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Mercosul: os desafios constitucionais do processo de integração regional

Mercosul: os desafios constitucionais do processo de integração regional

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Este trabalho analisa as Constituições dos Estados membros do Mercosul, identificando entraves que impedem o fortalecimento do bloco e apresentando propostas para a sua superação.

RESUMO

Este trabalho analisa as Constituições do Brasil, Paraguai, Uruguai, Argentina e Venezuela, como Estados membros do Mercosul. Seu objetivo é identificar entraves que impedem o fortalecimento do bloco e apresentar propostas para a sua superação. Primeiramente o estudo aborda a evolução da integração regional e da globalização, a ordem jurídica vigente, a estrutura organizacional e aponta a atual fase de união aduaneira imperfeita. São trazidas comparações entre o Mercosul e a União Européia quando são apontadas as diferentes dimensões dos países. São conceituados o Direito Internacional Público, o Direito da Integração (Comunitário) e o Direito Interno e a relação existente entre eles. O mecanismo de recepção e integração dos tratados e das normas internacionais é analisado segundo o texto constitucional de cada Estado integrante do Mercosul. É analisada a evolução do conceito de soberania em torno do surgimento de organizações supranacionais. Na última parte, são analisados dispositivos constitucionais quanto às relações internacionais e o interesse na integração, a hierarquia dos tratados internacionais, a jurisprudência brasileira e os conseqüentes entraves constitucionais, com ênfase do estudo na Constituição brasileira. São apresentados pressupostos para as propostas de emenda constitucional. As Constituições do Brasil e do Uruguai não têm um sistema de recepção dos tratados internacionais e não reconhecem o ordenamento jurídico supranacional. São examinadas as perspectivas de criação de um Tribunal de Justiça supranacional e analisa-se a Constituição da Venezuela, que recentemente ingressou no Mercosul.

Palavras-chave: Mercosul, Direito Internacional Público, Direito Comunitário, Constituição, soberania, instituições supranacionais, intergovernamental, incorporação de tratados internacionais.


1 INTRODUÇÃO

1.1 Contextualização

O crescente processo de globalização tem despertado o interesse dos países na formação de blocos econômicos para o fortalecimento de suas economias e, assim, verem atendidos os anseios da população interna num processo economicamente sustentável, que maximize as riquezas e reduza as desigualdades sociais dos povos que formam as comunidades de cada nação.

De acordo com esse contexto, a União Européia (UE), comunidade que obteve resultados satisfatórios no processo de integração, mostra-se um exemplo a ser seguido pelos Estados imbuídos no propósito de formarem blocos econômicos.

O Mercado Comum do Sul (Mercosul) foi concebido com o objetivo de que os países integrantes unam esforços para um mercado comum que implique a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, o estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial diante de terceiros Estados ou blocos econômicos.

Para isso, almeja-se a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais, mediante a adoção de mecanismos que permitam assegurar condições adequadas de concorrência entre os Estados membros e o compromisso de harmonizar suas legislações, com vista a lograr o fortalecimento do processo de integração.

Os contornos jurídicos do processo de integração são tratados com base na análise dos dispositivos de cada texto constitucional dos Estados-membros acerca do reconhecimento de uma ordem jurídica supranacional e do mecanismo adotado para a recepção e integração dos tratados internacionais no Direito Interno.

Nesse sentido, merece destaque a observação de Dantas (1999, p. 140), verbis:

[...] um dos maiores reflexos que o fenômeno da globalização provoca no plano das relações internacionais é, conforme foi dito, aquele referente à posição que as normas jurídicas expressas em tratados e convenções internacionais ocuparão no sistema jurídico interno dos Estados, principalmente, quando se trata de enfrentarmos situações decorrentes da criação de agências de competência supracional, bem como o surgimento de blocos regionais, que terão de afinar-se e conviver lado a lado com a soberania como elemento caracterizador do poder político estatal.

Infere-se que a problemática enfrentada no processo de integração diz respeito à admissibilidade de organizações supranacionais e ao reconhecimento do seu ordenamento jurídico no Direito nacional.

Por isso, a problemática quanto à recepção e integração de tratados e normas internacionais no Direito Interno ganha espaço relevante no presente estudo.

A exploração do tema objetiva identificar entraves de ordem constitucional que possam estar obstaculizando o fortalecimento do Mercosul, assim como os desafios que os Estados membros teriam de superar para a adequação dos seus textos, com ênfase no texto constitucional brasileiro, que servirá de base para apresentação de pressupostos que nortearão propostas de emendas à Constituição.

O estudo perpassa pela evolução dos conceitos de soberania do Estado e suas limitações constitucionais diante das organizações intergovernamentais e supra-estatais surgidas, de forma mais acentuada, a partir da criação de blocos econômicos.

Para tanto, entende-se como necessário percorrer os degraus do processo de integração regional até hoje consolidados e propor hipóteses para a efetiva harmonização das legislações dos Estados que formam o Mercosul, com a finalidade de alcançar a etapa da integração conhecida como Mercado Comum.

A harmonização das legislações de cada Estado, para atingir os objetivos do mercado comum, integra compromisso assumido no bojo do Tratado de Assunção, que deu origem ao projeto econômico comunitário dos países do Cone Sul.

A consolidação de cada etapa do Mercosul impõe desafios a serem transpostos, como a conformação dos ordenamentos constitucionais internos de cada país, para que seja reconhecido um sistema supranacional, e de cláusulas constitucionais materiais de comprometimento e lealdade na construção do sistema supra-estatal, mediante a superação de paradigmas há muito arraigados, em virtude dos longos anos de ditadura militar por que passaram os Estados-membros do Mercosul.

1.2 Objetivos

O estudo ora proposto pretende demonstrar que a ordem constitucional dos países integrante do Mercosul pode revestir-se de obstáculos ao processo de integração e que estes podem ser determinantes aos avanços ou retrocessos da integração.

Por isso, constituem objetivos deste trabalho:

- analisar comparativamente as Constituições dos países que formam o Mercosul em relação ao interesse no processo de integração;

- identificar os aspectos constitucionais dos Estados membros, especialmente do Brasil, que constituem entraves ao processo de integração;

- identificar a amplitude da transferência de soberania no texto constitucional de cada Estado membro, com a criação de organizações supranacionais;

- identificar o mecanismo dispensado pelos textos constitucionais quanto à integração e recepção das normas, tratados e convenções internacionais no Direito interno;

- apresentar propostas para a conformação do ordenamento constitucional para o fortalecimento da integração, com base na análise do texto constitucional brasileiro.

1.3 Justificativa

A consolidação do mercado comum como objetivo do Tratado de Assunção, que instituiu, há uma década e meia, o Mercosul, e a recente adesão, como membro pleno, de um novo parceiro – a Venezuela – desperta interesse em identificar se as causas determinantes para a consolidação das etapas do Mercosul não estariam fundadas no ordenamento constitucional de cada Estado membro e se o reconhecimento de um ordenamento comunitário autônomo poderia determinar avanços nesse processo.

O retardamento da consolidação das etapas do processo de integração poderá implicar retrocessos na integração e fragilizar o Mercosul como bloco econômico. Essa demora expõe os parceiros, de forma individualizada, a pressões externas advindas de países ou outros blocos comerciais, que os instigam a com eles firmarem acordos bilaterais ou multilaterais. A atratividade dos acordos com terceiros países poderá implicar a saída de parceiros do bloco, colocando em risco a sobrevivência do Mercosul.

Esse contexto poderá ensejar a paralisação do processo de integração regional do Mercosul, se não tornar a sua existência totalmente inócua diante dos interesses regionais.

Depois de analisados e identificados os fatores que interferem na integração do Mercosul, pretende-se apresentar propostas com vista a mitigar ou afastar os obstáculos ao intento integrativo regional e propiciar os avanços desejáveis à consolidação do mercado comum proposto pelo Tratado de Assunção.

Essas propostas são focadas no texto constitucional brasileiro.


2 DA CONJUNTURA INTERNACIONAL E A INTEGRAÇÃO REGIONAL

O presente capítulo cuida de temas que possam auxiliar na compreensão de fenômenos, como a globalização, para justificar o surgimento dos blocos econômicos regionais, com enfoque no Mercosul, assim como as especificidades quanto às divergências e convergências entre o Brasil e a Argentina ao longo dos anos até a aproximação dos países para a instituição do Mercosul.

As fontes jurídicas, especialmente o ato constitutivo que dá origem ao bloco, a estrutura orgânica segundo o Tratado de Assunção e o Protocolo de Ouro Preto, assim como os órgãos que compõem o Mercosul, suas características e competências são objeto do presente estudo.

O nível de integração pretendido pelos países que inicialmente formaram o bloco é abordado considerando aspectos que envolvem temas como a zona de livre-comércio, a união aduaneira e o mercado comum.

O sistema de solução de controvérsias, bem como a comparação entre a União Européia e o Mercosul são assuntos a serem introduzidos nos últimos tópicos do presente capítulo.

2.1 Mercosul – fundamentos da integração regional em relação à globalização

2.1.1 Da globalização ao Mercosul

O fenômeno da globalização, desencadeado com maior ênfase a partir da década de 80, possui precedentes seculares na história mundial. Para efeito de explicação desse fenômeno global, são criadas e desenvolvidas diversas teorias.

Nesse sentido, Piotr Sztompka, citado por Dantas (1999, p. 115), afirma que "Existem três formulações teóricas da globalização que já podem ser tratadas como clássicas: a teoria do imperialismo, a teoria da dependência e a teoria do sistema mundial".

Segundo Sztompka, todas as teorias são focadas no mesmo objetivo, possuindo características de natureza ideológica. O aspecto econômico é a esfera de abrangência das teorias, cuja pretensão é a de explicar os mecanismos da exploração e da injustiça.

Esmiuçando os fundamentos da primeira teoria – o imperialismo –, Piotr Sztompka, citado por Dantas (op. cit, p. 115), justifica que essa teoria, em sua forma mais rudimentar, já é encontrada em J. A. Hobson (1902) e foi desenvolvida por Vladimir Lênin (1939) e Nikolai Bukharin (1929). E prossegue, afirmando:

O imperialismo é considerado o último estágio na evolução do capitalismo, em que a superprodução e as taxas de lucro decrescentes exigem medidas defensivas. A expansão imperial (conquista, colonização, controle econômico de outros países) é a estratégia do capitalismo para se defender do colapso iminente.

A expansão imperial com base nas conquistas de terras, na colonização e no controle econômico de outros países, que caracteriza o imperialismo, propicia a satisfação de três objetivos econômicos cruciais: a obtenção de força de trabalho barata, a aquisição de matérias-primas baratas e a abertura de novos mercados para os bens excedentes.

A teoria da dependência com origem latino-americana está calcada na suposição de que o subdesenvolvimento dos países latino-americanos é gerado pelas restrições externas e não unicamente por fatores endógenos.

Citando Prebisch [01], Dantas (op. cit, p. 115) lembra que:

Um precursor dessa teoria, Paul Prebisch, sustentava a existência de uma divisão fundamental da economia mundial em um "centro" dominante, formados pelos poderes industriais altamente desenvolvidos, e uma "periferia de países essencialmente agrícolas [...]".

De acordo com o esquema delineado por Sztompka, o período da economia mundial ou sistema mundial surge por volta do início do século XVI, quando nasce o capitalismo como sistema econômico dominante. Nessa ocasião, o Estado passa a desempenhar importante papel no mercado, afastando-se da sua função de agente regulador e coordenador. É nesse estágio que a função do Estado passa a centrar-se unicamente na salvaguarda do quadro da atividade econômica, voltando-se a favor da livre empresa e do êxito comercial.

Resume Dantas (op. cit., p. 117) que as três teorias de natureza puramente econômica "[...] serviram para demonstrar a dimensão e complexidade dos temas referentes à globalização, que apesar de possuir vários aspectos (inclusive culturais), tem sido tratada quase exclusivamente na perspectiva da Ciência Econômica".

O enfrentamento das questões jurídicas em torno da integração não pode ficar à deriva, mesmo que a globalização tenha sido tratada, quase exclusivamente, como ciência política, sem considerar as questões legais que cercam a internacionalização das relações, sobretudo os seus efeitos internos e externos.

Junto com a globalização nasce o Direito Internacional Público, que consiste em regular as relações entre os Estados, comumente formalizadas por tratados e conveções internacionais. Com a formação de blocos regionais, surge o Direito Comunitário, também denominado de Direito da Integração por alguns. O crescente avanço das relações internacionais, com a intensificação dos tratados, acordos e convenções internacionais, tem suscitado novos ramos do Direito, para regular as novas características das relações que surgem do mundo moderno.

Para Farias, citado por Kerber (2001, p. 65) a integração desdobra-se em dois patamares na economia moderna: a integração internacional e a integração regional.

O primeiro dos patamares, mais genérico, é "empregado usualmente para descrever características e tendências da economia capitalista global, impulsionada pela integração e pela interdependência", o que difere do segundo, que "surge como resultado de acordos políticos entre países geograficamente próximos, com vistas à obtenção das vantagens típicas do processo".

Ao tratar do sistema internacional e da integração, Nicoletti (1997, p. 21) entende que a América Latina, no período pós-guerra, apresenta-se como região internacionalmente isolada, vinculada com o mundo unicamente pelos Estados Unidos e que só podia avançar em direção a uma grande potência, verbis:

América Latina em la postguerra se presenta como uma región internacionalmente aislada, vinculada con el mundo solamente por los Estados Unidos. América Latina exhibía um lugar "estratégicamente solitário" que solo podia avanzar em la dirección de uma gran potencia.

A tal punto llegó la influencia de Estados Unidos em la América Latina después de la Segunda Guerra Mundial que há tenido que ver com câmbios de gobierno, exploración de los recursos regionales, modificaciones em lãs tradiciones culturales, frustraciones sociales, subordinación tecnológica, cuando no sometimiento ideológico e intervención militar.

Segundo o autor, esse quadro foi sofrendo modificação a partir dos anos 70 como conseqüência da transformação do cenário internacional mediante a formação de novos centros de poder mundial, a ampliação da Comunidade Européia, o ingresso do Japão na competência tecnológica mundial, a gravitação econômica e política da China, a organização de movimentos por países não-alinhados e a transformação dos países latino-americanos, entre outros aspectos.

Também demonstra esse autor que essa transformação, contudo, ocorreu de forma tradicional, sem contemplar a importância da industrialização, mantendo profundas assimetrias na estrutura social, oligárquica e trabalhadora, no campo e na cidade.

A interdependência cada vez mais presente entre os Estados provoca a busca de alternativas para o seu fortalecimento, que tem sido trilhado com a reunião desses Estados em blocos econômicos, na perspectiva de se assegurar um mercado comum, próprio e protegido das concorrências transnacionais.

Daí é que a formação de comunidades ou blocos econômicos, como a Comunidade Européia (CE), o Mercosul, o Nafta, os Tigres Asiáticos, entre outros, é vista, segundo Oliveira, citado por Kerber (2001, p. 65), "[...] como uma forma de regionalização da economia oposta à globalização e de reação às grandes potências na violenta concorrência do mercado mundial".

Diferenciando o fenômeno da globalização do da integração, Oliveira enfatiza, sob o ponto de vista econômico restrito, que:

[...] a globalização pode ser caracterizada como processo de disputa ao controle dos principais mercados consumidores do mundo, uma guerra comercial das corporações transnacionais. Ao passo que a integração pode ser apontada como um processo de formação de blocos econômicos regionais, comandados pelo objetivo político comum de criar e manter seus próprios mercados, através de um espaço protegido (apud KERBER, op. cit., p. 65).

E arremata com interessante fundamento, que pode ser importante fonte de reflexão para estabelecer avanços no processo de integração regional, no caso em estudo, o Mercosul, pelo qual "[...] a integração não é um processo comandado pelo mercado, mas pela política para criar um mercado", ou seja, os avanços podem estar embasados em políticas, sejam elas de natureza econômica, social, jurídica.

Todavia, a implementação dessas políticas deve estar baseada na articulação coesa entre os governantes dos Estados membros do bloco e liderada por estadista que desperte, no seio do bloco, confiança e credibilidade para a intermediação na construção de forma harmônica daquelas políticas.

A modificação, no decorrer dos anos, do conceito de integração, fenômeno atualmente trilhado pelos países da América Latina, pode ser explicada pelas necessidades surgidas entre os países que formam o bloco, tais como estabelecer políticas macroeconômicas, propiciar a cooperação tecnológica, entabular projetos comuns de investimentos recíprocos em transporte, comunicação, educação e segurança.

2.1.2 Do surgimento dos processos de integração

Quanto ao momento de surgimento dos processos de integração, Ribeiro (2001, p. 162) sinaliza que "[...] os processos integracionistas começaram a despontar no cenário internacional, nomeadamente, após a Segunda Guerra Mundial, inserindo-se no conflito entre o protecionismo e o liberalismo comercial, inerente às nações mais avançadas".

Mais tarde, com o fim da Guerra Fria, a abertura da Europa e o triunfo americano na Guerra do Golfo, inicia-se uma nova moldagem geográfica, ocasião em que surgem novos aspectos entre o equilíbrio regional e o universal e, na América Latina, houve a aproximação nas relações entre os Estados até a formação dos atuais blocos regionais.

Em 1948, foi criada a Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), quando surge a primeira concepção de América Latina numa situação global em defesa de integração. Em 1950, a Cepal sofre modificação pela introdução do conceito de cooperação regional. Em 1956, retoma-se a idéia de criação de um "mercado regional" sul-americano com o objetivo de tornar mais célere o processo de industrialização.

Em 18 de fevereiro de 1960, cria-se a Associação Latino-Americana de Livre Comércio (Alalc), pelo Tratado de Montevidéu, cujo objetivo é o de estabelecer uma zona de livre comércio. Integram-na: Argentina, Brasil, Chile, México, Paraguai, Peru e Uruguai, Em 1967, aderem a ela a Bolívia, a Colômbia, o Equador e a Venezuela.

São objetivos da Alalc: a) liberalização comercial; b) reciprocidade na outorga de concessão da cláusula da nação mais favorecida, com base na consolidação da zona de livre-comércio; c) proposta de um período de transição de 12 anos.

Em 1969, o Chile, a Colômbia, a Bolívia, o Equador e o Peru firmam alianças por divergirem dos rumos da Alalc, ocasião em que se cria a Comunidade Andina de Nações (CAN), no Acordo de Cartagena.

A CAN tinha por objetivo promover a integração econômica entre os países andinos da América do Sul, incluindo a harmonização de políticas econômicas e a coordenação de planos de desenvolvimento, bem como a eliminação de barreiras alfandegárias e restrições nas importações, além da criação de uma tarifa externa comum e a integração física, no intuito de formar uma comunidade integrada.

Sucede que, em 1980, a Alalc é substituída pela Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), por meio do Tratado de Montevidéu. Essa associação desencadeia tentativas de reestruturação dos objetivos de integração propostos pela anterior, reforçando-se a supremacia dos interesses individuais dos Estados que a integravam, no intuito de consolidar entendimentos. Não obtendo sucesso nesse intuito, acaba por fracassar.

Sobre a Alalc e Aladi Ribeiro (2001, p. 163) diz que os "[...] fracassos ocorridos nos processos anteriores podem ser melhor (sic) entendidos devido à ocorrência de deficiências na estrutura e implementação, pela ausência de aplicabilidade direta das normas e inexistência de um tribunal supranacional".

Nota-se que o Mercosul também passa por semelhantes dificuldades, as quais são tratadas em tópico específico.

Não obstante os fracassos da Alalc e Aladi, subsiste a necessidade de os países da América Latina criarem um mercado comum regional. Como instrumento inicial de integração entre Brasil e Argentina, em 30 de novembro de 1985, foi firmada a Declaração de Iguaçu.

No ano seguinte, em 1986, firma-se a Ata para a Integração entre o Brasil e a Argentina, ocasião em que se estabelece o processo de integração e cooperação econômica, resultado do empenho dos presidentes em exercício dos dois países, José Sarney, do Brasil, e Raul Alfonsin, da Argentina.

Esse ato de integração entre os dois países é importante para amenizar as relações de desconfiança que ainda persistiam entre esses países como resquício dos seus governos de ditadura militar.

Nesse sentido, justifica Nicoletti (1999, p. 36) que a relação bilateral Argentina–Brasil até então estava minada por turbulências políticas profundas e a desconfiança existente mutuamente interferia negativamente na possibilidade de obtenção de resultados satisfatórios no processo de integração. Sobre isso, escreve Nicoletti, verbis:

La relación bilateral Argentina–Brasil estuvo signada por turbulências políticas profundas. Los gobiernos militares de lãs décadas de 1960 y 1970 enfatizaron el enfrentamiento y la puja regional em lugar de la coperación. Lãs hipóteses de conflicto eran lãs guias orientadoras de lãs políticas exteriores de uno para com el outro y los miedos recíprocos y la desconfianza mutua anulaban cualquier posibilidad de lograr entendimentos fructíferos.

Para esse autor, as relações entre o Brasil e a Argentina já vêm evoluindo para uma aproximação com base no intercâmbio comercial e na crescente cooperação no campo nuclear e diplomático, com o convênio de cooperação nuclear, que insere aspectos como intercâmbio e capacitação de pessoal técnico, intercâmbio de informação para a fabricação de componentes de proteção física de material nuclear, segurança nuclear e abastecimento de urânio enriquecido.

Já no campo diplomático, o destaque se dá em razão do apoio brasileiro à Argentina durante o conflito bélico ocorrido em 1988, com a Inglaterra, pela disputa das Ilhas Malvinas.

Em 1988, dois anos após terem firmado a Ata de 1986, os dois países, assinam o Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento para avançar rumo à eliminação de barreiras alfandegárias. Nesse documento os citados países estabelecem um período de transição de dez anos para a criação de um espaço econômico comum - mercado comum.

A previsão desse período de transição não é obstáculo para que, em julho de 1990, os presidentes em exercício, Fernando Collor de Melo e Carlos Menem, respectivamente governantes do Brasil e Argentina, no intuito de acelerar o processo de integração, firmassem a Ata de Buenos Aires. Nessa ata estabelecem os citados países a criação de um mercado comum bilateral, com prazo previsto para implantação até 31 de dezembro de 1994.

Em 26 de março de 1991, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai assinam o Tratado de Assunção, ato pelo qual é constituído o Mercado Comum do Sul (Mercosul) - que passa a representar um importante instrumento para a satisfação das necessidades dos seus integrantes.

Esses países, após terem superado um longo período ditatorial, optam pelo regime democrático, num contexto regido pela internacionalização das relações comerciais tendentes ao crescimento da competitividade global. A partir da opção pelo regime democrático, que caracteriza um momento histórico, os governantes dos quatro Estados membros passam a demonstrar uma acentuada preocupação pela preservação desse regime.

Em 25 de junho de 1996, os países integrantes do Mercosul firmam a "Declaracion Presidencial sobre Compromisso Democrático em el Mercosul", na província de San Luis, República Argentina.

Esse ato consiste nos seguintes aspectos: a) reafirmação dos princípios e objetivos do Tratado de Assunção; b) reiteração da vigência das instituições democráticas como condição indispensável para a existência do Mercosul; c) recorda-se a solidariedade entre os Estados membros e que os fins perseguidos pelo bloco requerem a organização política interna e o exercício efetivo da democracia representativa.

No compromisso assumido, são detalhados os seguintes pontos:

1) a plena vigência das instituições democráticas é condição essencial para a cooperação em conformidade com o Tratado de Assunção, seus protocolos e demais atos subsidiários; 2) toda alteração de ordem democrática constitui um obstáculo inaceitável para a continuidade do processo de integração em curso em respeito do Estado membro afetado; 3) as partes consultar-se-ão imediatamente entre si, na forma que entender mais apropriada, em caso de ruptura ou ameaça de ruptura da ordem democrática de um Estado membro, hipótese em que procederão imediatamente, de forma coordenada, consultas com o referido Estado membro; 5) em caso dessas consultas resultarem infrutíferas, os Estados membros aplicarão as medidas pertinentes, as quais poderão abarcar desde a suspensão do direito de participação nos foros do Mercosul até a suspensão dos direitos e obrigações emergentes das normas do Mercosul e acordos celebrados entre cada uma das partes e o Estado membro onde haja ocorrido a ruptura da ordem democrática.

Em arremate, a declaração dispõe que os Estados membros deveriam afirmar o princípio democrático em todos os acordos celebrados pelo Mercosul com outros países ou grupo de países, o que consolida o entendimento de que a base de todas as relações é justamente a democracia, que deve prevalecer em todas as relações entabuladas pelos Estados membros.

Além desses princípios que alicerçam a formação dos blocos, verifica-se que, nos processos de integração, as relações de interdependência entre os Estados membros são preferencialmente observadas com base nos ganhos conjuntos dos participantes do bloco. Para Böhlke (2002, p. 33), "Isso implica que prejuízos temporários, por exemplo, sofridos por Estado-Membro em determinado momento são compatíveis com a idéia de integração. O importante é o avanço conjunto de Estados".

Indispensável na sustentação de qualquer bloco é a ordem jurídica, que confere formalmente a segurança aos seus Estados membros e constitui a base do processo de integração, indissociavelmente ligado ao fenômeno de interdependência, a partir do texto constitucional de cada Estado.

Pode-se dizer que o texto constitucional necessita estar sistematizado e harmonizado segundo os objetivos e interesses de cada Estado na integração, porque se constitui na regra jurídica que alicerça aquele interesse. Assim, a meta deste estudo é a identificação de entraves que as Constituições dos Estados membros, mormente a do Brasil, possam conter e estejam obstruindo os caminhos para o fortalecimento do Mercosul.

2.1.3 Divergências e convergências entre Brasil e Argentina – especificidades

As desconfianças entre o Brasil e a Argentina remontam à época da República do Brasil (1889), em razão da suspeita brasileira de que a Argentina pretendia dominar o Rio Grande do Sul, território brasileiro, e anexar o Uruguai, o Paraguai e a Bolívia, o que fez surgir uma desenfreada corrida armamentista e ações diplomáticas entre os chanceleres brasileiros e argentinos.

Conforme historia Mourão (1994, p. 33), em 1910, quando tudo parecia superado, recobram-se as diferenças. A Argentina e o Brasil começam a desenvolver programas nucleares separadamente, aumentando as suspeitas mútuas.

Na economia, tanto o Brasil quanto a Argentina seguem um modelo de substituição de importações, de auto-sustentação, o que lhes proporciona, segundo o autor, condições de integração, que deságua posteriormente no Mercosul.

Em 1887, uma das preocupações de Dom Pedro II, imperador do Brasil, é a de criar obstáculos na fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina, para que esta não usasse a ferrovia para invadir o Brasil, o que faz erguer uma barreira entre os dois países.

A construção da hidrelétrica de Itaipu resulta em aproximação entre Brasil e Paraguai, o que determina uma influência brasileira sobre esse país, mas essa construção poderia acarretar riscos estratégicos nas áreas a jusante da hidrelétrica, especialmente em razão do projeto argentino de construção de barragens em Corpus e Yacyretá (MOURÃO, 1994, p. 33).

Em razão desse problema, ocorrem sucessivas reuniões entre os agentes diplomáticos dos cinco países – Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai –, o que resulta em inúmeros acordos bilaterais previstos no Tratado da Bacia do Prata. Por outro lado, essa situação provocou aproximações diplomáticas, vindo a desencadear, em 1986, iniciativas para a formação do Mercosul, criado em 1991, por meio do Tratado de Assunção. Entretanto, os conflitos existentes podem ter influenciado os Estados membros na opção do modelo intergovernamental para reger os órgãos do Mercosul.

2.2 Da ordem jurídica do Mercosul

As fontes consistem nos instrumentos dos quais emanam as regras jurídicas do Mercosul.

2.2.1Das fontes jurídicas

O Protocolo de Ouro Preto estabelece em seu art. 41, de forma expressa, as fontes jurídicas que integram o Mercosul, quais sejam:

I. o Tratado de Assunção, seus protocolos e os instrumentos adicionais ou complementares;

II. os acordos celebrados no âmbito do Tratado de Assunção e seus protocolos;

III. as decisões do Conselho do Mercado Comum, as resoluções do Grupo Mercado Comum e as Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul, adotadas desde a entrada em vigor do Tratado de Assunção.

As fontes jurídicas do Mercosul são tratadas especificamente nos tópicos adiante alinhados.

2.2.2 Do ato constitutivo – Tratado de Assunção

O tratado para a constituição de um mercado comum entre a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai, firmado em 26 de março de 1991, denomina-se "Tratado de Assunção", culminando com a assinatura do Protocolo de Ouro Preto, em 16 de dezembro de 1994, e de outros protocolos adicionais.

A necessidade de harmonização dos ordenamentos jurídicos nacionais nos termos do compromisso assumido no Tratado de Assunção confere característica de transitoriedade ao bloco, conforme sinalizado no ato constitutivo mencionado.

O objetivo do tratado constitui-se na ampliação dos mercados nacionais dos Estados membros, por meio da integração, como condição para acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social.

A integração tende a propiciar o aproveitamento mais eficaz dos recursos disponíveis, a preservação do meio ambiente, a coordenação de políticas macroeconômicas e a complementação dos diferentes setores da economia, pautada nos princípios da gradualidade [02], da flexibilidade e do equilíbrio.

Fundamenta-se, ainda, a integração regional pela importância de os Estados membros do Mercosul lograrem êxito na sua adequada inserção internacional e pela necessidade de promoverem o seu desenvolvimento científico e tecnológico, assim como modernizarem suas economias para efeito de ampliação da oferta e a qualidade dos bens e serviços, no sentido de proporcionar melhoria da qualidade de vida dos seus habitantes.

Segundo disposição ínsita no art. 1º do Tratado de Assunção, o Mercosul implica essencialmente a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos entre os países. O tratado objetiva, ainda, a eliminação dos direitos alfandegários e das restrições não tarifárias à circulação de mercadorias; o estabelecimento de uma tarifa externa comum e a adoção de uma política comercial comum em relação a terceiros Estados ou agrupamentos, assim como a coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais entre os membros, com vista a assegurar condições adequadas de concorrência entre os integrantes do bloco.

O compromisso assumido pelos Estados membros do Mercosul subsume-se, ainda, na harmonização de suas legislações internas com vista a se atingir o fortalecimento do processo de integração em direção ao mercado comum.

Um sistema de integração econômico apto a surtir resultados endógenos e exógenos requer ordenamento jurídico comunitário e organismos supranacionais.

É nessa linha de entendimento que se posiciona Figueiras, citado por Obregón (2004, p. 41). Confira-se:

A integração econômica requer, ademais, a integração jurídica dos ordenamentos nacionais dos países que entram na comunidade. O Direito Comunitário, sob essa ótica é o instrumento da integração, abrigando as estruturas ou formas de organização comunitária e as normas que regem sua operação. Sem essa sistematização jurídica não é possível integrar-se.

O processo de integração em que se alicerça o Tratado de Assunção até atingir o mercado comum encontra-se assentado nas quatro liberdades, que são sintetizadas na livre circulação de bens, de serviços e de fatores produtivos; na eliminação dos direitos alfandegários; no estabelecimento de uma tarifa externa comum (TEC); e na coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais de comércio exterior, comércio agrícola, industrial, fiscal e monetária, até atingir o mercado comum.

Para o cumprimento dessas liberdades pelos Estados membros do Mercosul é necessário que o ordenamento jurídico esteja pautado no princípio da gradação, requisito base para o alcance seguro dos diferentes estágios da integração econômica.

2.2.3 Da estrutura orgânica do Mercosul segundo o Tratado de Assunção

A estrutura institucional inicialmente prevista resumia-se a apenas dois órgãos, ou seja, o Conselho Mercado Comum (CMC) e o Grupo Mercado Comum (GMC). Na estrutura de tais órgãos, estava prevista a participação de representantes do Poder Executivo e do Poder Legislativo, sendo este representado pela Comissão Parlamentar do Mercosul.

É o Poder Legislativo quem detém competência prevista nas Constituições dos Estados membros para a aprovação de emendas para efeito de adequação e conformação dos ordenamentos jurídicos nacionais para harmonizá-los aos objetivos do Mercosul.

Essa harmonização é um dos compromissos assumidos pelos Estados membros no Tratado de Assunção. No entanto, segundo as competências descritas nas disposições transitórias do Tratado de Assunção, as atribuições do Poder Legislativo cingem-se a receber informações do Poder Executivo quanto à evolução do mercado.

Assiste-se a essa passividade do Legislativo no Brasil ainda nos dias atuais. Tanto isso é verdadeiro que, por ocasião do processo de revisão porque passava a Constituição Federal brasileira, é apresentada proposta de emenda constitucional sobre o tema dos tratados internacionais, que não conta com ressonância do Poder Legislativo, rejeitando-se, ao final, a proposta.

Não se olvide aqui a competência quanto à condução da política internacional que é conferida ao Poder Executivo, que, por intermédio do presidente da República, exerce tal papel, mas a ampla discussão no seio interno de cada país parece não poder mais escapar da realidade do bloco.

O CMC, responsável pela condução política do órgão e tomada de decisões para assegurar o cumprimento dos objetivos e prazos estabelecidos para a constituição definitiva do mercado comum, é integrado pelos ministros das Relações Exteriores e de Economia dos Estados membros e realiza reuniões que contam com a participação dos chefes desses Estados, concluindo-se, assim, que a condução do Mercosul é centrada no Poder Executivo.

O GMC é coordenado pelo Ministério de Relações Exteriores e possui a faculdade de tomar iniciativas e as funções de velar pelo cumprimento do tratado; adotar providências ao cumprimento das decisões tomadas pelo conselho; propor medidas concretas tendentes à aplicação do Programa de Liberação Comercial, à coordenação de políticas macroeconômicas, à negociação de acordos com terceiros e, por último, à fixação de programas de trabalho que assegurassem avanços na consolidação da integração.

2.2.4 Da estrutura orgânica do Mercosul segundo o Protocolo de Ouro Preto

O Protocolo de Ouro Preto, também chamado de "Protocolo Adicional ao Tratado de Assunção sobre a Estrutura Institucional do Mercosul", é firmado em 16 de dezembro de 1994 e revoga as disposições do Tratado de Assunção, de 26 de março de 1991, que conflitam com os seus termos e com o teor das decisões aprovadas pelo CMC durante o período de transição.

Define o citado instrumento, em seu art. 1º, que a estrutura institucional do Mercosul conta com seis órgãos: o CMC, o GMC, a Comissão de Comércio do Mercosul (CCM), a Comissão Parlamentar Conjunta (CPC), o Foro Consultivo Econômico-Social, a Secretaria Administrativa do Mercosul. Possibilita, ainda, a criação de órgãos auxiliares para a consecução dos objetivos integrativos, conforme disciplina o parágrafo único do art. 1º, antes citado.

Os órgãos com capacidade decisória, de natureza intergovernamental, são o CMC, o GMC e a Comissão de Comércio do Mercosul.

Além das instituições previstas inicialmente no Tratado de Assunção, são acrescentadas outras, de modo que os órgãos que compõe o Mercosul, segundo definido no art. 1º do Protocolo de Ouro Preto, são:

a)Conselho do Mercado Comum (CMC);

b) Grupo Mercado Comum (GMC);

c) Comissão de Comércio do Mercosul (CCM);

d) Comissão Parlamentar Conjunta (CPC);

e) Foro Consultivo Econômico-Social (FCES);

f)Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM).

As atribuições quanto à competência, o funcionamento e as características dos órgãos do Mercosul são tratados no tópico que segue:

2.3 Competência, funcionamento e características dos órgãos deliberativos

No presente tópico são trazidas as diferentes competências dos órgãos deliberativos do Mercosul, lembrando que o seu aspecto intergovernamental induz ao entendimento de que as decisões são proferidas de forma unânime entre os Estados a partir do consenso de seus representantes.

2.3.1 Conselho do Mercado Comum (CMC)

A competência decisória caracterizada pela intergovernamentalidade está centrada no CMC, no GMC e na CCM, cuja estrutura dos referidos órgãos é constituída por representantes dos Estados e as decisões são tomadas por consenso pelos participantes de todos os Estados membros, os quais se incumbem de executá-las no plano interno de seus Estados, diferentemente das organizações com caráter supranacional em que as decisões são tomadas por votos majoritários e os Estados transferem para a instituição supranacional suas competências em determinadas matérias.

O CMC, segundo dispõe o art. 3º do Protocolo de Ouro Preto, ostenta posição de órgão superior, tem a incumbência de conduzir a política do Mercosul e é responsável pela tomada de decisões para assegurar o cumprimento dos objetivos estabelecidos pelo Tratado de Assunção e lograr a conformação final do mercado comum. Detém a competência de representar o Mercosul perante a comunidade internacional, podendo celebrar acordos com outros Estados ou outras organizações internacionais.

As deliberações constituem-se também em atos normativos emanados dos órgãos decisórios do Mercosul. O conselho manifesta-se por meio de decisões a cujo cumprimento os Estados se obrigam. As decisões de caráter normativo para os Estados partes têm o objetivo de explicitar o comando abstrato contido nos tratados originários, hierarquicamente superiores.

Segundo estatísticas apresentadas por Nascimento (2006, p. 33), que se socorre de informações da SAM, são 169 decisões aprovadas pelo CMC, no período de 1991 a 1992, das quais 126 não necessitam de incorporação para adquirir eficácia nos ordenamentos jurídicos nacionais.

Segundo a estatística apresentada, as decisões não necessitam do processo de incorporação nos Estado membros, uma vez que o seu conteúdo já faz parte do ordenamento jurídico nacional. Isso faz concluir que o sistema quanto aos procedimentos, desde a apresentação da proposta até a aprovação das decisões no âmbito da CMC, não é eficaz, pois não está apto a identificar norma interna já existente no ordenamento nacional e tampouco impede que normas cujo conteúdo já façam parte do ordenamento dos Estados partes sejam proclamadas.

A composição do CMC, prevista no art. 3º do Protocolo de Ouro Preto, é mantida nos moldes previstos no Tratado de Assunção, constituindo-se em órgão intergovernamental, eis que representado pelos membros dos governos dos Estados membros do Mercosul. Consta do art. 5º do mesmo diploma legal que o exercício da presidência do CMC se faz mediante a rotação dos Estados partes, em ordem alfabética, pelo período de seis meses e, quanto às reuniões do conselho, segundo o art. 6º do protocolo, deve ocorrer, no mínimo, uma a cada seis meses. Em havendo necessidade, as reuniões podem ocorrer em maior quantidade.

O Protocolo de Ouro Preto agrega novas funções ao CMC, antes não previstas no Tratado de Assunção, quais sejam: a) velar pelo cumprimento do tratado; b) formular políticas necessárias à conformação do mercado comum; c) exercer a titularidade de sua personalidade jurídica, cabendo-lhe manifestar-se mediante decisões obrigatórias para os Estados membros. Entretanto, esse protocolo não trouxe qualquer disposição quanto à criação de instituições supranacionais, portanto as decisões deliberativas proferidas pelos seus órgãos possuem caráter intergovernamental e não supranacional, não possuindo, portanto, cunho comunitário.

2.3.2 Grupo Mercado Comum (GMC)

O GMC, previsto no art. 10 do Protocolo de Ouro Preto, é o órgão executivo do Mercosul, constituído por quatro membros titulares e quatro membros alternos por país, cuja designação é realizada pelos respectivos governos, o que lhe confere também o caráter intergovernamental.

Entre os citados membros encontram-se representantes dos ministérios das Relações Exteriores, a quem cabe a coordenação do GMC, e dos ministérios da Economia ou equivalentes, assim como representantes dos bancos centrais dos Estados membros do Mercosul.

As reuniões do GMC ocorrem ordinária ou extraordinariamente em quantidade de vezes que se fizer necessária e nas condições estipuladas em seu Regimento Interno, conforme disposto no art. 13 do Protocolo de Ouro Preto.

A competência do GMC é exercida segundo as atribuições e funções previstas no art. 14 desse protocolo e as suas manifestações são exaradas mediante resoluções a cujo cumprimento se obrigam os Estados membros, a teor do art. 15 do protocolo, antes citado.

Embasando-se novamente na estatística apresentada por Nascimento (op. cit., p. 34) e em informações da SAM, que apontam a quantidade de resoluções aprovadas pelo GMC no período de 1991 a 2002, foram aprovadas 761 resoluções, das quais 360 não necessitam ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais, e aquelas que são internalizadas nos Estados membros, em sua maior parte, dão-se mediante atos administrativos internos, sem necessidade de autorização legislativa.

2.3.3 Comissão de Comércio do Mercosul (CCM)

A CCM é o órgão encarregado de assistir ao GMC e lhe compete velar pela aplicação dos instrumentos de política comercial comum acordada pelos Estados membros para o funcionamento da união aduaneira, nos termos do art. 16 do Protocolo de Ouro Preto. A sua composição é de quatro membros titulares e quatro membros alternos por Estado membro do Mercosul e sua coordenação cabe aos ministérios das Relações Exteriores, conforme o art. 17 do ato mencionado.

As atribuições da CCM encontram-se disciplinadas no art. 19 e as reuniões deverão ocorrer pelo menos uma vez por mês ou sempre que houver solicitação pelo GMC ou por qualquer Estado membro, conforme prevê o art. 18.

A CCM manifesta-se mediante diretrizes ou propostas, a que se obrigam os Estados membros.

Em relação ao quantitativo de diretrizes aprovadas pela CCM, Nascimento (op. cit., p. 38), embasada, ainda, em informações da SAM, menciona que, no período de 1995 a 2002, são expedidas 87 diretrizes, das quais 62 não necessitam de incorporação aos ordenamentos jurídicos nacionais.

Nascimento (op. cit., p. 80) sintetiza que as várias normas derivadas foram dispensadas da incorporação ou porque se caracterizavam como normas auto-reguladoras, de aplicação interna aos órgãos do Mercosul, ou porque os respectivos ordenamentos jurídicos estatais contemplavam normas com o mesmo objeto, criticando a falta de tecnicidade dos órgãos do Mercosul.

A CCM subordina-se ao GMC por força do contido no anexo da Decisão 9/94. Embora o Protocolo de Ouro Preto omita a hierarquia entre os citados órgãos, consta do inciso XI do seu art. 19 que a CCM adotará seu regulamento interno, cuja homologação submeter-se-á ao GMC, o que denota situação hierárquica inferior.

2.4 Mercosul – características dos órgãos de representação e da SAM

O presente tópico cuida dos órgãos do Mercosul que não tem qualquer poder deliberativo. São órgãos que compõe a estrutura do bloco, como espécie de assessoramento aos demais órgãos.

A Comissão Parlamentar Conjunta (CPC) constitui órgão representativo dos parlamentos nacionais dos Estados membros, conforme disposto no art. 22 do Protocolo de Ouro Preto, e exerce a função de acelerar os procedimentos internos correspondentes nos Estados membros, para a incorporação das normas emanadas dos órgãos do Mercosul nos ordenamentos jurídicos nacionais.

A CPC é composta por igual número de parlamentares dos representantes dos Estados membros, os quais são designados pelos parlamentos nacionais e segundo os seus procedimentos internos, nos termos dos arts. 23 e 24 do Protocolo de Ouro Preto.

Com maior precisão que o Tratado de Assunção, o Protocolo de Ouro Preto, em seu art. 25, confere à CPC atribuições de modo que ela é coadjuvante na harmonização de legislações, tal como requerido pelo avanço do processo de integração.

Procura acelerar os procedimentos internos correspondentes nos Estados partes para a pronta entrada em vigor das normas emanadas dos órgãos do Mercosul previstos no art. 2º, quando necessário, o CMC solicita à CPC o exame de temas prioritários. A CPC também encaminha, por intermédio do GMC, as recomendações ao CMC.

O Foro Consultivo Econômico-Social (FCES) é o órgão de representação dos setores políticos, econômicos e sociais afetos aos territórios dos Estados membros do Mercosul. É integrado por igual número de representantes de cada Estado membro, possui função consultiva e manifesta-se mediante recomendações ao GMC.

Citando Soares, Nascimento (op.cit., p. 39) destaca que o foro é "[...] o espaço destinado aos representantes da classe trabalhadora e empregadora dos Estados partes do Mercosul, pessoas físicas e jurídicas da região, que, na verdade, são os interessados e, ao mesmo tempo, os agentes da integração regional".

Por último, há a Secretaria Administrativa do Mercosul (SAM), que é o único órgão com sede permanente estabelecida em Montevidéu. Atua como órgão de apoio operacional, conforme as atividades constantes do art. 32 do Protocolo de Ouro Preto, e tem a incumbência de prestar serviços aos demais órgãos do Mercosul. Mediante decisão do CMC, essa secretaria éi transformada na Secretaria Técnica do Mercosul.

2.5 Mercosul: das fases da integração

A integração é vista sob dois aspectos: como processo e como estado de coisas. Como processo ela "[...] abrange medidas destinadas a abolir discriminação entre unidades econômicas pertencentes a diferentes Estados nacionais" (Bela Balassa apud Böhlke, 2002, p. 33), Como estado de coisas ela nada mais seria que "[...] ausência de várias formas de discriminação entre economias nacionais" (Bela Balassa apud BÖHLKE, op. cit., p. 34).

A conclusão de Böhlke sobre essa definição é que a integração vista sob prisma dinâmico corresponde a processo, já a integração no seu aspecto estático constitui o estado de coisas.

Ricardo Xavier Basaldúa defende que a integração pode ser observada como processo e como situação das atividades econômicas. Observada sob o enfoque de processo, a integração poderia ser definida como o "[...] conjunto de ações voltadas a eliminar progressivamente a discriminação entre os distintos espaços econômicos envolvidos". (Basaldúa apud BÖHLKE, op. cit., p. 34).

Podemos concluir que a integração corresponde tanto ao processo composto por um conjunto de fases que qualquer bloco em constituição precisa passar quanto ao estado criado por suas fases. "No estado final a integração desejada já ocorreu, por meio de processo evolutivo, e constitui fato. O estado final depende, dentre outros fatores, da intensidade visada com a integração." (Roberto Ruiz Dias Labrano apud BÖHLKE, op. cit., p. 34).

Essa digressão permitirá avançar no tema das etapas evolutivas do Mercosul, que será cuidado neste tópico, desde a origem de sua constituição, passando pela atual fase e alcançando o último grau, que consolidará a implementação do processo de integração.

Os Estados, ao pretenderem formar o bloco regional, escolhem, com base em seus interesses, o grau de integração que pretendem ver implementado, correspondendo cada nível desse processo a uma espécie de renúncia crescente de competências inerentes à soberania nacional. No caso do Mercosul, os objetivos cingem-se à integração econômica, que tem como primeira fase a zona de livre-comércio, seguida pela união aduaneira até atingir o mercado comum.

2.5.1 Da zona de livre-comércio

A zona de livre-comércio tem origem no art. XXIV, § 8º, alínea b, do GATT [03], que assim a define:

[...] se entenderá por zona de livre-comércio, um grupo de dois ou mais territórios aduaneiros entre os quais se eliminam os direitos de aduana e as demais regulamentações comerciais restritivas (...) com respeito ao essencial dos intercâmbios comerciais dos produtos originários dos territórios constitutivos de dita zona de livre-comércio.

Nessa fase da zona de livre-comércio, as barreiras tarifárias e não tarifárias são completamente eliminadas no comércio entre os Estados que fazem parte do bloco. Isso implica dizer que a zona de livre-comércio necessita ser estabelecida por tratados internacionais que permitam a livre circulação das mercadorias, sem barreiras ou restrições quantitativas ou aduaneiras, em que os Estados integrantes conservam total liberdade nas relações com terceiros países.

A livre circulação de produtos independentemente do pagamento de tarifas de importação condiciona-se à comprovação – por meio de regime de origem – de que a maior parte da mão-de-obra e das matérias-primas provém efetivamente de um dos países de livre-comércio.

Accioly (2003, p. 27) afirma que, entre os exemplos de blocos econômicos que optam pela modalidade de integração da zona de livre-comércio, figuram a Associação Européia de Comércio Livre (AECL) [04], formada pela Islândia, Noruega e Suíça; o Grupo dos Três, composto por Colômbia, México e Venezuela; e o Nafta (North American Free Trade Association), que agrega Estados Unidos, Canadá e México.

Nessa fase, a política comercial exterior de cada Estado membro permanece independente, possibilitando a cada um estabelecer sua política tarifária com relação a terceiros Estados. Fundamentando no Código Aduaneiro do Mercosul, que, mesmo sem ter entrado em vigor, serve como referencial para delimitação do território aduaneiro integrado. Explica Böhlke (op.cit., p. 38) que essa possibilidade de negociar melhores tarifas com terceiros países cria o problema da triangulação. Esse problema consiste na escolha do Estado que tenha as menores alíquotas de imposto de importação para servir de porta de entrada de mercadorias estrangeiras no bloco. A partir do ingresso dessas mercadorias, é livre a circulação dentro do território aduaneiro.

Prosseguindo na explicação, Böhlke sustenta que o mecanismo criado para evitar o desvio de comércio é a "regra de origem". Basaldúa, citado por Böhlke (op.cit., p. 38), afirma que "Por meio de uma série de regras e condições, os produtos são submetidos à inspeção para confirmar sua origem".

Sob outro prisma, o Tratado de Assunção, com o intuito de compatibilizar o relacionamento com outras zonas de livre-comércio, estabelece, em seu art. 8º, alínea c, que os Estados partes do Mercosul fazem consultas entre si para negociar esquemas amplos de desgravação [05] tarifária, tendentes à formação de zonas de livre-comércio com os demais países membros da Aladi.

Essa possibilidade ocorre com a assinatura, na província de San Luis, na Argentina, em 25 de junho de 1996, de acordos de complementação econômica entre o Mercosul, o Chile e a Bolívia, para fins de conformar uma zona de livre-comércio entre eles. Acordo idêntico com o Peru é firmado em 25 de agosto de 2003.

Esses três países "[...] não assumem o compromisso de ingressar na tarifa externa comum e não precisam igualar suas tarifas alfandegárias ao Mercosul, para protegerem-se de bens advindos de países terceiros" (ACCIOLY, 2003, p.28).

2.5.2 Da união aduaneira

A segunda fase nos processos de integração, em regra, é a união aduaneira, que também tem origem no GATT, o qual, por meio do art. XXIV, assim a define: "Se entenderá por território aduaneiro todo território que aplique uma tarifa distinta ou outras regulamentações comerciais distintas a uma parte substancial de seu comércio com os demais territórios".

Pode-se dizer que a união aduaneira compreende um degrau a mais em relação à zona de livre-comércio, posto que comporta a livre circulação de bens. Esses bens poderão originar dos Estados que dela fazem parte, a exemplo dos Estados membros do Mercosul, ou poderão incluir bens de origem de países terceiros, desde que legalizados.

Essa fase, conforme sinaliza Böhlke (2002, p. 38), serve para evitar as deficiências da zona de livre-comércio. É que estas permitem a instituição de regras isoladas sobre tarifas aduaneiras com relação a terceiros Estados, podendo inclusive negociá-las.

Esse problema, como já citado, gera o desvio de comércio, de modo que é necessário criar regras de origem, cuja dificuldade é a determinação do local de origem do produto, haja vista a possibilidade de a produção ter ocorrido em diferentes Estados ou com matéria-prima e insumos provenientes de outras regiões.

A forma de resolver esse problema seria justamente o bloco de integração avançar para a fase da união aduaneira, que corresponde à eliminação de barreiras tarifárias e não-tarifárias dentro do bloco, a aplicação da tarifa externa comum (TEC) e a harmonização da política comercial com relação a terceiros Estados.

O efeito da instituição da TEC é que, sobre as mercadorias que entrarem nos Estados membros, incide uma tarifa comum e pagam-se os mesmos direitos aduaneiros, independentemente do Estado que realizar o desembaraço aduaneiro. Após a nacionalização, os produtos podem circular livremente dentro do bloco.

Quanto ao Mercosul, o Protocolo de Ouro Preto prevê a instalação de uma política comercial comum, no seu art. 16, que cria a CCM. A essa comissão compete:

[...] velar pela aplicação dos instrumentos de política comercial comum acordados pelos Estados-parte para o funcionamento da união aduaneira, bem como acompanhar e revisar os temas e matérias relacionadas com as políticas comerciais comuns, com o comércio intra-Mercosul e com terceiros países.

O problema enfrentado no Mercosul é a constituição de uma TEC para o funcionamento de uma união aduaneira, que ainda pende de consolidação e, portanto, vislumbra-se união aduaneira imperfeita.

Ocorrem alguns acenos para se retroceder à zona de livre-comércio, haja vista as dificuldades que a constituição de uma TEC implica. No entanto, a vontade política dos chefes dos Estados membros do Mercosul é no sentido de insistir na vigência de uma tarifa comum, com algumas exceções, como uma política comercial comum, conforme prevê o art. 16 do Protocolo de Ouro Preto.

É certo, contudo, que, a cada passo que se avança rumo à integração, os Estados membros passam a ceder soberania progressivamente. A consolidação da união aduaneira requer maior transferência de soberania do que a zona de livre-comércio, sem o que não se alcança o mercado comum, que é a superação das duas fases anteriores e o atingimento da última fase do processo da integração escolhida na instituição do bloco.

2.5.3 Do mercado comum

Para que a integração no âmbito do Mercosul possa alcançar o mercado comum, cujos objetivos são estabelecidos no Tratado de Assunção, é preciso que sejam envidados esforços pelos Estados membros para ser levada a efeito a consolidação da união aduaneira, que ainda se encontra em estágio de imperfeição, como já destacado.

O mercado comum representa estágio avançado no processo de integração, uma vez que já estão consolidadas as características da zona de livre-comércio e da união aduaneira, ficando livre a circulação de todos os fatores de produção.

O estreitamento dos laços integrativos que traduz o mercado comum objetivado pelo Tratado de Assunção somente se operará com a completa liberdade de circulação de bens, capitais, serviços e pessoas, política de comércio exterior harmonizada e a existência da TEC aplicada por todos os Estados membros.

A estrada a ser percorrida pelo Mercosul para chegar ao destino, que é o mercado comum, parece não querer poupar os Estados que integram o bloco. Certamente os Estados membros precisam dispor de parte da fatia de seus ganhos ou incorrer em perdas de receita em prol do resultado conjunto do bloco, como premissa de todo processo integrativo.

Para isso, os Estados membros precisam acordar mutuamente para chegar a uma política comercial visando ao funcionamento da união aduaneira. Esse mútuo consenso está inserido no modelo intergovernamental estabelecido no âmbito do Mercosul, que pode ser demonstrado pelas competências da CCM, segundo estabelece o art. 16 do Protocolo de Ouro Preto, já descrito anteriormente.

Disso se depreende que os pressupostos utilizados para o alcance da coordenação dessas políticas macroeconômicas entre os Estados membros podem não ser condizentes com os objetivos traçados pelo Tratado de Assunção. A indagação que surge é se o modelo intergovernamental previsto para o Mercosul não seria a causa norteadora desse insucesso.

Com base nessa reflexão, a segunda indagação é se não seria o momento de canalizar esforços para a reestruturação do modelo atual vigente. Essa reestruturação passaria pelo exame das características e pela efetividade das decisões emanadas dos órgãos do Mercosul, comparando essas decisões com as dos órgãos que compõe a CE, que segue o modelo supranacional. O estudo do novo modelo contaria, também, com ampla discussão no âmbito interno de cada Estado membro, de sorte a lograr-se sucesso na eventual adequação dos textos constitucionais de cada Estado membro.

2.6 Do Mercosul e o sistema de solução de controvérsias

O Tribunal Arbitral ad hoc é previsto no sistema de solução de controvérsias do Protocolo de Brasília e se constitui em órgão de controle jurídico criado para resolver conflitos concretos de interpretação, aplicação ou execução do Direito emanado do Mercosul.

O tribunal não está disponível aos particulares (pessoas físicas e jurídicas), cuja legitimidade de acioná-los está adstrita aos Estados. Os particulares serão representados por seus respectivos Estados, após decisão discricionária da respectiva Seção Nacional do Grupo Mercado Comum a quem é dirigida a reclamação.

Uma das grandes inovações do Protocolo de Olivos, firmado em 18 de fevereiro de 2002, consiste na instauração de um Tribunal Permanente de Revisão. A competência desse tribunal consiste em nova análise dos laudos arbitrais proferidos pelo Tribunal ad hoc.

Nascimento (2004, p. 41) tece críticas sobre essas atribuições:

[...] porque a possibilidade de revisão de laudos arbitrais contraria a própria natureza do procedimento arbitral; outrossim, melhor seria se o referido Tribunal permanente fosse destinado a interpretar de maneira uniforme o direito da integração, compreendido este como o conjunto de normas jurídicas derivadas do poder legiferante do Mercosul.

Essa posição, embora pareça bastante coerente, especialmente pela natureza das normas de caráter derivado que seriam incluídas na competência do tribunal, pode implicar o esvaziamento da atividade desse tribunal.

Isso poderia ocorrer em razão da implementação de consultas prévias dirigidas aos Estados membros sobre o conteúdo normativo que estaria sendo objeto de criação e aprovação pelos órgãos do Mercosul, de sorte a evitar eventuais impugnações ou dificuldades na operacionalização de seu conteúdo pelos destinatários – os Estados membros.

Passando pelo crivo dos Estados membros antes da norma ser editada pelos órgãos do Mercosul, dificilmente poderia haver necessidade de interpretação pelo citado tribunal.

2.7 Mercosul e União Européia: as particularidades dos Estados membros

O tema da integração remete ao êxito alcançado pela Comunidade Européia (CE), o qual desencadeia a formação de blocos econômicos com base na congregação de países pela sua proximidade geográfica e econômica. Na própria Europa, o sucesso da CE desperta o interesse de mais países à adesão à comunidade.

Na constituição do Mercosul, a influência de outros blocos resta demonstrada no preâmbulo do Tratado de Assunção, que diz ter levado em consideração "[...] a evolução dos acontecimentos internacionais, em especial a consolidação de grandes espaços econômicos, e a importância de lograr uma adequada inserção internacional para os seus países" e que "[...] este processo de integração constitui uma resposta adequada a tais acontecimentos".

É comum que a doutrina pretenda comparar o Mercosul e a CE, mediante a investigação das divergências e semelhanças que existem entre os blocos.

Sobre esse interesse, Porto (1994, p. 135) registra que "[...] a formação do Mercosul não deixará de suscitar a curiosidade e o interesse de saber em que medida poderá ou deverá ter um figurino e um papel semelhante aos da União Européia". No primeiro plano de comparação enfatiza a questão institucional, devendo compreender-se a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de haver instituições semelhantes, a exemplo de um parlamento no estilo do Parlamento Europeu.

Esse autor, ainda, aponta o Brasil como exemplo do maior país que integra o Mercosul e problematiza, verbis:

No primeiro plano pode pôr-se a questão institucional, devendo compreender-se a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de haver instituições semelhantes, por exemplo, um Parlamento no estilo do Parlamento Europeu, quando um país, o Brasil, tem quase 80% da população total. Como optar, sendo assim: ou por uma presença maioritária de deputados brasileiros, assegurando-se alguma ligação razoável ao número de eleitores; ou por algum equilíbrio no número de deputados de cada país, evitando-se que um deles tenha mais do que outros juntos, à causa contudo de uma grave sub-representação dos cidadãos do Brasil?

Esse problema não deixa de estar presente nas instituições já existentes no Mercosul, como é o caso do Conselho, em que, aliás, curiosa e diferentemente do que se passa na União Européia, é igual o peso do voto de cada país.

Para o autor, as representatividades facilmente justificam as dificuldades e resistências existentes para a criação de instituições de caráter supranacional, porquanto o peso igualitário da decisão dos países pode suscitar passos mais avançados no sentido da integração.

Outra questão bem lembrada, de natureza econômica, é que as diferentes dimensões dos países, bem como a sua diversidade, levantam problemas que podem interferir na integração.

No âmbito do Mercosul, os desequilíbrios entre os países são bem significativos, sobretudo se comparado o Brasil em relação ao outros parceiros do bloco, o que não ocorre de forma tão evidente entre os Estados membros da UE, conforme sinaliza Porto, verbis:

Embora o prof. Renato Flores refira que a diversidade dos membros do Mercosul não é superior à dos que integram a União Européia – são de facto maiores as diferenças de superfície e população entre a Alemanha e Luxemburgo, sendo além disso bem diferentes as estruturas econômicas por exemplo (sic) da Dinamarca e da Grécia – não podem deixar de ter-se em conta as circunstâncias de o Brasil ter uma produção que representa mais de 73% do PIB total e uma produção industrial que ultrapassa 82% da produção industrial total do Mercosul, com uma indústria muito mais avançada (tem sectores de ponta mesmo a nível mundial), verificando-se um desequilíbrio acentuado na estrutura do comércio com os outros três países membros (principalmente com o Paraguai e o Uruguai) (1994, p. 138, grifo nosso).

Para demonstrar que a posição do Brasil, no Mercosul, é muito distante da dos outros parceiros, o autor exemplifica que isso não ocorre na UE, em que a Alemanha, apesar de sua força e considerando o seu produto interno bruto e a sua produção industrial total, não ocupa posição tão distante da de alguns dos outros países da comunidade, em que o equilíbrio na estrutura do comércio intra-europeu é maior.

As dificuldades para o Brasil são novamente ressaltadas por Porto (2001, p. 488), que entende as razões da opção pelo modelo intergovernamental no âmbito do Mercosul, as quais estariam baseadas na diferença deste país em relação aos demais do bloco, acrescido do fato de que prevalece o princípio da igualdade quanto ao poder decisório [06]. Reforça o autor, verbis:

As diferenças de dimensão dificultarão, aliás, o aprofundamento institucional, sendo designadamente difícil a formação de um Parlamento ou de um Tribunal quando um dos países tem cerca de 166 milhões de habitantes, um outro cerca de 36 milhões e os outros dois cerca de 5 e 3 milhões. Com uma representação mais ou menos proporcional a participação destes não teria significado e uma participação paritária levaria a uma subrepresentação inaceitável dos cidadãos do Brasil, com uma população quatro vezes superior à dos outros três em conjunto.

Assim, o desequilíbrio existente entre os parceiros do bloco justifica que a via a se seguir tenha sido a da intergovernamentalidade.

No entanto, para Porto (op. cit., p. 489), "A experiência dos anos decorridos tem sido muito positiva, com a obtenção de resultados que não seriam talvez esperados pelos mais optimistas" e demonstra que, entre 1990 e 1993, a duplicação do comércio intra-bloco está em verdadeira vantagem, comparada com a de outros espaços econômicos.

Esse fenômeno justifica a expansão do bloco, mesmo por países que há poucos anos estão longe de encarar tal hipótese. Já integram o Mercosul na condição de membros associados o Chile e a Bolívia.

O desequilíbrio existente entre o Brasil e os demais parceiros não pode ser visto como fator negativo e tampouco como óbice à criação de instituições supranacionais, haja vista que maiores são as vantagens que as desvantagens existentes tanto para o Brasil como para bloco como um todo, ainda mais contando com o reforço do Brasil para o bloco, o que tende a favorecer as negociações com organizações internacionais.

A propósito, Porto e Renato Flores já defendiam a necessidade de definir estratégias que buscassem êxito numa aproximação maior entre o Mercosul e a CE, como promover o comércio recíproco, realizar investimentos conjuntos, definir estratégias comuns em relação a terceiros países (notadamente os Estados Unidos) e a organizações internacionais e participar dessas estratégias, bem como estreitar os laços científicos e culturais entre os blocos.

Da abordagem desses autores pode-se concluir que há grande interesse da UE em estreitar suas relações com o Mercosul, para que, juntos, possam melhor competir com as grandes potências da América do Norte e Ásia, o que ensejará vantagens a ambos os blocos.

Em conclusão pode-se dizer que o processo de integração regional iniciou-se mesmo antes da assinatura do Tratado de Assunção, ou seja, já em 1986 foi assinado entre o Brasil e a Argentina um Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento no sentido de se eliminarem barreiras alfandegárias, ocasião em que previram um período de transição de dez anos para a criação de um espaço econômico comum traduzido pelo mercado comum.

Partindo da idéia de que a integração regional não é um processo comandado pelo mercado, mas pela política para criar um mercado, pode-se concluir que os avanços podem estar embasados em políticas, sejam elas de natureza econômica, social, jurídica ou outra.

O alicerce para a condução das políticas está no Direito, assim como o Direito está no ordenamento jurídico de cada Estado membro ou no próprio ordenamento jurídico comunitário. A construção do ordenamento jurídico de índole comunitária deve estar conforme a Constituição de cada Estado, a partir de cláusulas constitucionais materiais que consolidem princípios de lealdade e compromisso para a edificação de um sistema supranacional que abrigue uniformemente todo o bloco.

Os fracassos no processo de integração, como é o caso da Alalc e a Aladi podem ser entendidos pela ocorrência de deficiências na sua estrutura organizacional e pela ausência de aplicabilidade direta das normas nos Estados membros, assim como pela inexistência de um tribunal supranacional. O Mercosul passa por semelhantes dificuldades, o que torna ainda mais presente e necessária a reflexão, ainda mais quando se trata de um bloco econômico constituído há mais de uma década e meia e ainda não obteve êxito na total consolidação da união aduaneira.

Os alicerces do processo de integração podem estar situados no Direito retratado pela ordem jurídica de cada Estado e pelo ordenamento jurídico comunitário, que confere formalmente a segurança aos sujeitos integrantes do bloco.

Pode-se dizer que o texto constitucional de cada Estado membro necessita estar sistematizado e harmonizado segundo os objetivos da integração, porque essa é a regra jurídica que alicerça a integração.

Assiste-se à passividade do Poder Legislativo brasileiro ainda nos dias atuais em relação ao processo de integração. Tanto isso é verdadeiro que, por ocasião do processo de revisão pelo qual passava a Constituição Federal brasileira, foi apresentado projeto para alteração do texto constitucional quanto ao tema de tratados internacionais. A proposta de emenda apresentada em 1994 não teve ressonância no Poder Legislativo e, ao final, restou rejeitada.

Não se olvide aqui a competência quanto à condução da política internacional conferida ao Poder Executivo, que, por intermédio do Presidente da República, exerce tal papel, mas a ampla discussão no seio interno de cada país parece não poder mais escapar da realidade do bloco.

Verifica-se, assim, que há desafios a serem superados no âmbito do Mercosul para que o bloco possua reconhecimento e esteja fortalecido diante de organismos internacionais e de países terceiros.

No entanto, os desafios merecem ampla participação e debate dos mais diversos setores dos Estados, de modo que a Constituição reconheça a existência de um ordenamento jurídico de caráter comunitário e autônomo e vincule o Estado, em termos materiais. Essa vinculação do Estado não deve estar voltada unicamente ao respeito ao ordenamento, mas principalmente no sentido de que o Estado incorpore o compromisso de construir o novo sistema jurídico comunitário, abraçando e defendendo os seus fundamentos.

A partir dessa premissa, o legislador pode deparar-se com uma nova realidade constitucional, surgida a partir dos anseios da sociedade.


3 RELAÇÃO ENTRE DIREITO INTERNACIONAL, DIREITO DE INTEGRAÇÃO e DIREITO INTERNO

No presente capítulo são trazidos conceitos do Direito Internacional Público e seus desdobramentos diante do surgimento de novas modalidades de integração. Aqui se analisam ainda as características que diferenciam o Direito Internacional Público clássico do Direito de Integração e este do Direito Interno.

As peculiaridades do modelo adotado no Mercosul, de cunho intergovernamental, e as suas implicações no âmbito do bloco tornam o presente estudo necessário para a compreensão do tratamento conferido pelo ordenamento constitucional de cada Estado membro a temas, como o reconhecimento do Direito de caráter comunitário e a recepção e integração dos tratados internacionais em relação às normas emanadas dos órgãos intergovernamentais.

3.1 Direito Internacional Público e integração

Os diferentes desdobramentos que o Direito Internacional Público passa a comportar a partir do crescente avanço do fenômeno da globalização requerem a necessária reformulação do conceito de soberania do Estado, até então consolidado sem maiores dilemas.

O domínio das grandes potências mundiais, intensificado na era da globalização, desencadeia outro fenômeno, que consiste na formação de blocos regionais.

O agrupamento de Estados, comumente unidos por interesses, de regra, políticos e econômicos, dá ensejo à integração regional, surgindo, assim, uma nova modalidade de Direito, denominada, por alguns, de "Direito Comunitário" e, por outros, de "Direito da Integração".

Os tratados internacionais são intensificados como resultado da consolidação formal das negociações entabuladas entre os Estados e, com a sua multiplicação, a exeqüibilidade passa a requerer a sua prévia incorporação ao Direito Interno dos Estados. Esse fato provoca a necessidade de reformulação da ordem jurídica interna.

O comportamento dos Estados sobre a transferência de parcela de soberania interna aos órgãos supranacionais estabelecidos com a formação de blocos econômicos passa a ocupar importante espaço. Pode-se dizer que a delegação de poder soberano a instituições de caráter supra-estatal corresponde ao reconhecimento de uma ordem jurídica suprema sobre o Direito Interno.

O conceito de Direito Internacional Público pode ser vastamente encontrado nas mais diversas doutrinas nacionais e internacionais. Aqui são vistas apenas noções de Direito Internacional Público, apresentando-se as definições que mais se amoldam a este estudo, sem entrar em detalhes sobre o tema, que não é o propósito deste trabalho.

Nesse sentido, invoca-se previamente Dallari (2003, p. 3), que assim preleciona:

A emergência, no plano internacional, de um contexto de integração política, econômica e social mais acentuado, do qual decorre, necessariamente, o incremento do sistema de Direito Internacional Público, não implica, todavia, a rejeição do primado da soberania do Estado ou mesmo a perspectiva da perda de sua condição de ente basilar na estruturação política do planeta.

Para Jean Touscouz, citado por Ribeiro (2001, p. 24), o Direito Internacional é representado pelo "[...] conjunto de regras e instituições jurídicas que regem a sociedade internacional e que visam a estabelecer a paz e a justiça e a promover o desenvolvimento".

Sintetizando, pode-se dizer que o Direito Internacional é aquele que decorre das relações entre Estados interdependentes e soberanos, subordinando-se a regras desse direito. Essas regram dependem de sua incorporação ao Direito nacional. O Direito nacional, por sua vez, subordina-se às suas fontes, das quais a principal é a Constituição, colocada em patamar superior aos demais ordenamentos legais internos.

A hipótese de formação de blocos alcançada pela terminologia do Direito Comunitário é relacionada à CE, amoldando-se as demais integrações regionais, como é o caso do Mercosul, à terminologia do Direito de Integração.

Grande parte da doutrina não se preocupa com as diferenças entre o Direito de Integração e o Direito Comunitário, tratando-os igualmente, mas, quando os autores procuram conceituá-los, surgem controvérsias.

A pouca preocupação com essas diferenças pode estar relacionada ao fato de a maior parte da doutrina ter sido construída com base no maior exemplo de bloco econômico bem-sucedido em formato de comunidade, como é a hipótese da CE, que se submete ao verdadeiro Direito Comunitário.

Para Liquidato (2006, p. 61), a terminologia "Direito Comunitário" significa:

[...] o ramo do Direito cujo objeto de estudo é, em grossas linhas, o ordenamento jurídico da União Européia, restando a expressão "Direito de Integração", hoje, para abranger as demais experiências integrativas. Dessa forma, pode-se dizer que a espinha dorsal do Direito de Integração foi extraída do Direito Comunitário, possuindo este especificidades da realidade européia e caminhando aquele para o campo de uma teoria abrangente tanto dos blocos de cooperação quanto dos de integração. (grifos da autora).

Para essa autora, "O Direito de Integração é um ramo novo do Direito, um desdobramento do Direito Internacional, regulador das organizações internacionais comunitárias, em princípio com órgãos supranacionais".

Com base nesse entendimento, pode-se afirmar que o surgimento do processo de integração reclama novas modalidades de Direito, haja vista que o Direito Internacional Público clássico nem sempre é apto a abrigar os sujeitos integrantes da comunidade. Por isso os tópicos seguintes cuidamo das particularidades que a nova realidade da integração propõe.

3.1.1 O Direito de Integração e o Direito Interno – uma análise conceitual

Entre os doutrinadores que conseguem chegar, por meio de características do Direito de Integração e do Direito Interno, às diferenças entre estes ramos do Direito é Böhlke (2002, p. 191) que enfoca o tema no Mercosul.

Diz ele que são vários os motivos que diferenciam o Direito de Integração do Direito Interno e, citando Ricardo Xavier Basaldúa, afirma que "O primeiro deles é que o Direito Interno representa a vontade jurídica de apenas um Estado", enquanto o Direito da Integração representa a exteriorização da vontade do bloco de integração, este formado por vários Estados.

E prossegue Böhlke (op. cit., p. 191), verbis:

O segundo motivo é que as normas do Direito Interno são produzidas e aplicadas por órgãos do Estado em questão, em conformidade com disposições constitucionais. O Direito da Integração abrange um conjunto de normas que é produzido apenas por órgãos do Mercosul, e não pelas instituições de um ou outro Estado. A produção normativa no Mercosul ocorre de acordo com disposições do Direito Originário, notadamente do Tratado de Assunção.

Essas características e diferenças justificam-se pelo modelo de concepção do bloco, intergovernamental ou supranacional.

3.1.2 O Direito de Integração e o Direito Internacional Público clássico

O Direito de Integração, para alguns, pode ser visto como um ramo novo do Direito, como desdobramento do Direito Internacional, mas não como sub-ramo do Direito Internacional Público clássico, conforme defende Ballarino, citado pela autora Liquidato (2006, p. 67). Para esta, as razões estariam fundadas no fato de que entre o Direito Internacional Público clássico e o Direito de Integração pode haver uma nova espécie de Direito, que pode ser chamada de Direito Internacional Público Hodierno (Direito Internacional da Idade Contemporânea).

Ainda para a autora (op. cit., p. 69), fundamentada na conjugação dos entendimentos de Dupuy, Huber, Basso e Porto, todos citados em seus textos, o caráter intergovernamental da organização internacional afastaria a possibilidade de se falar em Direito de Integração, mesmo se admitindo que não seria correta a terminologia "Direito Internacional Público clássico" para essa nova realidade que trouxe a modernidade.

Essa idéia, no entanto, conflita com a adotada por Böhlke (2002, p. 192), ao apresentar este autor as similitudes entre o Direito Internacional Público e o Direito de Integração, que, segundo ele, fundamentam-se no fato de que a criação das normas dos órgãos do Mercosul depende do consenso e da presença de todos os representantes dos Estados membros. Além disso, algumas dessas normas precisam passar pelo processo de incorporação ao Direito doméstico, segundo a Constituição de cada Estado membro. O art. 42 e o art. 2º, ambos do Protocolo de Ouro Preto, trazem disposições sobre o assunto.

A transposição para o Direito doméstico das normas do Mercosul, como normas de Direito da Integração que são, procede-se mediante o cumprimento da legislação de cada país.

No caso do Brasil, que não avança no regramento constitucional, a incorporação tem ocorrido segundo as regras do Direito Internacional Público clássico. Essa é a posição firmada pela jurisprudência do STF, haja vista a lacuna no texto constitucional brasileiro acerca de temas como a admissibilidade de um ordenamento supranacional e a recepção e integração dos tratados internacionais ao Direito nacional.

A diferenciação entre o Direito de Integração e o Direito Internacional Público clássico é dissecada por Böhlke com base na conjunção de entendimentos doutrinários. Para esse autor (op. cit., p. 192-193), as diferenças podem ser agrupadas nos seguintes tópicos: finalidade e objeto; hermenêutica; reservas; abrangência; personalidade jurídica internacional; estrutura institucional; e, segundo Midón, citado por Böhlke (op. cit., p. 192), a affectio societatis, entre outros.

Invocando Charles Rousseau, diz Böhlke que a diferença entre Direito Interno e Direito Internacional Público é que o primeiro refere-se ao Direito de subordinação e o segundo ao Direito de coordenação. Assim, o Direito Internacional Público se prestaria a coordenar ações entre determinados Estados.

Adotando-se a definição do Dicionário Aurélio, o Direito da Integração vai além da coordenação, ele envolve a integração dos Estados.

O conceito que melhor parece traduzir a questão é o sintetizado por Midón, citado por Böhlke (op. cit., p. 193), ao afirmar que "O objeto, a finalidade e o método do Direito de Integração tratam da eliminação de obstáculos nas interações entre Estados membros, e mesmo entre pessoas, jurídicas ou físicas, radicadas nesses Estados".

A expressão affectio societatis encerra uma das características da constituição de determinadas sociedades, como pessoa jurídica de direito privado. Um dos propósitos da integração é o espírito associativo que, em geral, não está presente no Direito Internacional Público clássico, segundo Böhlke.

Novamente o professor argentino Midón é aqui invocado por Böhlke, ao referir-se ao affectio societatis, que "[...] exterioriza iniciativa integracionista destinada a realizar de modo conjunto e simultâneo determinado modelo".

Quanto à hermenêutica, o Direito de Integração propicia a interpretação teleológica. Pela Convenção de Viena [07], a interpretação dos instrumentos de Direito Internacional Público clássico faz-se com privilégio à interpretação literal, "[...] destinando ao estudo do objeto e da finalidade apenas caráter orientador" (Dromi, Ekmekdjian e Rivera apud BÖHLKE, op. cit., p. 193).

Os instrumentos de Direito Internacional Público, via de regra, permitem reserva de lei, o que não é comum no Direito de Integração, porque normalmente são incompatíveis com o objeto do tratado constitutivo.

Esse é o verdadeiro exemplo do Tratado de Assunção, que estabelece, em seu art. 1º, o compromisso de todos os Estados membros promoverem a harmonização da legislação interna, não admitindo, portanto, qualquer reserva.

Quanto à abrangência, os tratados internacionais submetidos ao Direito Internacional Público clássico geralmente são utilizados para formalizar aspectos específicos entabulados por força de negociação entre os países, enquanto os instrumentos do Direito de Integração regulam aspectos variados decorrentes dos interesses comuns dos Estados membros.

A personalidade jurídica internacional no Direito da Integração é conferida com base nas estruturas institucionais, voltadas para os fins do bloco. O Mercosul, por exemplo, adquiriu personalidade jurídica de Direito Internacional com a entrada em vigor do Protocolo de Ouro Preto, conforme estabelece seu art. 34.

A estrutura institucional no Direito de Integração é aquela criada com fundamento no Direito originário, composta por órgãos com funções preestabelecidas e com capacidade decisória. As decisões dos órgãos são de obrigatório cumprimento pelos Estados membros. "O Direito Internacional Público é Direito essencialmente convencional" (Midón apud BÖHLKE, op. cit., p. 195).

Pode-se afirmar que há diferenças visíveis entre Direito Internacional Público e Direito de Integração, quando se examina a incorporação dos tratados internacionais ao Direito Interno dos Estados membros de determinado bloco econômico.

Na análise dos textos constitucionais de cada Estado integrante do Mercosul, é identificado o mecanismo dispensado aos tratados internacionais firmados com organizações internacionais gerais (normas de Direito Internacional Público clássico) e o sistema de recepção e integração de tratados e normas firmados sob a égide do bloco (normas de Direito de Integração).

O texto constitucional permite concluir se há ou não distinção do mecanismo de recepção dos tratados internacionais gerais e dos tratados firmados sob a égide da integração e, como conseqüência, saber-se-á se o Estado membro aplica o Direito de Integração ou o Direito Internacional Público clássico para tal efeito.

A aplicação do Direito Internacional Público e do Direito de Integração tem estreita relação com o tema da soberania do Estado, pois a delegação de competências para organização internacionais de caráter supranacional está intimamente ligada ao processo de integração.

Quanto maior a limitação da soberania do Estado, isto é, quanto maiores as restrições do texto constitucional quanto ao reconhecimento de ordenamento jurídico supranacional, maiores são as perspectivas de aplicação do Direito Internacional Público clássico e menor é o propósito integrativo do Estado. Justifica-se, assim o estudo do próximo tópico.

3.2 Soberania e supranacionalidade – uma análise histórico-conceitual

3.2.1 Aspectos conceituais e históricos de soberania e o avanço das relações internacionais

A necessidade de estabelecer linhas conceituais gerais sobre soberania encontra fundamento na internacionalização das relações econômicas, políticas, jurídicas e sociais no cenário econômico mundial.

O centro da questão está em identificar o grau de abertura da soberania inserido no ordenamento constitucional de cada Estado para efeito de avaliação quanto ao nível de inserção do Estado no mercado global ou regional.

A história retratada por pensadores (Bodin, Loyseau, Bret) mostra que o conceito de soberania vem sofrendo diferentes conotações conforme o Estado ou governo.

Para Rezek, citado por Kerber (2001, p. 73), a soberania pode ser vista, verbis:

[...] como conceito histórico compõe a qualidade do Estado, vem paulatinamente sofrendo atenuações devido à crescente idéia de integração dos Estados em grupos regionais, que visam a incrementar seus negócios no âmbito interno do próprio grupo e, principalmente, no contexto global.

É a partir do século XVI que surgem os estudos acerca das teorias da soberania segundo novos fundamentos, de modo a torná-la fortalecida na esfera mundial.

O entendimento dos novos aspectos conceituais e de sua evolução histórica torna-se necessário para a compreensão do instituto da supranacionalidade, surgido, notadamente, com a criação de organismos internacionais para operacionalizar a integração comunitária.

O caráter absoluto do conceito de soberania preconizado por Jean Bodin possui raízes na monarquia, dependente da afirmação do poder do Estado na luta pela independência, razão da idéia de o poder soberano estar associada ao monarca.

Kerber (op. cit., p. 3) aduz:

[...] Coulanges, dissertando sobre a cidade antiga (cite antique), anota que a soberania corporifica uma associação pelo menos tão religiosa quanto política. Havia sido fundada como uma religião e constituída como uma igreja. Daí a sua força; daí também a sua onipotência e império absoluto que exercia sobre seus membros.

O autor comenta ainda que somente na Idade Média surgiram condições políticas, sociais, econômicas e psicológicas propícias à consolidação da soberania, nos moldes que se concebe hoje.

No período do absolutismo, que se dá entre 1485 e 1789, o conceito de soberania veio manifestar-se de forma mais intensa no âmbito interno dos Estados, com conseqüências externas, quando se impôs a igualdade jurídica entre os Estados, embora a soberania ainda se confundisse com a idéia do poder do monarca.

A respeito dos comentários de Kerber (op. cit., p. 75), há na figura do Estado uma vontade superior às vontades individuais ou coletivas, uma autoridade que não se inclina diante do poder que queira prevalecer sobre o seu ou com ele concorra.

O respeito à soberania estatal caracteriza-se por um dos inúmeros princípios jurídicos internacionais, geralmente reconhecidos e teoricamente vinculativos a todos os Estados, sem estar na dependência de situações circunstanciais de abrigar povos mais cultos ou menos cultos ou até mesmo que se encontram em patamar de desigualdades sociais, econômicas e políticas.

Por outro lado, o conceito clássico de soberania vem sofrendo mutações no tempo em face da interação das nações soberanas com seus próprios cidadãos, fruto do crescente fenômeno da globalização e dos efeitos dele decorrentes.

O paradigma da soberania externa clássica ganha novos horizontes a partir da Guerra dos Trinta Anos, provocada por conflitos mundiais, na metade do século XX, mais precisamente em 1945, quando foi assinada a Carta da Organização das Nações Unidas (ONU) [08], e, posteriormente, em 1948, quando é aprovada a Declaração Universal dos Direitos do Homem pela Assembléia Geral das Nações Unidas [09], cujos documentos normativos transformam a ordem jurídica do mundo, levando-o do estado de natureza ao estado civil.

Segundo Ferrajoli (2002, p. 39), com os dois documentos citados, "A soberania, inclusive externa, do Estado – ao menos em princípio – deixa de ser [...] uma liberdade absoluta e selvagem e se subordina, juridicamente, a duas normas fundamentais: o imperativo da paz e a tutela dos direitos humanos".

É a partir desse marco que o conceito de soberania externa torna-se inconsistente e, segundo a doutrina monista de Kelsen, o Direito Internacional e os vários direitos estatais passam a representar um ordenamento único.

A juridicidade do novo ordenamento internacional tem origem com a supressão, no preâmbulo e nos dois primeiros artigos da Carta da ONU, do ius ad belum, constituindo, assim, o principal atributo da soberania externa.

A declaração de 1948 consagra os direitos humanos e, posteriormente, em 1966, os pactos internacionais atribuem a esses direitos, que até então eram apenas constitucionais, característica supra-estatal, transformando-os de limites exclusivamente internos em limites que extrapolavam o poder dos Estados (FERRAJOLI, op.cit., p. 40).

A Carta da ONU passa a ter relevância na esfera internacional, mediante a concepção de um novo Direito Internacional e o fim do velho paradigma – o modelo Vestfália [10] – que se havia firmado três séculos antes com o término de outra guerra européia, a dos Trinta Anos [11].

Assim, essa carta se traduz no ordenamento jurídico supra-estatal, sujeitando-se aos seus termos não apenas os entes estatais, mas também os indivíduos e os povos, de modo que estes passaram a ser sujeitos de direitos contra o próprio Estado perante uma jurisdição internacional.

A transformação conceitual não resta finalizada até o momento atual, pois mesmo a ONU, não obstante sua inspiração e aspiração universalista continua a manter-se condicionada, fática e juridicamente, pelo princípio da soberania dos Estados.

Dessa forma e traduzindo os comentários do professor italiano Ferrajoli, no estado de direito não há espaço "[...] para nenhum soberano, a menos que não se entenda como ‘soberana’, com puro artifício retórico, a própria Constituição, ou melhor, o sistema de limites e de vínculos jurídicos por ela impostos aos poderes públicos já não mais soberanos". (G. Zagrebelsky apud FERRAJOLI, op. cit., p. 44).

No entender de Gussi, citado por Casella (2006, p. 111), "Soberania significa, assim, a superioridade, e é uma qualidade do poder, independente do modo como se manifesta. No absolutismo (como doutrina), é a soberania de um poder considerado absoluto. Já no estado de direito, é a soberania de um poder limitado".

Atualmente, não há mais espaço ao conceito tradicional de soberania, pois o advento do fenômeno da globalização requer a flexibilização do seu conceito clássico, faz repensar a idéia absoluta de soberania, que passa a ser tratada com certa relatividade, justamente em decorrência da necessidade de sua adaptação à realidade mundial, que a faz evoluir, realçando seu novo conceito com a formação de blocos econômicos como forma de integração regional.

Assevera Fonseca (2006, p.118) que a noção de soberania clássica que domina as relações internacionais durante mais de cem anos vem se perdendo ao longo desse tempo. Justifica esse autor que, verbis,

Entre os fatores determinantes da mudança contam-se a globalização das relações internacionais, sobretudo ao nível econômico; a irrupção de muitos novos Estados por força do movimento da descolonização, carentes de estruturas de produção que lhes permitem assegurar o seu desenvolvimento sustentado, os quais chamaram a atenção para o fenômeno da necessidade de estabelecimento de uma nova ordem econômica internacional (NOEI).

Se a idéia de que a soberania fundamenta-se no poder e se exercita no plano interno ou externo dos Estados, a premissa de poder supranacional pode ser causa de eventual insegurança nos governantes dos Estados que integram o bloco, à medida que estes estiverem submetidos à ordem suprema da soberania.

Segundo Kerber (2001, p. 79), "No caso do Mercosul, para a sua efetivação, há etapas essenciais que devem ser suplantadas, as quais exigirão transferência de parcelas de soberanias dos seus Estados integrantes".

É pela abordagem de Gussi e diante das considerações conceituais e históricas sobre a soberania do Estado que se depara com a necessidade de refletir sobre o sistema que rege a organização e o funcionamento dos Estados membros do Mercosul, sob a ótica do alcance desse sistema diante do processo de integração, para reformulá-lo com base nas noções atuais do conceito de soberania.

Considerando esse propósito, o tema do tópico seguinte aborda esse novo conceito de soberania diante do processo de integração.

3.2.2 Soberania – um novo conceito no contexto de integração regional

A superveniência do fenômeno de integração gera não apenas desdobramentos econômicos, mas também políticos, jurídicos e socioculturais, indissociavelmente ligados pela crescente implantação de blocos econômicos regionais.

A transferência de parcelas de soberania a instituições supranacionais constitui ponto fundamental à integração e resulta de um processo político inevitável nas relações internacionais do mundo atual, exercendo pressão nos Estados para a cooperação mútua.

Com a formação de comunidades, caso típico da CE, o conceito clássico de soberania, que pode ser traduzido pelo poder indivisível, passou a mostrar-se inoperante para descrever os recentes avanços de integração, uma vez que ele é incapaz de interpretar característica peculiar ligada à integração em etapas avançadas: a divisibilidade da soberania, denominação esta adotada por Pescatore, invocado por Böhlke (2002, p.70).

A divisibilidade da soberania diferencia o fenômeno da coordenação daquele da mera cooperação entre os Estados, esta em que a soberania dos Estados se mantém intacta.

No contexto de integração regional, de que faz parte o Mercosul, é indispensável a necessária convivência da soberania interna dos Estados membros com a soberania externa retratada pela ordem jurídica conferida aos órgãos que integram a estrutura do Mercosul, estrutura contemplada no Tratado de Assunção e confirmada no Protocolo de Ouro Preto.

Os tratados constitutivos dos blocos regionais submetem-se ao mecanismo de incorporação nos Estados membros do Mercosul para efeito de integração no ordenamento jurídico doméstico.

No entanto, é certo que o conteúdo a ser inserido nos tratados constitutivos não conflita com os ordenamentos nacionais dos Estados, porquanto a competência dos órgãos que compõem a estrutura do bloco não se pode chocar com a competência interna dos Estados membros, conferida como resultado da soberania estatal.

Por essa razão, para a criação de blocos econômicos, é indispensável que os Estados que o integram estejam dispostos a ceder parte de sua soberania interna a organismos supranacionais.

A criação de sistema jurídico de caráter comunitário subordina as relações dos Estados membros ao Direito Comunitário. No entanto, isso não significa que os Estados membros deixem de exercer suas competências internas, ao revés passam a ser exercidas segundo a repartição definida na construção do ente supranacional.

Enquanto as instituições supranacionais, a exemplo de um Tribunal de Justiça comunitário, em regra não cuida do Direito Interno dos Estados membros, estes, por sua vez, submetem-se às regras do entre supra-estatal. Conclui-se, assim, que as competências internas dos Estados podem sofrer ampliação em face do novo ordenamento jurídico comunitário.

Partindo dessa idéia, o tópico seguinte cuida do tema da supranacionalidade, como característica das decisões de cunho comunitário, de seu conceito e dos efeitos diante do processo de integração.

3.3 Da supranacionalidade – conceito e efeitos em relação à integração

O instituto da supranacionalidade está intimamente ligado ao mecanismo de integração e manifesta-se com base no surgimento de comunidades formadas pelo agrupamento de Estados que se unem com um fim econômico, político ou social comum.

Os órgãos criados para integrar a estrutura institucional do bloco manifestam-se mediante atos (deliberações, diretivas, orientações, etc.), segundo a competência atribuída na construção do sistema e com base no modelo eleito - intergovernamental ou supranacional.

Historicamente, a expressão supranacionalidade é moderna. Foi inserida no contexto internacional a partir da metade do século passado, quando surgem os primeiros blocos econômicos. Esse termo, segundo consta, "[...] foi empregado pela primeira vez na versão francesa do Tratado de Paris (1951) para descrever as funções dos membros da alta autoridade. Apesar de ser freqüentemente associado ao processo de integração europeu, o termo jamais foi utilizado com relação às comunidades". (Quadros apud BÖHLKE, 2003, p. 71).

Segundo a doutrina de Pescatore, adotada por Böhlke (2002, p. 71-72), a definição da terminologia supranacionalidade sofre críticas iniciais, eis que não se tem a exata compreensão sobre o seu real significado.

Para Quadros, também lembrado por Böhlke, nem os próprios legisladores e negociadores possuem a exata noção do conteúdo da palavra supranacionalidade, não obstante ter sido empregada de forma consensual pelo Tratado de Paris [12] como forma de substituir o termo "federal".

A delimitação do alcance conceitual da expressão estaria, por vezes, submetida à análise sob o aspecto puramente político e, em outras, o enfoque seria unicamente jurídico. Já Quadros considera que a supranacionalidade corresponde à conjunção da análise de ambas as áreas (política e jurídica).

Diz, ainda, Böhlke (op. cit., p. 72) que, pela teoria clássica de Pescatore, pode-se distinguir o essencial do acessório quanto à supranacionalidade. A teoria firma-se com base em três elementos característicos que ele considera essenciais à supranacionalidade, quais sejam:

(i) ‘o reconhecimento por um grupo de Estados, de um conjunto de interesses comuns’ ou, ainda, ‘de um conjunto de valores comuns’; (ii) ‘a criação de um poder efetivo, colocado a serviço desses interesses ou valores’; e (iii) ‘a autonomia desse poder’.

Comenta Böhlke que o primeiro dos elementos característicos da supranacionalidade é a existência de interesses ou valores comuns que estejam acima dos interesses ou valores nacionais de cada Estado membro, devendo estes últimos estar subordinados àqueles.

Em relação ao segundo elemento, esse autor explica que os interesses ou valores comuns não têm grande eficácia se não houver poderes efetivos para exigir a sua observância em prol do objetivo comum. Esses poderes incluem o de [...] adotar decisões que comprometem os Estados, estabelecer regras de Direito que devam ser respeitadas pelos Estados e pronunciar decisões judiciais que ditem o Direito (Pescatore apud BÖHLKE, op. cit., p. 72).

O terceiro elemento acessório da supranacionalidade corresponde ao poder de coerção, que não se justifica como essencial.

Pescatore acrescenta três elementos caracterizadores que considera acessórios à supranacionalidade, que são traduzidos pela 1) institucionalização; 2) exercício direto do poder; e 3) coerção.

Em seguida, Böhlke (op. cit., p. 73) comenta, verbis:

Com relação a este primeiro elemento acessório, Pierre Pescatore acredita que um simples procedimento de decisão por maioria em órgão intergovernamental, com a eliminação de veto unilateral, poderia garantir certa autonomia. O autor não nega, no entanto, que a institucionalização representa um progresso decisivo em direção à supranacionalidade.

O segundo elemento acessório da supranacionalidade não chega a ser essencial, porque as medidas internas a serem adotadas pelos Estados membros para a execução da decisão de caráter comum não impedem a constatação da existência de vontade autônoma.

O terceiro elemento acessório da supranacionalidade é o poder de coerção. Esta coerção, como elemento essencial em processo de integração, é desnecessária e, inclusive faria que todos "fechassem os olhos para as etapas iniciais e mais fracas da evolução supranacional" (Pescatore apud BÖHLKE, op. cit, p. 73).

Para definir o termo supranacional, Kerber (2001, p. 80) sintetiza que o seu significado "[...] expressa um poder de mando que supera os poderes dos Estados, resultando na transferência de parcelas de soberania pelas unidades estatais em benefício da organização comunitária".

No Direito de Integração, o surgimento de entendimentos de que todos os processos jurídicos e políticos existentes nos blocos de integração supranacional são determinados unicamente por fatores e índole econômicos é criticado por Gussi (2006, p. 119), ao dizer que tal entendimento parece estar equivocado, "[...] uma vez que cada uma dessas realidades – economia, política e direito – possuem, além de autonomia ontológica, como observamos, necessidades institucionais específicas".

A supranacionalidade é exercida e implementada de acordo com o grau de soberania transferida pelos integrantes do bloco econômico aos órgãos institucionais de caráter supra-estatal quando da construção do sistema e por força da repartição das competências.

O alcance dos objetivos da integração tem estreita relação com o procedimento de incorporação das normas e dos tratados internacionais, aquelas emanadas das organizações do bloco e estes firmados interbloco, mas ambos (tratado e norma) submetidos ao Direito de Integração ou Comunitário. São normas e tratados internacionais a serem incorporados ao ordenamento jurídico dos Estados membros.

Para tanto, se as Constituições dos países não atribuírem, aos tratados internacionais, hierarquia constitucional ou supranacional, o Direito Internacional Público e, como ramo deste, o Direito de Integração passam a ser mitigados diante do Direito Interno, possibilitando que uma lei posterior interna negue vigência interna a um tratado celebrado, realidade esta que ocorre no Direito brasileiro.

Todavia, essa problemática da recepção e integração dos tratados internacionais poderia ser superada com o reconhecimento constitucional do ordenamento jurídico supranacional. Assim, não se haveria de cuidar da questão que envolve a dinâmica da incorporação da norma ou tratado internacional no ordenamento jurídico doméstico.

Isso não obstante, há teorias que pretendem explicar a incorporação dos tratados internacionais ao ordenamento jurídico nacional, constituídas essencialmente pela dicotomia dualismo e monismo.

3.4 Das teorias monista e dualista

A pretensão aqui é explicar as diferentes teorias sobre o tema da recepção e integração dos tratados internacionais no Direito Interno dos Estados.

Essa questão mostra-se minimizada para o Direito Comunitário regido no âmbito da CE, haja vista que os ordenamentos constitucionais dos Estados membros dessa comunidade amoldam-se ao sistema jurídico supranacional. As normas e os tratados internacionais de cunho comunitário incorporam-se direta e imediatamente ao ordenamento jurídico doméstico, dispensando qualquer procedimento de internalização.

Essa realidade, no entanto, não se mostra presente nos Estados que integram blocos regionais que não adotam o modelo supranacional, como é o caso do Mercosul, cujos órgãos integrantes da estrutura do bloco proferem decisões de caráter intergovernamental.

3.4.1 Do monismo e dualismo – aspectos gerais

A problemática enfrentada no relacionamento do Direito Internacional com o Direito Interno, mais especificamente a recepção dos tratados internacionais pelo sistema de normas do Direito Interno do Estado, mediante a tentativa de sua superação jurídica nos diferentes tratamentos conferidos ao assunto, desencadeia entre os doutrinadores as distinções entre as concepções monista e dualista.

Não obstante as distinções entre essas duas concepções, "O antigo debate entre dualistas e monistas tem sido inútil por muitos autores desde meados o século XX" (Lardy apud BÖHLKE, 2002, p. 222) e, segundo Brownlie, citado por Böhlke (op. cit., p. 222), nenhuma das teorias corresponde à realidade em qualquer sistema jurídico, surgindo, então, uma terceira corrente composta das teorias da coordenação.

Isso acontece porque nenhuma das duas teorias representa perfeitamente a realidade em qualquer sistema jurídico. Em resposta às disparidades entre a realidade e as teorias monistas e dualistas, surgiram as "teorias da coordenação", que têm se revelado as preferidas pelos autores contemporâneos.

Mesmo assim, apesar de se considerar extinta, Mota de Campos, também citado por Böhlke (op. cit., p. 222), complementa que a disputa revela "[...] tendência para renascer das próprias cinzas".

Para o Direito Comunitário regido no âmbito da CE, o interesse em discutir a problemática que envolve a incorporação do Direito Internacional ao Direito Interno resta minimizado, na medida em que os seus Estados membros realizaram a adaptação de suas Constituições, permitindo a aplicabilidade direta das normas comunitárias emanadas das instituições supranacionais da Comunidade, conforme se deduz da doutrina de Böhlke.

Assim, a celeuma permanece nos Estados que integram blocos regionais e não realizam a adaptação de seus ordenamentos jurídicos domésticos, para permitir a criação de organismos supranacionais e tratar a incorporação das normas internacionais, de modo a aplicá-las direta e imediatamente no Direito Interno, razão da exploração do tema no presente trabalho, focado no comportamento constitucional dos Estados membros do Mercosul.

É por isso que, no Mercosul, o resgate das teorias motiva-se principalmente porque o Direito da Integração é tratado de forma similar ao Direito Internacional clássico no âmbito doméstico dos Estados membros que formam o bloco e, para tal demonstração, serão delineados, em tópicos específicos, os ordenamentos constitucionais vigentes no interior de cada Estado membro.

Como segunda motivação para o resgate de tais teorias, consta que:

[...] é a necessidade de compreender o mecanismo de atribuição de validade, vigência e eficácia das normas de integração em face do ordenamento jurídico interno dos Estados-Partes. Não seria adequado empregar uma dessas teorias incondicionalmente. Mas é indispensável saber em que âmbito se dão as relações entre Direito da Integração e Direito Interno para que, com base nesse conhecimento, seja possível aperfeiçoar a sistemática do Direito do Mercosul de maneira a torná-lo mais eficaz. (BÖHLKE, op. cit., p. 222-223).

Sobre a clássica distinção entre monismo e dualismo, Charles Rousseau, citado por Dallari (2003, p. 8), afirma que as "actitudes fundamentales de la doctrina contemporânea com referencia al problema de las relaciones existentes entre el derecho internacional y el derecho interno" e explica que:

[...] dos soluciones – y solo dos, son concebibles: o bien los dos ordenes jurídicos son independientes, distintos, separados e impenetrabeles (dualismo) o bien derivan el uno del outro, lo que implica uma concepción unitária del derecho (monismo).

Consoante Dallari (2003, p. 8), para Hans Kelsen, que se preocupa em dar sistematicidade ao tratamento da matéria, a concepção dualista

[...] pressupõe a total separação entre as instituições e fontes jurídicas do Direito Internacional Público e do direito interno. Assim, a validade de uma norma aplicável no âmbito interno resulta exclusivamente de atos próprios da atividade legislativa do Estado, sendo irrelevante, para tal validação, a verificação da adequação da norma aos compromissos formais e políticos assumidos por esse Estado para com a ordem jurídica estatuída internacionalmente.

Pode-se justificar esse fundamento pelo princípio da repartição dos poderes [13] de cada Estado, em que são conferidas constitucionalmente atribuições e competências para cada esfera de poder. Ao poder legislativo cabe a atribuição de legislar, representando a vontade popular no sentido de promover o encaminhamento das propostas de leis, cujo conteúdo reflete a vontade da nação, que, no caso, refere-se ao relacionamento internacional.

A integração do Direito Interno ao Direito Internacional é a essência da concepção monista, que se caracteriza pela unidade de ambas as ordens jurídicas, segundo o próprio termo indica.

O internacionalista Hildebrando Accioly, citado por Dallari (2003, p. 9-10) explicita e defende tal concepção em poucas e precisas palavras: "Em princípio, o direito é um só, quer se apresente nas relações de um Estado, quer nas relações internacionais".

Para Accioly, essa ordem jurídica unitária não significa que os sistemas jurídicos são distintos, mas há duas esferas de ação, uma interna e outra externa. A interna é regulada em cada Estado pelo seu respectivo Direito Interno e a externa é regida pelo Direito Internacional.

Comenta Böhlke (2002, p. 225) que as teorias monista e dualista não se coadunariam por completo com as práticas internas e externas dos Estados, o que teria motivado alguns doutrinadores a abandonar as teorias que justificariam as relações entre Direito Interno e Direito Internacional Público.

Outros doutrinadores, porém, promoveram adaptações de modo a reconstruir a teoria e a ajustá-la às práticas nacionais e internacionais, o que ensejou um terceiro gênero de teoria, assim denominado de teoria de coordenação.

Como expoente da teoria de coordenação, Gerald Fitzmaurice discorda que o Direito Interno e o Direito Internacional Público têm idêntico campo de operações e afirma:

[...] os dois sistemas não entram em conflito como sistemas, pois operam em esferas diferentes. Cada um é supremo na sua própria esfera. Pode, entretanto, haver conflitos de obrigações quando um Estado não cumpre, na esfera interna, sua obrigação internacional. Nesse caso, a lei interna não é necessariamente atingida, mas o Estado incorre em responsabilidade internacional (BÖHLKE, 2002, p. 226).

Fundamenta Böhlke que a teoria de Charles Rousseau se assemelha à de Gerald Fitzmaurice pela qual "[...] o Direito Internacional Público é Direito de coordenação que não dispõe de mecanismos próprios para ab-rogar normas internas contrárias às obrigações internacionais. Os sistemas, portanto, não entram em conflito, apenas as obrigações derivadas desses sistemas podem ser opostas".

Feitas as exposições sobre as teorias que tentam explicar os diferentes posicionamentos acerca da recepção do Direito Internacional Público no Direito nacional, poder-se-á, adiante, identificar a teoria que explica qual é a norma aplicável no momento de sua recepção ao ordenamento jurídico dos Estados membros do Mercosul, em surgindo conflito entre a norma de Direito Internacional e a norma de Direito Interno, se aquela de âmbito interno, se aquela de âmbito internacional.

3.4.2 Monismo e dualismo - uma análise segundo o Direito brasileiro

A multiplicação dos tratados internacionais sobre os mais variados ramos do Direito faz com que se avulte o tema entre o Direito Internacional Público e o Direito Interno dos Estados. Estando o Brasil inserido nessa multiplicação da produção dos tratados internacionais, ele se vê na necessidade de identificar a forma que esses tratados podem ser recepcionados no seu ordenamento jurídico interno. Sobre o assunto, há divergência entre os doutrinadores quanto à doutrina que melhor justificaria a problemática – se monista, se dualista.

O conflito evoca duas grandes correntes doutrinárias, quais sejam:

[...] o dualismo, pregado no âmbito internacional por Triepel e Anzilotti, e seguido no Brasil por Amílcar de Castro; e o monismo, concepção desenvolvida por Hans Kelsen, e seguido no Brasil pela maior parte da doutrina, inclusive Valladão, Tenório, Celso Albuquerque Mello e Marotta Rangel.

[...] para os dualistas, inexiste conflito possível entre a ordem internacional e a ordem interna simplesmente porque não há qualquer interseção entre ambas. São esferas distintas, que não se tocam. Assim, as normas de direito internacional disciplinam as relações entre Estados, e entre estes e os demais protagonistas da sociedade internacional. De sua parte, o direito interno rege as relações intra-estatais, sem qualquer conexão com elementos externos. Nesta ordem de idéias, um ato internacional qualquer, como um tratado normativo, somente operará efeitos no âmbito interno de um Estado se uma lei vier a incorporá-lo ao ordenamento jurídico positivo. Os autores se referem a esta lei como "ordem de execução" (Barroso apud DALLARI, 2003, p. 11).

A corrente a que se filia Barroso inclina-se em favor do monismo jurídico, pelo qual o Direito constitui uma unidade, um sistema. "Por assim ser, torna-se imperativa a existência de normas que coordenem esses dois domínios e que estabeleçam qual deles deve prevalecer em caso de conflito" (Barroso apud DALLARI, op. cit., p. 11).

Para Böhlke, a teoria dualista é a que melhor explica a sistemática de funcionamento entre o Direito da Integração e o Direito Interno. Não satisfeito com a mera defesa da teoria dualista, ao questionar acerca das razões que levariam o ordenamento jurídico brasileiro a se aproximar da construção teórica dualista, esse autor responde:

Basicamente porque só se confere validade aos instrumentos internacionais no âmbito jurídico interno quando estes tenham cumprido todo o rito de incorporação, que culmina com a promulgação de um decreto presidencial. A aprovação pelo Poder Legislativo e a ratificação não são suficientes para obrigar internamente o Estado brasileiro. Não existente, portanto, norma interna até que o tratado passe pelas etapas de incorporação e seja promulgado decreto do presidente da República (BÖHLKE, 2002, p. 227).

Alguns autores afirmam que a teoria dualista pode também ser denominada de teoria pluralista, ocupando o Direito Internacional Público e o Direito Interno espaços totalmente separados por áreas paralelas que não se encontram. Cada um desses ramos do Direito possui fontes distintas, ou seja, aquele se manifesta em razão da vontade coletiva do Estado e este, da vontade individual do cidadão.

O Direito Internacional Público tem estrutura de coordenação, ou seja, o Estado quando se relaciona internacionalmente admite a possibilidade de se equiparar com outros Estados, mas não permite que estes estejam em grau de superioridade a ele. Em outras palavras, isso levaria à convergência de interesses entre os Estados – princípio da igualdade –, assim manifestados nos tratados internacionais [14].

Tendo o Direito Internacional Público e o Direito Interno fontes distintas e campos autônomos, surge a questão que faz refletir na possibilidade de os tratados internacionais poderem ser operacionalizados no Direito Interno e, caso positivo, se esse procedimento se daria mediante o fenômeno da incorporação. Se tal ocorreria por meio de uma fonte de Direito Interno ou de uma lei. Esse tratado, no plano do Direito Internacional, teria eficácia de tratado internacional e, no plano do Direito Interno, teria eficácia como lei?

O fato é que há uma pluralidade de direitos internos, uma vez que cada país tem o seu Direito Interno, mantendo a independência de cada qual [15].

Essa é a posição que o Brasil vem ocupando segundo Medeiros (2006), porque o tratado internacional firmado pelo Brasil é submetido à ratificação do presidente da República, ato mediante o qual se confirma a sua eficácia diante dos países que o integram. O presidente da República, observada a aprovação pelo Congresso Nacional, promulga o tratado por decreto, que deve ser publicado para assim ser incorporado ao ordenamento jurídico nacional, com comando para o respectivo cumprimento no Brasil.

O momento da incorporação ao Direito Interno é o da promulgação, por decreto, do tratado internacional e mediante a sua imediata publicação. Já o momento da incorporação ao Direito Internacional do tratado internacional é o da sua ratificação pelo presidente da República, salvo quando outra forma for contemplada nesse instrumento, situação que ocorre comumente com tratados firmados por vários países, cuja validade e eficácia internacional poderão estar condicionadas à ratificação de todos eles.

Assim, a ratificação pelo presidente da República de tratado internacional obriga o Brasil no plano internacional.

O problema que pode surgir é que, embora válido no plano externo, poderá faltar ao tratado internacional a validade no Direito Interno, por não terem sido ainda cumpridas todas as etapas no âmbito interno até a final promulgação do tratado por decreto presidencial. Isso poderia implicar a responsabilidade do Brasil por eventual descumprimento dos termos do tratado internacional. Esse também é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF), na ADIN 1.480, relator Celso de Mello, cujo julgamento se deu em 1997.

Tal situação somente poderia ser equacionada pela adequação do ordenamento jurídico brasileiro. No projeto de lei complementar, há um dispositivo que resolveria esse problema: os tratados internacionais não teriam os seus efeitos suspensos por lei interna. As disposições dos tratados somente poderão ser derrogadas ou suspensas nos termos previstos no próprio tratado ou pelas regras do Direito Internacional Público [16].

A adequação da legislação seria uma maneira de se avançar nesse tema entre a equivalência hierárquica entre tratado e lei no âmbito interno.

Entretanto, enquanto tal adequação do texto constitucional brasileiro não ocorrer, a solução do impasse quanto à incorporação dos tratados internacionais no Direito nacional é embasada na jurisprudência do STF, cuja regulação foi consolidada mediante o julgamento do RE 80.004, de 1977, em que ficou estabelecido que os tratados internacionais e as leis internas possuem a mesma hierarquia no Direito brasileiro. Aplica-se o princípio da cronologia, ou seja, lei posterior revoga lei anterior [17].

O STF, no julgado de que se cuida sustenta não se tratar de revogação, já que lei não poderia revogar tratado, o que caracteriza erro de tecnicidade.

A ausência de solução constitucional para conferir aos tratados internacionais posição superior às leis internas eternizará a problemática existente sobre tratados internacionais de que o Brasil é parte.

Nesse sentido, exemplifica Medeiros (2006, p.71) com a aprovação, em 2005, do Projeto de Lei nº 102 pela Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, que proíbe

[...] a comercialização, a estocagem e o trânsito de arroz, trigo, feijão, cebola, cevada e aveia e seus derivados importados de outros países, para consumo e comercialização no Estado do Rio Grande do Sul, que não tenham sido submetidos à análise de resíduos químicos de agrotóxicos ou de princípios ativos usados, também, na industrialização dos referidos produtos.

O autor justifica que esse projeto de lei, na forma aprovada pela Assembléia Legislativa, incorre em transgressão de diversas normas jurídicas contidas em tratados internacionais celebrados pelo Brasil.

A sanção [18] da lei pelo governador do estado implicaria o descumprimento das obrigações assumidas pelo país, sem olvidar o desgaste político e a sujeição a reclamações pelos países partes do tratado internacional por descumprimento dos compromissos assumidos, além da possibilidade de ser acionado pelo sistema de solução de controvérsias, com as conseqüências decorrentes.

A aprovação do projeto conduziria a enfrentamentos nas relações com os parceiros do Mercosul, que busca negociações para "[...] o aprimoramento da união aduaneira, cujo bom termo é essencial para a estabilidade e aprofundamento do Mercosul, somado ao fato de que a infração das normas internacionais, a imposição unilateral de barreiras a exportações de grande interesse desses países, introduziria grave perturbação ao processo integracionista em curso" (MEDEIROS, 2006, p. 72).

Para o afastamento da infração normativa estadual ao tratado internacional, outra solução não teria a União, senão buscar a declaração da inconstitucionalidade da lei estadual no Poder Judiciário, suportando a incerteza do resultado da decisão, incerteza motivada pela competência concorrente da União e dos estados para legislar sobre a proteção ao meio ambiente.

Em conclusão pode-se afirmar que o Direito Internacional Público clássico, o Direito de Integração (Direito Comunitário) e o Direito Interno encontram-se em constante análise para fins de identificação acerca de qual é o ramo do Direito que abriga determinada relação jurídica internacional no âmbito do Mercosul.

Como já afirmado em linhas pretéritas, o caráter intergovernamental das decisões, dos tratados e das convenções firmados sob a égide do Mercosul implica que os atos internacionais mencionados sejam submetidos ao Direito Internacional clássico, eis que dependentes do regramento legislativo interno de cada Estado quanto a sua respectiva recepção.

Os aspectos evolutivos do conceito de soberania e o surgimento dos órgãos supranacionais no decorrer da história global que fazem surgir avanços nas relações internacionais mostram que cada Estado precisa rever os conceitos traduzidos na ordem constitucional interna.

O regime intergovernamental vigente no âmbito do Mercosul e pelo qual as decisões dos órgãos deliberativos do bloco são tomadas por consenso dos Estados membros já não mais atende aos anseios da nova era de integração e reclama um sistema mais eficaz que reconheça um sistema supranacional a ser construído com base em princípios sólidos de lealdade, solidariedade, igualdade, entre outros.

A incorporação das normas, dos tratados, das convenções internacionais e as teorias que pretendem justificar a recepção desses atos internacionais continuarão presentes no debate doutrinário e jurisprudencial, enquanto não surgirem mecanismos que possam pôr fim à questão, que já restou minimizada em comunidades que admitem um sistema jurídico supra-estatal.

Assim, a transposição dos atos internacionais (normas, tratados, convenções) ocorre segundo o ordenamento legal interno de cada Estado membro do Mercosul.

No próximo capítulo, o tema da recepção e integração dos atos internacionais é analisado com base na Constituição de cada Estado membro do Mercosul. Essa análise objetiva identificar o mecanismo de recepção e integração dos atos internacionais vigente em cada texto constitucional e os seus entraves ao fortalecimento do processo de integração.


4 O PODER NORMATIVO DO MERCOSUL E O ALCANCE DOS TEXTOS CONSTITUCIONAIS QUANTO À INTEGRAÇÃO

O conteúdo abordado neste capítulo desdobra-se em dois aspectos: o primeiro cuida do conceito, das espécies e dos efeitos das normas emanadas dos órgãos do Mercosul e o segundo se debruça sobre os textos constitucionais de cada Estado membro para identificar a amplitude das relações internacionais, notadamente quanto ao interesse na integração regional.

Para efeito de identificação do interesse integrativo de cada Estado membro analisa-se qual é a amplitude do conceito de soberania inserido no texto; se o Estado admite a possibilidade de criação de organismos supranacionais; qual o sistema constitucional vigente quanto ao tema da recepção e integração dos tratados internacionais no Direito Interno; e se o texto constitucional confere tratamento distinto aos tratados de integração e às normas do Mercosul.

Com base na análise do texto constitucional brasileiro, são apresentadas propostas embasadas em pressupostos que poderão ser adequados à construção de um novo sistema constitucional favorável ao fortalecimento do processo de integração.

4.1 Das normas dos órgãos do Mercosul – conceito e espécies

As normas resultantes da atividade dos órgãos do Mercosul são classificadas, segundo a maior parte da doutrina, em normas originárias e normas derivadas.

Quanto à recepção e integração das normas no ordenamento jurídico nacional, classificam-se em normas que independem de incorporação e normas que necessitam ser incorporadas ao Direito doméstico dos Estados membros.

4.1.1 Normas originárias do Mercosul

Ao estudar o sistema normativo dos órgãos do Mercosul, Nascimento (2004, p. 48) entende que as normas originárias desse bloco correspondem a três tratados distintos e complementares: o Tratado de Assunção, o Protocolo de Ouro Preto e o Protocolo de Brasília.

A própria expressão "norma originária" enseja entendimento referente à sua origem. Pode-se dizer que essa espécie de normas corresponde a preceitos institucionais que se destinam aos Estados membros e correspondem a tratados fundacionais, que fixam diretrizes, princípios e definem a estrutura do ordenamento jurídico da organização internacional.

As normas originárias do Mercosul necessitam de incorporação ao Direito Interno dos Estados signatários, de forma solene e conforme a legislação de cada Estado membro.

4.1.2 Normas derivadas do Mercosul

A segunda espécie de normas são aquelas que derivam dos órgãos do Mercosul, assim chamadas de normas derivadas. Essas normas provêm dos órgãos decisórios e encontram fundamento de validade nas disposições contidas nos respectivos tratados constitutivos que lhes dão origem.

Nesse sentido, o Protocolo de Ouro Preto reza, em seu art. 37, que as "As decisões dos órgãos do Mercosul serão tomadas por consenso e com a presença de todos os Estados-partes". Portanto, ao disciplinar nesse sentido, o Protocolo (norma originária) confere poderes normativos de caráter derivado aos órgãos decisórios que compõem o Mercosul.

As normas derivadas do Mercosul podem ser definidas como regulamentares, que resultam das deliberações superiores dos seus órgãos institucionais, ou seja, têm a função de dar efetividade aos preceitos abstratos encartados nas normas originárias. Essas normas são denominadas, no âmbito do Mercosul, como as decisões do CMC, as resoluções do GMC e as diretrizes da CCM.

Quanto à natureza que essas normas assumem no âmbito do bloco, na doutrina há divergência, que certamente tem raiz nos seus efeitos em relação aos Estados membros.

As deliberações dos órgãos do Mercosul, segundo Luiz Olavo Baptista, citado por Dallari (2003, p. 43), constituem-se em determinações políticas que vinculam os Estados membros à promoção de adequações nos respectivos ordenamentos jurídicos internos, não se constituindo, por si só, em normas jurídicas em sentido estrito.

Acerca dessa natureza política atribuída às normas emanadas dos órgãos do Mercosul, Nascimento contesta esse entendimento e afirma que as determinações políticas que vinculam os Estados constituem normas jurídicas. E fundamenta, verbis: "Do contrário, o que seriam as normas jurídicas senão prescrições ou determinações políticas que vinculam os destinatários, obrigando-os a fazer ou deixar de fazer alguma coisa?" E finaliza no sentido de que "[...] em regra, as normas derivadas do Mercosul devem ser obrigatoriamente incorporadas nos ordenamentos jurídicos dos Estados-membros, ou seja, representam uma proposição prescritiva aos Estados" (2004, p.51).

Independentemente da natureza (política ou jurídica), é certo que os arts. 38 a 40 do Protocolo de Ouro Preto estipulam que as normas emanadas dos órgãos do Mercosul com capacidade decisória devem ser incorporadas ao ordenamento jurídico de cada Estado membro.

A incorporação das normas de direito derivado segue idêntico procedimento de incorporação ao conferido para os tratados solenes, se o seu conteúdo estiver reservado à lei ou à Constituição.

Os demais atos administrativos dos órgãos do Mercosul são internalizados segundo as especificidades da Constituição de cada Estado membro. Comumente essa incorporação é realizada por meio de atos administrativos internos (portarias, circulares, resoluções).

A incorporação pelos Estados membros das normas derivadas implica, ainda, a obrigatória adoção das demais medidas para se assegurar, em seus respectivos territórios, o cumprimento interno do seu conteúdo normativo.

4.1.3 Normas auto-reguladoras

As regras que independem de incorporação no ordenamento nacional dos Estados membros do Mercosul são denominadas de normas auto-reguladoras.

Essas normas decorrem da regulamentação das atividades internas dos órgãos que as proferem e seus efeitos estão restritos ao interior da organização.

4.2 Mercosul - o intuito integrativo segundo a expressão de cada texto constitucional

Aqui são analisados os textos constitucionais dos Estados membros do Mercosul, com o intuito de identificar a amplitude do processo de integração segundo a expressão contida em dispositivo constitucional de cada um desses Estados.

Por meio dessa análise, é possível avaliar o comportamento de cada Estado no que se refere às relações internacionais, a flexibilidade quanto à aceitação de uma ordem jurídica internacional e comunitária a partir da configuração da soberania do Estado, assim como o sistema vigente para a recepção e integração dos tratados e normas internacionais.

Isso possibilita a identificação de entraves implícitos ou explícitos que possam representar impedimento para avançar no processo de integração, a partir dos quais serão apresentados pressupostos para embasar propostas de emenda constitucional que objetive a alteração do texto constitucional.

Essa análise dá ênfase à Constituição Brasileira, que servirá de base para os pressupostos e as propostas decorrentes.

4.2.1 Do ordenamento constitucional do Brasil

A Constituição Federal, em que se manifesta a ordem constitucional, é o símbolo do pacto federativo e corresponde ao instrumento de manifestação da soberania popular. Por meio dessa ordem suprema é que são norteadas e identificadas as competências nos planos interno e internacional.

A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos estados, municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem, entre os fundamentos, a soberania (art. 1º, I), o que, para alguns, representa soberania limitada.

Acerca do sistema federativo, Zimmermann (2005, p. 43) afirma que a Constituição Federal, como instrumento da soberania popular, determina a competência dos entes federativos (União, Estados, Municípios e Distrito Federal):

É a Constituição Federal, símbolo do pacto federativo e instrumento de manifestação de soberania popular, quem determina as competências da União, bem como a dos demais entes federativos. No exercício das competências estabelecidas, a União, pela própria organização e sentido do Estado federal, representa a unidade dos interesses genéricos e exclusivamente nacionais.

No regime de federação, o Estado ocupa uma espécie de dupla face, o que, segundo Zimmermann (op. cit., p. 43), "Apresenta-se internamente como uma pluralidade de entes políticos descentralizados [...] não obstante ele externamente se apresentar como se uno fosse, num sentido de força e coesão perante a comunidade internacional".

No plano internacional, o Estado (União), representado pelo seu presidente, é quem detém competência para estabelecer relações diplomáticas com os Estados estrangeiros, participar de organizações internacionais, declarar a guerra, representando, assim, a unicidade nacional no exterior.

O inciso I do art. 21 da Constituição Federal expressa a competência da União para manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais. Ao presidente da República cabe representar a União para "[...] manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos" e "[...] celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional", segundo as competências privativas estabelecidas no art. 84, incisos VII e VIII, da Constituição Federal.

Conforme o inciso III desse art. 84, ao presidente da República compete "[...] iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição", podendo, ainda, propor emenda à Constituição (art. 60, inciso II), observando-se as condições previstas nesse art. 60 para tal iniciativa legislativa.

A atuação presidencial deve ser guiada segundo os princípios estabelecidos no art. 4º da Constituição, pelo qual se rege a República Federativa do Brasil, nas suas relações internacionais, pelos princípios da independência nacional, prevalência dos direitos humanos, autodeterminação dos povos, não-intervenção, igualdade entre os Estados, defesa da paz, solução pacífica dos conflitos, repúdio ao terrorismo e ao racismo, cooperação entre os povos para o progresso da humanidade e concessão de asilo político.

É no parágrafo único desse art. 4º que se identifica o intuito de o Brasil buscar o processo de integração regional, que parece limitado aos países da América Latina: "A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações".

A esse respeito, Bastos (1999, p. 163) não duvida que essa norma tenha conteúdo programático. No entanto, para o autor, a redação desse dispositivo poderia suscitar dúvidas, requerendo interpretação quanto à possibilidade de inclusão ou não de outros países localizados fora do âmbito da América Latina na formação do bloco, como países europeus, asiáticos e anglo-saxões.

Segundo esse autor, países como a França e Alemanha, tradicionais rivais pelas guerras extremamente mortíferas, suplantaram sentimentos de ódio, para chegar ao ponto de suprimir as suas barreiras alfandegárias, de modo que a limitação na formação do Mercosul apenas com países da América Latina poderia estar na contramão da política adotada mundialmente.

O texto constitucional, contudo, pode merecer adequação para harmonizar-se aos objetivos que a nova realidade apresenta em relação ao crescente desenvolvimento da integração.

Sobre essa adequação, os presidentes dos quatro Estados membros que instituíram o Mercosul assumiram, no Tratado de Assunção, em seu art. 1o, o compromisso de harmonizar a legislação interna de seus Estados aos objetivos então estabelecidos.

Idêntico compromisso foi assumido recentemente pela Venezuela, o quinto país a integrar o Mercosul. Por força do Protocolo de Adesão, aprovado em 16 de junho de 2006, esse Estado membro tem o prazo até 2010 para adequar a legislação interna.

O compromisso assumido no Tratado de Assunção poderia ser levado a efeito pelo Brasil por meio de emenda constitucional, cuja iniciativa caberia ao próprio presidente da República, mediante a apresentação de proposta de emenda constitucional ao Poder Legislativo.

A competência do Poder Executivo para entabular tratados internacionais também se alia à competência do Poder Legislativo, uma vez que o art. 49, inciso I, da Constituição Federal, atribui ao Congresso Nacional competência exclusiva para "[...] resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional".

O texto constitucional brasileiro não conferiu qualquer dispositivo sobre o mecanismo de incorporação dos tratados internacionais e tampouco cuida da sua hierarquia em relação à legislação interna.

A Constituição brasileira promulgada em 1988, antes da instituição do Mercosul, ocorrida em 1991, o que pode justificar a não-harmonização constitucional ao tema da integração regional.

Porém, já transcorrida mais de uma década e meia desde a instituição do bloco, verifica-se que ainda não houve evolução do texto constitucional brasileiro quanto ao intuito integrativo, nem em relação aos tratados internacionais gerais e tampouco em relação aos atos internacionais de integração, ou seja, tratados, convenções e normas firmados sob a égide do Mercosul.

A exceção fica por conta dos tratados sobre direitos humanos, de que cuidou a Emenda Constitucional nº 45/2004, que tiveram tratamento diferenciado no texto constitucional brasileiro. Esse tema é abordado adiante, em tópico específico.

Essa omissão constitucional já reclamou posicionamento do STF, que entendeu que os tratados internacionais incorporados no Direito brasileiro submetem-se ao mesmo tratamento conferido à lei ordinária, seguindo-se as regras constantes na Lei de Introdução ao Código Civil [19].

A equiparação do tratado internacional, incorporado do Direito Interno, com a lei ordinária pode representar a sua derrogação por lei posterior que estabeleça eventual conflito com esse tratado.

É inconteste que essa realidade tende a gerar insegurança nas relações jurídicas internacionais, posto que o tratado internacional, além de sujeitar-se aos procedimentos internos para a aprovação e incorporação ao Direito Interno, ainda poderá ser considerado ineficaz por lei posterior que venha a derrogar seus efeitos.

Ademais, de um lado, o Brasil exterioriza seu interesse em integrar-se com países estrangeiros (parágrafo único do art. 4º e art. 1º do Tratado de Assunção), mas, de outro, pouco faz para reforçar e alicerçar juridicamente essa integração, mantendo-se inerte na promoção das necessárias modificações no texto constitucional.

Quanto à transferência de parte de soberania interna para organismos internacionais de caráter supranacional, ela passa ao largo do texto constitucional do Brasil, o que torna impossível a criação de órgãos com tais características.

O reconhecimento de um sistema jurídico supra-estatal está distante da realidade constitucional brasileira. Sobre essa questão, Celso Bastos e Ives Gandra da Silva Martins, citados por Nascimento (2004, p. 66), entendem tímido o texto constitucional, verbis:

Por ora, é preciso frisar que o novo texto constitucional é surpreendentemente acanhado e tímido na matéria, apegando-se ao que poderíamos já considerar, ante a evolução de outros países, como um extremado nacionalismo jurídico.

Para Dallari (2003, p. 119), a ausência de maior clareza no Direito brasileiro a respeito da força cogente a ser reconhecida para as decisões de organizações internacionais foi elemento significativo, por exemplo, na construção da estrutura e dos procedimentos institucionais do Mercosul, todos de baixo poder coercitivo.

Uma tentativa de introduzir na Constituição dispositivo disciplinador da recepção das decisões de organizações internacionais decorreu da proposta apresentada, em 1994, em período de revisão constitucional, pelo então deputado federal, Nelson Jobim.

Essa proposta de emenda ao art. 4º da Constituição Federal consistia na transformação do atual parágrafo único em parágrafo terceiro e no acréscimo dos parágrafos 1º e 2º. Confira a redação da proposta:

§ 1º. As normas gerais ou comuns de Direito Internacional Público são parte integrante do ordenamento jurídico brasileiro.

§ 2º. As normas emanadas dos órgãos competentes das organizações internacionais de que a República Federativa do Brasil seja parte vigoram na ordem interna, desde que expressamente estabelecido nos respectivos tratados constitutivos.

Para Dallari (op. cit., p. 120), a rejeição dessa proposta de emenda constitucional e a conclusão do processo revisional em 1994 provavelmente contribuíram para que o Protocolo de Ouro Preto, assinado em 17 de dezembro desse ano pelo Brasil e demais Estados integrantes do Mercosul, viesse a prever, para a organização, um sistema normativo baseado em decisões de natureza intergovernamental e com eficácia vinculada à respectiva formalização no Direito Interno de cada Estado membro, em evidente processo de normatização indireta.

A realidade constitucional brasileira aponta que a solução foi postergada para o futuro, sobretudo pelas perspectivas que se abrem para a ampliação e o fortalecimento do Mercosul com base na adesão de países da América Latina e no estabelecimento de vínculos com outras organizações internacionais, como a CE, o Nafta, entre outras.

O surgimento do Mercosul poderia representar a causa para a implementação de mudanças constitucionais, que não aproveitariam apenas ao bloco, mas se estenderiam ao conjunto das relações internacionais firmadas com terceiros países e organizações internacionais.

Outro aspecto lembrado por Dallari (op. cit., p. 121), inerente ao tema da recepção das decisões oriundas de organizações internacionais, diz respeito à validade e efetividade, no território brasileiro, de julgados originários de tribunais internacionais.

Esses tribunais estruturam-se na forma de organização internacional, como a Corte Internacional de Justiça, ou, então, de instância de organização internacional, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que integra a Organização dos Estados Americanos (OEA). Portanto, esses julgados têm a natureza jurídica de decisão de organização de Direito Internacional Público.

Com a emergência de tribunais internacionais especializados, aos quais o Brasil se vincula, como o Tribunal Internacional do Direito do Mar, acentua-se a necessidade de que não pairem dúvidas quanto ao acatamento das respectivas deliberações.

A fragilidade da regra brasileira em relação à ordem internacional que cuida da recepção e integração dos tratados internacionais ao Direito Interno justifica uma sistematização ordenada e harmonizada que propicie entendimento claro e abrangente sobre a matéria.

Para o tratamento adequado, no texto constitucional, do tema relacionado à recepção dos tratados internacionais, Dallari (op. cit., p. 124) afirma que é importante que não se deixe de considerar, de um lado, a qualidade de compromisso formal, perante a comunidade internacional, que a norma convencional encerra e, de outro, a necessidade evidente de que sejam respeitados os parâmetros sistêmicos estabelecidos no arcabouço jurídico do Estado.

O tratado é um instrumento de natureza contratual e a constituição do vínculo obrigacional deve acarretar a necessária observância pelo Estado contratante dos efeitos nele estatuídos, conforme os princípios que regem o Direito Internacional Público. Para Dallari (op. cit., p. 124), "[...] essa assertiva não tem o propósito, como muitas vezes se alega, de colocar em xeque o postulado da soberania do Estado".

O tratado representa o resultado da manifestação voluntária do Estado e submete-se à aferição dos órgãos internos, segundo estatuído constitucionalmente. Conclui o autor que a necessidade de observância das regras resultantes de tratados internacionais não deriva, portanto, de eventual e autoconferida supremacia do Direito Internacional Público, mas é resultante lógica do pressuposto da efetividade das decisões adotadas soberanamente – e nos termos da correspondente ordem jurídica – pelo Estado e por suas instituições.

A preocupação com a recepção e integração do tratado ao Direito Interno é unânime na doutrina e na jurisprudência, que não pode prescindir de normatização no âmbito do sistema jurídico e, mais particularmente, da ordem constitucional brasileira.

Um sistema claro a respeito da recepção e integração do tratado ao Direito Interno afastaria questões que demandariam interpretação sobre qual seria a prevalência da regra, em caso de conflito entre regras do Direito Internacional e do Direito Interno.

Na fase atual de evolução das relações internacionais, o Estado continua a ser o instrumento indispensável de formação e execução das normas convencionais. Como tal, Vicente Marotta Rangel, citado por Dallari (op. cit., p. 125), acentua, verbis:

Cabe-lhe dispor sobre a maneira pela qual elabora os tratados, decidir se os considera parte integrante do ordenamento interno e determinar soluções de validade dos tratados senão também sobre as garantias técnicas e processuais que lhes assegure a eficácia na ordem interna.

Partindo dessa premissa e pela relevância e amplitude no plano interno e externo do tema da recepção dos tratados, a ser disciplinado por normas de natureza constitucional, o mecanismo adequado para levar a efeito a institucionalização de um sistema integrador dos tratados internacionais ao Direito brasileiro não pode ser outro que não a emenda à Constituição Federal, conforme defende Dallari (op. cit., p.125).

A desobstrução da ordem jurídica interna com a inserção de regras rigorosas a respeito do tema da integração dos tratados contribuiria para afastar o quadro antagônico em que se encontra o Brasil.

Antagonismo explícito, de um lado, pelo interesse de integrar-se com países da América Latina (parágrafo único do art. 4º da Constituição Federal) e, de outro, por não fixar constitucionalmente as regras, isto é, fixar a sistemática de integração ao Direito Interno dos tratados internacionais firmados como resultado do interesse integrativo.

Delineadas as problemáticas do texto constitucional brasileiro, são abordadas, no próximo tópico, as questões que possam propiciar o afastamento dos entraves apontados.

4.2.2 Das propostas de alteração da Constituição do Brasil

As propostas adiante alinhadas fundamentam-se no Direito Internacional Público clássico, Direito de Integração (Comunitário) e Direito Interno e pretendem abordar os entraves do ordenamento constitucional brasileiro que impedem o fortalecimento do processo de integração.

Para Dallari (2003, p.126), um sistema integrado de normas de natureza constitucional deve estar respaldado em pressupostos de feição substantiva, que podem reconhecer no sistema proposto dois pressupostos básicos, verbis:

a) o reconhecimento da integração internacional dos Estados, inclusive sob o aspecto da consolidação de um conjunto expressivo de normas de Direito Internacional Público, com um processo irreversível e de intensidade crescente; b) a necessidade de que esse processo de integração internacional desenvolva-se com fundamento na vontade soberana do povo de cada Estado, manifestada por via de mecanismos democráticos institucionalmente consagrados, a fim de que possa redundar na efetiva promoção dos Direitos Humanos e na elevação da qualidade de vida da população do planeta.

Esses pressupostos, segundo o autor, em que se estruturaria o novo sistema integrador dos tratados internacionais, levariam às seguintes diretrizes: a) os tratados, diferentemente do que ocorre atualmente, devem contar com reconhecimento de maior relevância no âmbito do quadro normativo nacional vigente e às suas disposições deve ser garantida a plena efetividade; b) a vinculação do Estado brasileiro a tratado deve estar respaldada por um grau de adesão social – usualmente aferido por meio de deliberação parlamentar – mais elevado do que aquele exigido atualmente.

Partindo da idéia de que os pressupostos e as diretrizes tenham sido implementadas, Dallari (op. cit., p. 126) apresenta as características que devem ser contempladas na proposta do novo texto constitucional, verbis:

a) previsão explícita da incorporação do tratado internacional ao ordenamento jurídico nacional; b) reconhecimento de status diferenciado para o tratado no quadro das normas vigentes no Estado, atribuindo-se-lhe posição hierárquica superior à das leis complementares e ordinárias; c) possibilidade de apreciação da constitucionalidade de tratado pelo Supremo Tribunal Federal previamente à deliberação do Congresso Nacional; d) previsão da exigência de promulgação de emenda constitucional aprovada pelo Congresso Nacional previamente à aprovação legislativa de tratado nos casos em que tal condição for assinalada pelo Supremo Tribunal Federal; e) previsão de quórum qualificado de três quintos para a aprovação de tratado pelo Congresso Nacional; f) previsão da exigência de aprovação prévia do Congresso Nacional relativamente ao ato de denúncia de tratado; g) reconhecimento da vigência no Brasil das normas emanadas de organizações internacionais de que o País faça parte, desde que expressamente previsto nos respectivos tratados constitutivos.

O detalhamento para a criação de um sistema de recepção e integração dos tratados internacionais, segundo Dallari, fundamenta-se na complexidade da matéria, a qual impede que o mero conjunto de normas de direito positivo venha solucionar a convivência entre tratado internacional e Direito Interno do Estado.

Com fundamento nos pressupostos, nas diretrizes e nas características, citados por Dallari em linhas pretéritas surgem múltiplas alternativas de sistematização constitucional – recepção e integração dos tratados internacionais ao Direito brasileiro, pelo qual se possa suprir a lacuna normativa existente e superar os dilemas encontrados – para o equacionamento das problemáticas apontadas pela jurisprudência e doutrina pátrias.

Esclarece Dallari (op. cit., p. 129) que a concepção desse sistema, em seu conjunto, tem inspiração nas formulações adotadas pelas Constituições ibéricas da década de 1970 sobre o assunto, produzidas à luz do processo de redemocratização vivido em Portugal e na Espanha e que se revelaram dotadas de mecanismos para viabilizar a integração dos citados Estados à CE.

Como fontes de referência mais recentes, o conteúdo da proposta teria sido subsidiada com base nas reformas introduzidas, na década de 1990, nas Constituições dos países que integram essa comunidade, com o intuito de adequá-las às diretivas inseridas no Tratado sobre a União Européia [20].

Da análise do art. 8º, nº 1, 2 e 3, da Constituição portuguesa de 1976 e do art. 96, nº 1, da Constituição espanhola de 1978, comunga-se do fato de que os citados textos constitucionais exerceram influência na proposta de sistematização de recepção dos tratados apresentada pelo autor, que poderá nortear o novo ordenamento normativo constitucional brasileiro, para suprir as lacunas existentes e torná-lo adequado ao processo integrativo.

O conteúdo da proposta que enfatiza os pressupostos, as diretrizes e as características da sistematização poderá levar a múltiplas alternativas de redação do novo texto constitucional, conforme advoga o autor.

Ao se comungar da detalhada proposta de sistematização do ordenamento constitucional, que serve para suprir a lacuna normativa (entrave) existente e superar os dilemas da recepção e integração dos tratados internacionais, no âmbito da jurisprudência e mesmo da doutrina, não se pode deixar de considerar, como primeira reflexão, o conteúdo das citadas características da proposta – alíneas c e d – e, como segunda, o conteúdo da alínea f.

Quanto ao conteúdo das alíneas c e d, entende-se que a submissão prévia ao STF dos tratados internacionais para verificação de sua constitucionalidade imporia delongas ao processo de incorporação no Direito Interno.

Ademais, parece afigurar-se dispensável esse procedimento prévio, sobretudo em razão da competência conferida constitucionalmente a cada um dos três poderes da República – princípio da repartição dos poderes.

Nesse sentido, cabe ao Poder Legislativo (art. 49, I) a atribuição de resolver tratados internacionais celebrados nos termos do art. 84, VIII, do atual texto constitucional brasileiro.

Por fim, mantidas as características contidas nas alíneas c e d para fins de proposta do novo sistema constitucional, criar-se-ia uma instância entre os poderes da República, o que não se coaduna com o princípio constitucional da independência dos poderes.

Sob outro prisma, a prévia aprovação para a denúncia do tratado, conforme a característica inserida na alínea f, antes transcrita, poderá impedir a denúncia do tratado no momento em que ele for descumprido por terceiros países ou organizações internacionais.

A aprovação prévia pelo Poder Legislativo, para que o tratado seja denunciado pelo Poder Executivo – presidente da República –, poderá demandar processo lento, cuja situação poderá trazer prejuízos ao Brasil, por não poder se valer da denúncia sem a prévia aprovação congressional.

Acentua-se, ainda, a desnecessária autorização prévia para a denúncia, posto que, se, para a celebração do tratado não se impõe essa exigência, também não se exigiria para a denúncia.

Essa reflexão e os demais aspectos (pressupostos, diretrizes e características) para um novo sistema normativo constitucional – recepção e incorporação dos tratados internacionais –, por certo, poderão corresponder a alternativas para superar o entrave (lacuna) constitucional respeitante à recepção e integração dos tratados internacionais no Direito Interno.

Contudo, essa desobstrução do ordenamento constitucional brasileiro sobre esse aspecto poderia solucionar o impasse quanto à recepção e integração dos tratados internacionais, mas não parece suficiente para resolver as demais problemáticas que envolvem o processo de integração.

É necessária a inclusão de dispositivo constitucional que reconheça a existência de ordenamento jurídico comunitário autônomo e vincule o Estado de forma material, e não apenas formal, ou seja, não como mero cumpridor das normas formais, mas sim como autor e responsável pela construção de um ordenamento jurídico autônomo de caráter comunitário que permitirá a reestruturação institucional no âmbito do Mercosul.

Acrescente-se também à proposta de inserção no texto constitucional de dispositivo que reconheça a existência desse sistema jurídico comunitário e autônomo um dispositivo constitucional material de compromisso quanto à lealdade na respectiva construção do sistema jurídico supranacional.

Contudo, para que a aprovação dessa proposta reste frutífera, é indispensável que medidas prévias sejam desencadeadas no interior do Estado, de modo que seja reservado ao Mercosul a importância como bloco econômico, semeando-se os ganhos que a sua consolidação trará para toda a sociedade e ao cidadão.

Para isso, estratégias de divulgação do Mercosul devem merecer especial destaque na mídia para que a sociedade tenha o real conhecimento dos objetivos, dos projetos, dos êxitos alcançados desde a sua criação e das expectativas para o futuro. É preciso, ainda, demonstrar os ganhos que o fortalecimento do bloco poderá proporcionar à sociedade e ao cidadão.

Como meio de divulgação e formação de cultura, sugere-se também a inserção de conteúdo sobre o Mercosul nos currículos escolares, de maneira que se alcancem, no interior de cada Estado, os meios para uma caminhada segura quanto ao futuro do bloco.

Considerando essa base sólida de aculturação, o legislador certamente terá interesse em promover alterações no texto constitucional em torno de um novo contexto de vinculação material do Estado para a construção de uma ordem jurídica comunitária que se sobreponha ao Direito nacional.

4.2.3 Do ordenamento constitucional do Uruguai

A Constituição da República do Uruguai contém dispositivos que dificultam os avanços na implementação do processo de integração do Mercosul, cujo texto parece refletir desinteresse na conformação de um sistema comunitário.

A Carta Constitucional do Uruguai, que data de 1967, passou por reformas, mas estas não foram suficientes para tornar o seu texto favorável ao intuito integrativo. A inserção desse país na nova realidade internacional restou postergada no texto constitucional.

Quanto à soberania, o art. 4º da Constituição uruguaia, implicitamente, confere-lhe conceito absoluto, verbis: "Artículo 4º La soberania en toda su prenitude existe radicalmente en la Nación, a la que compete el derecho exclusivo de establecer seus leyes, del modo que más adelante se expresará".

E, por todo o texto constitucional uruguaio, não se antevê qualquer hipótese de relativização do conceito de soberania, não se cogitando da autorização para a criação de organizações internacionais de caráter supranacional.

Em relação ao processo de integração, o texto constitucional uruguaio sinaliza com o intuito integrativo com os Estados latino-americanos, estabelecendo, entretanto, prioridades para a sua efetivação, como a que se refere aos produtos e às matérias-primas.

Quanto aos tratados internacionais, a Constituição uruguaia estabelece a forma de arbitragem ou outro meio pacífico de solução ante o surgimento de eventual litígio que deles decorrerem, conforme o art. 6º, verbis:

Artículo 6º En los tratados internacionales que celebre la República propondrá la cláusula de que todas las diferencias que surjan entre las partes contratantes, serán decididas por el arbitrage u otros médios pacíficos. La República procurará la integración social y econômica de los Estados Latinoamericanos, especialmente en lo que se refiere común de sus productos y matérias primas. Asi mismo, proponderá a la efectiva compementación de sus servicios públicos.

A competência para celebrar tratados internacionais está retratada no art. 168 da Carta Constitucional do país, a qual cabe ao presidente da República, dependendo da ratificação e aprovação pelo Poder Legislativo para efeito de incorporação no ordenamento nacional.

Artículo 168. Al Presidente de la República, actuando com ele Ministros respectivos, e com ele Consejo de Minstros, corresponde:

[...] 20) Concluir y suscribir tratados, necesitando para ratificarlos la aprobación del Poder Legislativo.

Não há dispositivo constitucional quanto à incorporação das normas emanadas dos órgãos internacionais ou de integração.

Nesse contexto, o entrave constitucional se estabelece, considerando a carência no texto da possibilidade de delegação de parte da soberania a instituições supranacionais, ainda que esta delegação se restrinja ao âmbito do bloco, assim como da previsão quanto à hierarquia a ser ocupada pelos tratados internacionais que se incorporarem ao Direito Interno do Uruguai.

4.2.4 Do ordenamento constitucional da Argentina

A Carta Constitucional da Argentina atualmente em vigor contempla a reforma constitucional realizada em 1994, considerada a mais ampla de todos os tempos.

Nessa reforma, foram inseridos temas que conferem competências ao Congresso Nacional relacionadas ao processo de integração, à disciplina do processo de aprovação dos tratados, à hierarquia dos tratados e das normas deles decorrentes e à possibilidade de criação de instituições supranacionais.

O item 22, do art. 75, da Constituição argentina diz o seguinte, verbis:

Art. 75. Corresponde al Congresso:

[...] 22 – aprobar o desechar tratados concluídos com las demás naciones y com las organizaciones internacionales y los concordatos com la Santa Sede. Los tratados y concordatos tinen jerarquía superior a las leyes.

Quanto ao processo de integração, o texto constitucional argentino tratou desse processo em dispositivo específico, que trata da possibilidade de delegação de poderes supranacionais a organizações internacionais de caráter supranacional. Entre as atribuições do Congresso Nacional do país, encontra-se inserida essa competência, desde que em condições de reciprocidade e igualdade, a saber:

Art. 75. Corresponde al Congresso:

[...] 24 – Aprobar tratados de integración que deleguem competências y jurisdicción a organizaciones supraestatales em condiciones de reciprocidad e igualdad, y que respeten el orden democrático y los derechos humanos. Lãs normas dictadas em su consecuencia tienen jerarquía superior a las leys.

Esse dispositivo é reservado especificamente aos tratados de integração, que, por assim dizer, autorizam a transferência de soberania a instituições supranacionais. Todavia, o seu teor somente poderá ter aplicação quando os demais parceiros do Mercosul adequarem os seus textos constitucionais, de modo a se criarem os organismos internacionais de caráter supranacional.

Outra especificidade é que ao texto constitucional argentino foram conferidas as condições que devem nortear esse tipo de tratado de integração, mediante a observância dos princípios da reciprocidade, da igualdade e, sobretudo, da democracia, cujas características são a mola propulsora do processo de integração.

O conteúdo do item 24 do art. 75 somente terá efeito prático quando todos os países do Mercosul conferirem seus textos constitucionais permissivo para a criação de instituições supranacionais, sucedendo-se a criação por meio de tratado de integração, mediante a observância dos princípios da igualdade e reciprocidade.

Dessa forma, a Carta Constitucional argentina favorece o processo de integração, constituindo-se em facilitador desse processo.

4.2.5 Do ordenamento constitucional do Paraguai

A Constituição paraguaia vigente, promulgada em 1992, ou seja, um ano após a assinatura do Tratado de Assunção, em março de 1991, na capital do país, possui tendências mais acentuadas ao favorecimento do processo de integração, pois contempla novas formas de atuação do Mercosul, ao autorizar expressamente a criação de instituições de caráter supranacional.

O art. 143 do mandamento constitucional paraguaio refere-se às relações internacionais, acenando que "La República del Paraguay, em sus relaciones internacionales, acepta el derecho internacional".

O texto constitucional do Paraguai estipula, em vários dos seus dispositivos, o mecanismo de incorporação e a hierarquia ocupada pelos tratados internacionais no âmbito do Direito Interno, de sorte a registrar enfaticamente, em seu capítulo I e II – neste com especificidade quanto às relações internacionais –, o regramento do tema retratado em sua lei maior, a Constituição.

Quanto à ordem jurídica supranacional, o texto constitucional paraguaio autoriza a delegação de soberania a organizações supranacionais, ao expressar em seu art. 145, verbis:

La República del Paraguay, en condiciones de igualdad con otros Estados, admite un orden jurídico supranacional que garantice la vigência de los derechos humanos, de la paz, de la justicia, de la cooperación y del desarollo, em lo político, econômico, social y cultural'' e prossegue sinalizando que "Dichas decisiones sólo podrán adoptarse por mayoria absoluta de cada Cámara del Congreso.

Esses aspectos induzem ao entendimento de que a Carta Constitucional do Paraguai retratou o intuito integrativo, quer no âmbito internacional, quer no âmbito regional, porque estabeleceu em capítulos específicos matéria inerente, autorizando a delegação de poderes a instituições de caráter supranacional e a sistemática de incorporação dos tratados internacionais e a sua hierarquia ao Direito Interno. Isso constitui aspecto facilitador ao processo de integração.

4.3 Intergovernamentalidade e supranacionalidade: os textos constitucionais

O Tratado de Assunção, que constituiu o Mercosul, complementado pelo Protocolo de Ouro Preto, foi concebido com base no modelo intergovernamental, como único modelo passível de ser adotado para o bloco.

Na ocasião da assinatura do Tratado de Assunção, as Cartas Constitucionais dos Estados membros que formaram o Mercosul não contavam com dispositivos que permitissem a opção pelo modelo supranacional, haja vista que, em nenhum dos ordenamentos internos, havia autorização para a delegação de poderes a instituições de caráter supra-estatal.

O Tratado de Assunção, em seu Capítulo I, estabelece os propósitos, princípios e instrumentos do Mercosul. O art. 1º sinaliza: "O compromisso dos Estados Partes de harmonizar suas legislações, nas áreas pertinentes, para lograr o fortalecimento de integração", mas não menciona, de forma expressa, qual seria essa conformação do ordenamento jurídico interno de cada Estado que necessitaria ser levada a efeito.

O Protocolo de Ouro Preto, adicional ao Tratado de Assunção, sobre a estrutura institucional do Mercosul manteve, em seu art. 2º, a estrutura orgânica com capacidade decisória, originariamente composta pelo CMC, GMC e acrescinta pela CCM, e estabelece que esses órgãos decisórios devem possuir natureza intergovernamental.

Para Luiz Olavo Babtista, citado por Accioly (2003, p. 167), o caráter transitório do tratado que instituiu o Mercosul demarca a passagem do regime existente para o do mercado comum, considerando que, ao se consolidarem os objetivos deste último, os atos constitutivos então por ele emanados devem ser substituídos por aqueles exarados na origem da constituição do bloco.

E continua: "Essa precariedade é marcada pela expressão de tratado para a constituição e não de constituição de um Mercado Comum e pelo fato de que ao se cumprirem as etapas do Programa de Liberação Comercial, este se esgota" (ACCIOLY, op. cit., p. 167, grifos da autora).

Por esse entendimento, poder-se-ia deduzir que o Tratado de Assunção, que se encontra atualmente na fase de união aduaneira incompleta, continua a ter aspectos fáticos de transitoriedade, por não terem sido esgotadas todas as etapas que levam ao mercado comum.

Quanto aos aspectos que envolvem os textos constitucionais dos Estados membros e tomando-se como paradigma o brasileiro, Gussi (2006, p. 127) comenta que, após período de ditadura, o texto foi construído com base em compromissos políticos. Várias pressões políticas contribuíram para os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, de modo que o resultado retrata os respectivos interesses.

Critica esse autor que tal construção pareceu representar um sinal de falta de habilidade política, que compromete a governabilidade, embora alguns defendam-na como exercício democrático.

Apontando como paradigma o exemplo europeu, ainda afirma que os textos constitucionais dos Estados membros não foram capazes "[...] de fornecerem bases jurídicas para um consenso interno nos membros do bloco. Longe estariam, portanto, de contribuir com a consolidação de um consenso mais amplo em nível supranacional" (GUSSI, op. cit., p. 126).

Nesse sentido, pode-se reforçar o entendimento de que os entraves enfrentados ainda nos dias atuais estão presentes na própria ordem constitucional dos Estados que integram o Mercosul, sem, contudo, afastar-se a idéia de que tem fundo político a ausência de avanços nos textos, que permitam maior abertura ao mercado globalizado.

Após a assinatura do Tratado de Assunção, em 1991, os textos constitucionais do Paraguai e da Argentina, por ocasião de suas revisões, ocorridas em 1992 e 1994, respectivamente, autorizaram a delegação de competência a organismos supranacionais, o que viabiliza a integração no campo jurídico e admite a supremacia da ordem supranacional sobre a nacional.

Sobre essa delegação, ambas as Constituições inserem em seus textos condicionantes de reciprocidade em relação aos demais Estados.

Sobre o assunto, confira, como exemplo, o texto constitucional paraguaio:

Artículo 145. DEL ORDEN JURÍDICO SUPRANACIONAL

La República del Paraguay, en condiciones de igualdad con otros Estados, admite un orden jurídico supranacional que garantice la vigencia de los derechos humanos, de la paz, de la justicia, de la cooperación y del desarollo, em lo político, económico, social y cultural.

Dichas decisiones solo podrán adoptarse por mayoría absoluta de cada Cámara del Congreso.

O tema da delegação de poderes a organismos internacionais, de âmbito geral ou regional, sequer é tocado nos textos constitucionais do Brasil e do Uruguai, permanecendo omissos até os dias atuais quanto à possibilidade de criação de órgãos de caráter supranacional. Isso demonstra que esses países se mostram acanhados e reticentes sobre o tema da cessão de parte da soberania interna, não obstante a proposta [21] de alteração do art. 4º da Constituição Federal do Brasil, encaminhada no âmbito do Poder Legislativo em 1994, sem, contudo, sofrer aprovação.

A respeito do critério intergovernamental adotado pelo Mercosul no Protocolo de Ouro Preto, Jorge Perez Otermin, citado por Accioly (op. cit., p. 168), escreve:

Lo cierto es que el critério que ha imperado, pero por cierto no unánimente deseado, há sido y lo sigue siendo – incluso en el Protocolo de Ouro Preto –, el negarle al proceso de integración el menor viso de supranacionalidad. Esta posición ha sido sostenida principalmente por Brasil, argumentando em impedimentos de orden constitucional.

Assim, a ausência de permissivo constitucional para a criação de instituições supranacionais no âmbito do bloco afigura-se como entrave jurídico ao processo de integração, cuja transposição precede a implementação de ações conjuntas entre os governantes dos Estados. A superação desses entraves contará com estratégias conjuntas entre as diferentes esferas dos Poderes e a ampla discussão da sociedade, de modo a propiciar a implementação de ordenamento legal que dê suporte à criação do modelo de estrutura institucional que melhor se amolde à realidade do Mercosul.

Para tanto, os traços da CE representam apenas um dos caminhos a serem seguidos para a reconstrução da estrutura institucional, mas não são os únicos, pois as peculiaridades e assimetrias em torno dos países do Mercosul – que conta com grandes perspectivas de ampliação com a adesão de outros países da América Latina – poderão requerer modelo próprio que atenda aos intentos dos seus integrantes.

4.4 Tribunal supranacional – perspectivas: uma abordagem segundo o texto constitucional brasileiro

A Constituição brasileira, em seu art. 5º, inc. XXXV, expressa que "[...] a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito" e, no seu art. 92, enumera os órgãos que compõem o Poder Judiciário.

Esses dispositivos constitucionais, segundo a maioria dos doutrinadores, constituem vedação à criação de instituições de caráter supranacional no âmbito do bloco, notadamente de um Tribunal de Justiça supranacional, pois haveria a necessidade de o texto constitucional brasileiro prever a existência de um órgão judicial supranacional com predomínio sobre a estrutura do Poder Judiciário dos Estados membros do Mercosul.

Nessa linha de entendimento são as preliminares de Luiz Olavo Baptista, citado por Accioly (op. cit, p. 169):

Do ponto de vista jurídico, parece haver obstáculos, ao menos do ponto de vista da Constituição brasileira.

Será preciso que ela admita a existência de um órgão judicial supranacional, que predomine sobre a estrutura do Poder Judiciário.

Nós não podemos de modo nenhum ignorar a nossa realidade sociológica. E nesta, o corporativismo impera. Na medida em que se disser que sobre as Cortes Supremas dos quatro países se erguerá uma outra Corte, que terá o poder de revogar as decisões dessas, imediatamente veremos o corporativismo judicial pôr-se em ação e reagir ante a ameaça de um poder mais alto. Será preciso, então, que o processo de educação que nascerá através da prática da Corte Arbitral (...) e dos mecanismos de integração em geral, venha a demonstrar a necessidade e a utilidade de vir a se constituir a Justiça do Mercosul, que não será superior à Justiça de cada um dos países, se não naquelas matérias da sua exclusiva competência, isto é, verificar a interpretação e a atuação que se dá a normas comunitárias.

O autor tem razão na premissa adotada, mas não nos seus fundamentos, pois a proposta quanto à criação de um Tribunal de Justiça supranacional não necessariamente levará a uma reação caracterizada pelo corporativismo judicial.

A composição da estrutura funcional judicante de um Tribunal de Justiça supranacional poderia ser integrada por magistrados dos órgãos do Poder Judiciário de cada Estado membro, os quais se poderiam desincumbir melhor de seu mister, pela sua preparação técnica para o exercício judicante numa corte internacional. A composição da estrutura do tribunal poderia adotar como paradigma o exemplo muito bem-sucedido da CE.

Segundo Accioly (op. cit., p. 168), os principais entraves para a integração estão contidos no art. 5º, XXXV, e no art. 92 da Constituição Federal brasileira. Consoante aquele dispositivo, "[...] a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito", enquanto este estabelece, de forma taxativa, quais são os órgãos que compõem o Poder Judiciário, não prevendo qualquer possibilidade de instituição de poder supranacional.

Para a ministra e atual presidente do STF, Elen Gracie Northfleet, citada por Accioly (op. cit., p. 168), os arts. 5º, inc. XXXV, e 92 da Constituição brasileira não configuram impedimento à criação e regular funcionamento de um tribunal supranacional, verbis:

Em primeiro lugar porque, a alguns desses organismos já existentes o Brasil somente empresta reconhecimento, como também concorre ativamente para a sua formação, como é o caso do Tribunal Internacional de Haia, de cuja composição participa o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Francisco Rezek, e o Tribunal dos Direitos Humanos da Costa Rica, onde tem assento o prof. Cançado Trindade, da UnB. Em segundo lugar, porque a existência dessas cortes não afasta nem impede o acesso aos tribunais nacionais. E, por último, porque a existência de um tribunal supranacional não implica qualquer tipo de subordinação da estrutura judiciária nacional. Aos juízes nacionais [assim é no sistema da Comunidade Européia, exemplo bem-sucedido que deverá servir-nos de modelo] compete a aplicação do direito derivado dos tratados, sendo-lhes facultada a consulta, sob a forma de reenvio, ao órgão comunitário, que tenha por missão a interpretação do Tratado, com visão mais ampla e desligada de vises nacionais, de modo a garantir que se atinja o objetivo inscrito entre os princípios fundamentais da Constituição Federal: "A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

As razões citadas não justificam a ausência de impedimento constitucional para a criação de instituições supranacionais, embora das afirmativas da ministra se deduza, com muita propriedade, a realidade do Poder Judiciário brasileiro diante de órgãos comunitários, assim exemplificados como tribunais supranacionais.

Diante da polêmica, a inserção, no texto constitucional brasileiro, de previsão que conduza à induvidosa interpretação quanto à possibilidade de criação de instituições supranacionais no bloco permitirá que os Estados membros promovam a rediscussão da estrutura institucional criada pelo Protocolo de Ouro Preto [22].

Isso consistiria na tentativa de buscar a efetiva implantação das quatro liberdades (livre circulação de bens, de serviços, de pessoas e de capitais) que caracterizam o Mercosul, assim previstas no Tratado de Assunção, de modo a se harmonizar e adequar a legislação aos objetivos do bloco.


5 OS TRATADOS INTERNACIONAIS E AS NORMAS DO MERCOSUL – RECEPÇÃO E INTEGRAÇÃO NO DIREITO INTERNO – ANÁLISE CONSTITUCIONAL

Este capítulo destina-se a delinear a forma com que se incorporam os tratados internacionais no ordenamento nacional. Para isso é realizada análise comparada dos textos constitucionais de cada Estado membro do Mercosul, de modo a permitir a identificação dos entraves que, em cada um deles, atravancam o processo de integração regional, seja pela sua redação expressa, seja pela omissão constitucional.

A identificação desses entraves constitui o primeiro passo para o entendimento de como buscar substituí-los por facilitadores constitucionais, para que o Mercosul possa alcançar seus objetivos.

Nesse sentido, são apontadas algumas propostas que podem afastar os entraves do texto constitucional brasileiro.

A Venezuela foi recentemente incluída no Mercosul. O texto constitucional desse país conta com análise em tópico específico.

5.1 Da recepção e integração dos tratados internacionais - hierarquia - segundo os textos constitucionais

5.1.1 Da Constituição da Argentina

O tema relacionado à hierarquia dos tratados internacionais é disciplinado pelo texto constitucional argentino, de modo que esses instrumentos firmados com as demais nações e organizações internacionais ocupam posição superior às demais leis internas, conforme previsão contida na parte final do preâmbulo do item 22 do art. 75 da citada Carta constitucional.

A inovação constitucional provoca o reconhecimento de juristas argentinos, como é o caso do professor Ernesto J. Rey Card, citado por Dallari (2003, p.36): "[...] el acerto de los constituyentes es innegablle". Para o citado jurista, a expressa disposição constitucional evita que uma questão tão transcendente como a da hierarquia dos tratados internacionais fique na dependência de interpretação judicial.

A Constituição argentina confere tratamento distintivo aos tratados internacionais. O item 22 do art. 75 insere o rol dos tratados internacionais concluídos com as demais nações e com as organizações internacionais, os quais são submetidos à aprovação congressional, a saber:

La Declaración Americana de los Derechos y Deveres del Hombre; la Declaración Universal de Derechos Humanos; la Convención Americana sobre Derechos Humanos; el Pacto Internacional de Derechos Econômicos, Sociales y Culturales; el Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos y su Protocolo Facultativo; la Convención sobre la Prevención y la Sanción del Delito de Genocídio; la Convención Internacional sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminación Racial; la Convención sobre la Eliminación de todas las Formas de Discriminación contra la Mujer; la Convención contra la Tortura y otros Tratos o Penas Crueles, Inhumanos o Degradantes; la Convención sobre los Derechos del Nino; en las condiciones de su vigencia, tienem jerarquía constitucional, no derogan artículo alguno de la primera parte de esta Constitución y deben entenderse complementarios de los derechos y garantias por ella reconocidos. Solo podrán ser denunciados, em su caso, por el Poder Ejecutivo nacional, previa aprobación de las dos terceras partes de la totalidad de los miembros de cada Cámara. Los demás tratados y convenciones sobre derechos humanos, luego de ser aprobados por el Congresso, requerirán del voto de las dos terceras partes de la totalidad de los miembros de cada Cámara para gozar de la jerarquía constitucional.

A adoção da citada fórmula de inserção no texto constitucional causa certa controvérsia entre os constitucionalistas argentinos em relação à solução a ser dada quando do surgimento de conflitos entre tratado internacional e legislação interna.

A professora Zlata Drnas de Clément afirma, a princípio, que "sin lugar a dudas en caso de colisón entre instrumentos internacionales con rango constitucional y la Constitución y planteado el caso ante un juez estatal las disposiciones internacionales cederían ante las constitucionales" (apud DALLARI, op. cit., p. 37).

Esse entendimento, segundo aponta Dallari, estaria respaldado no art. 27 da Constituição argentina, mediante o qual a recepção dos tratados internacionais está condicionada à observância e conformidade dos princípios de direito público consagrados na ordem constitucional daquele país.

Quanto aos tratados internacionais de direitos humanos, Clément admite a possibilidade de prevalência de tratado internacional que contemple disposições favoráveis ao ser humano em face de eventual hipótese de o Estado vir a restringir esses direitos.

Já a redação do item 24 do mesmo artigo refere-se aos tratados de integração que delegam competência e jurisdição a organizações supranacionais em condições de reciprocidade e igualdade e que respeitem a ordem democrática e os direitos humanos.

Nesse dispositivo não há menção sobre a hierarquia que devem ocupar os tratados de integração, apenas se refere às normas ditadas pelas organizações supranacionais criadas por força do tratado de integração, como é o caso do Mercosul. Essas normas se sobrepõem às demais leis internas. Contudo, conjugando a interpretação dos itens 22 e 24 do art. 75, entende-se que esses tratados ocupam idêntica posição no ordenamento jurídico interno dos tratados internacionais gerais, ou seja, ocupam patamar superior ao das leis internas, equiparando-se à Constituição.

Outra especificidade do texto constitucional argentino, inserido no item 24 do art. 75, é a forma de aprovação e de denúncia que deve ser seguida para os tratados de integração celebrados com países da América Latina, do que se infere que o texto constitucional diferencia os tratados de integração dos demais tratados internacionais celebrados com outros países ou organizações.

Dessa forma, o texto constitucional argentino avançou em vários de seus dispositivos em prol das expectativas objetivadas pelo Mercosul.

A transposição para o Direito interno argentino dos tratados internacionais firmados com Estados latino-americanos e as normas que deles derivam se dariam com maior celeridade, eficácia e segurança jurídica, se fosse cumprida por todos os integrantes do bloco a harmonização da legislação interna, propiciando, assim, reciprocidade e igualdade no tratamento interbloco.

Do princípio da reciprocidade que norteia o processo de integração, os avanços somente poderão consolidar-se com base no cumprimento do compromisso assumido pelos Estados membros quanto à conformação do ordenamento jurídico nacional aos propósitos do bloco, sob pena de se tornarem inócuas as modificações introduzidas nos textos constitucionais por alguns países, como a Argentina e o Paraguai.

5.1.2 Da Constituição do Paraguai

A hierarquia ocupada pelos tratados internacionais no Direito Interno do Paraguai encontra-se disciplinada no art. 137 do seu texto constitucional, que afirma o princípio da supremacia constitucional e seleciona, em ordem de prelação, os tratados, convênios e acordos internacionais aprovados e ratificados, conferindo-lhe patamar hierárquico superior ao das leis e disposições jurídicas internas. O art. 137 dispõe, verbis:

La ley suprema de la República es la Constitución. Esta, los tratados, convenios y acuerdos internacionales aprobados y ratificados, las leyes dictadas por el Congresso y otras disposiciones jurídicas de inferior jerarquia, sancionadas em consecuencia, integram el derecho positivo nacional en el orden de prelación enunciado.

Em capítulo específico, o texto constitucional paraguaio reforça as fases a serem seguidas para efeito de transposição dos tratados internacionais para o Direito Interno e remete ao art. 141 a hierarquia por eles ocupada.

Nesse sentido, confira o art.141, que assim dispõe:

Los tratados internacionales validamente celebrados, aprobados por ley del Congresso, y cuyos instrumentos de ratificación fueram canjeados e depositados, forman parte del ordenamento legal interno con la jerarquía que determina el Artículo 137.

Não dispondo especificamente, a constituição paraguaia, sobre a hierarquia que ocupariam os tratados de integração, infere-se que estes se assemelham, para tais efeitos, à hierarquia prevista no art. 137, encontrando-se, portanto, em posição superior as leis internas do Paraguai e inferior à Constituição.

A valorização conferida pelo texto constitucional paraguaio aos tratados internacionais encontra ressonância na doutrina. Todavia, para Nascimento (2004, p.64), os tratados internacionais ocupam posição equivalente à Constituição do Paraguai. Veja o que diz essa autora:

Ressalte-se, portanto, a força hierárquica de um tratado ratificado, no ordenamento jurídico paraguaio. É equiparado à Constituição Federal e, portanto, suas disposições deverão prevalecer sobre as demais normas internas [...].

Embora se concorde com a valorização conferida pelo texto constitucional paraguaio aos tratados internacionais, notadamente aqueles relacionados aos direitos humanos, é de ser divergir da generalidade da conclusão adotada por essa autora.

É que, segundo o disposto nos arts. 137 e 141, ambos da Constituição paraguaia, outro é o entendimento, qual seja de que o tratado internacional, ao ser incorporado no ordenamento jurídico interno, ocupa posição hierarquicamente inferior à Constituição e superior à lei ordinária, de modo que não se encontra equiparado à Constituição daquele país.

5.1.3Da lacuna da Constituição do Uruguai

A ausência de avanços no texto constitucional uruguaio quanto ao intuito integrativo regional, mesmo tendo passado por sucessivas reformas, como em 1989 e 1994, não possibilitou a incorporação dos tratados internacionais no Direito Interno do Uruguai.

A única disposição prevista no texto constitucional quanto aos tratados internacionais resume a do art. 6º, porém sem conter qualquer conteúdo expresso sobre a hierarquia ou mesmo a incorporação desses tratados.

O texto desse dispositivo remete o controle constitucional dos tratados internacionais à Suprema Corte de Justiça do Uruguai, conforme consta do art. 239, inciso I, da Constituição uruguaia.

Diante dessa competência constitucional e em razão do aparecimento do conflito entre tratado internacional e lei interna, a Suprema Corte de Justiça do Uruguai adotou entendimento mais receptivo quanto à incorporação dos tratados internacionais no Direito Interno, consoante Herber Arbuet Vignalli e Jean Michel Arrighi, citados por Dallari (op. cit., p. 40):

No tocante à oposição entre um tratado e uma lei posterior, e salvo algumas exceções, a Corte reiterou que apesar de não se ter consagrado a preleção dos tratados internacionais, estes também prevaleceriam sobre qualquer outra norma nacional contrária – ainda que fosse posterior – pois estes – que são a fonte mais importante do Direito Internacional – possuem uma eficácia superior à lei interna dos Estados signatários; pelo que, no caso de conflito entre um e outro, prevalecerá o tratado.

Posicionamento diverso é retratado por Kerber (2001, p. 109), ao comentar, verbis:

Em 1990, essa Corte Suprema de Justiça firmou posição de que uma lei posterior poderá derrogar as normas de um tratado, do contrário a Constituição seria violada, uma vez que ficaria o Parlamento impedido de editar uma norma contrária a um tratado que ele mesmo havia aprovado, devendo ainda derrogar todas as leis anteriores.

Este último entendimento afirma o princípio do primado constitucional e reforça a observância do princípio da repartição dos poderes do sistema federativo. O sistema federativo encontra-se previsto constitucionalmente. Ao Poder Legislativo cabe o papel legiferante como representante da vontade popular, em respeito ao princípio da divisão dos poderes e ao estado democrático de direito.

Por essa razão, a posição adotada pela Corte Suprema uruguaia é a que mais se coaduna com o estado democrático de direito, ainda que ela possa permitir que uma lei posterior venha a derrogar tratado internacional já incorporado no ordenamento jurídico nacional, o que poderá implicar o seu descumprimento no Direito Interno e a conseqüente responsabilização do Estado.

É essa mesma linha que segue a jurisprudência do STF, atualmente válida no ordenamento jurídico brasileiro. A lacuna presente no texto constitucional do Uruguai configura entrave ao fortalecimento do processo integrativo regional.

A proposta para a desobstrução do ordenamento jurídico paraguaio seria o mesmo conferido ao texto constitucional brasileiro, mediante a devida sistematização normativa que trata do tema da recepção e integração dos tratados internacionais no Direito doméstico.

5.1.4 Da lacuna da Constituição do Brasil: uma análise baseada na jurisprudência

A Carta Constitucional brasileira, promulgada em 1988, isto é, antes da constituição do Mercosul, que se deu com o advento do Tratado de Assunção, assinado em 1991, não contou com alterações em seu texto no que se refere às suas relações internacionais.

Por isso o referido texto carece de disposições que regulem, de forma expressa, a sistemática de integração das normas e dos tratados internacionais gerais, a forma de incorporação das normas de integração emanadas dos órgãos do Mercosul e o tema relacionado à hierarquia ocupada, no Direito nacional, por esses tratados em face das demais normas internas.

A ausência de regramento constitucional expresso sobre o tema relativo à recepção e integração reclama interpretação dos doutrinadores, que nem sempre conferem entendimento uniforme ao tema.

A respeito desse assunto, assim se expressa Nascimento (2004, p.66):

Não obstante a Constituição Federal ser o texto legal supremo hierarquicamente superior às demais normas jurídicas no plano interno, não podemos olvidar que o Brasil é membro da comunidade internacional e, portanto, possui direitos e deveres com os demais Estados que a integram. Assim sendo, ao ratificar um tratado internacional, não pode, simplesmente, desrespeitá-lo sob o argumento de conter dispositivos contrários às normas de sua Constituição Federal, porque tal argumento contraria um costume internacionalmente aceito, no sentido de que nenhum Estado pode subtrair-se a uma obrigação jurídico-internacional invocando seu direito interno.

Segundo Rezek, não bastaria apenas a ratificação do tratado internacional para que se considere incorporado no ordenamento jurídico brasileiro, posto que a publicação do ato internacional é medida que se impõe como indispensável à convalidação da incorporação.

Em relação à hierarquia ocupada pelos tratados internacionais no Direito Interno, os quais, ao serem incorporados, passam a ostentar condição igualitária à legislação ordinária e submetem-se aos mesmos efeitos dela decorrentes, a doutrina de Luiz Roberto Barroso é clara ao afirmar:

A) Os tratados internacionais são incorporados ao direito interno em nível de igualdade com a legislação ordinária. Inexistindo entre o tratado e a lei relação de hierarquia, sujeitam-se eles à regra geral de que a norma posterior prevalece sobre a anterior. A derrogação do tratado pela lei não exclui eventual responsabilidade internacional do Estado, se este não se valer do meio institucional próprio de extinção de um tratado, que é a denúncia. B) O tratado celebrado na vigência de uma Constituição e que seja com ela incompatível, do ponto de vista formal (extrínseco) ou material (intrínseco), é inválido e se sujeita à declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum, por qualquer órgão judicial competente, sendo tal decisão passível de revisão pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de recurso extraordinário. O tratado que se encontrar em vigor quando do advento de um novo texto constitucional, seja este fruto do poder constituinte originário ou derivado, será tido com ineficaz, se for com ele incompatível. (apud DALLARI, op. cit., p.108)

A segunda diretriz apontada pelo autor decorre do princípio da especialidade da lei. Ele explica que

[...] o tratado internacional, se dotado do atributo da especialidade, prevalece em face da lei interna de abrangência geral, mas é superado, se norma geral, por aquela de sentido especial. Assim, tratado internacional e lei interna convivem no âmbito da ordem jurídica brasileira e, do ponto de vista hierárquico equiparam-se, prevalecendo, em caso de disposições antagônicas, a norma mais recente, configurando-se a aplicação do princípio lex posterior derogat priori, ou, então, a norma especial em face da de índole geral. (apud DALLARI, op. cit., p.109).

Esse entendimento foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e consolidado na década de 1970, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 80.004, no qual se discutiu o conflito entre a Lei Uniforme de Genebra sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias, tratado devidamente promulgado no Brasil, e o Decreto-Lei nº 427/69, de autoria da Presidência da República. Para o STF o tratado internacional, uma vez incorporado no Direito Interno, tem valor jurídico igual ao da lei ordinária, podendo, portanto, sua aplicabilidade ser afastada em virtude de lei federal nova, quando aquele com esta conflitar.

A decisão do STF representou a recepção plena do tratado internacional, sem, no entanto reconhecer-lhe status supralegal, optando-se, assim, segundo a distinção kelseniana, por uma posição monista nacionalista.

Entre os que são contrários ao entendimento do STF, encontra-se Casella, que, mesmo reconhecendo a realidade quanto à ausência de fórmula clara no Direito brasileiro para a incorporação dos tratados internacionais, afirma ser "[...] impensável admitir, como arbitrariamente se pratica entre nós, que a lei interna posterior aleatoriamente revogue ou altere normas decorrentes de tratado internacional" (apud DALLARI, op. cit., p.109).

A crítica de Nascimento (2004, p. 66) fundamenta-se na premissa de que o STF "[...] parece não considerar as sanções de Direito Internacional, que poderão advir para o Estado que violar suas obrigações internacionais, posto que um tratado em vigor, perante o Direito Internacional, somente deixa de ser obrigatório, ao Estado que o ratifica, mediante a denúncia".

Recentemente o STF vem novamente manifestar-se sobre esse tema quando, em 1998 - conforme fundamentos do Acórdão proferido no ARCR nº 8.279-4 -, enfrenta o assunto. Essa recente manifestação jurisprudencial, contudo, não altera a conclusão quanto à equiparação do tratado internacional à lei ordinária.

Não obstante, os fundamentos desse acórdão são examinados em tópico específico – "Dos contornos da Constituição brasileira – uma abordagem baseada nos fundamentos da recente jurisprudência do STF" - haja vista que o seu conteúdo é bastante elucidativo acerca desse dilema.

5.2 Da recepção e integração das normas emanadas sob a égide do Mercosul – uma abordagem a partir do Direito Interno

5.2.1 Do tratamento jurídico interno – Argentina, Paraguai e Uruguai

Este tópico cuida dos aspectos relativos ao ordenamento jurídico nacional quanto à incorporação das normas emanadas dos órgãos do Mercosul, das peculiaridades constantes dos textos constitucionais acerca do tema e dos aspectos caracterizadores de entraves ao processo de integração.

Com relação ao direito originário, Hargain y Mihali, citados por Nascimento (2004, p. 57-58), ensinam que a solução interna é similar para os quatro países – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – ou seja, dependem de aprovação legislativa aplicada aos tratados solenes. Já quando se trata de normas de Direito derivado, os autores mencionados fazem distinção quanto ao seu tratamento interno, verbis:

Cuando se trata Del derecho originário – Tratado de Asunción, Protocolos, Acuerdos, etc. –, la solución interna es la misma en los cuatro países; se requiere aprobación de los respectivos Parlamentos. Lo mismo sucede respecto de normas derivadas referidas a temas que han sido objeto de "reserva de ley" en la Constitución.

El resto de los preceitos creados por los órganos Del Mercosur, en cambio, se internan mediante Actos Administrativos, que revisten diferentes características según el país de que se trate.

Em outras palavras, as normas originárias (Tratado de Assunção, protocolos, acordos, etc.) seguem idêntica solução nos quatro países, incorporando-se ao Direito Interno mediante aprovação do Congresso de cada país.

Sobre o tratamento hierárquico conferido aos tratados internacionais e aos de integração, já se viu que há peculiaridades nos ordenamentos jurídicos internos, sobretudo em razão da interpretação dos textos constitucionais ou, na sua omissão, da interpretação jurisprudencial conferida ao tema.

Em relação às normas derivadas (diretivas, resoluções, etc.) dos órgãos do Mercosul, são internalizadas mediante atos administrativos, recebendo diferentes tratamentos internos, a depender da legislação de cada Estado membro do bloco.

Para os autores, essa internalização das normas no Direito argentino é realizada mediante decreto, desde que o conteúdo delas esteja abrigado na competência do Poder Executivo.

Em caso de delegação de competência em favor de um ministério ou outro órgão da administração com poderes de aprovar regulamentos vinculantes, como é o caso da "Administración Nacional de Aduanas", a incorporação no ordenamento jurídico da Argentina se faz mediante ato administrativo emitido pela autoridade. Uma vez publicado o ato no "Boletín Oficial de La República", o respectivo preceito torna-se obrigatório aos particulares.

A hierarquia das normas emanadas dos órgãos do Mercosul, segundo disciplina a parte final do item 24 do art. 75 da Constituição argentina, é de que elas se situam em patamar superior ao das demais leis internas.

O dispositivo em questão condiciona que essas normas decorram de tratados de integração que deleguem competência e jurisdição a organizações supranacionais em condições de reciprocidade e igualdade e respeitem a ordem democrática e os direitos humanos.

Entretanto, a ausência de celebração, até os dias atuais, de tratado de integração, na esfera do Mercosul, criando instituições de caráter supranacional que contemplem a competência especificada no dispositivo constitucional argentino em comento torna inócua a aplicabilidade do dispositivo constitucional.

Quanto à recepção das normas do Mercosul no ordenamento jurídico do Paraguai, Hargain e Mihali ensinam:

[...] em regra geral, a internalização das normas internacionais se opera por força de lei, sempre que versar sobre matéria constitucional. Excepcionalmente, entretanto, quando tratar-se de normas de estrito caráter comercial compreendidas no âmbito da Aladi, opera la delegación que el Poder Legislativo realizó al Ejecutivo, incluída en el instrumento creador de dicho instituto, podendo ser internalizadas através de decreto do Poder Executivo (apud NASCIMENTO, op. cit., p. 58).

Para Armando Álvares Garcia Júnior, não há dúvidas de que o Tratado de Assunção estaria posicionado hierarquicamente entre a Constituição e as leis ordinárias. Contudo, dúvidas pairam acerca das resoluções e diretivas adotadas no âmbito do Mercosul e de sua posição hierárquica no ordenamento jurídico interno. Confira o que diz o autor:

Do exposto, vê-se que o Tratado de Assunção está situado hierarquicamente entre a Constituição e as leis ordinárias. As decisões, resoluções e diretivas adotadas no âmbito do Mercosul não foram contempladas em expressões genéricas do tipo "regras oriundas de organizações supranacionais". Poder-se-ia argumentar que estariam elas compreendidas na vaga expressão "disposições jurídicas... sancionadas em conseqüência" do artigo 137, mas, neste caso, elas estariam abaixo da lei ("de inferior hierarquia") (Armando Álvares Garcia Júnior apud DALLARI, op. cit., p. 39-40).

Como afirmado em linhas pretéritas, o texto constitucional uruguaio não cuidou de matéria inerente à incorporação das normas internacionais e tampouco daquelas emanadas dos órgãos de integração, no presente caso o Mercosul. Todavia, a praxe no Uruguai determina que a incorporação se opera por meio de "[...] atos administrativos, sejam decretos do Poder Executivo, resoluções de ministros ou ‘ordenanzas’, que naquele país são espécies de decreto de âmbito municipal" (NASCIMENTO, op. cit., p. 59).

5.2.2 Dos contornos da Constituição brasileira – uma abordagem baseada na jurisprudência do STF

O texto constitucional brasileiro conforme destacado alhures retrata omissão quanto ao sistema de recepção e integração dos tratados e das normas internacionais, a exemplo daquelas firmadas sob à égide do Mercosul.

Em razão desta lacuna constitucional, o STF firmou jurisprudência para elucidar o impasse.

Conforme acórdão prolatado em 17 de junho de 1998, da lavra do ministro Celso de Mello do STF, que trata do julgamento do Agravo Regimental em Carta Rogatória nº 8.279, foi negado exequatur à carta rogatória encaminhada pela Justiça Federal da República Argentina, que contemplava providência jurisdicional pleiteada por pessoa jurídica argentina para ser aplicado o Protocolo de Medidas Cautelares.

Os fundamentos de mérito do acórdão que ora são trazidos são esclarecedores quanto ao tratamento jurídico interno brasileiro conferido a tratados internacionais, incluindo-se nestes os tratados e as normas firmadas sob a égide do Mercosul.

O relatório do acórdão citado assinala que o Protocolo de Medidas Cautelares aprovado pelo CMC do Mercosul em sua sétima reunião, realizada em Ouro Preto/MG, nos dias 16 e 17 de dezembro de 1994, e suscitado no julgamento, não se havia incorporado ao sistema do Direito Positivo Interno vigente no Brasil por ocasião da prolação da decisão agravada, muito embora tivesse sido aprovado pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo nº 192/95) e ratificado por depósito de ratificação ocorrido em 18 de março de 1997, faltando-lhe a respectiva promulgação, por decreto, pelo presidente da República.

Depreende-se dos fundamentos do acórdão que, enquanto não incorporado o ato de Direito Internacional Público – no caso o Protocolo de Medidas Cautelares, qualificado como típica convenção internacional de âmbito multilateral – ao Direito jurídico doméstico, não se achava concluído o procedimento constitucional de sua recepção pelo sistema normativo nacional.

Das razões de decidir o mencionado acórdão aponta a controvérsia doutrinária enfrentada em torno do monismo e dualismo, no plano do Direito Internacional Público, sem, contudo, deixar de acentuar:

[...] torna-se necessário reconhecer que o mecanismo de recepção, tal como disciplinado pela Carta Política brasileira, constitui a mais eloqüente atestação de que a norma internacional não dispõe, por autoridade própria, de exeqüibilidade e de operatividade imediatas no âmbito interno, pois, para tornar-se eficaz e aplicável na esfera doméstica do Estado brasileiro, depende, essencialmente, de um processo de integração normativa que se acha delineado, em seus aspectos básicos, na própria Constituição da República (ARCR 8.279-4, 1998, p. 57, grifos nossos).

Quanto aos princípios que regem o monismo e o dualismo, retrata como precisa a posição de João Grandino Rodas a respeito das teorias que justificam as relações entre Direito Internacional Público e Direito jurídico doméstico, a saber:

É corolário da teoria dualista a necessidade de, através de alguma formalidade, transportar o conteúdo normativo dos tratados para o Direito interno, para que estes, embora já existentes no plano internacional, possam ter validade e executoriedade no território nacional. Consoante o monismo não será necessária a realização de qualquer ato pertinente ao Direito interno após a ratificação.

Grande parte dos Estados, seguindo a concepção dualista nesse pormenor, prescreve sejam os tratados já ratificados incorporados à legislação interna através da promulgação ou simples publicação. (ARCR 8.279-4, 1998, p. 58)

O que desperta maior atenção é o tema correspondente à definição do momento, ou seja, o marco inicial em que as normas internacionais se tornam obrigatórias no plano jurídico interno, cuja hipótese ultrapassa a discussão sobre os princípios que regem o monismo e o dualismo, porquanto é por intermédio da Constituição da República que se deve estabelecer a questão que cuida da vigência doméstica dos tratados internacionais.

Partindo dessa premissa tem-se que:

[...] o sistema constitucional brasileiro – que não exige a edição de lei para efeito de incorporação do ato internacional ao direito interno (visão dualista extremada) – satisfaz-se, para efeito de executoriedade doméstica dos tratados internacionais, com a adoção do íter procedimental que compreende a aprovação congressional e a promulgação executiva do texto convencional (visão dualista moderada). (ARCR 8.279-4, 1998, p. 58)

Conforme ensina Rezek (2005, p. 50), a ratificação do tratado internacional é ato indispensável para a incorporação do tratado internacional no direito brasileiro, verbis:

Ratificação é o ato unilateral com que a pessoa jurídica de direito internacional, signatária de um tratado, exprime definitivamente, no plano internacional, sua vontade de obrigar-se.

Mas não basta unicamente a ratificação para que a incorporação do tratado no sistema de Direito Interno seja levada a efeito. É imprescindível que haja a congruência das vontades autônomas do Congresso Nacional e do Presidente da República, cujas deliberações individuais – embora necessárias – não se revelam suficientes, para isoladamente, gerarem a integração do texto convencional à ordem interna.

Para Rezek, a ratificação é o ato que exprime a confirmação do consentimento da vontade retratada no tratado e "[...] a ratificação se consuma pela comunicação formal à outra parte, ou ao depositário, no ânimo definitivo de ingressar no domínio jurídico do tratado" (op. cit., p. 55).

Consoante reconhecido nos fundamentos do acórdão antes citado, no sistema normativo brasileiro é na Constituição da República, e apenas nela, que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao ordenamento doméstico brasileiro.

A execução e a incorporação dos tratados internacionais à ordem jurídica nacional, segundo o texto constitucional brasileiro, decorrem da conjugação das vontades individuais e homogêneas de cada um destes poderes: o Legislativo, por meio do Congresso Nacional, ao resolver, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre os tratados, acordos ou atos internacionais, conforme competência que lhe é conferida, de forma expressa, pelo art. 49, I, da Constituição Federal; e o Poder Executivo, representado pelo Chefe do Estado – o Presidente da República – conforme a competência que lhe é conferida por força do disposto no art. 84, VIII, da Carta republicana, para celebrar os citados atos de direito internacional e também promulgá-los mediante decreto.

São imprescindíveis a promulgação e a publicação, por ordem presidencial, dos tratados celebrados pelo Brasil após a definitiva aprovação pelo Congresso Nacional, sob pena da absoluta ineficácia jurídica no plano doméstico.

Nesse sentido, leciona Rezek (op. cit., p. 40-41): "Um tratado regularmente concluído depende de sua publicidade para integrar o acervo normativo nacional, habilitando-se ao cumprimento por particulares e governantes, e à garantia de vigência pelo Judiciário".

Depreende-se dos fundamentos do acórdão antes citado que o sistema adotado pelo direito brasileiro para efeito de incorporação dos tratados internacionais gerais e dos tratados de integração é similar, subordinando-os ao Direito Internacional Público clássico, que abriga as convenções, os tratados ou os acordos de integração celebrados no âmbito do Mercosul.

Sinaliza o acórdão que a aplicabilidade das normas internacionais, no âmbito do Direito Interno, se sujeita aos condicionamentos previstos no texto da Constituição da República, que, neste ponto, "[...] não consagrou, em tema de convenções internacionais ou de tratados de integração, no âmbito comunitário, nem o princípio do efeito direto, nem o postulado da aplicabilidade imediata" (REZEK, op. cit., p.64).

Não possuindo os tratados e as convenções internacionais aplicação imediata no Direito brasileiro, as suas cláusulas não podem ser invocadas pelas partes, Estados ou particulares, no que se refere aos direitos e obrigações neles encartados.

Nesse contexto, pode-se dizer que a omissão constitucional pode implicar entrave ao processo de integração, designadamente porque os tratados internacionais ficam a mercê do cumprimento de todas as etapas que antecedem à incorporação, quando apenas nesta ocasião passam a ter validade jurídica no plano interno e externo.

Por outro lado, quanto ao princípio da incorporação imediata dos tratados internacionais no Direito brasileiro, mesmo que estes decorram da integração, não é recepcionado pela Constituição brasileira e, segundo o acórdão citado,

Esse princípio – peculiar aos sistemas de integração comunitária – viabiliza a aplicabilidade imediata das normas de direito internacional, tornando prescindível, para esse efeito, a adoção de qualquer mecanismo formal destinado a promover a incorporação, ao ordenamento positivo de cada Estado nacional, das cláusulas constantes dos tratados internacionais. (ARCR 8.279-4, 1998, p. 66)

Dessa forma, a aplicabilidade do Direito Internacional Público clássico é realidade presente no Direito Interno brasileiro, aplicabilidade não superada com o surgimento dos tratados internacionais de caráter comunitário, que se submetem aos mesmos procedimentos clássicos reservados à recepção dos tratados internacionais em geral.

Contudo, a norma inscrita no art. 4º, parágrafo único, da nossa Carta Constitucional, que encerra conteúdo meramente programático, não tem o condão de desviar a trajetória que vem sendo adotada para a transposição dos tratados, protocolos e convenções celebrados pelo Brasil no âmbito do Mercosul para o seu Direito Interno.

Sob o ponto de vista técnico-jurídico, há autores, como é o caso de Rezek, citado pelo julgado que estamos a nos referir, que entendem que, no Mercosul, ainda não existe um verdadeiro Direito comunitário, uma vez que as convenções celebradas sob a égide do bloco e considerando o seu atual estágio de desenvolvimento institucional, qualificam-se "[...] como instrumentos regionais de direito internacional público, sujeitos, por tal específica razão, ao procedimento formal de prévia recepção estatal" (REZEK, op. cit., p.70-71).

É certo que a análise dos fundamentos exarados pelo acórdão, pela riqueza dos seus detalhes quanto à problemática que aqui se estuda, permitiu reforçar o entendimento quanto à ausência de enfrentamento pelo ordenamento constitucional brasileiro do tema relativo à incorporação dos atos internacionais, sobretudo ao não se consagrar qualquer solução que permita a recepção plena e automática das normas de Direito Internacional, mesmo daquelas que, elaboradas no contexto da experiência de integração, representam a expressão formal de um verdadeiro Direito Comunitário.

Como não há previsão expressa no texto constitucional brasileiro quanto à incorporação das normas internacionais ao Direito Interno, mesmo daquelas decorrentes de tratados de integração, prevalece a disposição geral de necessidade de conclusão de todo o procedimento formal de internalização dos atos normativos internacionais.

Segundo Aloísio Mercadante, citado por Nascimento (2004, p.70) a cadeia para a incorporação dos tratados internacionais no direito interno - aprovação pelo Legislativo, ratificação pelo Executivo, promulgação e publicação – tem denominação de "Processualística dos atos internacionais".

A posição adotada pelo STF contou com críticas, entre as quais a de Magalhães: "[...] a Constituição, no entanto, não dispõe em qualquer artigo que os tratados, para terem vigência no país, dependem dessa providência – promulgação por meio de decreto do presidente da República – que a praxe consagrou, mas que não encontra suporte constitucional que a torne obrigatória" (NASCIMENTO, op. cit., p.71).

Segundo os que discordam do posicionamento do STF entendem que a Corte Suprema não poderia valer-se de expediente tão rigoroso e formalista fundado na ausência de promulgação do Protocolo de Medidas Cautelares.

Segundo defendem, esse Protocolo constitui-se em norma derivada do Mercosul e tem por finalidade contribuir com o processo de integração.

Os princípios da repartição dos poderes e do Estado democrático de direito consagrados pela Lei Maior do país – a Constituição da República Federativa do Brasil –, a qual consubstancia-se no instrumento da soberania popular, não podem ser mitigados, mesmo em prol dos avanços do processo de integração.

Assim, no direito brasileiro o mecanismo de transposição das normas emanadas dos órgãos do Mercosul e os tratados internacionais não se diferenciam entre si, mesmo sob a justificativa de beneficiar o processo de integração. Ambos submetem-se ao Direito Internacional Público clássico.

A lacuna do texto constitucional brasileiro que não sistematiza o mecanismo de recepção e integração dos tratados internacionais constitui entrave ao fortalecimento do processo de integração.

Por essa razão, outra solução não ocorre, senão a que implica a reforma do texto constitucional, de modo a torná-lo apto aos novos rumos tomados com base na internacionalização das relações comerciais e, mais ainda, no surgimento do Mercosul, que reclama revisão da ordem constitucional para que o seu texto seja harmonizado segundo os objetivos do bloco.

5.3 Dos efeitos da não-incorporação das normas do Mercosul nos ordenamentos jurídicos nacionais

Aqui a abordagem focará os efeitos gerados pela ausência de implementação dos destinatários – Estados membros – das normas emanadas dos órgãos do Mercosul. Para isso, os conceitos de Direito de Integração, Direito Comunitário, Direito Internacional e Direito Interno são exercitados no presente tópico de modo a haver melhor entendimento acerca do tema.

Com base nas lições de Motta (2006, p.288), pode-se dizer que os órgãos do Mercosul não produzem normas de Direito Comunitário, uma vez que esta espécie de produção normativa somente é conferida a instituições supranacionais que se verificam no Direito Comunitário, mediante o qual se determinam normas de aplicação direta e imediata, independendo de qualquer manifestação de aquiescência.

Essa afirmativa fundamenta-se no fato de que "[...] o conflito de normas aplicáveis aos Estados partes do Mercosul não se resolve por meio da aplicação de normas do Direito Comunitário, e sim por meio das normas de Direito Interno e do Direito Internacional".

Contudo, especificidades acerca dessa questão encontram-se retratadas no art. 40 do Protocolo de Ouro Preto, que estipula o procedimento para garantir a vigência simultânea, nos Estados membros, das normas emanadas dos órgãos do Mercosul que se deparam com dificuldades de cunho prático para a sua implementação pelos Estados partes.

Como antes se destacou, a problemática enfrentada é a ausência de instituição supranacional com atribuição e competência para fazer cumprir as normas emanadas do Mercosul e aplicar as sanções correspondentes em caso de seu descumprimento.

Não obstante tal fator e diante da ausência de previsão de prazos para a incorporação ao ordenamento jurídico doméstico dos Estados membros das normas derivadas dos órgãos do Mercosul, Nascimento (op. cit., p. 69) entende que deve ser observado um prazo "razoável" para o cumprimento dessa obrigação de fazer, sob pena de o Estado poder sofrer as sanções decorrentes do inadimplemento.

Embora essa autora não mencione qual seria o tempo desse prazo "razoável" que os Estados estariam submetidos para incorporar a norma derivada do Mercosul nos seus ordenamentos jurídicos, o Brasil restou condenado diante da ausência da implementação de norma emanada do Mercosul:

[...] o Brasil restou condenado pelo Tribunal ad hoc, constituído nos termos do Protocolo de Brasília, devido à reclamação apresentada pela Argentina, sobre obstáculos ao ingresso de produtos fitossanitários argentinos no mercado brasileiro, em razão da não-incorporação das seguintes Resoluções do Grupo Mercado Comum: 48/96; 87/96/; 149/96; 156/96 e 71/98, fato que impossibilitava a vigência de tais atos normativos no interior do Mercosul (NASCIMENTO, op. cit., p. 69)

E prossegue sustentando que a decisão foi proferida por unanimidade pelo Tribunal arbitral instalado em 27 de dezembro de 2001 na cidade de Assunção, fundamentada no descumprimento da obrigação imposta nos arts. 38 e 40 do Protocolo de Ouro Preto, diante da não-incorporação das citadas normas derivadas do Mercosul no Direito Interno brasileiro.

Determinou-se, assim, que essas resoluções fossem incorporadas à ordem jurídica interna brasileira, no prazo máximo de 120 dias contados a partir da data de notificação do laudo e adotadas todas as medidas para a expedição de normas internas que assegurassem a efetiva aplicação das resoluções.

Examinando-se o resultado da condenação, este denota que as resoluções do Mercosul configuram norma submetida ao Direito Internacional clássico, porque são desprovidas dos efeitos imediato e vinculante para os Estados membros e não há sanção, diferentemente das normas de Direito Comunitário, que se caracterizam pela sua eficácia e aplicabilidade imediata nos ordenamentos jurídicos nacionais, sem necessidade de ratificação pelos órgãos internos para a sua respectiva incorporação no ordenamento jurídico nacional.

Observe-se nesse sentido, as lições de Bacellar Filho, citado por Motta (2006, p. 285), ao diferenciar as normas de Direito Internacional daquelas derivadas do Direito Comunitário:

[...] as normas comunitárias separam-se drasticamente do direito internacional, já que ostentam uma gênesis similar às normas internas de cada Estado. Passam a derivar essas normas, não mais de tratados internacionais, mas dos próprios órgãos comunitários que exercem atribuições legislativas, executivas e judiciárias na dita comunidade, aplicando-se-as direta e imediatamente no território dos Estados membros, dispensando-se, inclusive, o exequatur dos governos de tais Estados.

Assim, as normas emanadas dos organismos do Mercosul devem ser incorporadas ao Direito dos Estados membros, porquanto a obrigatoriedade é a implementação.

Para Luiz Olavo Baptista, citado por Accioly (2003, p. 116), "Trata-se, de obrigação de meios: em preexistindo os instrumentos legislativos que o permitem, a sua aplicação é imediata. O Poder Executivo tem o dever legal e obrigacional, decorrentes do tratado, de implementá-las imediatamente, mediante decretos".

O desafio constitucional a ser superado perpassa pela adequação dos textos constitucionais dos Estados membros, de sorte a permitir que as normas emanadas sob a égide do Mercosul se sobreponham à ordem jurídica interna, por meio da incorporação imediata.

5.4 Dos tratados internacionais sobre direitos humanos – hierarquia no Direito Interno: uma abordagem segundo os textos constitucionais

O tema relativo aos direitos humanos não está diretamente ligado aos desafios a serem suplantados para o fortalecimento do processo de integração do Mercosul, cujos objetivos acentuam-se na formação de um mercado comum no âmbito da América do Sul, com ampliação para a América Latina.

Entretanto, esse tema deve merecer indispensável tratamento pelos Estados, que estão cada vez mais inseridos num mundo globalizado.

Nesse sentido são as lições de Pinard (1998, p. 67), professor argentino, verbis:

El Tratado de Asunción, concentrado en sus objetivos económicos, no prévia la necesidad del tratamento de este tema, tal como sucediera en el CEE. Sin embargo, a muy poco andar, ello fue previsto por el preâmbulo del reglamento de la Comisión Parlamentaria Conjunta que establece con claridad el propósito de ‘salvaguardar la paz, la liberdad, la democracia y la vigencia de los derechos humanos’.

Pela importância do tema, a maior parte dos textos constitucionais atribui distinções aos tratados internacionais de direitos humanos, apresentando considerável evolução acerca de seu tratamento no Direito Interno dos Estados membros, que os equiparam à Constituição.

As Constituições dos quatro Estados membros que ingressaram na origem do Mercosul guardam proteção aos princípios de direitos humanos.

Em relação ao tema da recepção e integração dos tratados internacionais a que se encontram submetidos os Estados membros, a análise do texto constitucional por certo elucidará o status conferido pelo ordenamento jurídico doméstico aos tratados relacionados aos direitos humanos.

O art. 142 da Constituição do Paraguai comporta interpretação sobre o assunto e do seu conteúdo pode-se depreender que os tratados internacionais sobre direitos humanos equiparam-se à Constituição, ao se prever que para a denúncia dos referidos tipos de tratados exige-se a observância dos mesmos procedimentos de emenda constitucional.

O art. 142 encerra regra especial - confere hierarquia constitucional aos tratados internacionais de direitos humanos diferindo-os dos demais tratados. Os arts. 137 e 141 encerram regra geral e abrangem todos os demais tipos de tratados internacionais - possuem hierarquia inferior à Constituição e superior às leis internas.

Não diferente é o entendimento de Dallari (2003, p. 35) sobre a matéria, ao afirmar que as Constituições da Argentina e Paraguai "[...] têm em comum a concessão de tratamento diferenciado para os tratados internacionais sobre direitos humanos, atribuindo-lhes, de modo bastante explícito no caso argentino, o status de norma constitucional".

Para Dallari (op. cit., p. 35), essa perspectiva tende a reforçar o argumento dos intérpretes da Constituição do Brasil que identificam o mesmo propósito na formulação do § 2º do seu art. 5º, muito embora esse dispositivo não discipline a matéria sob perspectiva hierárquica. Esta perspectiva foi satisfeita a partir da EC 45/2004, que inseriu o parágrafo 3º no art. 5º da Constituição brasileira, conferindo hierarquia aos tratados internacionais sobre direitos humanos equivalente às emendas constitucionais.

A Constituição uruguaia não consagra nenhuma disposição específica em torno do tema da recepção e integração dos tratados internacionais de direitos humanos e, por conseguinte, não faz qualquer referência quanto à hierarquia ocupada por aqueles atos internacionais em face da legislação ordinária interna.

5.5 Da recente adesão da Venezuela como membro do Mercosul

5.5.1 Das questões em torno da adesão da Venezuela

O recente ingresso da Venezuela ao Mercosul foi efetivado com a aprovação do Protocolo de Adesão da República Bolivariana da Venezuela em 16 de junho de 2006.

O referido texto deverá contar com a ratificação dos presidentes ou cônsules dos quatro países – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – e a posterior aprovação dos respectivos parlamentos, momento que poderão ser consideradas consolidadas formalmente todas as etapas para o ingresso pleno no bloco.

Por força do citado Protocolo, a Venezuela passa a se submeter aos mesmos direitos e obrigações a que os demais estados se obrigaram em relação ao Tratado de Assunção, Protocolo de Ouro Preto e Protocolo de Olivos para a Solução de Controvérsias do bloco.

Ainda segundo esse protocolo, em 2010, o Brasil e a Argentina deixam de cobrar tarifas de importação sobre produtos venezuelanos, à exceção de uma lista de mercadorias sensíveis, e, em 2012, as exportações brasileiras e argentinas, exceto produtos sensíveis, entram com tarifa zero na Venezuela.

O Paraguai e o Uruguai terão facilidades: as tarifas já serão zeradas a partir de sua assinatura [23]. Estabeleceu-se, ainda, o prazo de até quatro anos para que a Venezuela se adapte às principais regras aduaneiras do Mercosul, como a adoção da TEC e todo o acervo normativo do bloco.

Para alguns comentaristas, esta adesão representa um marco histórico de ampliação do Mercosul. A Venezuela é o primeiro país que integra o bloco desde a criação do Mercosul, que se deu pelo Tratado de Assunção, assinado em 1991.

A inserção do país poderá corresponder à demarcação de um novo momento do bloco, que se inicia pela manifestação de interesse de outros países que a ele querem se unir, conforme já sinalizado por países como a Bolívia, o Chile e o México, além da perspectiva de inclusão da Colômbia, do Peru e do Equador, expandindo-se o bloco para toda a América Latina.

O presidente da Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul, Carlos Alvarez (ex-vice-presidente da Argentina), segundo notícia extraída do jornal Los Tiempos [24], entende como importante a participação da Venezuela no bloco.

Estima o integrante da Comissão que esse país poderá contribuir para combater as assimetrias dentro do Mercosul e explica que não deveriam existir justificativas para que as legítimas reivindicações dos países de menores economias relativas, como o Paraguai e o Uruguai, não possam ser atendidas pelas três economias, como é o caso da Argentina, do Brasil e da Venezuela.

A adesão, além de representar novos desafios que podem contribuir com o fortalecimento da integração regional, poderá fazer com que estes países menores percam o interesse de subscrever tratados de livre comércio (TLC) com os Estados Unidos, que limitam as margens de autonomia dos Estados e por vezes conspiram contra o aperfeiçoamento da união aduaneira em que se encontra atualmente o Mercosul.

A esses argumentos, agrega Alvarez:

Con Venezuela, se incorpora la tercera economía de Sudamerica, el Mercosur pasa a representar 75% del producto bruto de esta región. Por primeira vez un país que tuve su área de influencia sobre todo en el Caribe y América Central, se entrelaza con el sur, conformando un espacio geoeconômico que va desde el Caribe hasta Tierra del Fuego, lo que permite ser más optimista en la conformación de la Comunidade Sudamerica de Naciones.

Por outro lado, a Venezuela é detentora de riquezas naturais e "El país caribeño posee las reservas petrolíferas más importantes del continente y las gasíferas más importantes de América del Sur" [25], recorda o funcionário do organismo.

A adesão da Venezuela ao Mercosul poderia ser suficiente para inspirar a confiança nos demais parceiros do bloco rumo à certeza do fortalecimento da integração regional, mas o que não deixa de suscitar reflexão é o perfil do governante daquele país que mesmo sob o regime democrático parece demonstrar pouca observância ao princípio da divisão dos poderes, mitigando-se o Legislativo e destacando-se o Executivo por ele representado.

Sob o discurso social-democrata o Presidente Hugo Chávez que se encontra em seu terceiro mandato promoveu a alteração constitucional em 1999 de modo a permitir a sua reeleição. Agora pretende nova modificação para permitir sucessivas e futuras reeleições pelo mesmo Presidente.

Por meio de recente assembléia realizada em praça pública do citado país, o Presidente Chávez recebeu amplos poderes para governar por decreto, durante o período de 18 meses. Essa concentração das decisões e dos destinos da Venezuela em um único homem se deu em áreas essenciais como economia, energia, defesa, entre outras.

O enfraquecimento da oposição que integra o Poder Legislativo não dificultaria a aprovação de projetos que viessem a ser apresentados pelo Presidente de modo que não necessitaria de poderes especiais para governar por decreto. Isso demonstra que a licença absoluta auferida representa não apenas uma questão de poder, mas é fundamental à demonstração de poder, o que define um Ditador Republicano.

A recente concretização dos objetivos do Presidente da Venezuela de obter amplos poderes para governar o país se deu em 31 de janeiro de 2007, quando lhe foram conferidos, pela Assembléia Nacional, realizada em Caracas, poderes jamais vistos em um Estado democrático de direito.

Esse mesmo intuito que agora restou aprovado, já havia sido objeto de votação pelo Legislativo venezuelano em 2005, ocasião em restou frustrado pela retirada da oposição do plenário sem votar o projeto.

Os representantes dos outros poderes da República, mormente o Legislativo, parecem não ter força para desempenhar seu papel com base no princípio da divisão de poderes, pelo qual cada poder deve ser soberano e independente entre si, segundo as competências conferidas pelo ordenamento constitucional. Assim, muitas atribuições do Legislativo ficam à mercê do Poder Executivo, representado pelo presidente Hugo Chávez.

Quanto à integração regional, a imprensa de Caracas semeia o discurso do governante, de que os objetivos do Mercosul caminham "rumo a la libertad de nuestros pueblos, ése es el camino" [26], cujo intuito idealista é seguido pelo ministro de Integração e Comércio Exterior, Gustavo Márquez, que, ao discursar, disse: "Vamos con el espíritu de promover la nueva integración, basada no solo en el libre comercio sino con una visión social, de complementación y solidaridad".

Há quem defenda que o discurso representa puramente caráter idealista alheios aos objetivos do Mercosul. De toda sorte não escapam de reflexão o fato de que o mais novo Estado membro do bloco é governado por um líder que parece amoldar-se mais ao perfil ditatorial do que propriamente democrático.

Portanto, essa característica do novo líder tem poder de voto como representante do novo membro pleno poderá influenciar os destinos da integração, mesmo que as decisões dos órgãos do Mercosul sejam intergovernamentais dependendo, portanto do consenso de todos os Estados.

Na medida em que as etapas do Mercosul (zona de livre-comércio, união aduaneira, mercado comum) vão sendo consolidadas os Estados deixam de exercer de forma independente e soberana, certas prerrogativas até então exercidas no âmbito nacional como forma de avançar no processo de integração em que todos passam auferir ganhos.

Os destinos do bloco, dada a característica intergovernamental das decisões dos órgãos do Mercosul por certo não estariam ameaçados apenas pela mera adesão de um membro pleno conduzido por um líder com perfil ditatorial.

Entretanto, é importante que a existência de um sistema jurídico comunitário preceda de princípios firmados em bases que privilegie a lealdade, a solidariedade, a reciprocidade, entre outros.

A criação de atribuições e competências deverá assegurar a transparência dos objetivos do Mercosul, de modo que a condução do bloco não seja influenciada unicamente por um determinado país ou líder que tenha puramente propósitos idealistas que possam não representar os objetivos do bloco.

É de se lembrar que o líder do novo membro tem exercido grandes influências sobre outros países como é o caso da Nicarágua, Equador e Cuba, os quais poderão vir a integrar no futuro o bloco.

Alia-se a essa realidade a pressão que esse novo integrante poderá vir a exercer sobre os demais parceiros ao utilizar-se como ferramenta de negociação as riquezas naturais, como o petróleo e o gás natural de que é detentora a Venezuela.

Essas são, no entanto apenas reflexões de ordem política sobre os destinos da integração regional a partir da adesão do novo membro ao bloco e a expectativa de virem outras, cuja agregação sob outro prisma de análise certamente levará o fortalecimento do bloco, sobretudo nas negociações bilaterais ou multilaterais a serem firmadas com terceiros países ou organizações internacionais.

Os propósitos do bloco não podem ser desvirtuados em prol de interesses idealistas ou interesses políticos individuais dos governantes, sobretudo quando entre os anseios do Mercosul está a busca da integração regional sob o trilho da democracia rumo ao mercado comum.

5.5.2 Dos aspectos constitucionais da Venezuela diante do processo de integração

O presente estudo em relação à Venezuela se justifica pela sua recente inclusão como novo membro do Mercosul e o seu compromisso quanto à adequação da legislação interna, assumido no Protocolo de Adesão da República Bolivariana da Venezuela.

Analisar-se-á a ordem internacional da Constituição da Venezuela, como o foram os textos dos primeiros quatro Estados membro do bloco, mesmo que a implementação, por esse país, da obrigação de promover as adaptações da legislação interna, segundo os objetivos do bloco, ainda esteja sujeita ao transcurso do prazo de até quatro anos, que se encerra em 2010.

A escassez de doutrina sobre o processo de integração da Venezuela ao bloco é evidente, pela sua recente adesão ao bloco, mas, por outro lado, a análise da Constituição da Venezuela poderá contribuir com o resultado do debate, designadamente por ter este país convivendo com o modelo supranacional da Comunidade Andina (CAN), já que ele a integrou.

A Constituição da República Bolivariana da Venezuela, promulgada em 30 de dezembro de 1999, prescreve disposições favoráveis ao processo de integração dos povos, no sentido de consolidar a integração latino-americana de acordo com o princípio da não-intervenção e autodeterminação de seus povos.

Essas disposições favoráveis, tendentes a impulsionar a integração regional, receberam especial atenção num único dispositivo, o art. 153, que disciplina as questões relacionadas ao processo de integração. Esse artigo será analisado segundo cada tema nele contemplado.

O seu preâmbulo não deixa dúvida quanto ao interesse integrativo regional, verbis:

Artículo 153. La República promoverá y favorecerá la integración latinoamericana y caribeña, en aras del avance hacia la creación de una comunidad de naciones, defendiendo los interéses económicos, sociales, culturales, políticos y ambientales de la región.

Na seqüência autoriza a formalização de tratados internacionais, ao especificar que:

La República podrá suscribir tratados internacionales que conjuguem y coordinen esfuerzos para promover el desarrollo común de nuetras naciones, y que aseguren el bienestar de los pueblos y la seguridad colectiva de sus habitantes.

Em relação à supranacionalidade, prevê a possibilidade de tratados internacionais atribuírem a organizações supranacionais o exercício das competências necessárias para levar a termo os processos de integração, verbis:

Para estos finos, la República podrá atribuir a organizaciones supranacionales, mediante tratados, el ejercicio de las competências necesarias para llevar a cabo estos procesos de integración.

Ao explicar as políticas de integração e união com a América Latina e o Caribe, destaca:

Dentro de las políticas de integración y unión con Latinoamérica y el Caribe, la República privilegiará relaciones con iberoamérica, procurando que sea una política común de toda nuestra América Latina.

A parte final desse artigo 153 da Constituição da Venezuela admite a supremacia das normas de integração, especificando que as mesmas serão consideradas parte integrante do ordenamento jurídico nacional e terão aplicação direta e preferente sobre a legislação interna:

Las normas que se adopten en el marco de los acuerdos de integración serán consideradas parte integrante del ordenamiento legal vigente y de aplicación directa y preferente a la legislación interna.

Sobre o tema da hierarquia que as normas e os tratados de integração ocupam no ordenamento jurídico nacional, este dispositivo induz ao entendimento de que ocupam posição superior à própria constituição, aqui genericamente tratada mediante a expressão "legislación interna", que compreende a Constituição.

Assim, além da autorização para cessão de parte da soberania interna às instituições supranacionais, o texto constitucional reconhece a supremacia que exercem as normas delas emanadas, pois permite a aplicação direta e preferente das disposições comunitárias no âmbito do Direito Interno do país.

Consolida, portanto, a aceitação do princípio da aplicação direta e imediata das normas dos órgãos de integração.

A aprovação dos tratados e convenções internacionais é atribuição do Poder Legislativo, conforme art. 186, item 18, da Constituição venezuelana.

Já o art. 236 confere atribuição e obrigação presidencial para dirigir as relações exteriores do país e celebrar e ratificar os tratados, convênios e acordos internacionais.

A especificidade do texto constitucional da Venezuela em relação ao processo de integração, se comparado com os textos dos outros quatro países que integram o Mercosul, certamente se deve ao fato de que aquele país conviveu com o modelo supranacional adotado pela CAN [27].

Essa especificidade surgiu por força de alterações ocorridas em 1999, que vieram dar conformidade à estrutura institucional de caráter supranacional, criada pelo Acordo de Cartagena. As alterações produzidas no citado texto constitucional acabaram por resolver demandas internas geradas em razão do tema da incorporação das normas comunitárias.

Não obstante essas disposições favoráveis à integração, há possibilidade de entraves no texto constitucional, como o que foi invocado pelo ministro da Integração e Comércio Exterior da Venezuela, Gustavo Márquez, ao negar a possibilidade de se firmarem acordos interbloco no âmbito da agricultura. Confira-se:

[...] no puede haber acuerdos por encima de la Constitucion y la soberania, y la carta magna es muy clara en el sentido de que el Estado debe garantizar soberanías alimentaria, productiva, y el desarrollo rural y el consumo" [28].

Quanto aos demais aspectos antes examinados, verifica-se que a Constituição da Venezuela é um dos ordenamentos constitucionais mais avançados do Mercosul, o que constitui facilitador ao processo de integração.

5.5.3 Intergovernamentalidade e Supranacionalidade – origem e efeitos: o Mercosul e a Comunidade Andina de Nações (CAN)

Como visto, os Estados membros do Mercosul devem submeter-se às decisões emanadas dos órgãos do bloco. Conforme o modelo intergovernamental adotado a referida submissão não leva à sua incorporação imediata no direito interno.

Tivesse sido adotado o modelo supranacional, a aplicação e a incorporação do ordenamento normativo do bloco dar-se-ia de forma direta e imediata no Direito doméstico, em razão do princípio da supremacia das normas do bloco sobre o Direito nacional.

É certo que a não-adoção desse modelo resultou na ausência de instituições supranacionais no âmbito do Mercosul, o que poderá ter influenciado nos avanços do processo de integração.

Mas é certo também que sua adoção exigiria o prévio reconhecimento de um sistema jurídico comunitário pelo texto constitucional de cada Estado membro, e nem todas as Constituições estavam adequadas à adoção do modelo supranacional.

Obregón entende que as instituições supranacionais deveriam ter sido criadas pelo próprio Protocolo de Ouro Preto, que criou a estrutura intergovernamental do Mercosul. Confira-se o que diz o autor:

O Protocolo de Ouro Preto deveria ter criado uma estrutura institucional supranacional, com pelo menos três órgãos principais, com estruturas bem definidas, quais sejam: Parlamento, Tribunal de Justiça e Banco Central do Mercosul (2004, p. 71).

Todavia, discordamos desse entendimento posto que a criação de uma estrutura institucional supranacional por ocasião do Protocolo de Ouro Preto acarretaria afronta ao texto constitucional do Brasil e do Uruguai, cujos Estados membros não continham dispositivos que admitissem a existência de organismos supranacionais e tampouco reconhecem a existência de um sistema jurídico comunitário. Essa omissão constitucional persiste até os dias atuais.

Assim, se o protocolo tivesse criado órgãos de caráter supra-estatal, a incorporação do ordenamento jurídico comunitário ao direito interno poderia não se convalidar no âmbito dos citados Estados, sob o argumento de que as mesmas estariam afrontando o texto constitucional que ainda não teria assimilado a nova realidade.

Exemplifica essa questão, a problemática enfrentada pela CAN, que concebeu, desde a sua criação, em 1969, o modelo supranacional, sem a prévia outorga constitucional dos países que integravam aquela comunidade.

Segundo o texto constitucional da Venezuela de 1961, as decisões da comunidade requeriam aprovação legislativa quando modificavam leis e regulavam temas de reserva legal do país, sendo que o mesmo não contemplava dispositivo de reconhecimento do sistema jurídico supranacional.

Porém, segundo Capriles (2004, p. 6), o então presidente Carlos Andrés Pérez, para trazer avanços ao processo de integração andino, decidiu em 1991 aplicar diretamente as decisões andinas sem contar com a prévia aprovação legislativa.

Exemplifica o autor que uma das primeiras decisões aplicadas ao Direito interno da Venezuela diz respeito à reforma do regime de propriedade industrial, especialmente quanto às patentes. Isso gerou demanda das empresas farmacêuticas nacionais na Corte Suprema de Justiça, alegando a nulidade de aplicação direta da norma andina em razão da sua inconstitucionalidade.

Essa demanda introduziu elemento de profunda incerteza no país. A aplicação direta do ordenamento comunitário em todas as áreas somente foi decidida após o advento da reforma constitucional de 1999, quando o Tribunal Supremo de Justiça pode declarar sem lugar a demanda haja vista as alterações constitucionais introduzidas na Constituição da República Bolivariana da Venezuela sobre o assunto.

A problemática restou afastada no âmbito da Venezuela, mas persiste nos Estados membros da CAN que não promoveram alterações constitucionais que admitam a existência de instituições supranacionais, como inserido no tratado constitutivo dessa comunidade.

Capriles agora corrobora nosso entendimento antes enfatizado e aponta uma série de problemas relativos à constitucionalidade do processo de integração, a saber:

El primer problema que debió enfrentarse fue el relativo a la constitucionalidad de los procesos de integración, especialmente de procesos como el andino, basados en la supranacionalidad, esto es, en el concepto de que, por virtud de la aprobación y ratificación del tratado de integración, se produce una transferência de atribuiciones a las organizaciones comunitárias, de las que deviene el que las normas que éstas aprueben son de aplicación directa y preferente sobre las normas internas de todos los Países Miembros. (p.3)

Capriles (op. cit., p. 5) diz que as Constituições de alguns países membros da comunidade andina, como o Equador, a Venezuela e a Colômbia, claramente consagram e reconhecem instituições supranacionais. No caso da Venezuela, o texto constitucional chega a especificar a aplicação direta e preferencial das disposições de caráter comunitário.

Em contraste com essa situação, a Bolívia e o Peru não contemplam em seus textos qualquer referência sobre o reconhecimento de um sistema jurídico supranacional e nem prevêem a possibilidade de aplicação direta e preferente das normas aprovadas pelos órgãos comunitários. Pelo contrário, as constituições destes países, em matéria de integração, apenas tangenciam o assunto.

Em face dessa ausência de adequação constitucional, esse autor aponta outra problemática, e de maior complexidade, que decorre da constitucionalidade das atribuições. Confira-se:

[...] do Tribunal Andino de Justiça, que interpreta las normas comunitárias de manera obligatoria para los Tribunales nacionales ante los cuales no hay outra instancia, como ocurre, por ejemplo, con los Tribunales y Cortes Supremas de los Países Miembros. (p.7)

A citada atribuição do Tribunal Andino de Justiça é considerada contrária ao direito daqueles que se vêem julgados pelos juizes naturais, assim como contraria as disposições constitucionais que colocam o Tribunal – a Corte Suprema – como esfera maior do Poder Judiciário no âmbito interno do país.

Finalizando, o autor sustenta que nenhuma das Constituições dos países que integram a CAN ampara expressamente esta atribuição, razão pela qual está subordinada à jurisprudência de cada país.

Essa observação nos remete à reflexão, em âmbito do Mercosul, de que, se as Constituições dos países que formam este bloco admitissem, de forma expressa, uma ordem jurídica supranacional e aceitassem o princípio da incorporação, direta e imediata, da ordem normativa supranacional ao seu Direito doméstico, ainda assim haveria a necessidade de harmonizar as competências internas em relação às novas competências que viessem a ser assumidas pelos órgãos supranacionais.

É certo que o Tribunal de Justiça supranacional em regra não se incumbe do Direito interno, cabendo-lhe decidir segundo o Direito Comunitário. Aos Tribunais Nacionais cabe a aplicação do Direito Comunitário, do que se extrai que a construção de uma ordem jurídica comunitária poderá acarretar ampliação das competências dos Tribunais nacionais.

Essa questão das atribuições é cuidada por ocasião da criação do sistema jurídico comunitário.

Conclui-se que na ocasião da assinatura do Tratado de Assunção outro modelo, que não o intergovernamental, poderia ter sido adotado pelo Mercosul, haja vista que, até os dias atuais, nem todas as Cartas Constitucionais dos Estados membros encontram-se conformadas ao estabelecimento do modelo supranacional, que se parece amoldar melhor ao processo integração.

Entretanto, não se pode deixar de levantar algumas reflexões que despertam a curiosidade, como a falta de clareza e especificidade do Tratado de Assunção acerca do compromisso que assumiram os Estados membros para promoverem a harmonização das suas legislações.

Surgem então as seguintes indagações: a) no que se constituiria a harmonização proclamada naquele Tratado? b) em que aspectos a legislação interna mereceria de ajustes? c) não houve qualquer compromisso em torno do reconhecimento de um ordenamento jurídico supranacional, mesmo como perspectiva futura, após as Constituições regularem a matéria.

Com a perspectiva de novos países aderirem ao Mercosul, ressurgem acentuados debates em torno dos interesses econômicos e políticos que cercam o bloco. No entanto, assiste-se a essa realidade sem a efetiva participação no debate dessa problemática dos diferentes Poderes e setores da sociedade que integram o Brasil, o que poderá estar ocorrendo com os demais parceiros do bloco.

A sensação é de que a integração é assunto restrito aos chefes do Executivo de cada país, conforme se viu no recente evento da cúpula do Mercosul que reuniu os presidentes dos países que formam o bloco. Nesse evento, a discussão não ultrapassou interesses de natureza econômica e política e, segundo alguns, atingiu contornos ideológicos baseados em manifestação do Presidente do novo integrante do bloco – a Venezuela.

É certo que os órgãos do Mercosul, mesmo por intermédio de grupos de trabalho, reúnem-se a partir de agenda prévia para levar questões ao debate e propor soluções que envolvem os Estados membros.

No entanto, pouco efeito prático possui esses grupos, se os entraves constitucionais apontados no decorrer deste estudo não passarem por amplo debate interno nos países que carecem de reformas constitucionais, sem as quais dificilmente será possível a implementação de medidas tendentes a solidificar a integração regional, que seja mais eficiente e favorável à circulação de riquezas e à erradicação da pobreza.


CONCLUSÃO

Os relatos históricos que justificam a era da globalização retroagem há séculos, mas o fenômeno ganha acentuada dimensão a partir dos anos 80, quando surgem os blocos econômicos, difundidos pela chamada integração regional.

No caso da integração do cone Sul, os primeiros passos para a integração regional começam a ser trilhados em 1986, com a assinatura entre o Brasil e a Argentina do Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento para a eliminação de barreiras alfandegárias. Por meio desse instrumento, ambos os países estabelecem um período de transição de dez anos para a criação de um espaço econômico comum entre os países.

Sobrevém posteriormente, em 1991, o Tratado de Assunção, firmado entre o Brasil, a Argentina, o Paraguai e o Uruguai, que cria o Mercosul, com objetivo voltado à construção de um mercado comum. Os conflitos que marcam as divergências entre o Brasil e Argentina ao longo da história não impedem a formação desse bloco.

Suscita-se que a escolha do modelo intergovernamental pelos integrantes do bloco tenha sido fortemente influenciada pelo regime da ditadura militar, que, por certo, ainda deixara resquícios nos governos por ocasião da criação do bloco. O regime democrático é reforçado pelo pacto firmado pelos Estados membros como condição de inclusão ou manutenção do Estado no bloco.

A criação do Mercosul representa uma resposta ao crescente avanço dos processos de integração, surgindo após os fracassos da Alalc e da Aladi como instrumento de formação de um mercado comum regional. O Tratado de Assunção contou com previsão expressa no sentido de permitir a ampliação do bloco com a adesão dos países latino-americanos, o que propiciou a recente adesão da Venezuela como membro pleno.

O nível de integração pretendido pelos Estados membros por ocasião da criação do bloco corresponde às etapas que precisam ser ultrapassadas, iniciando-se com a zona de livre-comércio, seguindo-se com a formação de uma união aduaneira até a consolidação do mercado comum.

Pela razão de não terem sido esgotadas todas as etapas que levam ao mercado comum, cuja fase atual é de uma união aduaneira incompleta, pode-se concluir que o Tratado de Assunção continua a ter aspectos fáticos de transitoriedade.

Embora o intento integrativo subsuma-se na formação de um Mercado Comum, conforme, aliás, a própria sigla do bloco assim sugere: – MERCOSUL – Mercado Comum do Sul, ainda restam degraus a serem galgados para a consolidação do mercado, eis que os problemas da configuração da TEC sugerem a imperfeição da união aduaneira, em cuja fase atual encontra-se o bloco.

O retardamento da consolidação das etapas do processo de integração pode implicar retrocessos na integração e fragilizar o Mercosul como bloco econômico. Essa demora expõe os parceiros, de forma individualizada, a pressões externas advindas de países ou outros blocos comerciais, que os instigam a com eles firmarem acordos bilaterais ou multilaterais, o que pode implicar a saída de parceiros do bloco, colocando em risco a sobrevivência do Mercosul.

Por outro lado, a cada passo que se avança rumo à integração, os Estados membros passam a ceder, de forma progressiva, parte da soberania interna. A consolidação da união aduaneira, por exemplo, requer maior cessão de soberania do que a zona de livre-comércio, sem o que não se alcança o mercado comum.

Por outro lado, a UE serviu de paradigma para a criação do Mercosul, mas há diferenças entre os países que integram os diferentes blocos, como é o caso do Brasil, que representa em torno de 80% do total da população do bloco por ocasião da sua constituição, o que pode ter representado dificuldades ou mesmo impossibilidade na criação de instituições supranacionais semelhantes à da UE.

Partindo da idéia de que a integração regional não é um processo comandado pelo mercado, mas pela política para criar um mercado, pode-se concluir que os avanços podem estar embasados em políticas, sejam elas de natureza econômica, social, jurídica ou outra.

O alicerce para a condução das políticas está no Direito, assim como o Direito está no ordenamento jurídico de cada Estado membro ou no próprio ordenamento jurídico comunitário.

A ausência do reconhecimento de um sistema jurídico comunitário no âmbito do Mercosul implica que as normas, os tratados e as convenções internacionais firmados sob a égide do bloco submetam-se ao mesmo mecanismo de incorporação adotado para os tratados internacionais gerais, subordinados ao Direito Internacional Público clássico, e incorporem-se ao ordenamento jurídico interno segundo a legislação de cada Estado. Isso configura entrave ao processo de integração.

A revisão do conceito de soberania do Estado revela-se indispensável diante da evolução das relações internacionais e da intensificação do surgimento dos blocos regionais, que reclamam a construção de estrutura organizacional apta a direcionar a comunidade segundo as normas de Direito Comunitário.

O sistema vigente no âmbito do Mercosul não mais atende aos anseios da nova era de integração, posto que não promove o Direito Comunitário, dificulta a harmonização da legislação constitucional e infraconstitucional, postergando avanços na integração.

É necessário desobstruir o ordenamento constitucional, afastando-se os entraves existentes e promovendo-se a construção do ordenamento jurídico comunitário, que deve ser edificado com base no texto constitucional, vinculando o Estado materialmente a partir de compromissos sólidos de lealdade, solidariedade, reciprocidade, entre outros.

Assim, restaria ultrapassado qualquer debate quanto à celeuma que envolve a recepção e integração dos tratados internacionais no âmbito interno, fazendo que perca importância e torne inócuo qualquer debate em torno da dicotomia das teorias dualista e monista, criadas e desenvolvidas para justificar o fenômeno da recepção e integração dos tratados internacionais ao Direito interno.

Segundo essa perspectiva de criação de ordenamento jurídico comunitário, os citados atos internacionais passariam a ter tratamento diferenciado no ordenamento jurídico interno, passando a ser integrados de forma direta e imediata no ordenamento jurídico nacional. As relações entabuladas no âmbito do bloco ou fora dele ostentariam maior credibilidade, surtindo maior eficácia e segurança jurídica, o que propiciaria o fortalecimento do processo de integração.

O propósito do trabalho conduz à identificação dos entraves implícitos ou explícitos das Constituições dos Estados membros, que são impeditivos do processo de integração regional. A adequação do texto constitucional aos objetivos do Mercosul não garantirá, por si só, avanços na integração, mas o suporte jurídico poderá ensejar a sua arrancada pela ação e vontade coordenada dos governantes dos Estados membros do bloco.

A Constituição da Argentina, promulgada em 24 de agosto de 1994, encontra-se mais próxima dos propósitos do sistema comunitário, admitindo um sistema supranacional, sem maiores impedimentos à integração.

A Constituição do Paraguai, promulgada em 20 de junho de 1992, encontra-se harmonizada aos propósitos integrativos, possui moderno sistema quanto às relações internacionais e contempla a possibilidade de delegar competência a instituições de caráter supranacional, não se detectando maiores obstáculos ao processo de integração.

No texto constitucional paraguaio a possibilidade de criação de instituições supranacionais encontra-se, expressamente prevista, no art. 145 e, de forma implícita, nos arts.137 e 141 desse ordenamento.

A Constituição do Brasil encontra-se distante dos propósitos integrativos, porquanto não possui qualquer sistematização quanto à recepção e incorporação dos tratados internacionais e não disciplina a possibilidade de delegação de poderes para instituições supranacionais. Essa lacuna já remeteu a matéria de recepção dos tratados internacionais ao Supremo Tribunal Federal (STF), que os equipara à lei ordinária, sujeitando-os à derrogação por lei posterior.

No ordenamento jurídico brasileiro, não há qualquer diferenciação entre os tratados internacionais gerais e os tratados firmados sob a égide do Mercosul, posto que são subordinados ao Direito Internacional Público clássico.

A inexistência de norma constitucional brasileira que estabeleça a hierarquia dos tratados tende a gerar insegurança jurídica nas relações firmadas entre o Brasil e os Estados integrantes do Mercosul, países terceiros e organizações internacionais.

Partindo dessa premissa e pela relevância e amplitude no plano interno e externo do tema da recepção dos tratados, a ser disciplinado por normas de natureza constitucional, o mecanismo adequado para levar a efeito a institucionalização de um sistema integrador dos tratados internacionais ao Direito brasileiro não pode ser outro que não a emenda à Constituição Federal.

A desobstrução da ordem jurídica interna com a inserção de regras rigorosas a respeito do tema da integração dos tratados contribuiria para afastar o quadro antagônico em que se encontra o Brasil.

Antagonismo explícito, de um lado, pelo interesse de integrar-se com países da América Latina (parágrafo único do art. 4º da Constituição Federal) e, de outro, por não fixar constitucionalmente as regras, isto é, fixar a sistemática de integração ao Direito Interno dos tratados internacionais firmados como resultado do interesse integrativo.

A Constituição do Uruguai afirma a soberania do Estado e não faz qualquer previsão a respeito da criação de instituições de caráter supranacional; o texto constitucional é omisso quanto à recepção e incorporação dos tratados internacionais, de sorte a requerer a manifestação da jurisprudência, nos moldes do Direito brasileiro.

No texto constitucional uruguaio não há qualquer disposição sobre o reconhecimento de um ordenamento jurídico comunitário, o que confira entrave ao processo integrativo.

A Constituição da Venezuela encontra-se harmonizada aos propósitos integrativos, pois admite a existência de instituições supranacionais e confere a aplicação imediata no Direito interno dos tratados e normas internacionais.

Nota-se que os avanços do processo integrativo no âmbito do Mercosul reclamam ajustes na constituição do bloco, a começar pela reestruturação dos seus órgãos segundo a concepção de transferência de atribuições a organizações comunitárias.

Para isso, é necessário que todos os textos constitucionais estejam harmonizados ao propósito integrativo, de modo a possibilitar a aplicação das normas comunitárias uniformemente em relação a todos os membros do bloco.

A criação de ordenamento jurídico comunitário e sua implementação no âmbito do Mercosul não caracterizam tarefa de todo árdua, pois o bloco, formado há uma década e meia, possui estrutura institucional e operacional quanto ao sistema normativo que, embora desvinculado do sistema proposto, poderá ser incorporado no novo modelo.

O embasamento para a formulação das propostas de alteração constitucional encontra-se no próprio texto constitucional. A Constituição brasileira disciplina a modificação constitucional por meio de emendas, nos termos previstos no art. 60. É certo também que há limitações constitucionais, como as previstas no § 4º, I, do art. 60, mas se restringem a mudanças de cláusula pétrea.

Como o Mercosul reforça o princípio democrático como norte dos governos dos Estados membros, poderia haver maior propagação dos objetivos do bloco, baseada no envolvimento da sociedade na discussão de temas que extrapolam os limites territoriais internos, como políticas econômicas, ambientais, educacionais, trabalhistas e sociais.

Isso tende a levar a uma mudança de pensamento de toda a sociedade dos Estados membros que seja favorável à integração. Contudo, a construção dessa mudança não poderá ser levada adiante com êxito sem a indispensável participação dos poderes constituídos e de toda a sociedade de cada Estado membro do bloco, de forma que a ordem jurídica possa conferir o alicerce e proteger os direitos dela decorrentes.

É imbuído desse pensamento que se apresentam, como desafio, propostas de alteração constitucional fundadas em pressupostos e princípios que demandam prévia consolidação e assimilação no âmbito interno de cada Estado membro.

A lacuna no texto constitucional brasileiro relativa ao tema da recepção e integração dos tratados internacionais ao Direito Interno, que representa entrave ao processo de integração do Mercosul, pode ser afastada com emenda constitucional.

Essa emenda deverá contemplar os seguintes pressupostos: a) o reconhecimento da integração internacional e; b) a necessidade de observância, em relação ao processo de integração, da vontade soberana do povo de cada Estado, com vista à elevação da qualidade de vida das pessoas e ao respeito aos direitos humanos.

Para a elaboração da proposta de emenda o legislador deverá contemplar as seguintes diretrizes: a) o reconhecimento de maior relevância aos tratados internacionais no âmbito do quadro normativo nacional vigente e a garantia da plena efetividade das suas disposições; b) a vinculação do Estado brasileiro a tratado deve estar respaldada por um grau maior de adesão social, mediante a representação parlamentar.

Além desses pressupostos e diretrizes, o novo modelo deve revestir-se das seguintes características: a) previsão explícita da incorporação do tratado internacional ao ordenamento jurídico nacional; b) reconhecimento de posição hierárquica superior dos tratados internacionais em relação às normas internas e; c) previsão de quórum qualificado para a aprovação do tratado internacional no Congresso Nacional.

Essas propostas, embora capazes de sistematizar a recepção dos tratados internacionais ao Direito Interno brasileiro, não são suficientes para afastar os demais entraves implícitos, que impedem o fortalecimento do processo de integração.

Assim, a essa proposta agrega-se a inclusão de dispositivo constitucional que reconheça a existência de ordenamento jurídico comunitário autônomo e que vincule o Estado, de forma material e não apenas formal (como mero cumpridor das normas formais), à construção dessa nova ordem.

O Estado passaria a ocupar o papel de agente de mudança e responsável pela construção de um sistema jurídico comunitário (autônomo) e, como tal, o texto constitucional deve contemplar cláusula material de compromisso quanto à lealdade para levar a efeito a edificação dessa nova ordem.

Para que a aprovação dessa proposta reste frutífera, é preciso agir em torno da construção de novo pensamento do Estado, quando, então, o legislador poderá estar preparado para a implementação de propostas que possa desencadear a sua aprovação.

Isso implica desafios que merecem ampla participação e debate dos mais diversos setores dos Estados, sendo necessário que sejam reservadas ao Mercosul medidas que lhe possam conferir a efetiva importância como bloco regional.

É preciso que se propaguem as utilidades ou vantagens que a consolidação do bloco trará a toda a sociedade e ao cidadão, para que se desperte o interesse social pelo bloco.

Entre as estratégias dessa propagação e formação de cultura favorável à integração regional, deve merecer especial destaque a divulgação na mídia sobre o Mercosul, para que a sociedade tenha o real conhecimento dos seus objetivos, projetos e êxitos alcançados desde a sua criação, assim como as expectativas para o futuro.

Ainda colaborando com essa estratégia, podem ser inseridas nos currículos das escolas e universidades o tema relativo à integração regional, notadamente em relação ao Mercosul, de maneira que se alcance, no interior de cada Estado, os meios para uma caminhada segura quanto ao futuro do bloco.

Considerando essa base, sólida, de aculturação e reestruturação do pensamento de toda a sociedade, o legislador certamente terá interesse em perseguir a construção de um sistema jurídico comunitário, pelo mecanismo da emenda constitucional, como meio para tornar efetivo o Direito interno, quando se fala em integração no Mercosul. Estará o legislador imbuído de um novo contexto de vinculação material do Estado no compromisso da construção de uma ordem jurídica comunitária que se sobreponha ao direito nacional.

Verifica-se, assim, que há desafios a serem superados no âmbito do Mercosul para que o bloco tenha reconhecimento e esteja fortalecido diante de organismos internacionais e de países terceiros.

Como resultado desse fortalecimento garantir-se-á a qualidade de vida dos cidadãos dos Estados membros, mediante o estímulo do comércio interbloco e extrabloco, assim como a livre circulação de bens, serviços, pessoas e capitais, assegurando-se um futuro próspero para o processo de integração.

A reformulação da ordem jurídica comunitária depende de alicerces sólidos que se revelam no próprio texto constitucional de cada Estado membro e não podem prescindir do interesse político do Estado na promoção de políticas que levem à desejada qualidade de vida.

O ordenamento constitucional é um dos instrumentos para o fortalecimento do processo de integração, porém, sem a conjugação de ações políticas e de estratégicas adotadas de forma coordenada, não se alcançarão mecanismos para a construção da nova ordem jurídica.


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NOTAS

01 PRESBISCH, Paul. La nueva economia: la globalización. Editorial S/A, 1996.

02 O art. 2º da Ata para a Integração Argentino-Brasileira descreve o princípio da gradualidade como divisão do PICE em "[...] etapas anuais de definição, negociação, execução e avaliação". O Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento menciona que a integração deveria ser gradual, para "[...] permitir a adaptação progressiva dos habitantes e das empresas de cada Estado-Parte às novas condições de concorrência e de legislação econômica".

03 General Agreement on Tariffs and Trade (GATT) – Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio. O GATT foi criado em 30 de outubro de 1947, a título provisório, com o objetivo de promover a paz e a prosperidade econômica por meio de políticas de cooperação, cujos estatutos falam do aumento dos níveis de vida pela "redução substancial dos impostos alfandegários e de outras barreiras ao comércio internacional". Foi substituído pela Organização Mundial do Comércio (OMC), em 15 de abril de 1994.

04 A sigla internacional da AECL é EFTA, criada pela Convenção de Estocolmo de 1960.

05 Cf. NUNES, Pedro (1990, p.317): "Desgravar significa livrar do gravame, desonerar, desobrigar".

06 Os princípios da igualdade e da reciprocidade estabelecidos no Tratado de Assunção foram incorporados pelos integrantes do Mercosul. As Constituições da Argentina e do Paraguai já inserem em seus textos condicionantes de reciprocidade e igualdade, para a criação de instituições supranacionais, concluindo-se inexistir possibilidade para eventual alteração desse critério ante o surgimento de instituições supranacionais, mesmo considerando o notória desequilíbrio entre os países que integram o bloco.

07 Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969) – arts. 31 e 32.

08 Organização das Nações Unidas (ONU) – lançada em São Francisco, em 26 de junho de 1945.

09 A Declaração Universal dos Direitos do Homem foi aprovada, em 10 de dezembro de 1948, pela Assembléia Geral das Nações Unidas, órgão máximo da ONU.

10 A paz de Vestfália (Westfália), também chamada de Tratados de Münstere Osnabrück (ambas as cidades se encontram atualmente na Alemanha), designa uma série de tratados firmados em 1648, que encerrou a Guerra dos Trinta Anos e também reconheceu oficialmente as Províncias Unidas e a Confederação Suíça.

11 A Guerra dos Trinta Anos consistiu de uma série de conflitos religiosos e políticos ocorridos especialmente na Alemanha, de 1618 a 1648, nos quais rivalidades entre católicos e protestantes e assuntos constitucionais germânicos foram gradualmente transformados em uma luta européia. Apesar de os conflitos religiosos serem a causa direta do conflito, este envolveu um grande esforço político da Suécia e da França para procurar diminuir a força da dinastia dos Habsburgos, que governavam a Austria. A guerra causou uma série de problemas econômicos e demográficos na Europa Central.

12 O Tratado de Paris é o primeiro ato que deu ensejo à criação da Comunidade Econômica Européia.

13 Tripartição dos poderes: Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário – Constituição Federal brasileira.

14 MEDEIROS, Antonio Paulo Cachapuz de, 2006, professor e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores do Brasil e professor titular do Instituto Rio Branco – aulas que constam em vídeo http://eca.oab.org.br/anexos/1154543213202701520251.pdf: acesso: 12.11.2006.

15 A independência de cada Estado decorre da soberania nacional.

16 MEDEIROS, Antonio Paulo Cachapuz de. 2006. Professor e doutor em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores do Brasil e professor titular do Instituto Rio Branco. Aulas que constam em vídeo. Disponível em: <http://eca.oab.org.br/anexos/1154543213202701520251.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2006.

17 Princípio da lex posterior derrogat priori.

18 SILVA, de Plácido (2006, p. 1.254). Sanção aqui tem formatação de lei: "Sanção é o ato por que o Chefe do Executivo confirma a lei votada pelo Legislativo, para levar à promulgação e à publicação".

19 Lei de Introdução ao Código Civil aprovada pelo Decreto-Lei nº 4.657, de 4.9.1942.

20 O Tratado de Maastricht instituiu, em 1992, a Comunidade Européia.

21 A redação da proposta apresentada em 1994 alterando o art. 4º da Constituição brasileira encontra-se explicada no tópico 4.2.1, do Capítulo 4 deste trabalho.

22 Art. 2º do Protocolo de Ouro Preto: "São órgãos com capacidade decisória, de natureza intergovernamental, o Conselho de Mercado Comum, o Grupo Mercado Comum e a Comissão de Comércio do Mercosul".

23 MARREIRO, Flávia. Venezuela entra hoje para o Mercosul. Folha de S. Paulo. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u109108.shtml>.Acesso em: 3 set. 2006.

24 ALVAREZ, Carlos. Destacan incorporación de Venezuela al Mercosur. Los Tiempos. Buenos Aires, 4 jul. 2006. Disponível em: <http://www.lostiempos.com/noticias/04-07-06/04_07_06_ultimas.int.6.php>.Acesso em: 29.out. 2006.

25 idem

26 MÁRQUEZ, Gustavo. Mercosur: Venezuela rumbo a su "integración liberadora. Caracas. Disponível em: <http://www.ipsenespanol.net/nota.asp?idnews=36004>. Acesso em: 29 out. 2006.

27 A CAN foi criada em 1969 pelo Tratado fundacional da Comunidade Andina – Acordo de Cartagena.

28 MÁRQUES, Gustavo. Mercosur: Venezuela rumbo a su "integración liberadora". Caracas. Disponível em: <http://www.ipsenespanol.net/nota.asp?idnews=36004>. Acesso em: 29 out. 2006.


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ENGELMANN, Beatriz. Mercosul: os desafios constitucionais do processo de integração regional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1537, 16 set. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10398. Acesso em: 25 abr. 2024.