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Da competência para processar e julgar crimes praticados por membros do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

Da competência para processar e julgar crimes praticados por membros do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

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O art. 8º, inciso I, letra b, do Regimento Interno do TJDFT, dispõe que compete ao Conselho Especial processar e julgar, originariamente, nos crimes comuns e de responsabilidade, os Membros do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT), ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. A referida disposição regimental é de duvidosa constitucionalidade.

Nos termos do art. 108, inciso I, letra a, segunda parte, da Constituição da República, compete aos Tribunais Regionais Federais processar e julgar, originariamente, nos crimes comuns e de responsabilidade, os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.

De acordo com o art. 128, inciso I, letra d, da Constituição da República, o Ministério Público da União compreende, dentre outros, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. No mesmo sentido: art. 24, inciso IV, da Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993.

Consoantemente, a Lei Complementar nº 75/93, em seu art. 18, inciso II, letra c, estabelece, como prerrogativas dos membros do Ministério Público da União, que oficiem perante juízos de primeira instância, ser processado e julgado, nos crimes comuns e de responsabilidade, pelos Tribunais Regionais Federais, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.

A Lei de Organização Judiciária do Distrito Federal e dos Territórios (Lei 8.185/91, art. 8º, inciso I, letra b, especialmente) não dispõe sobre tal competência.

Assim, o ordenamento constitucional e infraconstitucional destina aos Tribunais Regionais Federais a competência para processar e julgar os membros do Ministério Público da União, incluindo-se aqui, os membros do MPDFT, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada, apenas, a competência da Justiça Eleitoral.


O TJDFT, com base no art. 96, inciso III, da Constituição Federal, julgou ser competente para ação penal contra membro do MPDFT, tendo alguns desembargadores se posicionados favoráveis ao teor da regra do art. 108, inciso I, letra a, do Texto Supremo (Ação Penal nº 013/89, Rel. Des. Luiz Claudio Abreu). O TJDFT reafirmou sua competência: "Compete ao egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, nos termos da Lei Organização Judiciária, da Constituição Federal e do Regimento Interno, o julgamento dos atos praticados por membro do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios." (Embargos de Declaração no Habeas Corpus, processo nº 1998.00.2.0014403, Acórdão nº 111.568, Rel. Des. Lécio Resende).

Este entendimento é compartilhado pelo ex-Procurador-Geral da República, ARISTIDES JUNQUEIRA (in "Revista da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios", Ano 1, nº 1, Brasília, jul./set. de 1993, p. 22), verbis:

          "É de se observar que três são os foros por prerrogativa de função dos membros do Ministério Público da União. Se se tratar do Procurador-Geral da República, a competência será do Supremo Tribunal; se for membro do Ministério Público da União oficie perante tribunais, competente será o Superior Tribunal de Justiça; e os demais serão processados e julgados pelo Tribunal Regional Federal da região em que estiverem lotados.

Como o Ministério Público do Distrito Federal está compreendido no Ministério Público da União (art. 128, I, d), poder-se-ia concluir que seus membros, se autores de infração penal, seriam processados e julgados pelo Superior Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, e não pelo Tribunal de Justiça.

Mas, a norma especial, contida no artigo 96, III, arreda tal conclusão, porque dispõe que compete privativamente ao Tribunal de Justiça julgar os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral.

Portanto, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal compete julgar os membros do Ministério Público do Distrito Federal."

Todavia, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Queixa-crime n. 95.01.04557-9/DF, Rel. Juiz Carlos Fernando Mathias, Plenário. Por maioria. Decisão: 20/04/95. Publicada no Diário da Justiça, Seção 2, dia 08.06.95, p. 35.722), já firmou entendimento no sentido de que é o juízo competente para julgamento dos membros do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios nos crimes comuns e de responsabilidade, verbis:

          "EMENTA: Constitucional. Penal. Competência para julgamento dos membros do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios nos crimes comuns e de responsabilidade. Imunidade judiciária. Crimes contra a honra no exercício da advocacia. Tipificação de delito.

I - A interpretação sistemática dos arts. 108, I, a, e 128, I, d, da Lei Fundamental e mais o disposto no art. 18, II, c, da Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar 75/93) e no art. 2º, parágrafo único, da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/93), conduz à competência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, para julgar, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral, os membros do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios que oficiem perante juízes de primeira instância, sem embargo da letra fria do art. 96, III, da Constituição.

......."

O entendimento do ex-Procurador-Geral da República, apesar de salutar, merece ser analisado. Compreendo que o art. 96, III, da Constituição da República não é norma especial e sim genérica e aplica-se aos Estados. Já o art. 108, inciso I, letra a, é específico, aplicável ao Ministério Público da União, inclusive ao Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios, sendo o Tribunal Regional Federal da respectiva região em que estiverem lotados, a Corte competente para processar e julgar os membros do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios.

O Superior Tribunal de Justiça ainda não analisou esta competência, embora demonstre ser favorável à Justiça distrital, que é federal, especializada e sediada no Distrito Federal(1). Para o Colendo Tribunal Superior, a competência penal se estende aos crimes dolosos contra a vida, visto que a competência em razão da pessoa (foro privilegiado) suplanta a competência em razão da matéria. Neste sentido: HC nº 3.316-PB, Rel. Luiz Vicente Cernicchiaro(2), verbis:

          "HC – CONSTITUCIONAL – TRIBUNAL DO JÚRI – PROMOTOR PÚBLICO – COMPETÊNCIA – A Constituição da República reeditou a instituição do Tribunal do Júri, atribuindo-lhe competência para processar e julgar os crimes dolosos contra a vida (art. 5º, XXXIX). A Carta Política, igualmente, estabeleceu ser da competência do Tribunal de Justiça, processar e julgar os membros do Ministério Público, nos crimes comuns e eleitoral (art. 96, III). Interpretação sistemática da Constituição (norma especial derroga norma geral) autoriza concluir, porque o homicídio é crime comum, ser da competência do Tribunal de Justiça processar e julgar Promotor Público acusado desse delito."

Tratando-se de crime eleitoral, a competência é da Justiça Eleitoral, no caso, do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal. Este o posicionamento decorre do entendimento do Superior Tribunal de Justiça(3) e do Tribunal Superior Eleitoral(4).

Mas o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição Federal, é quem poderá fixar a competência para julgar os crimes comuns, caso o legislador federal não se adiante em explicitá-la.


O meu posicionamento anterior era no sentido de que era necessário adequar o Regimento Interno do TJDFT ao Texto Constitucional e à Lei Complementar nº 75/93, suprimindo, do art. 8º, inciso, I, letra b, a competência do Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios para processar e julgar, originariamente, os membros do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios.

Contudo, atualmente entendo e defendo que a competência para processar e julgar os membros do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (leia-se: Promotores de Justiça) é do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, por questões funcionais, pois seria incômodo exigir que o Procurador-Geral de Justiça do Distrito Federal e Territórios se deslocasse aos Tribunais Regionais Federais, da respectiva região onde ocorreu o crime (lato sensu, abrangendo também as contravenções, bem como os delitos tentados), para o oferecimento da denúncia, transação penal, suspensão condicional do processo, etc. Além dos gastos financeiros e óbices à célere prestação jurisdicional, não é razoável destinar esta competência aos Tribunais Regionais Federais, visto que o Procurador-Geral de Justiça exerce suas atividades institucionais no Distrito Federal, onde tem o seu domicílio. Ademais, a maioria das ações penais são públicas, cabendo ao Chefe do Parquet do Distrito Federal e Territórios a iniciativa da persecução penal em juízo, oferendo a denúncia, propondo a suspensão condicional da pena, etc.

Ademais, a Lei de Organização Judiciária do Distrito Federal e dos Territórios anterior (Lei nº 6.750, de 10 de dezembro de 1979), destinava ao Tribunal de Justiça a competência para processar e julgar, originariamente, nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral e do Tribunal do Júri, os membros do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (art. 9º, inciso I, letra "a"). Portanto, historicamente, a competência é do Tribunal de Justiça local.

Em face do exposto, torna-se necessário emendar a Constituição Federal de 1988, consagrando expressamente, no art. 96, inciso III, a competência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios para processar e julgar os Promotores de Justiça do Distrito Federal e Territórios.


NOTAS

          1. Ver: CC nº 12.282-DF, Rel. Min. Antônio Torreão Braz; CC nº 14.396-DF, Rel. Min. César Asfor Rocha; e HC nº 4.442-DF, Rel. Min. Cid Flaquer Scartezzini.

          2. STJ, Sexta Turma, em 18.04.95. Publicado no Diário da Justiça, Seção 1, dia 10.03.97, p. 5.996.

          3. Conflitos de Competência ns. 1.005/SP, 1.265/SP e 1.447.

          4. Resolução nº 17.731 (in Revista de Jurisprudência do TSE, Volume 4, número 1, Jan./Mar. 1993, p. 262); e Acórdãos ns. 10.902, de19.09.89.


Autor

  • Anildo Fabio de Araujo

    Procurador da Fazenda Nacional, categoria especial. Especialista em "Ordem Jurídica e Ministério Público" pela Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal, e em "Direito Processual Civil" pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual - Instituto Brasiliense de Ensino e Pesquisa. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais na Universidad del Museo Social Argentino - UMSA - Buenos Aires, Argentina.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAUJO, Anildo Fabio de. Da competência para processar e julgar crimes praticados por membros do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 35, 1 out. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1059. Acesso em: 24 abr. 2024.