório de impacto ambiental (EIA/RIMA) no Brasil, analisando, tão-somente, o EIA/RIMA feito nos Estados Unidos e apresentado pela própria multinacional. A isto, some-se o fato de que a estratégia da empresa no Brasil era cruzar a espécie americana desta soja – que já detinha EIA/RIMA e já havia sido aprovada para comercialização por órgãos norte-americanos – com uma variedade brasileira, postura que elidiria a validade do estudo e relatório, uma vez que, obtido êxito no cruzamento, ter-se-ia um organismo derivado de OGM, de essência diversa. Antes da entrada no mercado da espécie variante obtida, nenhum estudo ou relatório de impacto ambiental foram realizados (GUERRANTE, 2003, p. 55s).

Toda a polêmica não é sem razão. Há quase 20 anos, surgiu, nos Estados Unidos, uma epidemia misteriosa da síndrome de eosinofilia-mialgia, caracterizada por dor muscular e pelo aumento de leucócitos no sangue. Mais de 5.000 casos foram registrados sem que se identificasse a causa de imediato. Pelo menos 37 pessoas morreram e outras 1.500 ficaram com seqüelas permanentes, antes mesmo que a Food and Drug Administration (FDA), a agência norte-americana de fármacos e alimentos, descobrisse uma associação estatística da síndrome com um complemento alimentar, o triptofano L. Verificou-se que 95% dos casos poderiam seguramente ser atribuídos ao complemento alimentar produzido pela empresa japonesa Showa-Denko. Todo o estoque disponível foi recolhido, mas os prejuízos já tinham se desencadeado. Havia no triptofano bactérias geneticamente modificadas com a estrita finalidade de que auxiliassem no tratamento de alguns males. O que o controle de qualidade da empresa e a fiscalização sanitária não foram capazes de prever era que, paralelo ao triptofano, as bactérias manipuladas estavam também produzindo quantidades crescentes de uma toxina capaz de provocar a síndrome. Lamentavelmente, não se pôde exaurir o caso e saber até que grau o OGM acarretou o problema, pois a empresa destruiu todos os lotes contaminados (LEITE, 2000, p. 26ss).

Com essas mudanças, que, desmedidamente, fazem uso da aplicação dos progressos científicos e tecnológicos resultantes das pesquisas nas ciências biológicas, a engenharia genética permitiu diminuir a barreira das espécies e aumentar a rentabilidade do agronegócio para seus empreendedores sem que, para isto, se salvaguardasse a proteção ao consumidor, destinatário final de todo esse processo, e o meio ambiente, verdadeiro fornecedor de toda a matéria-prima e prejudicado imediato em decorrência de todas as situações novas geradas pela tecnologia do DNA recombinante. Teve, então, início a longa e interminável temporada de relações tensas entre o público-consumidor e o setor de pesquisas.

1.2.O Consumidor perante o Mercado de OGMs

Em face das novas conquistas científicas que, uma vez incorporadas ao dia-a-dia da população, devem afastar qualquer comprometimento da melhoria da qualidade de vida, o Poder Público se depara com a missão proeminente de eliminar da atividade econômica a lógica de mercado, que desconsidera a vulnerabilidade do consumidor e do meio ambiente, protegendo-os, em contrapartida, como valores prioritários na configuração atual de Estado intervencionista.

Assim, a Constituição Federal estabeleceu, no art. 5º, XXXIII, que o Estado proverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. Realça de importância a sua inserção entre os direitos fundamentais, com o que se erigem os consumidores à categoria de titulares de direitos constitucionais fundamentais. Conjugado com isto, está o previsto no art. 170, V e VI, que eleva, respectivamente, a defesa do consumidor e do meio ambiente à condição de princípios da ordem econômica. Tudo somado, tem-se o relevante efeito de legitimar todas as medidas de intervenção estatal necessárias a assegurar a proteção prevista (SILVA, J. A., 2003, p. 261s).

Neste escopo, conforme há de se demonstrar, o Judiciário deve desempenhar papel indispensável à efetividade destes dispositivos, mormente quando a Administração Pública – por razões políticas e organizacionais outras que cabem mencionar em momento mais oportuno – assume postura de atos insipientes sucessivos rumo à liberação irrestrita e desajustada dos OGMs no mercado consumidor. Na verdade, a postura deveria seguir direção diametralmente oposta: a de guarda e zelo das diretrizes estipuladas em sede constitucional. Tome-se, como exemplo, o litígio judicial impulsionado pelo Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), Greenpeace e Ministério Público Federal em face da Monsanto e da União por haver emitido parecer técnico conclusivo para que a soja geneticamente modificada resistente a glifosato fosse comercializada sem que sequer houvesse sido realizado estudo prévio de impacto ambiental (EIA/RIMA), estudo sobre a segurança dos alimentos e criadas as normas de rotulagem. O caso é paradigmático no sentido de que atesta a tendência crescente de se sindicar tais procedimentos tipicamente administrativos sob regência da esfera jurídica, tendo em vista a atuação deficitária da Administração no amparo à hipossuficiência dos consumidores e à atacabilidade do bem difuso meio ambiente.

Embora com longo caminho a percorrer-se, tal caso só pôde suceder com o advento da tutela civil coletiva. Em decorrência da desigualdade de condições a que os consumidores são submetidos, o ordenamento jurídico passou a possibilitar a defesa dos interesses dos consumidores por meio da Ação Civil Pública. A lei 7.347/85, recepcionada pela Constituição de 88, tornou possível que se agrupassem os consumidores ou então que eles entregassem a um órgão com maior capacidade de postulação a defesa dos seus legítimos interesses.

As circunstâncias acerca da vulnerabilidade do consumidor se tornam mais evidentes quando se levam em conta os danos causados por um produto alimentício ou medicinal nocivo à saúde; ou, então, por outros de consumo durável perigosos, ficando as vítimas em situação de literal desamparo não apenas em face da impotência diante do produtor e do Poder Público, mas também diante dos frágeis instrumentos de defesa de que se costumava dispor. Esta fragilidade era demonstrada pela exigência, até hoje vigente, em casos que escapam à responsabilização objetiva, de não se demonstrar somente o dano sofrido, como também o nexo causal entre o dano e o produto (FILOMENO, 2005, p. 308ss).

O campo de proteção dos interesses consumeristas é vasto. Seja pela saúde, segurança dos produtos e serviços, propagandas enganosas, exigência de qualidade e quantidade, direito à informação sobre produtos e serviços, conteúdo dos contratos, direito de associação, não-submissão a cláusulas abusivas, prestação eficiente dos serviços públicos e meio ambiente – conforme dito – sadio e equilibrado. A razão de ser desta amplitude se fundamenta na natureza de ordem pública da matéria, uma vez que envolve nítido interesse social.

Desta forma, a lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor (nº. 8.078/90) inclui, na classe, além de pessoa física e jurídica destinatária final do produto, a coletividade de pessoas – ainda que indetermináveis – que tenha intervindo nas relações de consumo. O conceito, previsto no art. 2º e parágrafo único da lei, ainda se alastra pelos arts. 17 e 29, segundo os quais ainda são consumidores todas as vítimas de danos causados por defeitos do produto ou relativos à prestação de serviços e todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais. O rol, portanto, não é taxativo, afrouxando a delimitação do conceito para melhor atender a situações supervenientes em que se possa constatar a existência de relação de consumo (MAZZILLI, 2006, p. 153).

Cabe, agora, aclarar as definições dos vários tipos de interesses transindividuais, uma vez que a doutrina já tem se ocupado com a construção das suas linhas de raciocínio baseadas em conceitos bem delineados, de suma importância prática.

1.3.Interesses Transindividuais

A discussão remete a um ponto próximo, onde se indaga, antes, acerca do interesse público. Quando se fala em interesse social e geral, percebe-se que a noção de ambos está estreitamente ligada à idéia de coletividade e sociedade civil, enquanto no interesse público, jaz a predominância da presença semântica de Estado em primeiro plano. É como se, ao Estado, coubesse não só a ordenação normativa do interesse público, mas também a indicação soberana do seu conteúdo. Na acepção jurídica, tem-se o aspecto da competência para a arbitragem entre os interesses particulares; invoca-se a participação do Estado-administrador ou do Estado-legislador (MANCUSO, 2004, p. 31ss).

Tamanhas são as possibilidades de se divagar dentro desta conceituação que Renato Alessi entendeu oportuno distinguir entre interesse público primário e interesse público secundário, onde o primário representa o interesse social – enfim, o bem comum –, e o secundário evidencia o modo pelo qual os órgãos da Administração vêem o interesse público. Contudo, diante da constatação de que a sociedade atual é cada vez mais complexa e fragmentária, já se sustenta o esvaziamento do conceito de interesse público devido à conflituosidade inerente aos interesses transindividuais. Em que pese esse argumento, ainda é possível se defender uma noção de bem comum, isto é, a própria concepção de interesse público primário, ainda que, com isso, não se atenda a todos os anseios. Sem mais se ater a esta questão, importa mencionar que os parâmetros constitucionais fazem se aplicar eficazmente (apud MAZZILLI, 2006, p. 47).

Seja no tocante ao consumidor, seja ao meio ambiente, o fato é que essa categoria de interesses se relaciona sob o gênero daqueles transindividuais, intermediários entre os interesses públicos e os privados. Os transindividuais – ou coletivos, numa acepção ampla – são compartilhados por grupos, classes ou categorias de pessoas, excedem o âmbito individual, mas não alcançam o patamar do público propriamente dito. Segundo o CDC, art. 81, parágrafo único, I, difusos são interesses ou direitos transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato. Inexiste, pois, vínculo jurídico entre elas. Na hipótese do trabalho, os danos decorrentes do consumo de alimentos transgênicos em suas variações seriam a circunstância de fato. Apesar de dizerem respeito a toda aquela categoria indeterminável – consumidores –, causou prejuízo aos indivíduos que apresentaram problemas de saúde, daí ser o objeto dos interesses difusos indivisível, qual seja, a pretensão ao meio ambiente saudável e equilibrado, que não pode ser quantificada e dividida, uma vez que todos submetidos à classe consumidora têm interesse no objeto.

Paralelamente, no art. 51, § 4º, o CDC conceitua interesses individuais homogêneos como os de grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, que compartilhem prejuízos divisíveis, de origem comum, oriundas, via de regra, das mesmas circunstâncias de fato. Na hipótese estudada, a circunstância de fato poderia ser, como no interesse difuso, o consumo do alimento transgênico; o objeto da pretensão seria divisível – o dano ou a responsabilidade se caracteriza por sua extensão divisível ou individualmente variável entre os integrantes do grupo, na medida em que estes foram prejudicados; e a origem comum – o dano – não decorreria do contrato de compra e venda de quando o alimento transgênico foi adquirido, isto é, não decorre de relação jurídica em si, mas da situação fática de se ter ingerido o produto e este ter apresentado nocividade à saúde.

Os interesses coletivos, em acepção mais lata, referem-se a interesses transindividuais em si, de grupos, classes ou categorias de pessoas. Ao mesmo tempo, o CDC introduziu um conceito mais restrito de interesses coletivos. De acordo com o art. 81, parágrafo único, II, coletivos, em sentido estrito, são interesses transindividuais indivisíveis de um grupo determinado ou determinável de pessoas, reunidas por uma relação jurídica básica comum. Aqui, a lesão decorre não da relação fática subjacente, mas do vínculo jurídico que une o grupo como em um contrato de adesão, por exemplo.

Ressalte-se que o mesmo interesse não pode ser, ao mesmo tempo, coletivo, difuso e individual homogêneo. Pode ocorrer que o mesmo feixe de fatos, sob uma única relação jurídica, venha a provocar o surgimento de interesses transindividuais de mais de uma categoria, os quais podem, até mesmo, ser defendidos na mesma ação civil pública, mecanismo legal apto para defesa deste gênero de interesses (MAZZILLI, 2006, p. 46ss). É o caso da hipótese fática pretendida, que engloba duas vertentes: a dos interesses difusos e a dos individuais homogêneos.

Interesses difusos, adverte Mazzilli (2006, p. 51), podem ser tão abrangentes que chegam a coincidir com o interesse público – meio ambiente como um todo, OGMs e classe geral de consumidores; menos abrangentes que o público, por dizerem respeito a um grupo disperso, mas que não chega a confundir-se com o interesse geral da coletividade – consumidores de um produto específico; podem conflitar com o interesse da coletividade com um todo – interesses dos trabalhadores na indústria de tabaco; conflitar com o interesse da pessoa jurídica do Estado – interesse dos contribuintes; podem ainda ser atinentes a grupos que mantêm conflitos entre si – interesses transindividuais reciprocamente conflitantes como no caso de um aeroporto que serve a uma coletividade, mas prejudica os moradores das imediações com a poluição sonora.

Após as considerações acerca dos interesses transindividuais, passa-se à análise do suporte sociológico para a compreensão do imbróglio em torno dos OGMs.

1.4.Sociedade de Risco

Os avanços da ciência, as descobertas da engenharia genética, a biotecnologia em si, representam parcela expressiva da produção social de riqueza. No entanto, torna-se inevitável que os passos dados adiante andem atrelados à produção social de riscos, suportados em escalas maiores.

A sociedade contemporânea se depara com o seguinte paradigma: avaliar meios para evitar ou, ao menos, minimizar os riscos e perigos produzidos no curso do processo de desenvolvimento, de forma que nem obstaculizem esse processo, nem excedam os limites do sustentável ecológica, medicinal ou socialmente. Não se trata mais do aproveitamento dos recursos naturais em si, do desprendimento do ser humano no que tange a obrigações tradicionais, mas trata-se, também – e essencialmente –, de problemas que são conseqüência do próprio desenvolvimento econômico-tecnológico. O processo de modernização se torna reflexivo, ele mesmo se transforma em tema e problema, uma vez que as questões do desenvolvimento e da aplicação de tecnologias são substituídas por questões da gestão política e científica – administração, descobrimento, inclusão, prevenção e ocultação – dos riscos tecnológicos, reais ou potenciais, a serem avaliados mediante situações específicas (BECK, 1998, p. 26).

Valer-se do risco para designar uma tendência contemporânea – quando, na verdade, o risco sempre existiu – tem sua justificativa. Como se disse, o desenvolvimento está intrinsecamente ligado à produção de riscos, ao potencial de dano das atividades tecnológicas. Portanto, não é de se estranhar que a promessa de segurança cresça com os riscos. Antes, os riscos não ultrapassavam esferas pessoais, segundo Beck (1998, p. 19), a palavra risco não ia além do contexto de coragem e aventura; hoje, abarca a noção de possível autodestruição da vida ao alcançar escalas globais e implícitas, imperceptíveis aos sentidos. Enquanto na sociedade industrial a lógica de produção de riqueza dominava a lógica de produção de riscos, na sociedade de risco, dá-se a inversão desta lógica anacrônica. A nova lógica é reflexiva e implica inevitavelmente a repartição dos riscos – inversamente proporcional à repartição de riqueza, acumulada pelo degradador –, sofrida por todos de forma indistinta, já que, ao contrário dos riscos empresariais do século XIX e da primeira metade do século XX, esses riscos já não se limitam a lugares e grupamentos específicos, mas contêm, de fato, uma tendência à globalização que envolve a produção e a reprodução, desconsiderando as fronteiras dos Estados nacionais. Surgem, assim, essas ameaças globais, no sentido de que são supranacionais, pois não recaem sobre uma classe específica por força de uma nova dinâmica social e política.

Qualquer avaliação acerca dos riscos de uma determinada atividade há de ser a mais objetiva possível – embora incorpore necessariamente juízos e avaliações subjetivos. O procedimento deve calcular em termos quantitativos e qualitativos os riscos que apresentam perigos inerentes a determinados processos ou situações. Mede-se a probabilidade de que o perigo ocasione algum dano real e a gravidade do dano em função das possíveis conseqüências para as pessoas e o meio ambiente (RIECHMANN, 2002, p. 166ss).

Algumas avaliações de risco em tempos recentes levaram a trágicos auto-enganos: os desastres nucleares e a insustentabilidade deste meio de produção de energia têm levado países desenvolvidos, sobretudo os europeus, a assinarem tratados que estabeleçam a desativação gradativa das usinas nucleares. Ao contrário deles, países como o Brasil, que não passaram pelas transformações efetivas próprias da revolução industrial e ainda anseiam pelas promessas da modernidade (STRECK, 2004b, p. 23ss), insistem em adotar mecanismos de desenvolvimento exógenos e implementá-los ao invés de buscar alternativas dignas de um processo autoconsciente das necessidades sócio-econômicas e, por tabela, jurídico-ambientais.

Tal qual se verifica, a lógica atual exige que se sobreponha a prudência – precaução – no lugar da clássica comercialização irrestrita de produtos só então refreada quando comprovada a sua periculosidade por meio de danos já consumados e irreversíveis. Autores já defendem, com base no chamado princípio da precaução – do qual se tratará no próximo capítulo –, que um risco só deve ser suportado se não houver alternativas e, no caso específico dos OGMs, antes da autorização da produção, reivindica-se, com razão, a necessidade indispensável de se demonstrar a inocuidade do empreendimento e a sua compatibilidade com a saúde pública e o meio ambiente (RIECHMANN, 2002, p. 171). Esta é a opção feita pelo Estado brasileiro na sua carta política, a despeito da legislação infraconstitucional que trata da matéria, notadamente a lei 11.105/05. Ela é um exemplo do baixo nível de constitucionalidade com que países periféricos estão habituados a lidar, isto é, as normas constitucionais são preteridas em relação àquelas infraconstitucionais na interpretação/aplicação, acarretando conseqüências práticas imediatas/mediatas por vezes desastrosas (STRECK, 2004a).

É determinante a tomada de escolha levada em conta pela opinião pública acerca do grau de proteção do bem difuso – e a ela cabe essa tarefa em essência –, uma vez que, tal como se viu, não só o risco é democratizado, bem como os danos dele decorrentes, inevitavelmente. Como todas as outras escolhas coletivas, as científicas devem obedecer às regras do Estado de Direito, pois sequer chegam a se constituir em uma esfera metajurídica ou metapolítica (HERMITTE, 2005, p. 20ss). Antes, quando nova problemática se apresenta, surge, com ela, a necessidade de compreender, abordar e criar uma estrutura de regulamentação – controle – à altura da gravidade da matéria. Isto, com vistas a garantir a previsibilidade das relações, a segurança, enfim, a possibilidade de solucionar os conflitos com um mínimo de perturbação social (FERRAZ JR., 2001, p. 50) e aqui, a incolumidade e a suportabilidade sócio-ambiental implicam a investida contra riscos potenciais e eventuais danos. Disto depende a inclusão eficiente da saúde e do meio ambiente no âmbito de proteção do programa jurídico-político estatal.


2.Os OGMs no Programa Jurídico-Político Brasileiro

No capítulo anterior, cuidou-se de considerar sucintamente: (i) evolução dos OGMs – indispensável ao trabalho, dada a interdisciplinaridade do tema; (ii) aspectos do estado da arte do consumidor ante o mercado e demarcações conceituais das categorias de interesses; e (iii) análise sob o enfoque sociológico do risco – abordagem que tem alcançado gradativa aceitação na comunidade jurídica brasileira e da qual os entraves concernentes aos alimentos transgênicos e ao meio ambiente em geral tornou-se impossível de se dissociar.

Toca, agora, levar adiante a abordagem jurídica propriamente dita, traçando os contornos da proteção dos direitos, suas bases teóricas e instrumentos legais – constitucionais e infraconstitucionais – que precedem/precederam a lei nº. 11.105/05, para, então, passar ao exame da lei e aos pontos fundamentais da Responsabilidade do Estado por eventuais danos causados à população em decorrência do consumo de OGMs.

2.1.O Viés da Tutela dos Direitos

Ainda que a cargo do Direito e da dogmática jurídica a tarefa de compreender, criar e efetivar uma estrutura de regulamentação que atenda aos reclames sociais os mais complexos, o alargamento da órbita dos direitos transindividuais tem denunciado o anacronismo do modelo jurídico liberal-individualista, demandando nova postura dos juristas. Procede a alegação de que eles recebem seu instrumento de trabalho do legislador muitas vezes obsoleto, repleto de impropriedades e, não raro, sem que esteja espelhado nas mais nítidas e elementares expectativas sociais. É inaceitável, entretanto, que se reproduzam essas imperfeições quando se tem em vista que o diálogo entre o aspecto geral do texto normativo e a sua aplicação particular – inserida no mundo dos fatos – é imprescindível à realização da prestação jurisdicional em grau satisfatório.

Há uma dificuldade histórica patente do discurso jurídico em lidar com a realidade social. Busca-se um significado correto, único, quando, na verdade, as expressões do texto legal não são unívocas, mas plurívocas, porque elaboradas sempre a partir de sua historicidade, ou seja, inexiste interpretação sem relação social (STRECK, 2004b, p. 17ss). E o Direito, construído a partir de um processo interpretativo, não existe sem que se opere a sua inserção dialógica na realidade.

O mundo jurídico confina com o mundo dos fatos – materiais ou enérgicos, econômicos, políticos, morais, artísticos, religiosos, científicos –, daí provêm as múltiplas interferências de um no outro (PONTES DE MIRANDA, 1954, p. 184). A Constituição mesma, ápice instrutor de toda a ordem jurídica, representa a solução normativa das aspirações que se conflitam, dos interesses que se entrechocam, dos fins e interesses que indivíduos e grupos pretendem realizar; ela não produz interesses, mas os reproduz. Assim, ela provém da realidade e a ela retorna para conferir às relações humanas segurança para logro dos fins. Numa sociedade em desenvolvimento – em constante transição –, canalizar o processo social, abrir vias normativas para disciplinar os interesses, compondo harmonicamente os individuais com os transindividuais é sempre atividade que se desdobra em ritmo mais lento que as mudanças científicas e tecnológicas. Daí a necessidade desta interpretação adaptada às transformações e apartada de qualquer mecanicidade da lei geral ao caso individual. Se o jurista não vai além das diretrizes do ordenamento – nem contra ele –, supre vazios normativos, contorna imperfeições. Desta forma, não deixa de cumprir a função jurisdicional e nem por isso atenta contra a ordem jurídica, pois há, antes, no sistema jurídico, uma potência lógica expansiva imanente. A função jurisdicional ou encontra o direito explícito, ou o desenvolve quando implícito. Algo implícito não é novo, já existe, não está por "criar", mesmo porque este ofício está resguardado à função legislativa (VILANOVA, 2003, p. 463ss).

Os princípios constitucionais consubstanciam premissas básicas, representam a síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica e, inevitavelmente a partir deles, deve iniciar a tarefa de interpretação (BARROSO, 2004, p. 151ss). Nesta extensão, a Constituição Federal de 1988 elegeu no art. 170, que trata da ordem econômica, os seguintes princípios que devem reger toda e qualquer atividade deste cunho: I- soberania nacional; II- propriedade privada; III- função social da propriedade; IV- livre concorrência; V- defesa do consumidor; VI- defesa do meio ambiente; VII- redução das desigualdades sociais e regionais; VIII- busca do pleno emprego; IX- tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte. No caput do artigo, ainda se faz menção à observância da justiça social e existência digna assegurada a todos.

Mesmo um olhar desatento logo percebe que essa principiologia é contraditória e pouco esclarecedora de um caminho econômico a ser seguido. Por exemplo, livre concorrência não rima com tratamento favorecido. Cabe ao jurista a interpretação harmônica destes princípios, onde um não signifique necessariamente a exclusão do outro, mas a sua utilização racional em maior ou menor grau de acordo com a sua prioridade. É a ponderação (Abwägung): se dois princípios colidem, se algo é proibido segundo um princípio e segundo outro o mesmo é permitido, deve um dos dois recuar (ALEXY, 2006, p. 78s, 143s). Assim sendo, pode-se dizer que, diretrizes que são, princípios impõem limites fundados em critérios racionais. O limite da livre iniciativa deve esbarrar na defesa ao meio ambiente e aos consumidores (ANTUNES, 2005, p. 13); empresas que explorem a atividade com OGMs para inseri-los no mercado de consumo devem trilhar suas atividades por meio da responsabilidade ambiental e da proteção à figura do consumidor.

O problema da tutela jurídica do meio ambiente se manifesta a partir do momento em que sua degradação passa a ameaçar não só o bem-estar, mas qualidade de vida humana, se não, a própria sobrevivência do ser humano (SILVA, J. A., 1998, p. 9). No art. 225, caput, da Constituição, o meio ambiente foi elevado à categoria de direito fundamental. Estende-se a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado – bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida –, elegendo, ainda, como diretriz, o desenvolvimento sustentável, sendo incumbência do Poder Público e da coletividade a preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

Dentro dos esquemas tradicionais, fica dificultada a compreensão do meio ambiente como um direito difuso. Até então, a noção predominante de direito esteve baseada na idéia de uma relação material subjacente, ao passo que a defesa dos interesses difusos não se adaptam a essa perspectiva. O que informa os interesses difusos é a participação democrática na vida da sociedade, daí dizer-se que toda questão suscitada pelos interesses difusos é política em essência. A construção pragmática do Direito depende de lutas que os cidadãos reputem legítimas contra atividades que lesem seus interesses. Embora ainda aquém do satisfatório, o desempenho de indivíduos, ONGs e do próprio Ministério Público em demandas jurídico-ambientais é merecedor de destaque: é cada vez mais corriqueiro o fato de que os Tribunais têm servido de barreira às tentativas escusas de governos e grandes empresas no desenvolvimento de atividades sem as devidas cautelas para com o meio ambiente, nele compreendida a saúde humana – representada no dispositivo mencionado por meio da sadia qualidade de vida (ANTUNES, 2005, p. 16ss).

O reconhecimento e a proteção dos direitos estão na base das constituições democráticas modernas: sem direitos fundamentais reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não há condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos. Em face do estágio de desenvolvimento tecnológico-científico atual, onde, como se afirmou, o paradigma liberal-individualista se encontra ultrapassado, faz sentir-se a necessidade de englobar o direito ao meio ambiente no rol daqueles fundamentais. Assim, emergiram os chamados direitos de terceira dimensão, dentre os quais afirma-se, sem receio, que o mais importante é aquele reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito a viver num ambiente não-poluído. Inclusive, já se cogita sobre direitos referentes aos efeitos cada vez mais impactantes da pesquisa biológica que permita a manipulação do patrimônio genético de cada indivíduo [01], sendo certo que essa nova vertente não há de se restringir a pessoas, abrangendo quaisquer outros organismos vivos, uma vez que, tal qual aludido, já existem claras evidências da urgência de um modelo ecocêntrico (ANTUNES, 2005, p. 20ss). Seria incoerente e insustentável defender o oposto, quando, conforme se defende, manipulações genéticas em organismos destinados ao consumo não estão isentas de causar danos substanciais à saúde do homem. Para tanto, é indeclinável que toda e qualquer atividade de manipulação genética seja norteada pelo princípio da precaução e sujeite-se ao estudo prévio de impacto ambiental.

2.2 O Princípio da Precaução: da Construção Teórica à Aplicação pelos Tribunais

Ao lado do princípio da cooperação [02], orientador de uma atuação conjunta entre Estado e sociedade, e do poluidor-pagador, que visa à internalização dos custos externos de deterioração ambiental, está o princípio da precaução (Vorsorgeprinzip), surgido na Alemanha na década de 1970.

Este princípio corresponde à essência do Direito Ambiental. Indica uma atuação racional para com os bens ambientais, com a mais cuidadosa apreensão possível dos recursos naturais, indo além de medidas simplórias para afastar o perigo. É, na verdade, uma precaução contra o risco, na medida em que objetiva prevenir uma suspeição de perigo ou garantir uma suficiente margem de segurança da linha de perigo (DERANI, 1997, p. 165).

Sua política ambiental não se limita a proteger o homem e o meio ambiente contra riscos inaceitáveis, mas se compromete a fazer com que até mesmo riscos de degradação ambiental enquadrados em níveis aceitáveis sejam reduzidos ainda mais. Há esse nível de risco – risco residual –, que é tolerável ou tão baixo em magnitude ou probabilidade que a escassez dos recursos naturais e, no caso dos alimentos transgênicos, os impactos sociais e econômicos adversos das medidas adotadas ditam se o risco deve ou não ser repassado (REHBINDER, 2005, p. 20). Este fato – o de eventuais impactos sócio-econômicos indesejados destas medidas determinarem se um risco será repassado e, caso seja, até que ponto é considerado suportável – reflete bem a forma com que critérios pragmáticos determinam o alcance do princípio jurídico. [03]

Não raro, as situações que surgem são aquelas que se apresentam na fronteira da investigação científica e, em vista disto, nem sempre a ciência pode oferecer ao Direito uma certeza quanto a determinadas medidas que devam ser tomadas para evitar alguma conseqüência danosa ao meio ambiente e à saúde. O que, hoje, pode ser visto como inofensivo, amanhã poderá ser considerado extremamente perigoso ou até mesmo o contrário. Toda a questão gira em torno de saber quais são os limites entre o avanço do conhecimento e a irresponsabilidade pura e simples.

Ainda que pesquisas e experimentos com OGMs sigam protocolos internacionais e sejam dirigidos com seriedade e segurança, há a possibilidade inerente a esses projetos de que determinado produto ou procedimento seja responsável por esta ou aquela doença ou anomalia ambiental. Por isto, o caráter indispensável e basilar do princípio da precaução, uma vez que é o princípio jurídico apto a lidar com quadros da tutela preventiva, nos quais o meio ambiente [04] venha a sofrer impactos causados por novos produtos e tecnologias que ainda não possuam um acúmulo de informações suficientes para assegurar quais as conseqüências que poderão advir da sua liberação no ambiente (ANTUNES, 2005, p. 31s).

A aplicabilidade do princípio impõe o desenvolvimento de uma série de ações básicas governamentais. Os desdobramentos concretos das políticas públicas que devem ser adotadas com base no princípio da precaução consistem na defesa contra o perigo ambiental iminente, no afastamento ou na diminuição do risco e na proteção à configuração futura do ambiente, o que, sem dúvida, exige desde uma legislação que vise a esses objetivos até a execução de planos de uma política de proteção ambiental coesa.

Precaução quer dizer cuidado – in dubio pro securitate –, está diretamente ligada aos conceitos de afastamento de perigo e segurança das gerações futuras. É a partir desta premissa que deve não só se considerar o risco iminente de uma determinada atividade, mas também os riscos futuros decorrentes de empreendimentos humanos, jamais captados pela nossa compreensão e pelo atual estágio de desenvolvimento em toda intensidade. O alcance deste princípio depende, portanto, substancialmente, da forma e da extensão da cautela econômica: a tarefa do Poder Público é a de prevenir danos ambientais antes mesmo que eles aconteçam, devido a sua essência irreversível. Diante destes reflexos ainda imprevisíveis que o consumo de OGMs pode causar, o modelo não deve identificar, primeiro, um risco para, só depois, afastá-lo. No lugar de se questionar "causaria o alimento transgênico ‘x’ um dano?", seria contraposta a indagação: "precisamos do OGM ‘x’?" (DERANI, 1997, p. 165ss).

Um instrumento relevante para esta perspectiva de cautela foi a lei 6.938/81, que institui a Política Nacional do Meio Ambiente, inserindo como objetivos desta política pública, no art. 4º, I e VI, a compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico, e a preservação dos recursos ambientais, condicionados à utilização racional e disponibilidade permanente. Entre os instrumentos da PNMA, instituiu-se, no art. 9º, III, a avaliação dos impactos ambientais.

Em sede constitucional, só em 1988 é que foi recepcionada, no art. 225, § 1º, IV, a imposição de se realizar "estudo prévio de impacto ambiental" (EIA) para a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ao meio ambiente, dando-se publicidade aos seus resultados. Embora não seja expressamente mencionado o princípio da precaução, ele passa a instruir, a partir da Constituição, todo o ordenamento jurídico ao exigir-se que se avaliem os impactos de uma atividade antes mesmo da sua execução. Portanto, elevado a nível constitucional, o princípio da precaução há de se ter em conta na interpretação da legislação ordinária em sentido amplo e na concretização de cláusulas gerais. Como as normas constitucionais precedem em hierarquia todas as demais normas jurídicas, uma disposição inferior que esteja em contradição com este princípio constitucional é passível de invalidez (LARENZ, 2005, p. 479).

Nesta linha, a resolução CONAMA 237/97, documento que estabelece critérios regentes dos procedimentos de licenciamento, passou a fixar, sem prejuízo de outras licenças legalmente exigíveis, a exigência de prévio licenciamento do órgão ambiental para atividades consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, as quais utilizem recursos ambientais, inclusive espécies exóticas e/ou geneticamente modificadas.

Os tribunais brasileiros, habituando-se a essa vertente, iniciaram a construção de uma doutrina com base no princípio da precaução, sobretudo no que concerne aos OGMs. De todos esses processos, o mais simbólico, talvez por ser um complexo divisor de águas, foi a medida cautelar [05] ajuizada pelo IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), o Greenpeace e o Ministério Público Federal contra a União, a Monsanto do Brasil Ltda. e a Monsoy Ltda., por haver sido emitido parecer técnico conclusivo para a soja Roundup Ready da Monsanto sem que se realizasse EIA/RIMA, bem como estudos sobre segurança dos alimentos e regras de rotulagem. O Juiz Federal responsável, Antônio Souza Prudente, acolheu nitidamente o princípio da precaução ao decidir, entre outras medidas que: (i) as empresas rés apresentassem estudo prévio de impacto ambiental como condição indispensável para o plantio, em escala comercial, da soja transgênica; (ii) as empresas referidas não poderiam comercializar as sementes da soja geneticamente modificada até que fossem regulamentadas e definidas as normas de biossegurança e de rotulagem dos OGMs pelo Poder Público competente; e (iii) fossem intimados os Ministros da Agricultura, da Ciência e Tecnologia, do Meio Ambiente e da Saúde, para que não expedissem qualquer autorização às empresas antes de serem cumpridas as determinações judiciais, ficando suspensas as autorizações que tivessem sido expedidas neste sentido (MACHADO, 2004, p. 63). Os réus recorreram da decisão para o Tribunal Regional Federal da 1ª Região, a decisão de primeira instância foi mantida pela Juíza Relatora Assusete Magalhães. [06]

2.3.Os OGMs na Legislação Ordinária

2.3.1.Lei nº. 8.974/95

Em obediência, então, ao que determina a Constituição no art. 225, § 1º, II e V, foi aprovada a Lei de Biossegurança, nº. 8.974/95 – hoje revogada em seu inteiro teor pela Lei 11.105/05 –, que estabelecia normas para o uso das técnicas de engenharia genética, mecanismos de construção, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte de organismo geneticamente modificado no meio ambiente. Mesmo que seu escopo fosse a proteção da vida e da saúde humana, animal e vegetal, foi muito criticada, juntamente com o decreto que a regulamentou, pelo fato de não ter servido ao efetivo estabelecimento de uma segurança na manipulação dos organismos vivos pela engenharia genética e a liberação do seu produto no meio ambiente (LABARRÈRE, 2001, p. 102).

Ao falar em normas de segurança, a lei abarca, implicitamente, o conceito de que a engenharia genética implica riscos, os quais necessitam ser geridos. Para tanto, atribuiu ao Ministério da Saúde, da Agricultura, do Abastecimento, da Reforma Agrária, do Meio Ambiente e da Amazônia legal a fiscalização e monitoramento de atividades e projetos, a emissão de registro de produtos e a liberação no meio ambiente, a emissão de autorização e o cadastro de instituições e profissionais, desde que essas atividades envolvam OGMs. A lei definiu Organismo Geneticamente Modificado como o organismo cujo material genético (ADN/ARN) tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética (art. 3º, IV).

Criou, ainda, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), composta de representantes da sociedade civil, da comunidade científica e do Governo Federal, o que foi levado a efeito pelo Decreto 1.752/95, vinculando a CTNBio à Secretaria Executiva do Ministério da Ciência e Tecnologia. Outro decreto – 1.520/95 – estabeleceu a competência da Comissão em 17 incisos. com destaque para: (i) estabelecimento de normas e regulamentos relativos às atividades e projetos relacionados a OGM; (ii) classificação dos OGMs segundo o seu grau de risco; (iii) criação dos mecanismos de funcionamento das Comissões Internas de Biossegurança (CIBios) em todas as instituições que pesquisem transgênicos; (iv) emitir parecer técnico conclusivo sobre os projetos de OGMs pertencentes a um rol não taxativo previstos no Grupo II da Lei, encaminhando-o ao órgão competente; (v) emitir parecer técnico prévio conclusivo sobre registro, utilização e comercialização de produto contendo OGM ou derivado, enviando-o ao órgão competente; e, finalmente, conferiu poder discricionário à CTNBio ao (vi) exigir Estudo de Impacto Ambiental, caso entenda necessário, e Relatório de Impacto no Meio Ambiente, com exigências específicas de acordo com o nível de risco (MACHADO, 2004, p. 955). Ressalte-se que a Comissão tinha caráter consultivo e os pareceres emitidos por ela eram prévios e conclusivos.

Ademais, a CTNBio causou polêmica ao sustentar que, além de poder dispensar EIA/RIMA, seus pareceres técnicos prévios conclusivos vinculavam as decisões dos Ministérios da Agricultura, Saúde e Meio Ambiente, órgãos do SISNAMA encarregados de licenciamentos. Em parecer [07], o Ministério do Meio Ambiente, defendeu, com base no princípio da precaução, a necessidade de se elaborar EIA/RIMA, uma vez que o parecer prévio conclusivo da Comissão não tem caráter vinculante ou autorizativo. Sustentou-se o seguinte: prévio significa que o primeiro órgão a ser ouvido sobre uma autorização ou registro é a CTNBio. Só depois de sua apreciação, deveriam ser ouvidas as autoridades dos Ministérios da Saúde, Meio Ambiente e Agricultura. Já conclusivo, conduz no sentido de que a Comissão deve articular posição nítida, se favorável ou não (CAPPELLI, 2000, p. 103), nada que verse acerca da dispensabilidade de EIA/RIMA, que, como se defende, é imposição constitucional da qual é impossível fazer refugir instrumentos legais inferiores que lidem com matérias desta magnitude. E, ainda que a Administração, em casos menos graves, houvesse de se posicionar pela sua dispensabilidade, seriam os órgãos que integrassem o SISNAMA que o fariam – e não órgãos do porte da CTNBio que sequer estão arrolados entre estes. [08]

Acerca do caráter exigível do EIA/RIMA, o Supremo Tribunal Federal já examinou, em medida liminar, dispositivo da Constituição do Estado de Santa Catarina, que previa a dispensa do estudo de impacto ambiental no caso de áreas de florestamento ou reflorestamento para fins empresariais. O Relator Min. Ilmar Galvão decidiu pela realização do estudo sem qualquer exceção, uma vez que a norma impõe restrição prejudicial à tutela do meio ambiente. O caso foi apreciado pelo STF de forma definitiva, que se posicionou pela procedência do pedido [09], o Min. Sepúlveda Pertence, ao expor seu voto, mencionou o caráter absoluto desta norma, obstando quaisquer formas mais flexíveis ou permissivas. [10]

Quanto à Responsabilidade, a lei previu cinco hipóteses de crimes no art. 13: (i) manipulação genética de células germinais humanas; (ii) intervenção em material genético in vivo; (iii) produção, armazenamento, ou manipulação de embriões humanos destinados a servirem como material biológico disponível; (iv) intervenção in vivo em material genético de animais; e (v) a liberação ou descarte no meio ambiente de OGM em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e constantes da regulamentação da lei. Já de acordo com a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, assumindo relevância para o estudo, estabeleceu a Responsabilidade Civil Objetiva no art. 14: "sem obstar a aplicação das penas previstas nesta Lei, é o autor obrigado, independente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade".

2.3.2.A "Nova" Lei de Biossegurança: nº. 11.105/05

Como se não bastassem todos os debates e calorosas discussões em torno da exigência de estudo prévio de impacto ambiental pela CTNBio, a natureza dos seus pareceres, inconstitucionalidades constantemente levantadas e disputas judiciais a respeito, tendo acabado de assumir a presidência, o governo Lula sofre pressão do governo do Rio Grande do Sul e de associações dos agricultores gaúchos, bem como do Ministério da Agricultura, para permitir a colheita e a venda da soja transgênica, contrabandeada da Argentina para o estado.

A Casa Civil, para dar cabo do impasse, forma uma comissão composta por nove Ministérios, a qual analisou a possibilidade de elaborar um Termo de Ajustamento de Conduta para os plantadores da soja transgênica, no qual eles se responsabilizariam por garantir uma próxima safra livre de OGMs. Entretanto, por razões não muito claras e, em sentido contrário ao da decisão do Juiz Federal Antônio Prudente, o governo decidiu-se pela Medida Provisória nº. 113, mais tarde, vertida na Lei 10.688/03, que permitiu a colheita e o consumo daquela safra, exigindo, ainda, sua rotulagem e a proibição da venda de sementes transgênicas.

O mesmo grupo de representantes dos Ministérios, pressionado pela Casa Civil, passou a se reunir, em encontros quase diários, no intuito de elaborar um novo projeto de lei dentro do exíguo prazo de trinta dias. Deu-se início a um ciclo de debates, raro na área, quando se ouviu representantes da sociedade civil no Congresso. Ainda que as idéias do grupo convergissem em diversos aspectos secundários, divergiam quanto ao caráter vinculante do parecer da CTNBio e, portanto, a quais instâncias administrativas caberia dar a palavra final com relação à liberação dos transgênicos para uso comercial e de saúde. Os Ministérios da Agricultura e da Indústria e Comércio defenderam o parecer vinculante, chocando-se, assim, com a competência dos Ministérios da Saúde, Meio Ambiente e do próprio Ministério da Agricultura em matéria de licenciamento, reduzindo-a a burocracia vazia.

Na impossibilidade do consenso, o Presidente havia recebido dois projetos de lei: um sugerindo o parecer vinculante e outro, não-vinculante. Apesar de a opinião do grupo ter sido a segunda opção, por oito votos a dois, a Casa Civil elaborou proposta final que concedia à CTNBio o parecer vinculante. A situação ensejou uma crise política em que se cogitava que a Ministra do Meio Ambiente renunciasse. O governo voltou atrás, embora, ao remeter-se o projeto ao líder governista na Câmara, Aldo Rebelo, foi ressuscitada a proposta de parecer vinculante da CTNBio no relatório. Some-se a isto o fato de que foi acrescentada ao projeto de lei a questão das células-tronco, tornando-o ainda mais polêmico e confuso.

Diante dos trâmites legislativos lentos, o governo, freqüentemente pressionado pelo governo do Rio Grande do Sul, Ministro da Agricultura e agricultores gaúchos, duas outras vezes, verte a exceção em regra. Edita Medida Provisória que autoriza o plantio, a colheita e a comercialização da soja transgênica até 2006 (LISBOA, 2005, p. 55ss).

O projeto passa, então, pelo Congresso, em março de 2005, levando o Ministério do Meio Ambiente a divulgar, no dia seguinte, nota repudiando as posturas da nova Lei. Na íntegra:

O Ministério do Meio Ambiente reitera sua posição, já conhecida publicamente, acerca do Projeto de Lei que dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança e estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), aprovado ontem pelo Congresso Nacional.

O Ministério do Meio Ambiente considera que o projeto de lei, no que se refere a transgênicos, relega os órgãos públicos que atuam nas áreas de meio ambiente, de pecuária e agricultura, de pesca e de saúde a um papel secundário, ao conferir à Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) poderes exclusivos e vinculantes na liberação da produção comercial de organismos geneticamente modificados.

O Ministério do Meio Ambiente entende que o modelo de regulação adotado cassa a competência do Sistema Nacional de Meio Ambiente para avaliar impactos ambientais decorrentes da liberação de transgênicos no meio ambiente, ao atribuir à CTNBio o poder de definir a necessidade, ou não, de realização do licenciamento ambiental.

Cria-se com isso sério desequilíbrio no processo de tomada de decisão a respeito dos OGMs, em prejuízo das precauções necessárias para lidar com tecnologias cujas conseqüências nos ecossistemas brasileiros ainda não estão devidamente identificadas. Ciente da plena competência constitucional do Congresso Nacional de aprovar democraticamente as normas legais que regem o país, o Ministério do Meio Ambiente sente-se na obrigação de apontar à sociedade brasileira os potenciais riscos ambientais envolvidos no projeto de lei aprovado.

O Ministério continuará a exercer suas prerrogativas institucionais relativas à proteção e preservação do meio ambiente e à promoção do desenvolvimento sustentável, cuja premissa fundamental é a capacidade de levar em conta, nas escolhas do presente, as condições de vida a serem legadas às gerações futuras. [11] (Sem destaques no original)

Em essência, numa visão otimista, poder-se-ia dizer que a atual Lei de Biossegurança trouxe pouquíssimos avanços, quase despercebidos em face do claro retrocesso no tocante a aspectos de maior relevância, a exemplo do parecer vinculante, já tão mencionado. Sequer a fixação – indiscutivelmente necessária – de um seguro obrigatório às empresas que vierem a exercer atividades com OGMs foi instituída.

Manteve-se a definição no art. 3º, segundo a qual OGM consiste no "organismo cujo material genético tenha sido modificado por qualquer técnica de engenharia genética". A nova lei abrangeu, no art. 1º, junto às outras atividades da lei anterior, a produção, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento e a pesquisa de OGMs; proibiu a utilização, a comercialização, o registro, o patenteamento e o licenciamento de tecnologias genéticas de restrição de uso (art. 6º), resultado das reivindicações de organismos ambientais contra a disseminação de sementes estéreis (MAGALHÃES, 2006, p. 34); determina à pessoa jurídica exploradora da atividade o dever de investigar, adotar as medidas cabíveis e informar à CTNBio, demais autoridades competentes e sociedade acerca de acidentes com OGMs (art. 7º, I, II e III); e cria o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), vinculado à Presidência da República e responsável por fixar princípios e diretrizes para a ação administrativa dos órgãos e entidades federais com competências sobre a matéria. É, ainda, incumbência sua analisar, a pedido da CTNBio, pedidos de liberação de OGMs e derivados para uso comercial sob juízos de conveniência e oportunidade sócio-econômicas e sob o interesse nacional. Por fim, avoca e decide o CNBS, em última e definitiva instância, com base em manifestação da CTNBio e, quando julgar necessário, dos órgãos e entidades referidos no art. 16 da Lei, no âmbito de suas competências, sobre os processos relativos a atividades que envolvam o uso comercial de OGM e seus derivados (art. 8º, § 1º, I, II e II).

Ainda, no teor do Decreto 4.680/03, que estabeleceu regras acerca da rotulagem de produtos de composição transgênica, a lei prevê, no art. 40, que os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados deverão conter informações nesse sentido em seus rótulos. Institui tipos penais, nos arts. 24 a 29, entre eles, a produção, armazenamento, transporte, comercialização, importação ou exportação de OGMs ou derivados, sem autorização ou em desacordo com as normas estabelecidas pela CTNBio e pelos órgãos e entidades de registro e fiscalização.

Alguns aspectos que, particularmente, despertam o nosso interesse merecem cuidadosa análise. Na ciência de que a atividade em torno dos OGMs é passível de desencadear conseqüências irreparáveis à saúde e ao meio ambiente, a Lei estabeleceu a Responsabilidade Civil ao antever, no art. 20, que os responsáveis pelos danos ao meio ambiente e a terceiros responderão solidariamente – modalidade sem menção na lei anterior –por sua indenização ou reparação integral, independentemente da existência de culpa e sem prejuízo da aplicação das penas previstas na Lei. No art. seguinte, também ganhou projeção a Responsabilidade Administrativa, segundo a qual qualquer ação ou omissão que viole as normas previstas na Lei e demais disposições legais pertinentes à matéria é considerada infração administrativa. Para tanto, quando a infração constituir crime ou contravenção, ou lesão à Fazenda Pública ou ao consumidor, a autoridade fiscalizadora representará junto ao órgão competente para apurar as responsabilidades administrativa e penal (art. 23, § 4º).

A nova Lei ampliou a órbita de competências da CTNBio consideravelmente. Conferiu natureza vinculante ao seu parecer (art. 14, § 1º) e a possibilidade de deliberar em última e definitiva instância sobre os casos em que a atividade seja potencial ou efetivamente causadora de degradação ambiental, bem como sobre a necessidade do licenciamento ambiental (art. 16, § 3º). Como se pouco fosse, a soja geneticamente modificada resistente a glifosato teve a sua produção e comércio legalizados em todo território nacional sem maiores fundamentos.

Nesta perspectiva, assiste-se a um nítido retrocesso: um espetáculo de desrespeito aos direitos fundamentais, onde o princípio da precaução, tão caro e elementar às atividades concernentes aos OGMs, foi reduzido à letra fria da lei. Há razão de ser: um autêntico Estado de Direito é, sempre, também, um Estado da segurança jurídica, na medida em que a proteção a um direito fundamental não deve se ater a atos retroativos apenas. Extrapola-se, imperiosamente, aos atos prospectivos que visem a acarretar retrocessos ulteriores a conquistas já alcançadas (SARLET, 2005, p. 412ss). É, em virtude deste quadro, que o Direito, em que pese a sólida construção em torno da cautela para a efetiva proteção por meio da tutela preventiva, deve, também, se antecipar na ocupação do tratamento da tutela reparatória em matéria de transgênicos, uma vez que a Administração Pública tem se submetido a um dos papéis principais nesta novela de ações imprevidentes que expõem toda a sociedade a riscos incalculáveis.


3.A Responsabilidade do Estado

3.1.Fundamentos Constitucionais da Responsabilidade Civil da Administração Pública

Não há como diminuir a importância da Responsabilidade do Estado diante do atual tratamento jurídico que recebem os OGMs na legislação infraconstitucional. Desta feita, a análise em torno da Responsabilidade inicia – como não poderia ser diferente – pela Lei Maior.

No escopo de orientar a ação do administrador na prática dos atos administrativos, bem como de garantir aos administrados uma condução eficiente, proba e responsável das decisões políticas, o legislador constituinte inseriu, no rol de diretrizes que deve reger a Administração Pública, a Responsabilidade Civil. Estabelece o art. 37, § 6º, que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nesta qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Na essência do conceito jurídico, diz-se juridicamente responsável por certa conduta ou arca-se com a responsabilidade jurídica por essa conduta quando se está sujeito à sanção em caso de conduta contrária, isto porque, de acordo com esse ponto de vista, só há sanção decorrente de ato ilícito, consubstanciada, aqui, no dever de indenizar. Responde-se pelo ilícito, portanto (KELSEN, 2003, 2005, p. 134, 93). Todavia, essa perspectiva de se ter o ilícito como condição para a sanção, embora sirva à compreensão das relações intersubjetivas e seja cara ao Direito – especialmente ao campo penal e tributário –, não satisfaz às exigências contemporâneas necessárias ao deslinde da Responsabilidade estatal, segundo a qual há o dever de reparar em decorrência de atos, também, lícitos, dever justificado por meio do escopo de garantir uma equânime repartição dos ônus provenientes de atos ou efeitos lesivos, evitando, por exemplo, que alguns particulares específicos suportem prejuízos ocorridos por ocasião ou por causa de atividades desempenhadas no interesse de todos (BANDEIRA DE MELLO, 2003, p. 866).

Responsabilizar civilmente a Administração significa imputar-lhe a obrigação de reparar danos e prejuízos de natureza patrimonial e moral ocasionados a terceiros por ações que seus agentes desenvolveram (SILVA, J. A., 2003, p. 653). No entanto, nem sempre vigorou a responsabilidade pública. Até a primeira metade do século XIX, vigia o princípio da irresponsabilidade do Estado, segundo o qual era típico daquela noção de soberania impor-se a todos sem compensação. Já na segunda metade desse século, foi admitida a responsabilidade do Estado, que evoluiu de uma responsabilidade subjetiva – baseada na culpa – à responsabilidade objetiva, apoiada na simples relação de causalidade e, excluindo, assim, o elemento subjetivo, de enredada aferição. Recentemente, a responsabilidade do Estado passou a abranger campo maior que a privada, posto que se justifica pelo fato de as ações estatais lidarem com um maior número de indivíduos, possibilitando danos mais intensos que aqueles suscetíveis de serem ocasionados pelos particulares (BANDEIRA DE MELLO, 2003, p. 852ss).

Hoje, a idéia de irresponsabilidade se afigura incompatível com o Estado de Direito. Estabelece-se a responsabilidade objetiva, pois há a necessidade de se garantir a previsibilidade das relações, mormente em uma era em que as situações englobam riscos potenciais, com repercussões importantes no direito do consumidor e no direito ambiental, nos quais, pelo simples risco do empreendimento, já se verifica o dever de reparar (FERRAZ JR., 2001, p. 161).

No Brasil, as constituições anteriores se alternaram quanto à natureza do tratamento acerca da Responsabilidade do Estado. A Constituição de 1891 restringiu, no art. 82, a especificação de responsáveis aos funcionários públicos, pelos abusos e omissões em que incorressem no exercício de seus cargos, assim como pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem os subalternos. As constituições seguintes alternaram-se na previsão da responsabilidade solidária entre funcionários públicos e a Fazenda Nacional, Estadual ou Municipal, ou na da responsabilização das pessoas jurídicas de direito público interno, com conseqüente direito de regresso da Administração Pública contra os funcionários causadores do dano, quando tivesse havido culpa destes.

Vale a ressalva de que a primeira menção a responsabilidade civil e pessoas jurídicas de direito público foi observada na Constituição de 1946 (art. 194). Com ela, os interesses do Estado passaram a plano secundário, eliminando-se as possibilidades de litisconsórcio necessário, solidariedade com seus agentes públicos e de extensão ao particular causador. Em comparação às constituições de 1934 e 1937, as possibilidades da Administração Pública responsabilizar o agente público foram, então, reduzidas ao direito de regresso contra quem deu causa ao dano (PONTES DE MIRANDA, 1947, p. 167ss), expondo a crescente tendência já consolidada na Constituição de 88 de incutir a noção de impessoalidade com que deve se portar a Administração Pública. Assim, ela passou a se prostrar na linha de frente da imputação do dever de reparar prejuízos originados pelas ações dos seus agentes e inovou ao incluir no campo da responsabilidade objetiva todas as pessoas jurídicas que operam serviços de natureza pública (SILVA, J. A., 2003, p. 655).

Importante frisar que há divergências quanto à teoria a ser adotada na responsabilidade objetiva. Embora, não raro, a lei mencione a linha escolhida, os juristas tendem a fazer críticas às teorias, apontando-se qual julgam ser mais pertinente. Segundo a teoria do risco administrativo, surge a obrigação de indenizar o dano só do ato lesivo e injusto causado à vítima pela Administração; não se cogita da culpa da Administração ou dos seus agentes, basta que a vítima demonstre o fato danoso causado por ação ou omissão pelo Poder Público. No entanto, ainda que dispense a prova de culpa da Administração, o risco administrativo permite ao Poder Público demonstrar a culpa da vítima para excluir ou atenuar a indenização. Esta é a diferença substancial da teoria do risco integral, para a qual, independentemente de comprovação de culpa da vítima, a Administração assume integralmente a responsabilidade pelo risco ofertado (MEIRELLES, 2004: 626ss). Hely Lopes Meirelles defendia a teoria do risco administrativo. Para ele, a índole extremada da teoria do risco integral poderia conduzir ao abuso e à iniqüidade social. Outros já defendem que não há tanta diferença assim entre as duas teorias, pois até mesmo o risco integral passou a admitir a isenção da Administração em caso de força maior ou culpa da vítima, uma vez que cessaria a existência do nexo de causalidade, ensejador da responsabilização (MEDAUAR, 2004, p. 436).

3.2.Responsabilidade Civil por Dano ao Meio Ambiente

Ressalte-se, mais uma vez, a importância da tutela preventiva, norteada pelo princípio da precaução. É a partir dele que danos causados ao meio ambiente e à saúde humana devem ser evitados. Daí atribuir a esta tutela a qualidade de prioritária. No entanto, não é porque a essência do Direito Ambiental seja preventiva, que se deva esquecer o tratamento da tutela reparatória (MILARÉ, 2004, p. 755).

O dano ambiental tem caráter dúplice. Ele se bifurca na medida em que há o dano ambiental coletivo, que constitui aquele causado ao meio ambiente globalmente considerado, como patrimônio coletivo, de natureza difusa, bem de uso comum do povo (art. 225 CF), cobrado por meio de Ação Civil Pública. E o individual, que atinge pessoas, individualmente consideradas, por meio da integridade moral e/ou de seu patrimônio particular (MILARÉ, 2004, p. 666).

A responsabilidade civil é, via de regra, de cunho subjetivo no sistema brasileiro. É indispensável que se comprove a culpa de um agente. No entanto, em alguns pontos da legislação específica, elidiu-se a necessidade de comprovação de culpa – dolo, negligência, imprudência ou imperícia – do agente de um ato lesivo, a exemplo dos já mencionados direito ambiental e do consumidor (KRELL, 1998).

Em matéria ambiental, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente – nº. 6.938/81 –estabeleceu, no art. 14, § 1º, que é o poluidor obrigado a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros afetados por sua atividade, independentemente da existência de culpa. Assim o é devido à tarefa hercúlea de se comprovar a culpa de multinacionais e grandes laboratórios, detentores de um conhecimento técnico-científico, o qual, dado o seu grau de especificidade, não é compartilhado pelo senso comum.

Conforme se depreende do artigo mencionado, o princípio do poluidor-pagador é de fundamental importância à noção de responsabilidade civil em matéria ambiental. Herdado do princípio romano da eqüidade, consiste em atribuir àquele que lucra com determinada atividade a responsabilidade pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes, impedindo a privatização do lucro e a socialização dos prejuízos. Verifica-se, mesmo na tutela reparatória, a vocação eminentemente preventiva da responsabilidade civil ambiental de coibir a prática de condutas lesivas ao meio ambiente (MILARÉ, 2004, p. 756s).

Em perfeito acordo com o princípio do poluidor-pagador está a teoria do risco-proveito ou risco do usuário. Esta teoria, sim, diferentemente do risco integral, admite a possibilidade de que fatores sejam capazes de excluir ou atenuar a responsabilidade como caso fortuito, força maior, culpa da vítima, intervenção de terceiros e, ainda, a licitude da atividade poluidora – naqueles casos em que os particulares operam fontes de poluição dentro dos limites estabelecidos. Em matéria de dano, o campo ambiental opera de forma um pouco diversa do campo administrativo: o sujeito que deve indenizar, na maioria dos casos, não é o erário público, mas o poluidor particular, aquele que tira proveito da atividade (KRELL, 1998). Vale salientar que, muitas vezes, o particular age com a autorização válida concedida pela própria Administração, na qual o empreendedor deve confiar. Assim, onde o Estado falha em preencher esta função e emite licenças que permitem impactos ambientais nocivos, não seria justo repassar a responsabilidade ao particular, especialmente em casos, nos quais ele poderia ser confiante na certidão da autorização e na regularidade e licitude da sua atuação. O primeiro guardião dos interesses da coletividade como do bem difuso meio ambiente ainda é o Estado, não o cidadão (KRELL, 1998).

Frise-se que aí se faz referência aos particulares – empreendedores, pequenos e médios produtores etc. – que não detêm esse conhecimento técnico específico e solicitam aval da Administração Pública para exercer uma atividade ou realizar uma obra de seu interesse. Por esta razão é que se afirma que, na teoria do risco-proveito, deve ser avaliado o poder econômico do poluidor, seu conhecimento técnico e sua estrutura administrativa. No caso dos transgênicos, lida-se com multinacionais especializadas e laboratórios com amplos departamentos de pesquisa, os quais possuem uma gama de recursos para avaliar o quão arriscado é seu empreendimento. Portanto, não há, neste caso, como excluir a responsabilidade do poluidor, uma vez que, em matéria de OGMs, segundo a própria Lei 11.105/05, exerce a atividade o laboratório, a instituição ou a empresa que tenha recebido da CTNBio Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB) e, nos termos do art. 20, a responsabilidade civil entre os responsáveis é solidária e prescinde de culpa – objetiva, portanto.

Necessário à configuração do dano ambiental, o nexo causal decorre da relação de causa e efeito entre a atividade e o dano advindo. A análise é feita em torno da atividade, indagando-se se o dano foi ocasionado em razão dela para se concluir que o risco que lhe é inerente basta para se estabelecer o dever de reparar o prejuízo. Resta demonstrar a existência do dano cujo desenlace o risco da atividade influenciou decisivamente (MILARÉ, 2004, p. 760).

Todavia, a sua demonstração não é tão simples como aparenta ser. Aponta-se para a dicotomia entre o jurídico e o científico. Em matéria ambiental, há uma conjugação de fatores complexos, que dificultariam que se exaurisse toda a apuração. Enquanto os cientistas tendem a exigir um alto grau de prova para admitir uma relação de causa e efeito, o Direito busca, de antemão, a partir de critérios que lhe são próprios, encontrar o sujeito agente e imputar-lhe a responsabilidade que lhe corresponda. Estes critérios são baseados em juízos de probabilidade, e não de certeza (STEIGLEDER, 2003, p. 85).

Daí se sustentar como indispensável à apuração da configuração do dano a inversão do ônus da prova. Ou seja, transfere-se ao agente a necessidade de comprovar que a atividade não foi danosa, que não guarda relação com o dano. Esta postura milita a favor da preservação do meio ambiente, em acordo com a defesa de direitos difusos: deve a empresa provar que os produtos geneticamente modificados que ela lançou no mercado consumidor são seguros, e não a sociedade provar que eles são inseguros. Esta nova visão da ordem econômica, em consonância com o princípio da precaução, exige que a inversão do ônus se dê antes mesmo da inserção do OGM no mercado (SILVA, E. M., 2003, p. 107s).

Por fim, saliente-se que, em situações em que o poluidor mesmo tenha uma estrutura técnica para aferir a potencialidade do dano de sua atividade aos bens ambientais, torna irrelevante considerar se a atividade era lícita. Vislumbra-se, no objeto de consideração, a escala de conseqüências incalculáveis, passíveis de serem desencadeadas. No caso dos OGMs, a questão depende, ainda, de captar se a concessão de autorização do Poder Público para o exercício da atividade de potencial implica a responsabilidade da Administração Pública, uma vez que é ao Estado que cabe, por meio do seu poder de polícia, a tarefa de gerir e impedir atividades potencialmente danosas ao meio ambiente e à saúde, interesses difusos, dos quais o Poder Público é protetor imediato.

3.3.A Eventual Responsabilidade Solidária da Administração Pública por Danos Decorrentes do Consumo de OGMs

A Lei de Biossegurança, nº 11.105/05, prevê no art. 20:

Art. 20. Sem prejuízo da aplicação das penas previstas nesta Lei, os responsáveis pelos danos ao meio ambiente e a terceiros responderão, solidariamente, por sua indenização ou reparação integral, independentemente da existência de culpa. (Sem destaques no original).

Já a Constituição, em capítulo destinado à Administração Pública e, no que se destina ao meio ambiente, estabelece, respectivamente, o seguinte:

Art. 37, § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (Sem destaques no original).

Art. 225, § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

A Constituição quis dizer que a irresponsabilidade penal e administrativa (art. 225, § 3º) não implica a irresponsabilidade civil. Ademais, ainda que o texto constitucional não tenha mencionado a responsabilidade solidária, o fato de se prever a responsabilidade por danos que seus agentes causem a terceiros (art. 37, § 6º) não exclui, necessariamente, a modalidade em questão. Ela é, antes, harmonizada com o texto constitucional, que não lhe impõe vedações neste sentido, visto que não é nada absurdo que o Poder Público, por meio de atos de seus agentes, dê ensejo a condutas propiciatórias de danos.

A intenção de responsabilizar solidariamente o Poder Público com o particular é a de compeli-lo a ser prudente e cuidadoso na fiscalização, orientação e gerência da saúde ambiental nos casos em que haja prejuízos para as pessoas, para a propriedade ou recursos naturais (MACHADO, 2004, p. 332).

Sabe-se, contudo, que fortalecer a idéia do dever de reparação, nos casos onde se verifica um prejuízo, não representa, obviamente, garantia alguma de que danos não virão a ocorrer. A obrigação de indenizar, ainda assim, não deixa de constituir uma ameaça à integridade patrimonial futura da pessoa jurídica de direito privado, causadora do dano, e à Administração Pública, condescendente com ações imprevidentes que exponham terceiros a conseqüências prejudiciais. Em suma, no caso do particular, pouco adiantaria construir um patrimônio para si às custas de danos ocasionados a terceiros – princípio do poluidor-pagador. Este patrimônio deveria ser remanejado para terceiros prejudicados pelas condições de sua constituição. No caso do Estado, seriam adotadas ações mais refletidas que as inconseqüentes hoje testemunhadas. É medida eficaz e indispensável no modelo de sociedade de risco, uma vez que, nela, sempre se busca a tentativa de se suprimir o dever de reparação. Bom exemplo desta atitude foi dado pelo Governo Federal no ano de 2003, quando tentou suprimir, na Medida Provisória 131 – a que estabeleceu normas para o plantio e a comercialização da soja transgênica da safra de 2003/2004 –, a obrigação de responsabilidade, justamente pelo potencial de riscos que apresentam os OGMs para o futuro (CAUBET, 2005, p. 43).

Segundo o que dispõe a Lei 11.105/05, o fato de se conferir à CTNBio parecer de natureza vinculante (art. 14, § 1º) – ao qual os demais órgãos da administração devem se subjugar – se torna assunto delicado acerca da questão da competência comum dos vários entes federativos em matéria de proteção ambiental (art. 23, VI da CF) [12], ferida por diversos dispositivos da lei. Frise-se que as questões constitucionais acerca dos OGMs estão ligadas, especialmente, à compressão dos mecanismos jurídicos-políticos que moldam a Federação Brasileira (ANTUNES, 2007, p. 222).

A Lei estabelece, ainda, a concessão de poderes à CTNBio de decidir, em última e definitiva instância, sobre os casos em que a atividade é potencial ou efetivamente causadora de degradação ambiental, bem como sobre a necessidade de licenciamento ambiental (art. 16, § 3º). Tais poderes, aliados ao histórico de indiligências da CTNBio (LISBOA, 2005, p. 55ss), não levam a outra conclusão, senão a de que se deve amadurecer a proposta de responsabilizar-se o Poder Público, afinal é melhor prevenir – e advertir – que remediar, e a propagação de eventuais danos, no caso em discussão, não ocorreria sem que o Poder Público tivesse licenciado a atividade para a conseqüente inserção dos produtos geneticamente modificados no mercado consumidor.

Ao se analisar a hipótese mencionada, constata-se, nos termos da nova Lei, que qualquer empresa ou laboratório que queira exercer atividade concernente aos OGMs deve submeter a sua liberação à CTNBio, o órgão competente. Assim, a empresa determina, por meio de critérios próprios, se o OGM constitui ou não ameaça potencial ao meio ambiente, podendo, para tanto, requerer do empreendedor estudo de avaliação de risco e EIA/RIMA, se assim julgar necessário. Aos demais órgãos da Administração restaria acatar a decisão da CTNBio. Esta lógica implicaria, necessariamente, afirmar que a nenhum outro órgão caberia a avaliação da necessidade ou não de realizar Estudo de Impacto Ambiental, a não ser à CTNBio e, por tabela, da necessidade de emissão ou não da licença ambiental, quando se tratar de atividade relacionada a OGMs e derivados (MAGALHÃES, 2006, p. 36). Desta forma, quando a Comissão entender determinada atividade desprovida de potencial de dano, poderá, inclusive dispensar EIA/RIMA, fazendo silenciar órgãos que desempenhariam tarefa indispensável ao controle e à fiscalização das atividades com OGMs, como, por exemplo, o Ministério da Saúde e o Ministério do Meio Ambiente. A este fato, some-se o argumento de que a CTNBio não avalia impactos sócio-econômicos da atividade sob análise, limitando-se, por assim dizer, a apontar o seu potencial de dano ou não e a requerer ou não ulterior EIA/RIMA para o licenciamento ambiental, em total descompasso com a exigência constitucional e com a competência comum dos entes federativos em matéria de proteção ambiental.

Ora, tal conceito aberto – decidir sobre os casos em que a atividade é potencial ou efetivamente causadora de degradação ambiental – enseja um amplo nível de juízo discricionário por parte da Administração. É o que se denomina de conceito jurídico indeterminado (unbestimmter Rechtsbegriff) [13], teoria surgida na Áustria do século XIX, que tinha como escopo fazer com que órgãos administrativos especializados preenchessem tais conceitos sem a possibilidade de que fossem revisados pelos tribunais. No entanto, após a experiência do regime totalitário alemão, que erradicou o controle judicial dos órgãos governamentais e administrativos, o poder discricionário foi consideravelmente reduzido com o advento da República Federal da Alemanha. A teoria deixou, então, de ser considerada uma expressão da discricionariedade para se tornar sindicável pelo Judiciário mediante interpretação. Adaptada à realidade brasileira, a teoria dos conceitos jurídicos indeterminados pode ter sua utilidade focada na melhoria da sistematização do controle da discricionariedade administrativa e até para a sua redução (KRELL, 2004, p. 29ss), ao invés de se legar a órgãos do Poder Público, aqui a CTNBio, âmbitos exacerbados de atuação discricionária, por meio dos quais o controle eficaz de atividades – que carecem do aval do Estado para serem exercidas – está seriamente comprometido. Ressalte-se a importância fundamental da apreciação judicial do conteúdo destes conceitos como mais uma barreira à necessidade de se adentrar no campo da tutela reparatória.

A deficiência da Lei, ocasionada pelos amplos poderes conferidos à CTNBio, não se esgota na mera declaração de potencial de dano do OGM ou não. Outro agravante advém da possibilidade de se dispensar EIA/RIMA, aspecto que constitui grave ofensa contra o direito fundamental a um meio ambiente sadio e equilibrado, pois vinculando a decisão e tolhendo de outros órgãos a possibilidade de licenciar, a proteção ambiental fica severamente comprometida. Não cabe tratar e analisar item a item da Lei 11.105/05 que guarde incompatibilidade com a Constituição Federal; relembre-se, no entanto, o art. 5º, § 1º da CF, segundo o qual as normas que definem direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Nestes termos, entende-se que os órgãos administrativos se adstringem a estes direitos: é o princípio da constitucionalidade imediata da Administração. Significa dizer que os órgãos administrativos devem executar apenas as leis que sejam conformes aos direitos fundamentais, bem como executar essas leis de forma constitucional. Consoante o entendimento aqui defendido, a não-observância deste postulado poderá levar à invalidação judicial dos atos administrativos contrários aos direitos fundamentais (SARLET, 2005, p. 364ss).

Ainda que, por meio do controle concentrado (STF), os dispositivos da Lei de Biossegurança eivados de inconstitucionalidade sejam fulminados – os quais têm nítida possibilidade de desencadear danos que responsabilizem solidariamente o Estado com o particular – e haja um controle mais rígido do Judiciário sobre as posturas da CTNBio, não se pode garantir um processo de licenciamento de OGMs livre de irregularidades e, tampouco, garantir uma atuação célere do Judiciário. De uma forma ou de outra, é passível de vir a ensejar danos, o que obriga, portanto, a listar as prováveis hipóteses de responsabilidade do Poder Público e as outras em que ele estaria eximido do dever de reparar.

São as hipóteses de responsabilidade solidária:

I-se, apesar de ser necessário, o Poder Público dispensasse EIA/RIMA, entende-se haver responsabilidade, pois não há como negar relação existente entre o dano sofrido ao meio ambiente e à saúde pública e o nexo de causalidade entre o dano e o ato do órgão;

II-se houver EIA/RIMA e for desfavorável no todo ou em parte, não há óbices quanto a enquadrar o Estado como solidariamente responsável, uma vez que foi contra o que determinou o próprio EIA/RIMA. É, portanto, viável a instauração do nexo entre o dano sofrido ao meio ambiente e à saúde dos consumidores e o ato da Administração Pública, sem o qual aquele não ocorreria.

São as hipóteses em que se eliminaria a responsabilidade solidária do Estado:

I-se houver EIA/RIMA e ele for favorável em todos os quesitos – o que é pouquíssimo provável –, estará elidida a responsabilidade do Estado [14]. Neste contexto, Fiorillo e Rodrigues alegam que se o EIA/RIMA foi dado como inteiramente favorável e os danos ao meio ambiente pressupõem um desacerto da equipe multidisciplinar, no sentido de que os resultados técnicos foram comprometedores, a equipe deve responder solidária e objetivamente com o proponente do projeto. Se o dano surgir independente de comportamento comissivo ou omissivo da Administração e de condições alheias de que não se possa deduzir o nexo sobre as situações previstas e qualificadas pela equipe, responsabiliza-se a empresa proponente apenas (1997, p. 222s);

II-se houver EIA/RIMA, este for desfavorável e a licença aos OGMs não for concedida, a menos que se consiga provar que o Estado é responsável pela omissão, ele não deve ser responsabilizado. Entretanto, admitir sempre que o Estado seja omisso e, portanto, associá-lo dentro do eixo com o dano causado ao meio ambiente é criar uma situação onde o Estado seria responsável por tudo, daí se sustentar que, nestes casos, a casuística analise quando uma ação omissa do Estado deva ser encartada como causa do dano ambiental (FIORILLO e RODRIGUES, 1997, p. 222s; BANDEIRA DE MELLO, 2003, p. 874);

III-por fim, ainda há a hipótese de se desconsiderar a responsabilidade solidária da Administração nos casos em que o poluidor cause danos clandestinamente, isto é, sem o consentimento ou concessão de autorização pelo Poder Público (MUKAI, 2004, p. 79), para tanto, é óbvio que não são abrangidas aqui situações a que se deu alguma publicidade e notoriedade, fato em que o Estado seria responsabilizado pela omissão, pois estaria afastado, por inteiro, o caráter de ocultação ilegal da atividade desempenhada pelo particular.

Embora seja, em tese, co-legitimado ativo à propositura de ações civis públicas e coletivas, paradoxalmente, admite-se que o Estado venha a praticar lesões a direitos transindividuais – muitas vezes, é até o primeiro a causá-las –, casos em que será legitimado – ou co-legitimado – passivo para uma ação de mesma natureza. Lembre-se que, nestas situações, é comum que os danos decorram de atividades licenciadas, concedidas, permitidas ou autorizadas pelo Poder Público ou ainda de situações de risco criadas por ele. Na lesão ao consumidor, é comum faltar, pelo menos, uma fiscalização estatal adequada (MAZZILLI, 2006, p. 528ss). A exemplo disto, aponta-se o descaso com as normas de rotulagem dos alimentos transgênicos desde o Decreto 4.680/03. Hoje, apesar de terem passado a ser exigidas pela lei 11.105/05, quase nada foi estabelecido para se efetivar essas normas, ao contrário: um dossiê de ambientalistas do Greenpeace, denunciando o uso por empresas da soja transgênica em alimentos sem qualquer informação no rótulo a respeito, foi entregue à Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados no segundo semestre de 2005, com estudos indicativos da presença do OGM e nenhuma providência foi tomada até então. [15] Tal postura está em completo descompasso com o art. 6º, III, do Código de Defesa do Consumidor – Lei nº. 8.078/90 –, que fixa a informação adequada e clara, com correta especificação de componentes do produto, direito básico dos consumidores. [16]

Não obstante, diante das evidências que atestam a possibilidade da Administração Pública compor solidariamente o pólo passivo na Ação Civil Pública ao lado do particular degradador, há quem sustente a impropriedade desta modalidade de responsabilidade em tais ocorrências. O argumento destes reside em que, na prática, a própria sociedade, vítima da poluição, pagadora de impostos, seria penalizada. O que, além de injusto, consistiria em uma impropriedade lógica. Consideram que, se é possível escolher um dos responsáveis, segundo as regras da solidariedade, deve se valer da opção mais conveniente, chamando-se aquele que lucra com a atividade. Admitir-se-ia, portanto, a responsabilidade do Estado somente quando ele fosse o causador direto do dano ao meio ambiente (MILARÉ, 2004, p. 767). Neste sentido:

Inadmissível a denunciação da União Federal, Estado de São Paulo e Município de Cubatão, sob o fundamento de que essas pessoas de direito público incentivaram e autorizaram a instalação da ora agravante no local, com as conseqüências daí decorrentes, e fiscalizaram suas atividades. Aliás, se a pretensão fosse viável, equivaleria à condenação da própria vítima da poluição, isto é, o povo, ao ressarcimento de danos provocados pelas indústrias. [17] (Sem destaques no original).

Aqui, não se compartilha deste entendimento. Tem se apontado, exaustivamente, que atos comissivos ou omissivos do Poder Público podem ser determinantes para a ocorrência de danos causados à saúde pelo consumo de OGMs. Isto significa dizer que são atos sem os quais tais danos jamais viriam a ocorrer. Assim, em que pese as excludentes já analisadas da responsabilidade solidária, não se hesita em afirmar que a responsabilidade da Administração é tão importante quanto a do particular, já que deve constar do ordenamento jurídico um mecanismo sólido e eficaz que iniba a prática de atos, na maioria das vezes, desprovidos de qualquer cautela em matéria de OGMs. Desta forma, diante de eventuais danos passíveis de se desencadear em larga e irrestrita escala social, é descabido usar o argumento de que é um paradoxo fazer com que a coletividade, verdadeira interessada em responsabilizar, seja também penalizada – por meio da atribuição da responsabilidade ao Estado – por um ato comprovadamente procedente de um poluidor particular. Ora, se assim o fosse, a Ação Civil Pública jamais seria possível, pois, embora não seja titular dos direitos transindividuais que buscam tutela, o Estado é seu defensor imediato contra o próprio Estado.

Além disso, o fato de se fazer com que a sociedade busque punir os responsáveis pelo dano – particular poluidor e Poder Público – e, de certa forma, com que os recursos oriundos da própria coletividade sirvam à reparação nada mais é que a prevalência da eqüidade [18], justiça conquistada por via indutiva e extraída da própria natureza das coisas (RADBRUCH, 1997, p. 91). Os recursos provêm da coletividade e a ela retornam para uma repartição equânime correspondente aos danos causados de forma difusa.

Mazzilli (2006, p. 329), nesta linha, adverte que não se pode sempre assegurar a irresponsabilidade do Estado-Leviatã, sob o argumento de que seria o povo o último a pagar a conta. É preciso bastante equilíbrio, seja para não carrear apenas ao Estado as conseqüências de tudo o que ocorre de forma equivocada no país – e, portanto, ao cidadão, que paga impostos –, seja para não isentar a priori o Estado e, principalmente, seus administradores de toda e qualquer responsabilidade, quando, não raro, são estes que cometem diretamente a ação lesiva.

Por fim, evidencie-se o caráter de interdependência da responsabilidade solidária aqui defendida. Foi dito que o Estado deveria ser responsabilizado pelo aspecto indispensável do seu ato comissivo ou omissivo. Isto é, sem o qual o dano decorrente do consumo de OGMs não ocorreria. Parece óbvio, mas cumpre reforçar que, no assunto examinado, sem a ação originária do particular poluidor, de igual forma, descabe discutir a responsabilidade solidária da Administração, pois inexistiria atividade sujeita à concessão de autorização pelo Poder Público.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em face do baixo nível de confirmação científica acerca das benesses e do grau de viabilidade dos OGMs, instalou-se o ceticismo. Longe de ser infundado, a adoção crítica de posturas que visem a avaliar a escala de riscos das atividades que tenham reflexos sociais, ambientais e econômicos complexos é indispensável à proteção à saúde dos consumidores e ao equilíbrio ambiental. O paradigma contemporâneo consiste em avaliar riscos para evitá-los ou – ao menos – minimizar os perigos produzidos no curso do processo de desenvolvimento, de forma que nem o processo seja emperrado, nem os limites da sustentabilidade sejam ultrapassados.

O modelo liberal-individualista se expõe insuficiente à tutela eficaz de interesses que não se enquadram na clássica relação sujeito-objeto. Surge da necessidade de se ampliar a órbita dos interesses tutelados juridicamente uma nova categoria de interesses que extrapola os individuais. São os transindividuais, que englobam interesses coletivos, difusos e individuais homogêneos, fundamentais para compor a tutela aos bens de natureza difusa como o meio ambiente e a defesa de uma classe vulnerável e indeterminada como os consumidores.

A Constituição Federal de 1988 elevou a defesa dos consumidores e a proteção do meio ambiente a diretrizes indispensáveis para a atividade econômica (art. 170), sendo matérias de ordem pública e direitos fundamentais dos cidadãos (art. 5º, XXXIII, art. 225 e art. 5º, §§ 1º e 2º). A eles devem obediência todo e qualquer empreendimento concernente aos OGMs, bem como a própria legislação infraconstitucional e quaisquer outros diplomas legais sob pena de invalidade.

A Lei de Biossegurança, nº 11.105/05, ampliou consideravelmente o rol de competências da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), órgão encarregado do licenciamento e avaliação de atividades com OGMs. Em primeiro lugar, fere o art. 23 da Constituição, que estabelece a competência comum dos entes federativos em matéria de proteção ambiental – federalismo cooperativo –, ao conferir aos pareceres da CTNBio natureza vinculante. Isto implicaria a submissão dos demais órgãos públicos, inclusive daqueles que integram o SISNAMA, verdadeiros competentes para licenciar atividades e empreendimentos; em segundo, ao conferir à CTNBio o poder de deliberar em última e definitiva instância acerca da necessidade de EIA/RIMA e de decidir quando determinada atividade possui potencial causador de dano, além de causar sério desequilíbrio no processo de licenciamento ambiental, fez com que esse conceito jurídico indeterminado pudesse ensejar brechas a licenciamentos viciados, nada obstando que tais atividades indevidamente autorizadas venham a causar danos futuros à saúde da população e ao meio ambiente.

Cláusulas jurídicas abertas têm demonstrado que os atos administrativos são cada vez mais passíveis de se sujeitar ao controle jurídico, reduzindo-se o campo de atuação discricionária do Poder Público e enfatizando-se o papel do Judiciário.

Verifica-se que, em matéria de OGMs, a Administração Pública tem adotado posturas imprevidentes e, diante da tendência pró-licenciamentos da CTNBio aliada aos dispositivos permissivos da Lei, é inteiramente pertinente falar-se em tutela reparatória, posto que o Direito deve avaliar prospectivamente as ações hoje passíveis de se desencadear em virtude de posturas adotadas na atualidade.

Ainda que os dispositivos da Lei de Biossegurança – objetos da Ação Direta de Inconstitucionalidade – venham a ser fulminados pelo controle concentrado de constitucionalidade, não se elidem as possibilidades de o Poder Público conceder autorizações indevidas a atividades com OGMs desenvolvidas por empresas/laboratórios.

O Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), imposição constitucional informada pelo princípio da precaução (art. 225, § 1º, IV), atua como mecanismo indispensável de aferição do potencial de riscos. Descabe falar em inexigibilidade do estudo e conseqüente relatório em matéria de riscos tão imprevisíveis quanto os dos OGMs. Os níveis de exigência dos órgãos públicos no que diz respeito aos parâmetros do EIA/RIMA podem servir de instrumento mensurador para se configurar a responsabilidade solidária da Administração com o poluidor particular ou para afastá-la.

A despeito da previsão da teoria do risco integral para a responsabilidade civil objetiva na Lei de Biossegurança (art. 20), a teoria do risco-proveito, corolário do princípio do poluidor-pagador, se afigura como a teoria mais adequada para a aferição da responsabilidade objetiva pelo dano ambiental, uma vez que admite fatores excludentes da responsabilidade. A diferença reside no fato de que, ao se aferir o poder econômico do poluidor, seu conhecimento técnico e estrutura administrativa, a reparação dos danos, no caso dos OGMs, assume feições de integralidade.

Mesmo com a punição do degradador, a responsabilidade solidária da Administração Pública no que tange aos OGMs não deve deixar de existir no ordenamento jurídico como mecanismo reparador – quando não inibidor –, pois, como se inferiu, a relação de interdependência entre os solidários manifesta o caráter sine qua non das condutas. Sem a ação do degradador, não há que se falar em ato autorizador da Administração Pública, conseqüentemente, em responsabilidade exclusiva do Estado; sem a concessão de autorização pelo Poder Público à atividade com OGM, não há que se falar em responsabilidade solidária da Administração. Ressalte-se que se admitem excludentes, sendo compreensível que o Estado não possa assumir uma situação de onirresponsabilidade. Buscam-se soluções razoáveis.

Responsabilizar solidariamente o Estado com o particular degradador de forma alguma constitui uma impropriedade. Sustenta-se que a mesma população que sofre com os danos e paga impostos não pode arcar com danos de particulares. A isto, contrapõe-se o argumento que, além de se punir o particular, a imputação do dever de reparação também deve recair sobre o Poder Público – tendo em vista o caráter determinante da sua atuação para a ocorrência do dano –, pois ao se tratar de interesses difusos, há um desequilíbrio na repartição dos encargos a ser expungido por uma razão de eqüidade: os recursos públicos provêm da sociedade e a ela retornam para uma recomposição equânime.


NOTAS

01 Na íntegra: "Accanto ai diritti sociali, che sono stati chiamati diritti della seconda generazione, oggi sono emersi i cosiddetti diritti della terza generazione [...] Il più importante è quello rivendicato dai movimenti ecologici: il diritto a vivere in un ambiente non inquinato. Ma già si affaciano nuove richieste che non saprei chiamare se non diritti della quarta generazione, riguardanti gli effetti sempre più sconvolgenti della ricerca biologica che permetterà manipolazioni del patrimonio genetico di ogni singolo individuo". Cf.: BOBBIO, 2005, p. XIV.

02 Para uma análise mais detida sobre o princípio da cooperação, conferir: DERANI, 1997, p. 157ss.

03 Para Alexy, princípios não deixam de ser normas, mais que isso, são mandamentos de otimização, caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus e que a medida necessária do seu cumprimento não só depende das possibilidades reais, mas também das jurídicas (Prinzipien sind demnach Optimierungsgebote, die dadurch charakterisiert sind, daß sie in unterschiedlichen Graden erfüllt werden können und daß das gebotene Maß ihrer Erfüllung nicht nur von den tatsächlichen, sondern auch von den rechtlichen Möglichkeiten abhängt). Cf.: ALEXY, 2006, p. 75s.

04 Incutem-se, na expressão meio ambiente, não só os recursos naturais em si, mas tanto a figura do ser humano, como a sua integridade física e mental, na medida em que o homem não se dissocia da natureza, mas a integra, de forma a se fazer estender, em um ponto de grande convergência, a noção de meio ambiente ao meio social e vice-versa. A concepção holística (do grego, όλος = todo), segundo a qual o planeta não pode ser explicado como a soma de suas partes, mas como um organismo, maior que a soma de suas partes – gaia ou géia (BOFF, 1999, p. 35ss) –, instrui, indiretamente, o estabelecido no caput do art. 225 da CF ao se verificar o equilíbrio do meio ambiente como condição indispensável à sadia qualidade de vida.

05 Medida Cautelar Inominada nº. 1998.34.00027681-8, 6ª Vara da Seção Judiciária Federal do Distrito Federal.

06 Apelação Cível nº. 2000.01.00.014661-1/DF.

07 262 Conjur/MMA/99, de 03.04.2000, elaborado pela advogada Roberta Rubim del Giudice.

08 Em hipóteses de menor gravidade, pode-se afirmar que a exigência de EIA/RIMA nem sempre é um ato vinculado, visto que o enquadramento dos fatos reais na hipótese da norma constitui ato de interpretação/aplicação do Direito. Assim, é possível que uma atividade, apesar de fazer parte da lista do art. 2º da Resolução CONAMA nº. 01/86, não seja capaz de causar significativos impactos, como, por exemplo, pequenas obras hidráulicas de irrigação. Sempre haverá zonas de certeza positiva, de certeza negativa e os duvidosos, nos quais cabe mais de uma solução correta. Cf.: KRELL, 2004, p. 120.

09 ADIn 1.086-7-SC/Medida Liminar; ADIn 1.086-7-SC: Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade Artigo 182, § 3º, da Constituição do Estado de Santa Catarina. Estudo de Impacto Ambiental. Contrariedade ao Artigo 225, § 1º, IV, da Carta da República. A norma impugnada, ao dispensar a elaboração de estudo prévio de impacto ambiental no caso de áreas de florestamento ou reflorestamento para fins empresariais, cria exceção incompatível com o disposto no mencionado inciso IV do § 1º do artigo 225 da Constituição Federal. Ação julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade do dispositivo constitucional catarinense sob enfoque.

10 Cf.: MACHADO, 2004, p. 126; DJU 10/08/2001.

11 Disponível em . Acesso em janeiro de 2007.

12 A Lei 11.105/05 já é objeto da ADIn nº. 3.256/DF, ajuizada pelo ex-Procurador Geral da República, Cláudio Fonteles, que questionou mais de 20 dispositivos da Lei de Biossegurança. Para um olhar acerca da constitucionalidade da lei sob o enfoque do princípio da precaução, conferir: MAGALHÃES, 2006.

13 Segundo Engisch, um conceito indeterminado possui conteúdo e circunferência amplamente incertos. "A ‘indeterminação’ de conceitos jurídicos pode partir da pluralidade da palavra que traz o conceito [...]. Nesta pluralidade, a interpretação do contexto esclarece, em cada situação, qual o significado em questão" (Die "Unbestimmheit" von Rechtsbegriffen kann beruhen auf der Mehrdeutigkeit eines Begriffswortes [...]. Bei solcher Mehrdeutigkeit stellt häufig die Auslegung aus dem Zusammenhang klar, welche Bedeutung jeweils in Frage kommt.). Cf.: ENGISCH, 2005, p. 140.

14 Entretanto, não entendemos que a Administração esteja totalmente adstrita ao resultado do EIA/RIMA. O órgão pode negar a licença apesar da recomendação positiva do RIMA. Todavia, caso se queira autorizar uma atividade cujo EIA terminou desaconselhando a sua realização, a autoridade administrativa será obrigada a expor, exaustivamente, as suas razões para, se for necessário, ordenar a elaboração de outro estudo. Cf.: KRELL, 2004, p. 121.

15 Disponível em . Acesso em fevereiro de 2007.

16 Fato recente que, entretanto, é digno de destaque é a sanção da Lei 11.460/07, que veio regular o plantio de OGMs nas unidades de conservação. Vedou-se a pesquisa e o cultivo de OGMs nas terras indígenas e nas áreas das unidades de conservação, com exceção das áreas de proteção ambiental – APAs (art. 1º). Além disso, o art. 3º acrescentou ao art. 11 da Lei de Biossegurança o § 8º-A, que estabeleceu a necessidade de quorum de maioria absoluta dos membros da CTNBio para a tomada de decisões – é, sem dúvida, opção razoável e mais precavida. Por fim, de forma inesperada, o Presidente da República vetou o art. 4º da Lei, que autorizava o beneficiamento e a comercialização das fibras de algodoeiros geneticamente modificados resistentes ao herbicida glifosato colhidos em 2006. Percebe-se, aqui, aquilo que seria a repetição do episódio imprudente da soja transgênica. Nas razões do veto, o Executivo, surpreendentemente, justificou que o dispositivo representava "perigoso precedente para a atividade de fiscalização do uso de Organismos Geneticamente Modificados - OGM não autorizados no País. A sua aprovação seria interpretada como flexibilização do Poder Executivo para as atividades irregulares com OGM" (sem destaques no original). É possível – e assim se espera – que esta postura se torne um divisor de águas entre a fase em que o Poder Público descartou o princípio da precaução, conhecida até hoje, e aquela em que a exigência do EIA/RIMA em matéria de OGMs terá se tornado conseqüência lógica da Constitucionalidade Imediata da Administração.

17 TJSP – 7ª Cam Civ – AI nº 124.319-1, j. 28.03.90 – v.u., Relator Des. Souza Lima. Frise-se que não se avalia aqui a questão da denunciação da Administração Pública à lide, mas o tema da responsabilidade, tão-somente.

18 Na Ética a Nicômacos, Aristóteles apontou a justiça e a eqüidade não como valores distintos, mas como caminhos distintos para o mesmo único valor jurídico. Segundo o filósofo, ou a eqüidade deve ser considerada como alguma coisa melhor que a justiça – uma vez que supre omissões legais –, ou como alguma coisa não diferente da justiça: "O que cria o problema é o fato de o eqüitativo ser justo, mas não o justo segundo a lei, e sim um corretivo da justiça legal. A razão é que toda lei é de ordem geral, mas não é possível fazer uma afirmação universal que seja correta em relação a certos casos particulares. [...] Por isto o eqüitativo é justo, e melhor que uma simples espécie de justiça, embora não seja melhor que a justiça irrestrita (mas é melhor que o erro oriundo da natureza irrestrita de seus ditames).". Cf.: ARISTÓTELES, 1985, p. 109.


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NOVAES, Afrânio Ferro de. Responsabilização do Estado por danos decorrentes do consumo de organismos geneticamente modificados (OGMs). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1502, 12 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10262. Acesso em: 24 abr. 2024.