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As reformas processuais e o processo do trabalho

As reformas processuais e o processo do trabalho

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Devemos olhar com redobrada atenção as alterações no processo comum, cotejando a real possibilidade de sua aplicação ao processo trabalhista.

1. Pensar o Processo do Trabalho no panorama das reformas do processo comum: o desafio atual da Justiça do Trabalho

Não faz muito tempo, tínhamos a sensação de que o grande desafio que os profissionais vinculados à Justiça do Trabalho enfrantariam, entre o final da década de 90 e a presente, relacionar-se-ia, de alguma forma, com dois eixos de reforma: a sindical e a trabalhista.

Isso porque fluíam entre nós as indagações próprias das crises dos modelos econômicos vigentes, notadamente em relação a país em desenvolvimento, como o nosso, solapados pela acirrada competição internacional, que questiona, a todo segundo, as garantias de natureza social e trabalhista, demandando, através dos atores sociais de influência, por reformas que propiciem a redução dos custos de mão-de-obra e, em contrapartida, catapulte os níveis de competitividade.

Conquanto esses temas ainda não tenham arrefecido – já que são muito presentes na agenda dos organismos setoriais e sindicais da iniciativa privada, bem assim de alguns partidos políticos -, é preciso reconhecer que, a partir de 2004, com a promulgação da Emenda Constitucional n. 45 e com a assinatura do Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano [01], a reforma da processualística passou a ocupar espaço central no cenário do Judiciário brasileiro.

Através do Pacto, como se sabe, o Presidente da República encaminhou ao Congresso vinte e seis propostas de alteração infraconstitucional dos processos civil, penal e trabalhista. [02]

Dos projetos visando a alteração do processo civil, vários já foram convertidos em lei (Leis ns. 11.187/05, 11.232/05, 11.276/06, 11.277/06, 11.280/06 e 11.382/2006), que tratam de temas relevantes para a processualística, mormente num contexto em que se busca a efetividade do aparato judiciário e a duração razoável do processo, este último traduzido como direito fundamental pelo art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal.

Através da reforma do processo civil, houve rupturas de dogmas e progresso científico em pontos que, em essência, se aproximam do anseio de instrumentalidade do processo, expresso na idéia de que, sendo meio à pacificação social, o procedimento judiciário não pode se constituir em entrave ao escopo da atividade jurisdicional. Nesse sentido, a busca pela unificação do processo de conhecimento e o cumprimento da sentença (processo sincrético) para todas as estirpes de decisões judiciais pendentes de satisfação (Lei n. 11.232/2005), dispensando-se a eclosão de um novo processo executivo, expressa a extensão dessas reformas.

Ainda mais recentemente, a Lei n. 11.382/2006 veio ao ordenamento jurídico-processual com a ousada proposta de alterar os procedimentos de expropriação e execução, introduzindo no processo comum regras para a penhora on line e oferecendo meios alternativos para a expropriação judicial, prestigiando a adjudicação e criando a alienação por iniciativa particular.

E a reforma processual do trabalho? O que esperar dela?

As propostas incluídas no Pacto para o Processo do Trabalho são tímidas, em contraste com aquelas em curso ou já convertidas em lei relativamente ao processo comum. Buscam alterações pontuais e ajustes no sistema recursal, principalmente.

Mesmo assim, ainda não tivemos a aprovação de nenhuma delas.

Conquanto esteja bem claro, entre nós, a necessidade de pensarmos a reforma processual do trabalho, em vista dessa centralidade que o debate em torno da reforma do processo comum ocupa em nossos dias, é preciso reconhecer, de outra banda, nossas dificuldades políticas.

Não é tarefa das mais palatáveis hoje aprovar, no Congresso Nacional, matérias relativamente ao mundo do trabalho, precisamente porque esses temas sempre despertaram acalorados debates ideológicos, de claros contornos econômicos. Somente uma forte costura política é capaz de emprestar capital político a uma proposta mais ousada no campo da reforma processual trabalhista.

Essa também é a avaliação do Secretário da Reforma do Judiciário, Pierpaolo Bottini, que, em recente entrevista, respondendo sobre o porquê das dificuldades enfrentadas na tramitação dos projetos alusivos ao Processo do Trabalho, sentenciou:

Pelos interesses representados no Congresso. O processo civil tramita com mais facilidade, pois a quantidade de parlamentares que se envolvem "apaixonadamente" na discussão é menor. O processo trabalhista, por sua vez, envolve não só a questão técnico-processual, mas também a material. Todas as questões que lidam com a relação capital versus trabalho geram polêmica e discussão. Para discutir reforma trabalhista o acirramento do ânimo político é sempre maior [...] No Congresso Nacional temos interesses de empregadores e de trabalhadores que naturalmente vão se conflitar. O setor de empregadores de má fé tem seus representantes no Congresso e isso dificulta a tramitação do processo trabalhista (Revista Anamatra, n. 51, 2º semestre de 2006).

É por essas razões que devemos olhar com redobrada atenção as alterações no processo comum, cotejando a real possibilidade de sua aplicação ao processo trabalhista.

O objetivo desse texto é o de se juntar ao debate, apresentando alguns pontos da teoria processual e da complexa reforma infraconstitucional do processo comum para a reflexão coletiva dos atores sociais que integram a tessitura processual trabalhista.


2. O manejo do Princípio da subsidiariedade no âmbito do Direito Processual do Trabalho: a contribuição decisiva das teorias das lacunas do Direito

Em estudo que desenvolvi sobre a relação entre a incompletude do ordenamento jurídico-processual trabalhista e a teoria das lacunas [03], assentei premissas no sentido de que o Direito Processual do Trabalho, assim como qualquer outro sistema normativo (de regras e princípios), está subsumido aos efeitos das quebras e das lacunas, em especial como resultado da ação do tempo, do desenvolvimento das novas técnicas jurídicas e do câmbio dos valores que formam a base axiológica de sustentação de qualquer sistema.

No mencionado estudo, procurei contemplar apenas algumas das teorias conhecidas sobre a incompletude do ordenamento jurídico e o problema da existência, classificação e colmatação das lacunas no Direito. Ainda que não seja possível um exame completo das teorias disponíveis [e este não é o objetivo proposto], a análise dos aportes teóricos trazidos à baila são suficientes, penso eu, para demonstrar a complexidade do tema.

Mais do que isso, considero que tais contribuições teóricas comprovam que não se pode reduzir o alcance da expressão "omissão", de que trata o art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho, apenas ao nível das lacunas normativas.

O problema das lacunas pode surgir desde a leitura primitiva dos textos das leis processuais, pela própria condição polissêmica de seus sentidos, bem assim pela própria natureza multifacetada das interpretações possíveis de seus dispositivos, expondo, assim, uma linha muito tênue entre o exercício da hermenêutica e o processo de colmatação de lacunas.

No entanto, o ponto central dessa investigação, sob o ponto de vista da potencialidade de aplicação judicial, diz respeito às lacunas que surgem pelo efeito próprio do tempo sobre o sistema normativo processual.

Refiro-me, em especial, às chamadas lacunas objetivas (Bobbio), secundárias (Engisch), posteriores (Ferraz Jr.), axiológicas e ontológicas (Diniz), e às lacunas subseqüentes (Larenz). São fenômenos que devem merecer a atenção dos intérpretes diante da sua grande incidência em face do enorme desenvolvimento da teoria geral do processo e de diversos institutos processuais ao longo das últimas décadas.

E o Processo do Trabalho, infraconstitucionalmente encravado na CLT, contemporâneo do diploma processual de 1939 – e muito avançado, à época, em relação a muitos aspectos da processualística (impulso oficial, simplificação recursal, etc.) – não pode fechar os olhos aos novos ventos trazidos ao campo do processo pela Constituição Federal e por todas as ondas modernizadoras do processo comum.

Várias das inovações processuais introduzidas na última década no processo comum já são de largo uso no Processo do Trabalho. E não há dificuldade para a aplicação da subsidiariedade quando, de fato, não existe norma correspondente na legislação especializada e o instituto transportado se adequa aos escopos do processo trabalhista e ao seu conjunto axiológico-normativo.

Perece-me, no entanto, existir uma dificuldade mais acentuada para a detecção das lacunas na existência de regramento próprio, mas que, como vimos, pode estar atingido pelo ancilosamento normativo, em face do natural – e desejado – desenvolvimento da processualística, mesmo que na sua face geral, comum.

As teorias sobre as lacunas do tipo secundária, subseqüente ou posterior são vigorosas em reconhecer a juridicidade do mecanismo de colmatação nessas hipóteses, algo que já é feito, consciente ou inconscientemente, de forma expressa ou através de eufemismos, pelos tribunais trabalhistas brasileiros.

Assim como nos demais compartimentos da vida, também no Direito Processual do Trabalho algumas ferramentas e institutos podem não mais demonstrar vigor e isomorfia com as demais dimensões da expressão fenomenológica do Direito (valores e fatos), sucumbindo sua legitimidade jurídica e demandando, em conseqüência, o preenchimento de uma lacuna.

E o que dizer dos influxos da própria ordem constitucional sobre o processo? A supremacia da Constituição, de suas normas e princípios, deve produzir na comunidade de intérpretes do Direito Processual Trabalhista o mesmo influxo que tem produzido nas outras dimensões da Ciência Jurídica. O Estado Constitucional demanda do intérprete uma nova postura, sorvendo-se, inicialmente, do arcabouço constitucional para, somente em seguida, buscar as demais instrumentalizações normativas infraconstitucionais.

O Direito Processual italiano admite a mesma possibilidade de superação de aspectos determinados do ordenamento processual infraconstitucional por força do influxo e supremacia de princípios de cariz constitucional, mormente diante do que consta da Constituição da República da Itália a respeito da prestação de tutela jurisdicional, que é assegurada através de um justo processo, incluindo-se nesse conceito sua duração adequada e razoável, tal qual o português e o espanhol (HOFFMAN, Paulo. Duração razoável do processo. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 97).

A partir dessa premissa constitucional, acentua Paulo Hoffman ser permitido aos juízes "interpretarem a lei de forma a considerar inconstitucionais quaisquer atividades inócuas e que representam atraso na atividade jurisdicional" (2006, p. 65).

Daí a importância para a percepção e manejo desse importante viés hermenêutico, mais crítico em relação ao positivismo – na sua leitura como ‘legalismo’ – e, mais do que isso, atento à supremacia dos valores e princípios constitucionais, de tal modo a identificar outras estirpes de lacunas no ordenamento jurídico-processual, de forma a observar os preceitos constitucionais, reconduzindo o processo ao seu efetivo caráter instrumental.

O chamado princípio da subsidiariedade, previsto no art. 769 da CLT, não encerra, portanto, uma mera técnica de colmatação de lacunas normativas. A expressão "omissão", ali consignada, merece ser interpretada à luz das modernas teorias das lacunas, de modo a preservar a efetividade do Direito Processual do Trabalho, permitindo sua revitalização, a partir do influxo de novos valores, princípios, técnicas, institutos e ferramentas que lhe conservem a celeridade e lhe viabilizem o atingimento de seus escopos.

É dizer: se o transporte de institutos do processo comum para o processo do trabalho demanda o exame da sua compatibilidade com a arquitetura lógica, sistemática e axiológica da legislação processual trabalhista [04], tal mecanismo – mercê das teorias do Direito – há de se permitir caracterizar como de "mão dupla", igualmente admitindo – no exame de cada caso em concreto [05] – a percepção e o reconhecimento da superação da norma processual trabalhista diante de novos mecanismos processuais – ainda que no domínio do processo comum, que lhe é tronco sistemático –, aplicando-os, conforme a situação, em homenagem aos mais elevados princípios da instrumentalidade do processo, da efetividade da tutela jurisdicional e da duração razoável da atividade do Estado-Juiz.

Parece-me ser este o sentido da síntese de Souto Maior:

Ora, se o princípio é o da melhoria contínua da prestação jurisdicional, não se pode utilizar o argumento de que há previsão a respeito na CLT, como forma de rechaçar algum avanço que tenha havido neste sentido no processo comum, sob pena de negar a própria intenção do legislador ao fixar os critérios de aplicação subsidiária do processo civil. Notoriamente, o que se pretendeu (daí o aspecto teleológico da questão) foi impedir que a irrefletida e irrestrita aplicação das normas do processo civil evitasse a maior efetividade da prestação jurisdicional trabalhista que se buscava com a criação de um procedimento próprio na CLT (mais célere, mais simples, mais acessível). Trata-se, portanto, de uma regra de proteção, que se justifica historicamente. Não se pode, por óbvio, usar a regra de proteção do sistema como óbice ao seu avanço. Do contrário, pode-se ter um processo civil mais efetivo que o processo do trabalho, o que é inconcebível, já que o crédito trabalhista merece tratamento privilegiado no ordenamento jurídico como um todo. Em suma, quando há alguma alteração no processo civil o seu reflexo na esfera trabalhista só pode ser benéfico, tanto sob o prisma do processo do trabalho quanto do direito do trabalho, dado o caráter instrumental da ciência processual (‘Reflexos das alterações do Código de Processo Civil no processo do trabalho’. Revista LTr, São Paulo, 2006, v. 70, n. 8, p. 920-1).

Essa ‘releitura’ do método de heterointegração do Processo do Trabalho também mereceu a análise de Wolney de Macedo Cordeiro, que assim exprimiu o seu pensamento:

[...] a atividade do intérprete não é mais norteada pela simples aferição formal da existência da norma, mas sim pela comparação das normas em relação à concretização da prestação jurisdicional. Esse método, portanto, envolve um número maior de operações por parte do intérprete, que se desapega da análise superficial da norma e vincula-se ao seu aspecto teleológico diante das necessidades modernas da sociedade, por uma prestação rápida e efetiva (‘Da releitura do método de aplicação subsidiária das normas de direito processual comum ao processo do trabalho’. In CHAVES, L. A. (org.), 2007, p. 45).

A não se permitir, pois, esse sinalagma, esse caráter dúplice da técnica da subsidiariedade entre o processo comum e o trabalhista, teríamos dificuldades teóricas em explicar a fenomenologia do desenvolvimento do processo trabalhista já em curso, bem assim condenaríamos este ao retrocesso pelas mesmas razões que justificamos a aplicação de institutos por subsidiariedade: o caráter especial do Direito Processual do Trabalho somente tem justificativa histórica se suas normas potencializarem os escopos da celeridade e eficiência na prestação jurisdicional. Normas processuais trabalhistas superadas pelo tempo e pela técnica, em face do processo comum, não podem mais ostentar validade, mercê de sua flagrante incompatibilidade teleológica e sistemática com o próprio Direito Processual do Trabalho.


3. O fim do mandado de citação para o cumprimento das sentenças e a multa de 10% prevista no art. 475-J do CPC

O art. 475-J, introduzido no Código de Processo Civil pela Lei n. 11.232 aboliu, de forma categórica, o instituto da citação para que passasse a ser exigível, após um interstício de 15 dias destinado ao seu pagamento voluntário, a obrigação de pagar estampada no título judicial, ou melhor, na sentença.

De logo, é de se esclarecer que a regra da dispensa da citação não tem, no entanto, aplicabilidade quando se trata de execução contra a Fazenda Pública, seja na forma de precatório ou na modalidade de requisição de pequeno valor (CF, art. 100, § 3º), que continua regulada pelo art. 730 do Código de Processo Civil, ainda exigindo, assim, a citação do devedor.

A propósito, não é demais repisar que o novo procedimento introduzido pela Lei n. 11.232 não atingiu a execução contra a Fazenda Pública, preservando a arquitetura tradicional dos privilégios processuais que lhe são inerentes na fase executiva, a qual permanece ostentando, por força da lei, sua autonomia em relação à etapa cognitiva. O mesmo se diga em relação à execução fundada em título de crédito extrajudicial. [06]

Estou plenamente convencido que a inovação deve ser transportada para o Processo do Trabalho.

Com efeito, o art. 880 da CLT ainda conserva a superada idéia de autonomia do processo de execução, na medida em que alude à necessidade da expedição de "mandado de citação ao executado, a fim de que cumpra a decisão ou o acordo no prazo". Cuida-se de comando normativo atingido em cheio pelo fenômeno do ancilosamento normativo, diante do que preconiza a atual dinâmica do processo comum, abrindo caminho para o reconhecimento do que a Ciência Jurídica denomina de "lacuna ontológica".

Ora, não faz sentido algum se manter o intérprete fiel ao disposto no art. 880 da CLT enquanto o processo comum dispõe, agora, de uma estrutura que superou a exigência de nova citação para que se faça cumprir as decisões judiciais, expressando, assim, maior sintonia com as idéias de celeridade, economia e efetividade processuais. É a hipótese mais do que evidente de lacuna ontológica do microssistema processual trabalhista.

O sistema processual possui um tronco comum estruturante, que é a Teoria Geral do Processo, a qual, mercê das alterações promovidas pela Lei n. 11.232, não mais comporta a arquitetura anterior que separa a fase de conhecimento daquela onde são promovidos os atos judiciais tendentes a dar efetividade ao decreto judicial condenatório.

Examinando os impactos da reforma do Código de Processo Civil sobre o Direito Processual do Trabalho, observou Jorge Luiz Souto Maior, a despeito da superação do art. 880 da Consolidação das Leis do Trabalho:

O art. 880 da CLT, que determina que o juiz mande expedir ‘mandado de citação ao executado, merece uma leitura atualizada, para que seja dispensada a citação pessoal do executado [...] diante da previsão da própria CLT de que a execução se realizava ‘ex officio’, para ‘cumprimento’ do título executivo judicial, a determinação para que se realizasse a ‘citação’ do executado somente pode ser atribuída a um cochilo do legislador, pois que tal regra era incompatível com o procedimento que ele próprio criara. Veja-se, por exemplo, o absurdo de, por aplicação cega do art. 880, determinar-se a citação pessoal do reclamado que descumpre acordo firmado em audiência. Citar é dar ciência quanto à existência de uma demanda judicial. Qual a razão de se dar ciência ao executado quanto à existência de uma dívida que ele próprio assumiu perante um juiz e nas condições que foram livremente fixadas? (2006, p. 922).

Logo, não se pode mais, seja no processo comum seja no Processo do Trabalho, falar em nova citação para a fase de cumprimento, já que esta, a rigor, passou a integrar o próprio processo cognitivo.

E por esse viés, poderíamos até mesmo considerar – tal como já assentei quando da análise do impacto da Lei 10.352/2001 sobre a remessa ex officio no Processo do Trabalho [07] – a existência de lacuna normativa clássica, porquanto o Direito Judiciário do Trabalho não conhece regras positivadas em relação ao cumprimento, na fase de conhecimento, de título judicial fundado em obrigação de pagar, assim consideradas as que tutelam a matéria ainda na fase cognitiva do feito, o que atrairia a aplicação da regra do art. 475-J, por força do preceito fixado pelo art. 769 da CLT.

E, tal como já sucede no Processo do Trabalho, com a aplicação dos arts. 461 e 461-A – que tratam, respectivamente, do cumprimento das obrigações de fazer e não fazer e as de entregar coisa certa -, de inequívoca aplicação entre nós, estamos diante de instituições atinentes à fase de conhecimento do feito, e não de execução.

Penso que, entre nós, a mudança de rumo quanto ao tema já chega com muito atraso.

Cotejando a Lei Federal nº 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, observa-se que as regras para a execução das sentenças proferidas sob o manto do seu rito especial já não mais admitem a existência da citação formal para o início dos atos executivos. Eis a regra:

Art. 52. A execução da sentença processar-se-á no próprio Juizado, aplicando-se, no que couber, o disposto no Código de processo Civil, com as seguintes alterações:

......................................................................................

IV – não cumprida voluntariamente a sentença transitada em julgado, e tendo havido solicitação do interessado, que poderá ser verbal, proceder-se-á desde logo a execução, dispensada nova citação; (grifei)

......................................................................................

Diante desse texto, encontramos mais uma constatação, na perspectiva da interpretação histórico-evolutiva do Direito Processual do Trabalho, a reforçar a tese da supletividade na espécie. Se este, o processo trabalhista, serviu de inspiração – e serviu – para a construção do rito especial dos Juizados, como considerar razoável negar a inexigibilidade da citação pessoal, por meio de mandado, no Processo do Trabalho?

Tenho para mim que a Justiça do Trabalho, por longo tempo, insistiu – por mero apego ao formalismo processual – na citação através de Oficial de Justiça para a deflagração da execução [08]. Num microssistema processual, onde a citação para responder a ação sempre foi por meio impessoal e postal (art. 841, § 1º, CLT), aspecto vanguardista de sua estrutura, não caberia tamanho rigor e tamanha formalidade na fase executiva. Apenas a influência da Teoria Geral do Processo mantinha aceso esse resquício de excesso de "proteção" ao réu, hoje tão duramente criticado pela moderna teoria processual.

Também temos que considerar a enorme economia aos serviços judiciários, porquanto dispensada a confecção de mandados citatórios [09] e, mais do que isso, a diligência pessoal do oficial de justiça para a citação do executado, providência complexa que envolve grande desperdício de tempo, sem falar nos inúmeros casos de ausência do executado para a receber a citação, desaguando o feito na morosa providência da citação por edital (§ 3º, art. 880 da CLT).

Assim, em que pesem os argumentos contrários, entendo ser perfeitamente defensável no Processo do Trabalho o fim do ato formal de citação para que tenha início a fase executiva das obrigações de pagar, tal como já ocorre com as obrigações de fazer e não-fazer e de entregar coisa certa, nos termos dos art. 461 e 461-A do Código Processual Comum.

Apoiar-se, como fazem os defensores da tese refratária à subsidiariedade, no simples fato da existência da quase septuagenária redação do art. 880 da CLT, é postura hermenêutica estática e positivista (no sentido de legalista), que, com a venia devida, releva completamente o caráter dinâmico do ordenamento jurídico e, mais do que isso, o importante papel do intérprete em relação às necessidades do seu tempo.

Quanto à multa de 10% prevista no art. 475-J, também não vislumbro óbices na teoria da supletividade para a sua aplicação nos julgados condenatórios, agora de natureza executiva lato sensu.

Num universo judiciário de grande volume processual, é mais do que salutar o incremento dessa ferramenta entre nós, de modo a estimular o pagamento espontâneo da obrigação, fazendo reduzir os recursos meramente protelatórios.

Já temos, inclusive, precedente Regional em apoio à tese da aplicação da multa:

MULTA. ARTIGO 475-J DOCPC. A multa prevista no art. 475-J do CPC, com redação dada pela Lei 11.232/05, aplica-se ao Processo do Trabalho, pois a execução trabalhista é omissa quanto a multas e a compatibilidade de sua inserção é plena, atuando como mecanismo compensador de atualização do débito alimentar, notoriamente corrigido por mecanismos insuficientes e com taxa de juros bem menor do que a praticada no mercado.

A oneração da parte em execução de sentença, sábia e oportunamente introduzida pelo legislador através da Lei 11.232/05, visa evitar argüições inúteis e protelações desnecessárias, valendo como meio de concretização da promessa constitucional do art.5, LXXVIII pelo qual "A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados o tempo razoável do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação."

Se o legislador houve por bem cominar multa aos créditos cíveis, com muito mais razão se deve aplicá-la aos créditos alimentares, dos quais o cidadão-trabalhador depende para ter existência digna e compatível com as exigências da vida.

A Constituição brasileira considerou o trabalho fundamento da República - art.1, IV e da ordem econômica - art.170. Elevou-o ainda a primado da ordem social - art. 193. Tais valores devem ser trazidos para a vida concreta, através de medidas objetivas que tornem realidade a mensagem ética de dignificação do trabalho, quando presente nas relações jurídicas (TRT 3ª Região. AP 01574-2002-099-03-00-1, Rel. Juiz Antonio Álvares da Silva, 16.12.2006).

Ponto polêmico a respeito da multa diz respeito ao momento da fluência de seu prazo. Mesmo no processo comum, várias são as leituras quanto ao dies a quo.

Para Carlos Alberto Carmona (‘Novidades sobre a execução civil: observações sobre a Lei 11.232/2005’ In RENAULT, Sérgio Tamm & BOTTINI, Pierpalo Cruz. A nova execução dos títulos judiciais. São Paulo: Saraiva, 2006), o ideal seria que o devedor fosse intimado para satisfazer a obrigação, após cessados os recursos, até porque terá o devedor de consultar os autos e fazer os cálculos atualizados da conta.

Em igual direção o comentário de Nelson Nery: "transitada em julgado a sentença, o princípio da lealdade processual traz como conseqüência o dever de a parte condenada à obrigação de pagar quantia em dinheiro cumprir o julgado [...] o devedor deve ser intimado para que, no prazo de quinze dias a contar da efetiva intimação, cumpra o julgado e efetue o pagamento da quantia devida (Código de processo civil comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 641).

Petrônio Calmon Filho não vê a necessidade de intimação, reconhecendo que "a própria sentença é a intimação para o pagamento, e o prazo para pagar começa a contar do dia em que a sentença transita em julgado" (‘Sentença e títulos executivos judiciais’ In RENAULT & BOTTINI, op. cit., p. 102).

A reconhecer aplicável a incidência da multa de 10% no Processo do Trabalho (a exemplos de tantas outras cominações sancionatórias previstas do CPC), tenho que o disposto no art. 475-J dispensa a necessidade de trânsito em julgado para a sua fluência.

Ora, se o valor imanente ao dispositivo legal em foco é o de emprestar maior efetividade, por óbvio que deve ele prescindir do trânsito em julgado. A sentença monocrática de Primeiro Grau deve produzir efeitos desde já, mormente quando, no Processo do Trabalho, inexiste recurso com efeito suspensivo (art. 899, CLT) [10].

Apóio-me, aqui, no magistério de Luiz Guilherme Marinoni, que afirma, a despeito da distribuição do ônus do tempo no processo: "um sistema que não admite a execução da sentença na pendência de recurso prejudica o autor que tem razão, enquanto que o sistema que a admite pode causar dano ao réu. Deixe-se claro, contudo, que, se o autor que tem razão não pode ser prejudicado pelo processo, é completamente ilógico prejudicá-lo duas vezes (nos dois graus de jurisdição) apenas para que o réu fique livre de riscos" (Novas linhas do processo civil. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 162).

Se a sentença prolatada pelo Juiz do Trabalho estampa uma solução razoável para a lide e se encontra devidamente fundamentada, como não lhe atribuir, pois, efeitos no mundo dos fatos? [11]

Num sistema onde a regra sempre foi a da mera devolutividade dos recursos, há de se reconhecer, neste renovado ambiente processual, a força e o prestígio das sentenças, bem assim da execução (cumprimento), mesmo que provisória, delas.

Reforçam esse quadro as novas regras alusivas à impugnação durante a fase de cumprimento (embargos à execução no Processo do Trabalho) que não mais admitem, como regra, a suspensividade da sua mera oposição, condicionando-a, isso sim, a um exame da plausibilidade da pretensão deduzida pelo devedor, a juízo do Juiz que conduz o processo (art. 475-M).

Em suma, pode-se afirmar: prolatada a sentença e dela ciente o devedor, começa a fluir o prazo para o pagamento voluntário, que é de 15 dias [12]. Caso reformada, no todo ou em parte, o decreto judicial exeqüendo, o devedor será igualmente absolvido da multa (no todo ou em parte também, conforme o caso) competindo ao Juiz examinar essa questão na hipótese de execução provisória [13], onde haja pedido de liberação de crédito com base no permissivo do art. 475-O do CPC, também de aplicação supletiva.

Penso que, dessa forma, daremos a maior efetividade possível à interpretação do art. 475-J do CPC.


4. Das formas alternativas de expropriação judicial: o novo modelo apresentado pela Lei Federal n. 11.382/2006

O modelo adotado pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, no seu art. 880, é o mesmo reproduzido pelas leis processuais codificadas: penhora, avaliação, e designação de hasta pública, podendo, no entanto, o exeqüente concorrer com o arrematante, tendo aquele preferência, no Processo do Trabalho, se iguais os lances (art. 880, § 1º, CLT).

Sabemos, no entanto, que tal mecanismo é de pouquíssima efetividade, máxime em um universo judiciário que jamais concentrou recursos orçamentários na construção de depósitos judiciais e estruturas de logística para remoção de bens.

Além disso, pesa contra a expropriação judicial uma certa desconfiança na demora para o desembaraço e a entrega dos bens, com freqüência obstaculizados pela oposição de embargos à expropriação ou outros meios de impugnação, que retardam o processo e o desprestigia aos olhos daqueles que ousam participar dos leilões judiciais.

Na 21ª Região da Justiça do Trabalho, houve, nos últimos 10 anos, importantes avanços nesse terreno, fruto de investimentos em depósitos judiciais, contratação de leiloeiro para auxiliar na tarefa expropriatória prestada pelos Juízes da Execução, modernização e informatização dos leilões judiciais - com o cadastramento prévio dos arrematantes, divulgação ampla dos leilões através de mala direta, jornais, rádios, etc. – e, talvez o mais importante, a adoção de uma postura mais consentânea com a fase de cumprimento, revelada pela tendência de adoção de ordem de remoção dos bens constritados, o que tem elevado o nível de pagamento das dívidas e a procura por sua composição junto ao credor.

Pois bem. Ainda dentro do já mencionado movimento de reformas do Código de Processo Civil, foi recentemente sancionada a Lei Federal n. 11.382, de 6 de dezembro de 2006 (DOU de 07 de dezembro de 2006), decorrente da aprovação, pelo Senado Federal, do Projeto de Lei nº 4.497/2004, integrante do chamado Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano, firmado pelos Chefes do Executivo, Judiciário, Câmara dos Deputados e Senado da República em dezembro de 2004.A nova legislação, que teve vacatio legis de apenas 45 dias, complementa a reforma do processo de execução, dispondo sobre os mais variados temas (penhora, avaliação, etc). Destaco, para os fins deste estudo, a aguda alteração que propõe para a expropriação.

Pela nova redação do art. 686 do CPC, a hasta pública somente terá lugar se: a) não for requerida a adjudicação do bem pelo credor ou b) não for realizada a alienação por iniciativa particular. O novo art. 685-A, por sua vez, estabelece que o credor pode requerer a imediata adjudicação do bem penhorado, oferecendo o preço não inferior ao da avaliação. Mais adiante, o art. 685-C define a alienação por iniciativa particular: "não ocorrente adjudicação dos bens penhorados, o exeqüente poderá solicitar sua alienação por iniciativa dele exeqüente ou por intermédio de corretor credenciado perante a autoridade judiciária".

O desprestígio à expropriação judicial é uma tendência já observada em outros sistemas processuais. O Código de Processo Civil de Portugal, por exemplo, estabelece que os atos de execução são de competência de um "agente de execução", sob o controle do Juiz (art. 808), a quem compete a promoção dos atos de adjudicação ou venda dos bens penhorados.

Em semelhante direção parece se dirigir o Direito Processual do Trabalho Espanhol, na forma prevista no art. 261 da Ley de Procedimiento Laboral, ao estabelecer que "para la liquidación de los bienes embargados, podrán emplear-se estos procedimientos: a) por venta en entidade autorizada administrativamente com tal fin, si así lo acordara el órgano judicial, cualquiera que fuere el valor de los bienes [...]".

Assinalo, no entanto, que já temos, na ciência processual brasileira, uma experiência nessa quadra da expropriação em procedimento diverso da hasta pública.

Com efeito, estabelece o art. 52 da mencionada Lei Federal n. 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais: "na alienação forçada dos bens, o juiz poderá autorizar o devedor, o credor ou terceira pessoa idônea a tratar da alienação do bem penhorado, a qual se aperfeiçoará em Juízo até a data fixada para a praça ou leilão" (art. 52, inciso VII).

Ainda antes, a Lei n. 6.830/80 passou a garantir à Fazenda Pública a especial prerrogativa de adjudicar os bens penhorados antes mesmo do leilão, pelo preço da avaliação (art. 24, inciso I).

Como se vê, o que propõe a Lei Federal n. 11.382/2006 é uma ampliação do sistema, já de certa forma em vigor na Lei n. 9.099/95, que absorveu o instituto da alienação por iniciativa do devedor; e na Lei n. 6.830/80, quanto à adjudicação antes mesmo da hasta pública.

E o Processo do Trabalho pode se utilizar desse procedimento?

Penso que sim, pelas mesmas razões metodológicas que assentei quando do exame do problema do mandado de citação para o cumprimento da sentença na Justiça do Trabalho.

A terceira onda de reforma do Código de Processo Civil ostenta uma feição mais moderna, mais sintonizada com os valores e os princípios de nossa época, moderando o excesso de rigor e formalismo que inspirou os primeiros sistemas processuais na primeira metade do século XX, donde é egresso o ordenamento processual previsto na Consolidação das Leis do Trabalho considerado vanguardista em seu momento histórico.

Logo, tendo em conta a completa ausência de regramento na CLT quanto à possibilidade de alienação do bem penhorado por iniciativa particular, é de se admitir, por incidência da norma da subsidiariedade prevista no art. 769 da CLT (note que estamos, agora, no campo da fase de cognição, onde também se operam os atos de cumprimento da sentença), a aplicação supletiva das novas regras trazidas pela Lei n. 11.382/06.

À mesma conclusão chegaríamos se contemplássemos o problema da supletividade em face do art. 889 da CLT ("Aos trâmites e incidentes do processo da execução são aplicáveis, naquilo em que não contravierem ao presente Título, os preceitos que regem o processo dos executivos fiscais para a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública Federal"). Como vimos, a Lei 6.830/80, conquanto tenha avançado em permitir a adjudicação antecipada de bens pela Fazenda Pública, conservou ainda a idéia de ênfase na hasta pública.

Trata-se, ademais, de providência alinhada com os parâmetros e valores constitucionais do acesso à justiça e duração razoável do processo.

Restaria, ainda, lugar para as regras do art. 888 da CLT, caso não lograsse êxito a adjudicação antecipada ou a alienação através de quaisquer das pessoas indicadas no mencionado dispositivo legal (art. 685-C, CPC). Porém, pela experiência da Justiça do Trabalho, é de se admitir que de pouca valia seria tal designação de hasta pública, pois provavelmente, nesse estágio, o bem penhorado não ostentaria interesse de compra por arrematante, porquanto muito mais palatável seria a venda mediante autorização judicial.

Se um dos aspectos estranguladores da efetividade processual tem sido, reconhecidamente, a fase expropriatória, não vejo razão para não ousarmos, na trilha de outros sistemas processuais, inclusive estrangeiros, como vimos.

Precisamos, quanto ao tema, de uma atitude mais operacional e efetiva e, para isso, temos que romper com a dogmática formalista e tradicional, transportando para a Justiça do Trabalho o instrumental já disponível, de lege lata, para atingir os escopos do processo.

O manejo desse novo instrumento, pelo método de heterointegração que defendo, é meio de superação das dificuldades da legislação adjetiva e tem um caráter libertador das formalidades decrépitas, já há muito de comprovada ineficácia.


5. Considerações finais

Os temas aqui abordados, pinçados que foram de um contexto bastante amplo de reformas processuais recentes, apenas ilustram o desafio atual do intérprete e aplicador do Direito Processual do Trabalho.

Os textos escritos sobre a reforma e seus reflexos são, quando muito, uma contribuição para o saudável e construtivo debate de idéias.

Não podemos, todavia, declinar de nosso protagonismo, não aquele que se escolhe, que se elege, mas do protagonismo em que nos insere o nosso próprio momento histórico.

Noutras palavras: reservou-nos a marcha histórica que estivéssemos manejando a ciência processual do trabalho em momento tão crítico, num verdadeiro ponto de mutação entre um modelo tradicional e outro em construção, mais afinado com os postulados da instrumentalidade e eficiência; menos disposto à chicana e ao atraso que nos condena o formalismo e a burocracia processuais; mais apto a dotar a atividade jurisdicional de ferramentas que prestigiem e concretizem a promessa constitucional de uma tutela jurisdicional rápida, entregue em prazo razoável.

É função do intérprete e aplicador da ciência processual emprestar-lhe atualidade histórica e dinâmica funcional, lançando mão dos princípios constitucionais e regras infraconstitucionais – ainda que integrantes de outros subsistemas – para dar efetividade às decisões da Justiça do Trabalho.

O sistema processual trabalhista assenta-se em postulados principiológicos (simplicidade, celeridade, efetividade, etc.) que não podem ser contidos pela desgastada e ineficaz ação de determinadas regras.

As críticas pontuais a aplicação das regras do processo comum ao processo especializado merecem todo o nosso respeito. Penso, no entanto, que, nesse ponto de mutação, é mais do que saudável uma maior abertura em nossos dogmas, em prol dos valores constitucionais retratados ao longo deste texto (acesso à justiça, duração razoável do processo, eficiência, etc.). Esse foi o desafio paradigmático proposto ao Processo Civil, e haverá de ser também o nosso desafio.

Ainda que o desejável seja uma ampla reforma da CLT, sabemos todos que se trata de uma providência inalcançável num curto prazo. Como plano de ação futura, creio que essa reforma será muito bem-vinda, até para que possamos propor um avanço ainda maior, resgatando o vanguardismo outrora desfrutado quase que com exclusividade pelo Processo do Trabalho. Para tanto, precisamos estimular as boas idéias e recolhê-las, de modo a sistematizá-las em proposições legislativas.

Enquanto que isso não se torna uma realidade, a incorporação das inovações do processo comum ao Processo do Trabalho, naquilo que é compatível, é medida não só consentânea com os princípios do Direito Judiciário trabalhista, mas com todas as mais elevadas aspirações dos jurisdicionados que buscam e confiam na Justiça do Trabalho.


NOTAS

01 Trata-se de documento de natureza política firmado pelo Presidente da República e pelos presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, publicado no Diário Oficial da União de 16 dez. 2004, que resultou na apresentação de diversos projetos ao Congresso Nacional, visando à implementação de reformas infraconstitucionais tendentes a combater a morosidade do Judiciário brasileiro. Eis o que consta do preâmbulo do referido documento: "Poucos problemas nacionais possuem tanto consenso no tocante aos diagnósticos quanto à questão judiciária. A morosidade dos processos judiciais e a baixa eficácia de suas decisões retardam o desenvolvimento nacional, desestimulam investimentos, propiciam a inadimplência, geram impunidade e solapam a crença dos cidadãos no regime democrático. Em face do gigantesco esforço expendido, sobretudo nos últimos dez anos, produziram-se dezenas de documentos sobre a crise do Judiciário brasileiro, acompanhados de notáveis propostas visando ao seu aprimoramento. Os próprios Tribunais e as associações de magistrados têm estado à frente desse processo, com significativas proposições e com muitas iniciativas inovadoras, a demonstrar que não há óbices corporativistas a que mais avanços reais sejam conquistados. O Poder Legislativo não tem se eximido da tarefa de contribuir para um Judiciário melhor, como demonstram a recém-promulgada reforma constitucional (EC nº 45/2004) e várias modificações nas leis processuais. A reforma do sistema judicial tornou-se prioridade também para o Poder Executivo, que criou a Secretaria de Reforma do Judiciário no âmbito do Ministério da Justiça, a qual tem colaborado na sistematização de propostas e em mudanças administrativas. São essas as premissas que levam os três Poderes do Estado a se reunirem em sessão solene, a fim de subscreverem um Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais Rápido e Republicano [...]".

02 Projeto de Lei nº 4730/2004, que trata da dispensa de autenticação de documentos no Processo do Trabalho, já aprovado pela Câmara dos Deputados; Projeto de Lei nº 4731/2004, que altera o processo de execução trabalhista; Projeto de Lei nº 4732/2004, que reduz a possibilidade de interposição do recurso de revista para o Tribunal Superior do Trabalho; Projeto de Lei nº 4733/2004, que reduz o cabimento de embargos no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho; Projeto de Lei nº 4733/2004, que eleva o valor do depósito recursal no Processo do Trabalho; e Projeto de Lei nº 4735/2004, que dispõe sobre a exigência de depósito prévio para fins de ajuizamento de ação rescisória no Processo do Trabalho.

03 CHAVES, Luciano Athayde. ‘As lacunas no direito processual do Trabalho’ In CHAVES, L. A. (org.). Direito processual do trabalho: reforma e efetividade. São Paulo: LTr, 2007.

04 Para Valentin Carrion, a aplicação de institutos não previstos na Consolidação das Leis do Trabalho não deve ser motivo para a eternização das demandas, sem prejuízo da necessidade de se fazer as devidas adaptações. Demais disso, "perante novos dispositivos do processo comum, o intérprete necessita fazer uma primeira indagação: se, não havendo incompatibilidade, permitir-se-ão a celeridade e a simplificação, que sempre foram almejadas. Nada de novos recursos, novas formalidades inúteis e atravancadoras" (Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. São Paulo: Saraiva,1999, p. 587).

05 "Estando a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil jungida à harmonia com a sistemática adotada pelo legislador consolidado, forçoso é concluir que a definição demanda tarefa interpretativa mediante o cotejo do preceito que se pretenda ver aplicado com a sistemática da CLT" (TST – AG-RR 7583/85, Rel. Min. Marco Aurélio, apud CARRION, 1999, p. 588).

06 Realmente, a dispensa da citação não atinge a execução fundada em título executivo extrajudicial no Processo do Trabalho. Para a cobrança dos títulos extrajudiciais previstos no art. 876 da Consolidação das Leis do Trabalho (termos de ajuste de conduta firmados perante o Ministério Público do Trabalho e os acordos lavrados no âmbito das comissões de conciliação prévia), a citação ainda é necessária, posto que é o ato de chamamento do réu (devedor) ao processo. No entanto, penso que deveríamos, também aqui, avançar. Dentro do espírito de instrumentalidade retratado no art. 475-J, § 1º do CPC, que permite até mesmo a ciência da penhora pela via postal, ao devedor ou ao seu advogado, vejo como um avanço que se permita aqui, por aplicação do art. 8º, inciso I, da Lei n. 6.830/80, a citação do devedor pelo correio, com aviso de recebimento, até porque essa é a forma prevista para a citação na CLT (art. 841, § 1º) para a formação do processo de conhecimento. O excesso de garantia atribuído ao ato formal de chamamento do devedor ao processo, a que alude o art. 880 da CLT, não tem mais lugar no atual cenário axiológico da processualística, que agasalha uma menor formalidade em favor da maior agilidade, com a mesma segurança, do caminho procedimental. De mais a mais, a citação pela via postal somente comprometeria a segurança do processo caso o devedor demonstre, de forma inequívoca, o prejuízo causado por essa via citatória (princípio da transcendência, moderador das nulidades no Processo do Trabalho, art. 794, CLT). E, como sabemos, raramente isso ocorre, porquanto a citação postal é de largo uso na fase de conhecimento, com comprovada eficácia, tanto que fora transportada para o processo comum ainda por ocasião da primeira onda de reformas do CPC (Lei n. 8.710/93).

07 CHAVES, Luciano Athayde. ‘O processo do Trabalho e o novo disciplinamento dado à remessa oficial pela Lei n. 10.352/2001’. Revista LTr. São Paulo, v. 67, nº 5, maio 2003.

08 Trata-se de considerar, a meu juízo, a reprodução, por inércia, da expressão positivista estampada na regra processual inserida no art. 880 da CLT, fenômeno, como observou Gustavo Zagrebelsky, muito comum nos sistemas jurídicos ocidentais: "La supervivencia ‘ideológica’ del positivismo jurídico es um ejemplo de la fuerza de inercia de las grandes concepciones jurídicas, que a menudo continúan operando como residuos, incluso cuando ya han perdido su razón de ser a causa de cambio de las circunstancias que originalmente las habían justificado. Antes de pasar a considerar su modo de componerse, es preciso prestar atención a las superaciones que constituyen la novedad fundamental de los ordenamientos jurídicos del siglo XX y que hacen del iuspositivismo [...] un puro e simple residuo histórico" (El decreho dúctil, Madrid: Trotta, 2005, p. 41).

09 Em levantamento junto à coordenação da Central de Mandados do Tribunal Regional da 2ª Região – São Paulo, obtive a informação de que chegam todo mês aproximadamente 12.000 mandados para cumprimento, dos quais cerca de 70% representam mandados de citação para a execução. Por esses números, é possível se ter idéia da magnitude da economia nos serviços judiciários a que faço alusão.

10 Até a 2ª edição do meu livro "A recente reforma no processo comum e seus reflexos no direito judiciário do trabalho" (São Paulo: LTr, 2006), admiti a hipótese de suspensão do cumprimento da obrigação, caso houvesse interposição de recurso contra a sentença condenatória. O melhor exame da matéria, fez-me rever meu posicionamento. O contexto do espírito axiológico das reformas, aliado à necessidade de emprestar maior prestígio à execução provisória, que agora, mais do que antes, admite a liberação de crédito, não mais permite fazer da sentença de primeiro grau apenas uma etapa formal e primária da solução judicial do conflito de interesses. Deve ela produzir efeitos até decisão ulterior que a modifique.

11 Em texto ainda mais próximo, Marinoni relembra que o quadro atual de desprestígio da tutela jurisdicional conspira, não só contra seus escopos, mas contra quem procura justiça, através do Estado-Juiz. Afirma o processualista: "todos sabem que, na lógica do sistema processual vigente, não há vantagem no pagamento imediato da condenação. Se o condenado tem ciência de que a satisfação do crédito declarado na sentença demora para ser efetivada, prefere esperar que o lesado suporte o tempo e o custo da execução por expropriação. Ora, como é pouco mais que óbvio, o simples fato de o infrator poder trabalhar com o dinheiro durante o tempo de demora – que não é pequeno – da execução por expropriação somente pode lhe trazer benefício, com igual prejuízo ao lesado" (A efetividade da multa na execução da sentença que condena a pagar dinheiro. Disponível em <www.professormarinoni.com.br>. Acesso em 12.02.2007).

12 Sobre a defesa do prazo de 15 dias também no Processo do Trabalho, conferir CHAVES, Luciano Athayde. A recente reforma no processo comum e seus reflexos no direito judiciário do trabalho". São Paulo: LTr, 2ª edição, 2006, p. 65.

13 Também em relação à execução provisória, já temos precedentes que aplicam as novas regras do CPC, em detrimento do disposto na súmula n. 417, item III, do Tribunal Superior do Trabalho. Vejamos aresto da 2ª Região: "PENHORA. BLOQUEIO "ON-LINE". EXECUÇÃO PROVISÓRIA. Ausência de ilegalidade na r. decisão judicial que determina a constrição sobre numerário de conta corrente, pois encontra respaldo no artigo 655 do CPC, o qual fixa a ordem de nomeação de bens à penhora pelo devedor, elencando primeiramente o dinheiro. O fato de se tratar de execução provisória não obsta a penhora em conta corrente, haja vista o disposto na nova redação do artigo 475-O, parágrafo 2º, I do CPC, introduzida pela Lei n° 11.232/05, de aplicação subsidiária ao processo trabalhista (CLT, art. 769), permitindo, inclusive, o levantamento de depósito em dinheiro. De fato, a teor do referido preceito legal, é autorizada a liberação imediata de parte do crédito de natureza alimentar, independentemente até de caução. A meu ver a hipótese seria de denegação da ordem de segurança, porém, diante do posicionamento majoritário desta E. Seção Especializada em Dissídios Individuais 3, há que se considerar a incidência do óbice previsto no art. 5º, II, da Lei nº 1.533/51 e da Orientação Jurisprudencial 92 da SDI 2/TST, pois, na linha desse entendimento, a discussão pretendida pela impetrante comporta reexame mediante recurso previsto na legislação processual, atraindo o disposto no art. 267, IV, do CPC. Extinção sem resolução do mérito (CPC, artigo 267, inciso IV). (TRT 2ª Região. MS 14280-2005-000-02-00-5, Juíza Wilma Nogueira, 31.10.2006)".



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAVES, Luciano Athayde. As reformas processuais e o processo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1588, 6 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10615. Acesso em: 24 abr. 2024.