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O direito constitucional fundamental de greve e a função social da posse.

Um novo olhar sobre os interditos possessórios na Justiça do Trabalho brasileira

O direito constitucional fundamental de greve e a função social da posse. Um novo olhar sobre os interditos possessórios na Justiça do Trabalho brasileira

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O presente estudo busca formular um novo olhar sobre os interditos possessórios manejados em face da atividade grevista dos trabalhadores.

1 – ITINERÁRIO DA ABORDAGEM

O presente estudo tem o seu objetivo centrado na formulação de um novo olhar sobre os interditos possessórios manejados em face da atividade grevista dos trabalhadores.

Para alcançá-lo tratarei inicialmente de conceituar o direito de greve, bem como classificá-lo dentro do ordenamento jurídico brasileiro, a fim de exaltar a sua importância para a consecução de outra garantia primordial da classe trabalhadora, situada na deflagração e desenvolvimento da negociação coletiva, principalmente na conjuntura contemporânea de deterioração do poder normativo da Justiça do Trabalho.

Na seqüência buscarei demonstrar, com substrato em uma releitura do direito privado, que a posse somente merecerá proteção a partir do momento em que cumprir com a função social a que está constitucionalmente adstrita, pontuando que para alcançar esse desiderato, ela (a posse) deverá se pautar pela observância das disposições que regulam as relações de trabalho.

Em arremate trarei a lume, com os olhos voltados para tais ponderações, algumas reflexões sobre os aspectos mais relevantes do processamento das ações possessórias no ramo laboral do Poder Judiciário, para finalmente propor uma forma verdadeiramente democrática de análise do tema.


2 - DIREITO DE GREVE: CONCEITUAÇÃO - NATUREZA JURÍDICA – OBJETIVOS

Numa miragem meramente positivista, é lícito afirmar, a partir da leitura estrita do artigo 2º da Lei 7.783-89, que a greve nada mais é do que "a suspensão coletiva, temporária e pacífica total ou parcial, de prestação pessoal de serviços ao empregador".

Já em plano doutrinário mais abrangente, imprescindível para a visualização aprofundada do mencionado fenômeno, o professor Maurício Godinho Delgado ensina que a greve deve ser compreendida como "a paralisação coletiva provisória, parcial ou total, das atividades dos trabalhadores em face de seus empregadores ou tomadores de serviços, com o objetivo de exercer-lhes pressão, visando a defesa ou conquista de interesses coletivos, ou com objetivos sociais mais amplos". [01]

Dito de outro modo, a lógica da greve reside na interrupção da prestação de serviços pelos trabalhadores, que de tal arte criam um fato jurídico-social propício à abertura de negociação coletiva, que, em última análise, poderá garantir melhores condições de labuta à categoria profissional envolvida.

Assim é que no dizer de Márcio Túlio Viana, "a greve é ao mesmo tempo pressão para construir a norma e sanção para que ela se cumpra. Por isso, serve ao Direito de três modos sucessivos: primeiro como fonte material; em seguida, se transformada em convenção, como fonte formal; por fim, como modo adicional de garantir que as normas efetivamente se cumpram" [02].

A greve é hoje, portanto, reconhecida como um direito. Talvez o mais dialético dos direitos, já que além de cumprir o papel de fonte jurídica material e formal, consegue ser, a um só tempo, norma, sanção e garantia.

Mas nem sempre foi assim. Sem passar pelo resgate histórico do tema, tendo em conta as delimitações já estabelecidas para o presente trabalho, é de se comentar, pelo menos a título de curiosidade, que houve épocas em que o paredismo era considerado crime ou no mínimo era proibido [03].

Atualmente, entretanto, o direito de greve ganhou prestígio considerável, estando erigido, no plano internacional, à condição de garantia fundamental da classe trabalhadora, consoante se pode aferir da leitura de algumas das ementas do Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho [04]:

"EMENTA 363 – O direito de greve dos trabalhadores e suas organizações constitui um dos meios essenciais de que dispõem para promover e defender seus interesses profissionais."

"EMENTA 364 – O comitê sempre estimou que o direito de greve é um dos direitos fundamentais dos trabalhadores e de suas organizações, unicamente na medida em que constitui meio de defesa de seus interesses."

Seguindo a esteira do direito internacional, é de se notar que o artigo 9º da Constituição da República Federativa do Brasil garante ser assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender, não sendo demais sublinhar que o mencionado preceptivo (artigo 9º da CRFB) está topologicamente inserido no título II da Magna Carta, que trata dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos, dentre eles, obviamente, o cidadão-trabalhador.

A propósito, manifestando-se sobre a fundamentalidade dos direitos trabalhistas, o jurista Arnaldo Sussekind esclarece que a Constituição brasileira lhes atribui a distinção de cláusulas pétreas. Em tal sentido, a sua preleção:

"Na verdade, ao impedir que emendas à Carta Magna possam abolir os direitos e garantias individuais (art. 60, § 4º, IV), é evidente que essa proibição alcança os direitos relacionados no art. 7º, assim como a liberdade sindical do trabalhador e do empresário de organizar sindicatos de conformidade com as demais disposições do art. 8º, e de neles ingressarem e desfiliarem-se. (...)

Cumpre ponderar, nesse passo, que, se os direitos e garantias de índole social-trabalhista, afirmados na Lex Fudamentalis, não podem ser abolidos por emenda constitucional, certo é que não será defeso ao Congresso Nacional alterar a redação das respectivas normas, desde que não modifique a sua essência de forma a tornar inviável o exercício dos direitos subjetivos ou a preservação das garantias constitucionais estatuídos no dispositivo emendado." [05]

Entrementes, ainda que gozando do aludido status, é de se esclarecer que o direito de greve não é absoluto, devendo ser deflagrado a partir de uma conjuntura específica que o justifique, estando o grevista obrigado a atender as necessidades inadiáveis da comunidade, sujeitando-se às penas da lei quanto aos abusos cometidos (artigo 9º, § § 1º e 2º da CRFB).

No que diz respeito ao mencionado aspecto conjuntural, vale dizer que a greve, no plano jurídico, deve estar a serviço do fomento da negociação coletiva, tanto é assim que o artigo 3º da Lei 7.783-89 deixa claro que frustrada a negociação ou verificada a impossibilidade de recurso via arbitral, é facultada a cessação coletiva do trabalho.

Resta claro, pois, de todo o exposto, que a greve é um direito de natureza fundamental e instrumental, que visa, numa perspectiva mais ampla, viabilizar outro direito não menos fundamental dos trabalhadores, que é o de negociar coletivamente os seus direitos.

Dado à importância do direito à negociação coletiva, dele tratarei em apartado, fazendo-o no próximo tópico.


3 - A NEGOCIAÇÃO COLETIVA COMO DIREITO SOCIAL FUNDAMENTAL

A negociação coletiva é o processo de entendimento desenvolvido entre os patrões e os empregados, no qual são delineados os direitos laborais que serão reconhecidos a uma determinada coletividade de trabalhadores, num determinado interregno temporal.

Como é palmar, o produto resultante do processo de negociação coletiva são os documentos conhecidos por Convenções Coletivas de Trabalho ou Acordos Coletivos de Trabalho, que, em síntese, arrolam uma série de direitos reconhecidos a toda uma categoria profissional e que não poderiam ser alcançados dentro de um processo individualizado de negociação.

Discorrendo sobre a importância da negociação coletiva para o cidadão- trabalhador, assim se pronuncia Orlando Gomes:

"As condições de trabalho sempre foram ditadas imperiosamente pelos detentores da riqueza social. O regime inaugurado pelo liberalismo assentava teoricamente no princípio da liberdade de contratar. Incumbiram-se os fatos de demonstrar que, no contrato de trabalho, um dos contratantes – o trabalhador – vivendo, por força da entrosagem econômica, em um verdadeiro estado de menoridade social, não tinha liberdade de discutir as condições de trabalho, submetendo-se, sempre, às imposições patronais.

(...)

A convenção coletiva vem remediar essa situação de flagrante disparidade, opondo ao patrão que, por si, constitui uma coalizão, no dizer de Adam Smith, à coalizão obreira, restaurando, assim, praticamente, o equilíbrio de forças. São duas potências sociais que se encontram para, no mesmo pé de igualdade, estabelecer o seu modus vivendi"." [06]

Da lição retro transcrita extrai-se que entre o empregador [07] e o empregado existe uma disparidade abissal, que, em última instância, inviabiliza a negociação das condições gerais de trabalho por intermédio da autonomia clássica da vontade individual.

Assim é que a doutrina trabalhista aconselha que tais cláusulas sejam pactuadas a partir do exercício daquilo que denomina pelo epíteto de autonomia privada coletiva, como tal entendido o "poder social dos grupos representados autoregularem seus interesses gerais e abstratos, reconhecendo o Estado a eficácia plena dessa avença em relação a cada integrante dessa coletividade, a par ou apesar do regramento estatal – desde que não afronte norma típica de ordem pública" [08].

Como é fácil intuir, aliás, não é por outra razão que a Organização Internacional do Trabalho vaticina que "a liberdade sindical e a negociação coletiva são direitos fundamentais no trabalho e essenciais para o exercício da democracia e do diálogo social". [09]

Para demonstrar a extraordinária importância que a OIT atribui ao instituto em exame, trago um excerto da sua Declaração de Direitos Fundamentais do Trabalhador de 1998:

"La Conferencia Internacional Del Trabajo (...) declara que todos los miembros, aun cuando no hayan ratificado los convenios aludidos, tienen um compromisso que se deriva de su mera pertenencia a la Organización de respetar, promover y hacer realidade, de buena fé y de conformidad con la Constituicón, los princípios relativos a los derechos fundamentales que son objeto de esos convenios, es decir:

(a) la libertad de asociación y la libertad sindical y el reconocimiento efectivo del derecho de negociación colectiva" [10] (destaque meu)

Finalizando o presente tópico, merece menção o fato da Constituição brasileira, seguindo a diretriz do direito internacional, ter referendado, expressamente, o caráter fundamental do direito à negociação coletiva.

Tanto é assim que elencou, no seu artigo 7º, XXVI, como direito dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social, o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, para logo depois anunciar como obrigatória, no seu artigo 8º, VI, a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho [11].

De todo o estudado até aqui, devo sublinhar, em virtude da importância desta conclusão para o avanço do estudo que vem sendo desenvolvido, que a greve e a negociação coletiva são direitos fundamentais dos trabalhadores, sendo consagrados no plano externo pelos regramentos jurídicos internacionais e no interno pela Constituição da República.

Não menos importante, ainda, é atentar para o caráter adjetivo da greve, já que ela é o instrumento de pressão utilizado pelos obreiros nos contextos em que o patronato se recusa a negociar.

Antes de passar a discorrer sobre o próximo eixo do presente texto, centrado na função social da posse, traçarei previamente algumas considerações sobre o chamado poder normativo da Justiça do Trabalho brasileira, já que não serão poucos aqueles que, por certo, redargüirão as conclusões retro, ao argumento de que os dissídios coletivos são preferíveis ao exercício do direito de greve nos contextos de impasse negocial.


4 - A EMENDA CONSTITUCIONAL 45 E A DETERIORAÇÃO DO PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA DO TRABALHO

Como é sabido, o constituinte originário de 1988 homenageou o poder normativo do Judiciário Trabalhista, ao estatuir na redação original do § 2º do artigo 114 da CRFB que, "recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho".

Diante da intimidade que os operadores jurídicos possuem com a matéria, torna-se despiciendo discutir os contornos desta modalidade atípica de jurisdição, sendo mais proveitoso adentrar, sem delongas, nas modificações que a E.C. 45 acarretou no assunto.

Ocorre que a novel redação do § 2º do artigo 114 da Magna Carta traz substancial alteração quanto ao tema, estando a dizer, hodiernamente, que "recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado às mesmas (sic), de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente".

Salta aos olhos, pois, que embora o constituinte derivado continue a conceber a existência do dissídio coletivo econômico, condicionou sua propositura à aquiescência recíproca dos interessados, assim optando por diminuir a sua incidência no mundo juslaboral, fazendo-o com arrimo nas mais saudáveis tradições democráticas.

Ocorre que o poder normativo não passa de malfazeja herança autoritária, portanto sem paradigmas no mundo livre, que sempre cumpriu o repugnante papel de inibir a organização coletiva dos trabalhadores, impedindo a gestação de uma consciência classista mais aguçada.

A bem da verdade, o aconchego da jurisdição normativa relegou o direito fundamental de greve a um plano inferior, impedindo-o de cumprir sua função de vigoroso instrumento fomentador da negociação.

Afinal, sempre foi cômodo às direções sindicais menos compromissadas, aboletadas na sinecura da unicidade e do financiamento sindical não-espontâneo, justificar perante as bases o fracasso de suas campanhas salariais naquilo em que já se proclamou, não sem alguma razão, como sendo o ranço conservador da Justiça do Trabalho.

Desnudando a gênese antidemocrática do dissídio coletivo e do poder normativo que dele emana, colho a lição do membro do Tribunal Superior do Trabalho, Ministro Maurício Godinho Delgado:

"A presente fórmula de resolução de conflitos coletivos trabalhistas [referindo-se ao dissídio coletivo] corresponde a figura quase singular no Direito do Trabalho brasileiro, nos dias atuais.

Este instituto, regra geral, mostrou-se restrito a países cujas ordens justrabalhistas tiveram formação doutrinária e legal autoritárias, de inspiração organicista ou corporativista, como próprio às experiências autocráticas de natureza fascista da primeira metade do século XX, na Europa. Suplantadas aquelas experiências no continente europeu, a fórmula judicial de solução de conflitos coletivos trabalhistas tendeu a ser extirpada das respectivas ordens jurídicas.

(...)

Esse padrão, que repele a gestão democratizante das relações de trabalho e não assimila a uma estruturação democrática da sociedade política, identifica-se sob o título de modelo de normatização subordinada estatal.

Essa última vertente jurídico-política repudia, frontalmente, a noção e a dinâmica do conflito, que considera incompatível com a gestão sociopolítica da comunidade. A rejeição do conflito faz-se em duas dimensões: quer de modo direto, mediante uma legislação proibitiva expressa [como o impedimento e a criminalização do direito de greve], quer de modo indireto, ao absorvê-lo, sob controle, no aparelho de Estado, que tece, minuciosamente, as práticas para a sua solução [como no poder normativo da Justiça do Trabalho].

(...)

Tais experiências vieram forjar um sistema básico de elaboração e reprodução de normas justrabalhistas, cujo núcleo fundamental situava-se no aparelho de Estado. O conflito privado – pressuposto da negociação e foco da criação justrabalhista – era negado ou rejeitado pelo Estado, que não admitia seus desdobramentos autônomos, nem lhe construía formas institucionais de processamento. Os canais eventualmente abertos pelo Estado tinham o efeito de funcionar, no máximo, como canais de sugestões e pressões controladas, dirigidas a uma vontade normativa superior, distanciada de tais pressões e sugestões." [12] (meus os destaques e comentários entre colchetes)

Corroborando dita preleção, o jurista Orlando Gomes ensina, reportando-se aos dissídios coletivos, que "a maioria dos ordenamentos jurídicos desconhece essa categoria processual", dizendo, ainda, que "em muitos países a greve nasce e morre no mundo social como conflito coletivo de interesses, apenas aplacada pelo complexo mecanismo de negociação coletiva" [13].

Atento a essa realidade, o Tribunal Superior do Trabalho vem vigorosamente implementando, no plano jurisprudencial, a novidade trazida pela E.C 45, de modo a inibir a utilização dos dissídios coletivos e assim estimular a solução natural dos conflitos coletivos de trabalho. A propósito do asseverado, trago as seguintes ementas:

"COMUM ACORDO. ART. 114, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, COM A REDAÇÃO DADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL 45. PRESSUPOSTO PROCESSUAL. SUA AUSÊNCIA IMPORTA EXTINÇÃO DO PROCESSO. A Emenda Constitucional 45, de 8 de dezembro de 2004, trouxe mudanças significativas no âmbito dos dissídios coletivos. A alteração que vem suscitando maiores discussões diz respeito ao acréscimo da expressão "comum acordo" ao § 2º do art. 114 da Constituição da República. O debate gira em torno do consenso entre suscitante e suscitado como pressuposto para o ajuizamento do dissídio coletivo. A jurisprudência desta Corte consagra o entendimento segundo o qual o comum acordo exigido para se ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, conforme previsto no § 2º do art. 114 da Constituição da República, constitui-se pressuposto processual cuja inobservância acarreta a extinção do processo sem resolução do mérito, nos termos do inc. VI do art. 267 do CPC. Recurso Ordinário de que se conhece e a que se dá provimento para extinguir o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, inc. VI, do CPC." [14]

"RECURSO ORDINÁRIO EM DISSÍDIO COLETIVO. EXIGIBILIDADE DE ANUÊNCIA PRÉVIA. A manifestação expressa da empresa em contrário ao ajuizamento do Dissídio Coletivo torna inequívoca a ausência do comum acordo, condição da ação prevista no art. 114, §2º, da Constituição da República. Preliminar que se acolhe para extinguir o processo sem resolução do mérito, conforme o disposto no art. 267, VI, do CPC." [15]

Feito este recorte acerca da ruína do poder normativo, passarei doravante a discorrer sobre a posse e sua função social, para a partir daí atingir o ponto nevrálgico do presente estudo, consistente na construção de um novo olhar sobre os interditos possessórios eriçados na Justiça do trabalho brasileira em face do exercício do direito de greve.


5 – A POSSE E SUA FUNÇÃO SOCIAL

Tendo em vista os contornos propostos para o presente estudo, não me deterei em questões de alta indagação doutrinária, tais como as teorias justificadoras da posse, há tempos divididas entre as visões de Savigny e Ihering.

Aliás, consoante advertem Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, "as teorias de Savigny e Ihering não são capazes de explicar o fenômeno possessório à luz de uma teoria material dos direitos fundamentais. Mostram-se envelhecidas e dissonantes da realidade social presente. Surgiram ambas em momento histórico no qual o fundamental era a apropriação de bens sob a lógica do ter em detrimento do ser" [16].

Assim, minha tarefa aqui será meramente a de aclarar, sem maiores divagações, o que se deve entender por posse, para depois fincar a atenção nos requisitos que ela deverá cumprir para merecer proteção judicial.

Muito se tem discutido se a posse seria um fato ou um direito. Nada obstante, como bem explica Humberto Theodoro Júnior, o problema é questão de simples nomenclatura.

Nesse diapasão, o mencionado jurista escreve que "normalmente a linguagem jurídica dispõe de denominações distintas para os fatos geradores e para os direitos produzidos, como se distinguem entre contrato e crédito, ou entre tradição e propriedade. Já na posse, uma só palavra é empregada para exprimir o fato aquisitivo e o direito que dele decorre, o qual também se chama de posse" [17].

Com efeito, numa perspectiva simples, e por isso eficiente, a posse pode ser compreendida como "o exercício, de fato, dos poderes constitutivos do domínio, ou propriedade, ou de alguns deles somente" [18].

Ao presente trabalho, porém, importa discutir, com maior ênfase, os requisitos que a posse terá que cumprir para merecer a tutela jurídica. Convém assim ressaltar, logo de plano, que os Códigos Civil e de Processo Civil do Brasil, estabelecem, respectivamente nos seus artigos 1.210 e 926, que o possuidor terá direito a ser segurado de violência iminente se tiver justo receio de ser molestado, de ser mantido na posse no caso de turbação e nela restituído na hipótese de esbulho.

Nada obstante, tal discussão comporta outros elementos, vez que apenas a posse justa é que poderá ser blindada por intermédio dos interditos possessórios.

Dentro de uma concepção conservadora, pode-se dizer, com estribo no artigo 1.200 do Código Civil brasileiro, que justa será a posse que não for violenta, clandestina ou precária. Todavia, o referido preceptivo clama por interpretação conforme a Constituição brasileira, para se entender que concretamente justa será a posse que, além de reunir essas três qualidades (não ser violenta, clandestina ou precária), respeitar fielmente a função social a que está destinada.

Almejando chancelar a conclusão acima, veiculo a preleção de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

"Atualmente, a ciência jurídica volta o olhar para a perspectiva da finalidade dos modelos jurídicos. Não há mais um simples interesse tão evidente em conceituar a estrutura dos institutos, mas em direcionar o seu papel e missão perante a coletividade, na incessante busca pela solidariedade e pelo bem comum. Enfim, a função social se dirige não só à propriedade, aos contratos e à família, mas à reconstrução de qualquer direito subjetivo, incluindo-se aí a posse, como fato social, de enorme repercussão para a edificação da cidadania e das necessidades básicas do ser humano." [19]

Aliás, o cumprimento da função social da posse é tão valorizado hodiernamente, que a doutrina mais arrojada anuncia, com firmeza, que nem mesmo o proprietário merecerá a tutela estatal possessória, quando se abstiver de emprestar destinação social ao seu empreendimento.

Comprovando tal assertiva, trago, vez mais, o escólio de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

"Tradicionalmente, a propriedade era classificada como um direito subjetivo perpétuo e, conseqüentemente, só se constatava a prescrição da pretensão do proprietário em recuperar o bem ao tempo do advento da usucapião – pela própria perda do direito subjetivo de propriedade em razão da aquisição de domínio pelo usucapiente. Hoje é possível aferir que a perda da pretensão reivindicatória ou reintegratória pelo proprietário pode produzir-se muito antes, pela simples constatação da inexistência material e real do direito subjetivo de propriedade que se alega, posto que destituído de utilização econômica ou social pelo seu titular.

Há muito se sabe da eficácia vertical dos direitos fundamentais. Ou seja, pelo art. 5º, § 1º, da Constituição Federal, os direitos fundamentais são de aplicação imediata para o legislador e o juiz. Aquele não pode inovar no mundo infraconstitucional de forma lesiva ao princípio da função social, sob pena da norma subalterna ser tida por inconstitucional. Já o magistrado deverá incorporar os direitos fundamentais como fundamento hábil a legitimar qualquer decisão, mesmo que o princípio não se encontre positivado em qualquer norma processual.

Porém, atualmente, a grande questão que circunda o Direito Civil-Constitucional concerne à eficácia horizontal dos direitos fundamentais, ou seja, a influência dos direitos fundamentais na órbita das relações entre particulares, e até que ponto ela afeta a autonomia privada, princípio fundamental das relações civis. Sem entrar na discussão se o ingresso dos direitos fundamentais ocorre de forma imediata – a maneira da eficácia vertical – ou pela mediação das cláusulas gerais que se encontram no Código Civil, tem-se que a função social se impõe como próprio freio que delimitará a extensão da autonomia privada do proprietário em hipóteses que as suas pretensões reivindicatória e possessória perdem a legitimidade constitucional (...).

Normalmente, o proprietário ajuíza uma ação reivindicatória, com base na demonstração do título de propriedade, ou opta pela via possessória, pleiteando a liminar de reintegração, amparado na tese da consumação do esbulho. Nos dois casos, as pretensões são consideradas procedentes, na medida em que a simples exibição do registro (na reivindicatória) e a produção de prova quanto à perda da posse (na reintegratória) são requisitos legais para o êxito de tais demandas. Essas soluções conservadoras apenas agravam o quadro de injustiça social presente no campo." [20] (destaques meus)

Vale repisar, aqui, embora dizendo de outro modo, que o direito contemporâneo é tão comprometido com o pleno atendimento da função social da posse, que a doutrina moderna não teme afirmar que a pura e simples demonstração do esbulho não será suficiente para justificar a concessão de liminar ao proprietário na ação de reintegração.

É certo, porém, que o termo ‘função social da posse’ não é muito mais do que um conceito jurídico indeterminado a demandar integração construtiva por parte do magistrado. Assim é que os multicitados Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald asseveram que "a tarefa da jurisprudência criativa consistirá em definir a função social da posse, com base nos valores metajurídicos vigentes. Este é o único modo de dar vazão ao art. 5º da LICC, ao impor que o juiz atenda às finalidades sociais da lei quando de sua aplicação, preservando o bem comum" [21].

Com a mente voltada para o objetivo do presente trabalho, centrado na edificação de um novo olhar sobre os interditos possessórios manobrados em face do exercício do direito fundamental paredista, acredito, de minha parte, que o desempenho social possessório deva ser buscado nos dispositivos da Constituição brasileira que tratam da função da propriedade, já que é sempre com lastro na privação física da posse dela decorrente (da propriedade) que o empresário busca retomar o comando do seu empreendimento nos contextos das chamadas greves de ocupação. Passo à tarefa, portanto.

Como é curial, se por um lado é certo que a propriedade é um direito fundamental do cidadão (art. 5º, XXII da CRFB), por outro não é menos verdade que ela deva cumprir uma inequívoca função social (art. 5º, XXII da CRFB), somente alcançada no âmbito rural, por exemplo, quando atenda, simultaneamente, os requisitos de observância das disposições que regulam as relações de trabalho, com a exploração que favoreça o bem-estar dos trabalhadores (artigo 186, III e IV da CRFB).

Ademais, trata-se de verdadeiro truísmo que também a propriedade urbana, tanto quanto a rural (como visto no parágrafo anterior), está constrangida à observância de uma a função social, devidamente arrimada, dentre outras pilastras, na centralidade do mundo do trabalho.

Não é por outra razão que a Constituição da República estabelece que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, devendo acatar os princípios da função social da propriedade e da busca do pleno emprego (artigo 170, caput, incisos III e VI).

Vale dizer, com efeito, que se a propriedade não é explorada de modo que favoreça o bem-estar dos trabalhadores, olvidando as disposições que regulam as relações de trabalho, não estará cumprindo com sua função social, ficando exposta, em determinados casos, até mesmo à desapropriação por parte da União, para fins de reforma agrária. Justamente por isso é que o artigo 184 da Magna Carta estabelece que compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social.

Estabelecidas tais premissas, incumbe-me, nessa quadra do estudo, deixar claro que para atender a contento o cânone da função social, a empresa deverá, além de cumprir outros requisitos, não se recusar a participar dos procedimentos trabalhistas de negociação coletiva.

Ocorre que esta (negociação coletiva), como já exaustivamente visto, é uma das garantias constitucionais fundamentais da classe trabalhadora, sendo ainda certo que no atendimento da função social, a propriedade deverá respeitar as disposições que regulam as relações de trabalho, além de se pautar por um padrão exploratório hábil a favorecer o bem-estar dos trabalhadores.

Ora, consoante já visto alhures, o direito de greve é a mais eficaz e democrática válvula de pressão para garantir a deflagração e a continuidade da negociação coletiva, sendo imprescindível, dessarte, para que os trabalhadores atinjam um padrão setorial de direitos mais encorpado.

Logo, se a empresa se recusa a negociar, está a maltratar um dos mais sagrados direitos dos trabalhadores, sendo iniludível, diante de todos os meandros constitucionais já estudados, que não cumpre com a sua função social.

Ao agir assim, estará o empresário justificando a cessação coletiva do trabalho (artigo 3º da Lei 7.783-89) e até mesmo abdicando, nos contextos mais agudos, de ser beneficiado pela tutela estatal possessória, se o movimento paredista se desenvolver sob o modelo da greve de ocupação.

Será dentro desta ótica que, no próximo tópico, atingirei o cume do presente trabalho, ocasião em que discorrerei sobre os aspectos processuais mais relevantes dos interditos possessórios aforados na Justiça do Trabalho brasileira.


6 – ASPECTOS PROCESSUAIS DOS INTERDITOS POSSESSÓRIOS NA JUSTIÇA DO TRABALHO BRASILEIRA

Como já reiteradamente afirmado, o objetivo primordial deste artigo é o de sugerir um novo olhar sobre as ações possessórias no âmbito da Justiça do Trabalho. Para um desenvolvimento mais harmônico da pretensão, cuidarei, primeiramente, de diferenciá-las, em virtude das peculiaridades que comportam.

6.1 – As Ações Tipicamente Possessórias

São três as ações tipicamente possessórias no direito processual brasileiro. O interdito proibitório, a ação de manutenção de posse e a ação de reintegração de posse. Todas elas são passíveis de serem manejadas na Justiça do Trabalho, nos variados contextos do exercício do direito de greve.

O interdito proibitório possui previsão do artigo 932 do Código de Processo Civil brasileiro, nele estando prescrito que o possuidor que tiver justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da turbação ou esbulho [22] iminente, mediante mandado inibitório, em que se comine astreintes ao réu para o caso de transgredir o preceito.

De sua vez, as ações de manutenção ou reintegração de posse estão previstas no artigo 926 do mesmo código, que estatui que o possuidor tem o direito de ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no de esbulho.

O estudo de uma ocorrência trazida pela doutrina poderá facilitar o entendimento das ocasiões em que cada uma dessas ações haverá de ser ajuizada. Extraio-a da obra de Raimundo Simão de Melo:

"Não raro ocorrem conflitos durante a greve sobre o direito de propriedade, quando os trabalhadores fazem a paralisação acampados no estabelecimento do empregador. (...) Essa ocupação pode ser pacífica ou não. Pode ainda ser acompanhada de atos impeditivos da entrada de pessoas e coisas no interior do estabelecimento" [23].

Passo, com efeito, a partir da situação transcrita, a exemplificar as zonas de interesse jurídico capazes de explicar o aproveitamento tecnicamente correto de tais ações.

Inicialmente é necessário ver que, dado o seu caráter preventivo, o interdito proibitório deverá se intentado no contexto em que o possível esbulho ou turbação não se consumaram, ou seja, naquele momento em que o empregador demonstre justo receio de que o movimento grevista venha a se materializar na forma de ocupação do estabelecimento.

De sua vez, a ação de manutenção deverá ser utilizada na pressuposição da posse do proprietário estar sendo turbada, sem que ainda tenha sido aperfeiçoado eventual esbulho, ou seja, naquela hipótese em que os grevistas, embora já acampados na empresa, não estão subtraindo de terceiros e proprietários o direito e ir e vir.

Já por outro giro, a ação de reintegração será manejada no caso do esbulho se concretizar, ou seja, quando os trabalhadores, além de acamparem na fábrica, passarem a proibir o acesso de pessoal ao local.

Insta esclarecer, ainda, que nos termos do artigo 920 do CPC, os interditos possessórios são dotados de fungibilidade ampla, de sorte a permitir que no caso da propositura de uma ação em vez de outra, o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção correspondente àquela cujos requisitos estejam comprovados.

Demais disso, nos termos do artigo 933 do CPC, a completude do regramento das ações de reintegração e manutenção de posse se aplica à figura do interdito proibitório, motivo pelo qual, no dizer de Humberto Theodoro Júnior, uma vez "verificada a consumação do dano temido, a ação transforma-se ipso iure em interdito de reintegração ou de manutenção, e, como tal, será julgada e executada" [24].

Como se não bastasse, há de se destacar, antes de encerrar o presente tópico, que de acordo com o artigo 921 do CPC, será lícito ao autor cumular ao pedido possessório o pleito de condenação em perdas e danos, dentre outros.

Por fim, merece ser esclarecido que todas as exemplificações acima foram construídas única e exclusivamente visando demonstrar quais seriam, em tese, as situações que justificariam o interesse jurídico abstrato no manejamento das ações enfocadas, haja vista que no plano concreto o elemento que justificará o deferimento ou não da tutela possessória será o cumprimento da função social da posse, hipótese que será mais bem analisada no tópico em que tratarei dos requisitos da concessão de liminar.

6.1 – Competência Para a Cognição das Ações Possessórias Oriundas do Exercício do Direito de Greve

Muito embora de toda a exposição até aqui desenvolvida sobressaia cristalina a competência da Justiça do Trabalho para a cognição da matéria estudada, algumas palavras, mais profundas, merecem ser agora redigidas sobre o tema.

Ocorre que não obstante o Supremo Tribunal Federal brasileiro vir pronunciando, desde 1991, que para a determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que a solução da lide dependa de questões de direito civil, mas sim que o fundamento do pedido seja oriundo da relação individual ou coletiva entre empregados e empregadores [25], o certo é que até o advento da Emenda Constitucional nº 45 pairava no universo jurídico brasileiro inexplicável celeuma sobre qual dos ramos do Poder Judiciário deveria conhecer os interditos possessórios aforados em virtude de movimentos paredistas, controvérsia esta que propiciava a usurpação da competência da Especializada por parte dos órgãos da Justiça Comum.

Felizmente, entretanto, a disputa já se encontra quase que de todo sepultada atualmente, na medida em que a novel redação do artigo 114, II, da CRFB passou a estabelecer a partir de 08.12.2004, com tintas fortes, que compete à Justiça do Trabalho processar e julgar, sem exceções, as ações que envolvam o exercício do direito de greve.

Atenta à inovação trazida pelo constituinte derivado, até mesmo a doutrina civilista já vem se dobrando à evidência dos fatos. Nesse, sentido, trago o escólio de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

"A outro turno, a ampliação da competência da Justiça do Trabalho, desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 45, de 2004, atrai o exame do interdito proibitório quando relacionado ao exercício do direito de greve das categorias profissionais. Se antes o julgamento competia a Justiça Estadual, com a nova redação do art. 114, II, da Constituição Federal, qualquer ato de ameaça a posse dos bens do empregador e do direito de ir e vir de empregados e veículos no exercício do direito de greve será aferido pela Justiça do Trabalho. Não é raro que os chamados "piquetes" impedem o acesso do público às empresas e de trabalhadores que não tenham aderido à paralisação." [26]

Seguindo a esteira doutrinária, também a Justiça Comum está atualmente a reconhecer a mudança ocorrida. Para demonstrar o asseverado, trago um trecho de decisão oriunda de órgão de primeira instância do Tribunal de Justiça do Distrito Federal:

"Sabe-se que a atual reforma do Poder Judiciário, concretizada pela EC nº 45, ao dar maior proeminência à Justiça do Trabalho, modificou profundamente a sua configuração anteriormente conferida pela Constituição de 1988 quanto à sua competência material.

Atribui-se à Justiça do Trabalho competência para julgar outras lides de natureza diversa, estranhas à sua clássica competência constitucional até então vigente.

Conclui-se, então, que, com o advento da nova sistemática constitucional, ampliando-se a competência da Justiça do Trabalho para o processamento e julgamento de outras lides, que não apenas trabalhistas stricto sensu, atrai-se para a Justiça Especializada a aplicação de outros direitos materiais que regulam essas relações.

Desta maneira, não apenas os conflitos oriundos das relações de emprego são da competência da Justiça do Trabalho, mas, também, aquelas surgidas em decorrência do exercício do direito de greve, nos termos do art. 9º c/c art. 114, inciso II, ambos da CF/88.

Vale lembrar que nem sempre as ações que decorrem do exercício do direito de greve envolvem empregados e empregadores, pois agora é alçada da Justiça do Trabalho todo litígio que decorra do exercício do direito de greve, ainda que envolvam terceiros e/ou ações possessórias entre sindicato e empregador em face do exercício do direito de greve.

Diante do exposto, em face da nova ordem constitucional concernente à competência da Justiça Trabalhista, implementada pela EC nº 45, uma vez reconhecida a incompetência absoluta deste Juízo para processar e julgar o feito, com fulcro no art. 113 do CPC, declino da competência em favor de uma das Varas da Justiça do Trabalho, à qual, decorrido o prazo recursal e feitas as devidas anotações, deverão ser remetidos os autos, via distribuição." [27]

Outrossim, colocando uma pá de cal no assunto, trago a lume a posição expressa do Supremo Tribunal Federal brasileiro, que carrega em si o condão de dissipar qualquer dúvida que ainda possa reinar na mente dos mais renitentes:

"Agravo de instrumento de decisão que inadmitiu RE contra acórdão do Tribunal de Alçada de Minas Gerais que declarou a competência da Justiça Estadual para julgar ação de interdito proibitório proposto entre empregado e empregador, em face do exercício do direito de greve.

No caso, os funcionários do agravado, em campanha salarial, impediam o acesso às agências bancárias locais.

De acordo com o Tribunal a quo, em suma, o interdito proibitório discute tão-somente matéria de natureza possessória, ou seja, trata de questão de direito civil, razão pela qual deve ser apreciada pela Justiça Comum.

Alega o RE violação do art. 114, II, da Constituição. Aduz a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento do feito.

Decido.

Tem razão o recorrente.

O acórdão recorrido diverge do entendimento do STF: originando-se da relação de emprego, a presente controvérsia deve ser julgada pela Justiça do Trabalho, não importando a circunstância de fundar-se o pedido em regra de direito comum.

(...)

Provejo o agravo, que converto em recurso extraordinário (art. 544, §§ 3º e 4º, do C.Pr.Civil) e, desde logo, dou provimento a este (art. 557, § 1º-A, do C.Pr.Civil), para reformar o acórdão recorrido e reconhecer a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento do feito." [28]

Pois bem. Demonstrada com fôlego a inelutável competência da Justiça do Trabalho para a cognição da matéria, passo, no tópico seguinte, a tecer algumas breves considerações sobre a legitimidade e o procedimento nas ações possessórias.

6.2 – Legitimidade – Procedimento

As questões em epígrafe não suscitam maiores controvérsias, o que me conduzirá a tratá-las de modo mais ligeiro.

No caso, evidentemente, a legitimidade ativa pertencerá à pessoa física ou jurídica que estiver experimentando algum tipo de constrangimento na sua posse, em virtude de movimento paredista protagonizado por seus empregados. De outro tanto, a legitimidade passiva será do sindicato que representa a categoria profissional em greve.

Já o procedimento será variável, a depender da ação ser de força nova ou de força velha.

Assim, nos termos do artigo 924 do CPC, quando a ação possessória for intentada dentro de ano e dia da turbação ou esbulho, o rito será o especial, na forma em que previsto nos artigos 920 e seguintes do CPC. Por outra vertente, quando ajuizada depois desse prazo (ano e dia), o rito será o ordinário, embora a demanda não perca a sua natureza jurídica possessória.

A grande e substancial diferença entre as duas formas de desenvolvimento processual reside na possibilidade do ofendido ser agraciado com liminar no procedimento especial [29], fato que se mostra inviável no rito ordinário, muito embora algumas vozes se animem a asseverar que a partir da primeira onda de reforma processual, operada em 1994, também nas ações de força velha seria possível a concessão de liminar satisfativa, na forma de tutela antecipada [30], já que a partir de então o aludido instituto foi incorporado ao rito ordinário.

Discordo desse ponto de vista. Procurando justificar a minha posição, trago, novamente, a lição de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

"A outro giro, não admitimos a extensão da tutela antecipada genérica do artigo 273 do Código de Processo Civil às ações possessórias de força velha. A tutela antecipada é de fato o maior indicador da adoção, pelo nosso legislador, do princípio da efetividade. Veio, porém, para imprimir celeridade ao procedimento comum, nos ritos ordinário e sumário, só podendo atingir o rito especial quando houver compatibilidade (art. 272, parágrafo único, do CPC).

Vale dizer, muito antes da introdução da tutela antecipada genérica na reforma processual de 1994, o ordenamento já reconhecia determinadas ações que, em seu bojo, contavam com tutela antecipada específica. Trata-se de ações de rito especial, dotadas de liminares satisfativas próprias, dentre elas o mandado de segurança, a ação popular, a ação civil pública e, incluindo-se nesse seleto grupo, as ações possessórias. Essas ações detêm sistemática peculiar e, por um princípio de hermenêutica, a nova regra que se estabeleceu para o processo comum não alcança as ações especiais, exceto se houver expressa disposição legal nesse sentido.

Nestes termos, acreditamos que, caso concedida a antecipação de tutela genérica no bojo de uma ação de força velha, incidiria verdadeira burla – por vias transversas – à sistemática das ações possessórias que já comportam um termo ad quem para a concessão de liminares.

(...) Pensamos que o princípio da instrumentalidade nos ensina que o processo é uma técnica a serviço de uma ética de direito material. Se a dicotomia procedimental das ações de força nova e força velha é derivada da ficção emanada do direito civil quanto à perda da posse após a passagem do prazo decadencial e o sistema das ações possessórias retrata de forma fidedigna tal cisão, não se poderá admitir que uma norma genérica como a tutela antecipada possa desvirtuar os alicerces desta construção." [31]

Há de registrar, todavia, que na Justiça do Trabalho, dado o caráter efêmero dos movimentos paredistas, a ação possessória de força velha será quase impossível de ser manejada.

Concluída mais essa parte do texto, chego ao ponto nevrálgico do presente trabalho, que será a apreciação dos requisitos necessários para a concessão ou não de liminar, quando finalmente poderei propor uma nova forma - mais comprometida com a função social da posse - de se encarar os interditos possessórios eriçados em face do exercício do direito fundamental de greve.

6.3 – Medida Liminar

Visando uma melhor compreensão da matéria, dado as peculiaridades do assunto, analisarei a questão correlata à concessão (ou não) de medida liminar [32] primeiramente sob a ótica do interdito proibitório, para somente depois discorrer na perspectiva das ações de manutenção e reintegração de posse.

6.3.1 – Interdito Proibitório

Numa visão mais conservadora, meramente patrimonialista, poder-se-ia dizer que bastaria a notícia da possibilidade de realização de greve, para que, uma vez ajuizado o interdito proibitório [33], a medida liminar inibitória fosse concedida ao autor, com a incontinente expedição de mandado proibitório, adensado pela cominação de pena pecuniária em caso de desrespeito ao preceito mandamental.

Nada obstante, já sob uma ótica comprometida com os fundamentos republicanos da cidadania plena, da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (artigo 1º, II, II e IV da CRFB), a simples notícia da iminente deflagração de movimento paredista não pode ser tida como álibi para a concessão do interdito cominatório.

Ocorre que consoante exaustivamente visto, a greve é uma garantia constitucional fundamental da classe trabalhadora, sendo certo, ainda, que sempre militará presunção favorável à categoria profissional envolvida, no sentido que exercitará o seu direito de maneira não abusiva.

Como é palmar, o requisito específico para a concessão de medida liminar satisfativa no caso será, nos termos do artigo 932 do CPC, o ‘justo’ receio do autor em ser molestado em sua posse. Assim é que a simples notícia da possibilidade de ocorrência de greve não é suficiente para concedê-lo, até mesmo porque nos termos do artigo 153 do Código Civil brasileiro não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito.

Justamente por isso é que o jurista Humberto Theodoro Júnior ensina que "para manejar o interdito proibitório, deverá, outrossim, demonstrar o interessado um fundado receio de dano, e não apenas manifestar um receio subjetivo sem apoio em dados concretos aferíveis pelo juiz. (...) Qualquer outro tipo de receio, que não seja de violência iminente, portanto, não configura o justo receio, de que fala o artigo 932 do Código de Processo Civil" [34].

Felizmente, aliás, tanto a doutrina quanto a jurisprudência já cumpriram a tarefa de desconstruir o mito edulcorado do juiz neutro, mero servidor autômato da letra fria da lei e serviçal conformado das elites econômicas.

O magistrado contemporâneo, principalmente o trabalhista, embora imparcial, não deixa se levar pelas concepções arcaicas de organização social, que sempre privilegiaram o patrimônio em detrimento do ser humano. Tem os olhos atentos e conhece bem o mundo ao seu redor. Sabe, assim, que no mais das vezes o interdito proibitório é manejado como forma de intimidação para que os trabalhadores não adiram à greve.

Nesse sentido, são lapidares as palavras do Juiz Nicanor Fávero Filho, titular da 7ª Vara do Trabalho de Cuiabá – MT, manifestando-se em caso concreto submetido ao seu poder jurisdicional, no qual uma instituição bancária pugnava pela concessão de liminar em ação possessória:

"Tenho, data máxima venia e salvo melhor juízo, que a utilização do instituto, com sua concessão em caráter liminar, não pode ser utilizado como meio de ameaça ou amedrontamento daqueles que pretendem fazer uso de seu direito de greve, também garantido constitucionalmente, tampouco como meio de resistência para qualquer possibilidade de conversação e possível negociação." [35]

Já de minha parte, acredito que o requerente somente se mostrará digno da liminar perseguida quando demonstrar que a greve engendrada pelos trabalhadores possui o escopo único de esgarçar gratuitamente as relações empregatícias, como naqueles casos em que reste claro ter sido a sua realização decidida com grande antecedência, muito tempo antes da data-base, quando sequer se cogitava da abertura do processo de negociação coletiva.

Movendo-se em tal diretriz, trago a ementa nº 372 do Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho:

"EMENTA 372. As greves de caráter puramente político [36] e as decididas sistematicamente muito tempo antes de encetar as negociações não se situam no âmbito dos princípios da liberdade sindical."

Elaboradas tais avaliações, passo, doravante, a desafiar a questão das liminares nas ações de manutenção e reintegração de posse.

6.3.2 – Ações de Manutenção e Reintegração de Posse

Aqui poderia parecer, mais uma vez em olhar padronizado e nada crítico, que para a posse merecer a tutela jurisdicional, bastaria ao interessado comprovar em juízo ser ela justa - como tal entendia aquela que não é violenta, clandestina ou precária (artigo 1.200 do CC) - bem como a turbação na ação de manutenção, ou o esbulho na ação de reintegração (artigo 926 do CPC).

Mas a questão, como já visto alhures, é muito mais intrincada quando a analisamos pelos vetores da cidadania plena, da dignidade da pessoa humana e dos valores do trabalho e da livre iniciativa, que juntos compõem o núcleo essencial da Magna Carta brasileira.

Basta remoer que o artigo 1.200 do Código Civil clama por interpretação conforme a Constituição, a fim de se entender que somente será justa a posse que, além de não ser violenta, clandestina ou precária, cumprir fielmente a função social a que está destinada, situação que conduz a doutrina a prenunciar, sem temor, que nem mesmo o proprietário merecerá a tutela estatal possessória, quando se abstiver de emprestar destinação social ao seu empreendimento.

Outrossim, também como já repassado, o conceito aberto da função social da posse há de ser colmatado pelos dispositivos constitucionais que tratam da propriedade, pois é com substrato na privação física da posse dela emanada que os patrões invariavelmente colimam retomar o comando do empreendimento nos contextos das greves de ocupação.

Assim é que se chega à conclusão de que a posse, para cumprir a sua função social, e assim ser tida por justa a ponto merecer a tutela estatal possessória, deverá atender, simultaneamente, aos requisitos de observância das disposições que regulam as relações de trabalho e de exploração que favoreça o bem-estar dos trabalhadores (artigos 186, III, IV e 170, caput, III, VI, ambos da CRFB), condição que somente atingirá se dispuser a respeitar o direito fundamental de negociação coletiva reconhecido aos obreiros.

Com efeito, na medida em que, nos termos do artigo 3º da Lei 7.783-89, a deflagração do movimento paredista sempre estará envolta no contexto de recusa dos empregadores a iniciar, continuar ou retomar a negociação coletiva, ou seja, no cenário em que, pelo menos transitoriamente, o empreendimento não estará cumprindo plenamente com a sua função social, parece-me insofismável a conclusão de que mesmo que a greve venha assumir a forma de ocupação, não haverá como se reconhecer a proteção possessória ao proprietário, na medida em que a sua posse não poderá, naquele instante, ser classificada como justa.

É certo que o vaticínio acima poderia ser infirmado sob a alegação de que, uma vez ocupada a fábrica, restaria consumada, nos termos da conjunção dos artigos 14, caput e 6º, §§ 1º e 3º, ambos da Lei 7.783-89, a figura jurídica do abuso do direito de greve, haja vista que no curso do movimento paredista os meios adotados por empregados e empregadores não podem violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem, sendo ainda vedado que as manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas impeçam o acesso ao trabalho ou causem ameaça ou dano à propriedade, tudo isso conspirando a favor da conclusão de que a desocupação haveria de ser imediatamente ordenada pelo magistrado.

O desate do imbróglio, todavia, não é tão simplista quanto possa parecer à primeira vista. Ocorre que, como já elucidado, somente a posse justa, como tal entendida aquela que cumpre a sua função social, é que merece a tutela jurisdicional, de sorte que a simples recusa dos empregadores em negociar coletivamente o conflito trabalhista instaurado é capaz de aconselhar que a celeuma seja enfrentada com maior acuidade.

Assim é que os §§ 1º e 3º do artigo 6º da 7.783-89 merecem ser interpretados a partir do cotejo dos interesses constitucionais fundamentais que neles conflitam. Para o melhor desenvolvimento deste raciocínio, tenho por bem em trazer, antes de tudo, algumas considerações doutrinárias acerca do princípio da proporcionalidade.

Para tanto colho as palavras de Mauro de Azevedo Menezes:

"Tendo em vista o conteúdo freqüentemente aberto e variável dos direitos fundamentais, sua expressão, por vezes, ocorre justamente no confronto com outros direitos ou bens igualmente tutelados pela Constituição. Com efeito, a incorporação dos direitos humanos, nas suas várias dimensões, à positividade constitucional, necessariamente repercute num deslocamento ou numa redução do raio de alcance de poderes estatais ou não estatais, cuja matriz jurídica encontra-se, também, constitucionalizada. Daí porque a colisão provocada pelo exercício dos direitos fundamentais não constitui anomalia alguma, mas sim um resultado ordinário da sistemática de proteção constitucional do seu conteúdo.

(...)

A colisão de direitos fundamentais se resolve à maneira da colisão de princípios. (...) No caso dos princípios, à semelhança dos direitos fundamentais, e ao contrário das meras regras [segundo o autor as regras, ao contrário dos princípios e dos direitos fundamentais, não colidem, mas sim entram em conflito, motivo pelo qual a que não é prevalente é imediatamente revogada], ocorre autêntica colisão, devendo cada caso concreto ser analisado particularmente, mediante a atribuição de peso específico a cada um dos princípios envolvidos. Se um princípio cede a outro, como resultado desse procedimento – conhecido por ponderação -, nem por isso perde a sua validade. Em outras palavras, o afastamento de um princípio constitucional por outro, na análise específica de um caso, não implica a sua revogação. A solução do choque suscita a necessidade de levar em conta o peso ou a importância relativa de cada princípio, a fim de se escolher qual deles no caso concreto prevalecerá ou sofrerá menos constrição do que o outro." [37] (sem a observação entre colchetes no original)

Esquadrinhada de tal modo a discussão, é de se ver, logo de início, que o prefalado § 1º do artigo 6º da Lei 7.783-89 dirige não só aos empregados, mas também aos empregadores, a obrigação de não violar ou constranger os direitos fundamentais de outrem.

Com efeito, se por um lado é certo que os empregados a princípio não poderiam colocar em xeque a posse do estabelecimento, também é correto dizer que os empregadores não poderiam dilacerar o direito inalienável dos empregados à negociação coletiva [38].

De tal arte, no balanço da proporcionalidade dos interesses em jogo, a solução mais correta seria a de privilegiar o interesse coletivo dos grevistas na negociação coletiva em detrimento do interesse individual do proprietário na manutenção ou restituição da sua posse. Primeiramente porque o centro vital da Constituição brasileira reside na dignificação do ser humano e não na defesa incondicional do patrimônio [39]. Em segundo plano pelo fato de que a posse não estaria homenageando a função social a que está constitucionalmente adstrita.

Demais disso, a greve é um fenômeno transitório, nela não existindo, ordinariamente, qualquer intenção dos paredistas na ocupação perpétua do estabelecimento - até porque o intento primordial deles é a abertura ou a retomada da negociação coletiva -, não havendo que se vislumbrar, dessarte, qualquer perigo de privação eterna da posse atribuída ao empregador pelo exercício da propriedade.

De outro viés, o § 3º do artigo 6º da Lei 7.783-89, que diz na sua primeira parte que as manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho, há de ser analisado tanto sob a ótica do trabalhador que não deseja ser privado do direito de trabalhar, bem como de terceiros, já que não raro a sociedade, difusamente considerada, também experimenta os efeitos colaterais das paralisações.

Quanto ao trabalhador que desejasse laborar, não se pode negar que a Constituição, pelo menos a princípio, lhe garante o direito de ir e vir. Mas o assunto é mais complexo do que parece. Para tanto, basta lembrar, como já visto acima, que não são raros os casos em que os vários direitos fundamentais entram em rota de colisão, ocasiões em que o dissenso entre eles demanda acomodação pelo princípio da proporcionalidade. Parece-me que aqui se tem um caso de tal natureza.

Ocorre que o direito individual de ir e vir desse trabalhador - conhecido no jargão operário como "fura-greve" -, não pode se sobrepor ao direito fundamental coletivo de paralisação da categoria profissional a que ele pertence.

Por óbvio, é absolutamente legítimo que aquele que não deseja a suspensão dos trabalhos participe da assembléia [40] em que a classe deliberará sobre a paralisação, para nela defender o seu ponto de vista, votando, ao final, contra o movimento.

Nada obstante, uma vez convencionada a interrupção dos serviços pelo quorum [41] previsto no estatuto da entidade sindical, o direito individual do interessado em trabalhar deverá ceder ao interesse maior da categoria em promover a greve, sendo absolutamente legítimo, pois, que os piquetes o impeçam - evidentemente sem violência - de sabotar o movimento paredista democraticamente discutido e aprovado.

A propósito da perniciosa figura do "fura-greve", vale trazer à baila, mais uma vez, as palavras sempre lúcidas do jurista Márcio Túlio Viana:

"Ao exercer o seu suposto direito, ele [o fura-greve] dificulta ou inviabiliza o direito real da maioria. O que faz não é apenas trabalhar, mas – com o perdão do trocadilho infame – atrapalhar o movimento. Ele realmente fura a greve, como se abrisse um buraco num cano de água. E o seu gesto também tem algo de simbólico: mostra que a identidade operária não é coesa, que há resistências internas.

Tal como o grevista, o fura-greve fala: põe em cheque (sic) o movimento, denuncia a própria greve. Mas ao resistir à resistência revela dupla submissão. Ele luta contra os que lutam por um novo e maior direito; esvazia o sindicato, dificulta a convenção coletiva e fere o ideal de pluralismo jurídico e político." [42] (minha a observação entre colchetes)

Como se não bastasse tudo o que já foi dito, o fato é que o artigo 1.210, § 1º do Código Civil brasileiro garante ao possuidor turbado ou esbulhado o direito de manter-se ou restituir-se pela própria força, contanto que o faça logo e desde que os atos de defesa ou desforço não superem o indispensável à manutenção ou restituição da posse.

Ora, se mesmo com o núcleo capital da Constituição brasileira residindo na promoção da dignidade da pessoa humana - e não na defesa cega da propriedade - o regramento infraconstitucional permite ao possuidor turbado ou esbulhado defender seu patrimônio por intermédio da autotutela, não se mostra razoável que impeça a classe trabalhadora de promover, por via de piquetes, a legítima defesa do seu direito fundamental de greve.

Diante de todas essas ponderações, não posso concluir de outro modo, a não ser para entender que há flagrante inconstitucionalidade, por ponderação inadequada dos interesses conflitantes, na parte do artigo 6º, § 3º da lei 7.783-89 em que se proíbe as manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas de impedirem o acesso ao trabalho.

Aliás, como adverte a constitucionalista Kátia Magalhães Arruda "a história do direito do trabalho está intimamente vinculada com o associacionismo. A concretização da chamada ‘consciência de classe’ pelas exploradas massas de trabalhadores europeus, no século XIX, foi responsável pela grande maioria dos direitos que vieram a ser garantidos em leis isoladas e posteriormente considerados como direitos fundamentais" [43].

Partindo dessa constatação histórica, é correto afirmar que as compreensões individualistas de mundo sempre deverão ser veementemente rechaçadas pelos juslaboralistas, pois que estribadas em uma concepção filosófica liberal ultrapassada, invariavelmente conspiram contra a lógica de construção coletiva dos direitos trabalhistas.

Mas a discussão não termina por aí, devendo ser enfrentada, ainda, pela ótica dos terceiros. Aqui o debate se mostra muito mais duro, vez que no caso defrontam-se dois interesses ‘coletivos’ fundamentais, um dos trabalhadores e outro da sociedade. Creio, todavia, que também estes (os terceiros) deverão sofrer algum desgaste para que o movimento paredista logre êxito.

Tome-se o exemplo dos correntistas de agências bancárias que desejem realizar operações em caixas eletrônicos. Na hipótese, o irrestrito acesso deles ao interior das agências paralisadas, viria a ferir de morte a lógica da greve.

Como é por demais sabido, nos últimos anos os bancos promoveram no mundo, balizados pelo intento de maximização dos seus lucros, uma avassaladora onda de automatização das suas agências. Tal movimento traz consigo um componente altamente perverso e ainda pouco estudado.

Ocorre que na medida em que a automação avança, os correntistas, sem perceberem, passam a praticar atos que, tempos atrás, eram de responsabilidade dos bancários. Verdadeiro truísmo que esse arranjo é altamente conveniente para os banqueiros, já que, de uma única tacada, demitem a grande maioria de seus empregados, enxugam a sua folha de salários e tributos, e passam a se valer da mão-de-obra gratuita dos seus incautos correntistas, que ainda pagam taxas abusivas para executarem tais operações.

Justamente por isso é que as greves cada vez mais importam menos para os banqueiros, pois ainda que seus trabalhadores cruzem os braços, muito da máquina bancária continuará em movimento, tudo isso sem contar as movimentações passíveis de serem realizadas pela internet.

Logo, permitir o acesso incondicional dos terceiros no interior da agência paralisada seria conspirar letalmente contra o direito constitucional fundamental de greve. No caso a classe trabalhadora seria duplamente punida. Primeiro porque a automação, como já visto, causa desemprego. Segundo porque os trabalhos de interesse do banco continuariam a ser feitos, sem que assim a greve atingisse plenamente os seus objetivos táticos e estratégicos.

Aliás, é de se ressaltar que a própria Constituição brasileira adota postura tuitiva a favor dos trabalhadores nesse campo, já que o seu artigo 7º, XXVII, diz, com todas as letras, que são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social, a proteção em face da automação, na forma da lei.

E nem se argumente, em sentido contrário, que os trabalhadores não poderiam implementar, na prática, aquilo que a CRFB somente garante ‘na forma da lei’. Quem assim o fizesse estaria absolutamente equivocado, pois como já visto alhures, os direitos fundamentais são dotados de eficácia vertical (art. 5º, § 1º, CR), razão pela qual são de aplicação imediata.

A corroborar dita tese, colaciono o escólio do constituinte originário de 1988, deputado Michel Temer, que embora se referindo aos direitos previstos no artigo 5º da Carta Magna, elaborou uma lição que se amolda à perfeição também para os interesses veiculados no seu artigo 7º:

É importante observar que os direitos e garantias fundamentais previstos no artigo 5º têm aplicação imediata, segundo o comando expresso no parágrafo 1º do aludido dispositivo.

Significa, a nosso ver, que os princípios fundamentais ali estabelecidos podem ser invocados na sua plenitude, até que sobrevenha legislação regulamentadora, quando for o caso de sua utilização. [44]

Como se não bastasse, é necessário se ver que o artigo 7º, XI, da Lei Maior, garante ainda aos empregados, excepcionalmente, a participação na gestão da empresa. Também aí, portanto, a greve de ocupação estaria constitucionalmente respaldada, tratando-se esta de uma conjuntura excepcionalíssima que justificaria que a gestão da empresa permanecesse transitoriamente nas mãos dos trabalhadores, podendo eles, por imperativo lógico, até mesmo limitar, em proporção razoável, o acesso de correntistas às agências bancárias paralisadas.

Claro que deverão os trabalhadores, na administração provisória do empreendimento, cumprir com a obrigação do artigo 11 da Lei 7.783-89, garantindo à comunidade, senão plenamente, mas em proporções aceitáveis, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das suas necessidades inadiáveis, sob pena de, em não o fazendo, permitir que o Poder Judiciário venha a declarar o caráter abusivo da paralisação, e nesse caso deferir a liminar de reintegração de posse ao proprietário.

Por fim, algumas palavras devem ser ainda proferidas em relação à parte do § 3º, do artigo 6º, da Lei 7.783-89, na qual é dito que a greve não poderá causar ameaça ou dano à propriedade.

Inicialmente é de se sublinhar que a ocupação operada nos contextos em que o empresário esmaece a função social do seu empreendimento, não se dispondo a respeitar o direito fundamental de negociação coletiva da classe trabalhadora, não há de ser considerada como ameaçadora da propriedade, pois que na greve não existirá o intento dos trabalhadores em usucapi-la.

Demais disso, eventual dano causado à propriedade será remediado pela veiculação de pedido de condenação em perdas e danos, formulado no bojo da própria ação possessória, já que como visto, o artigo 921 do Código de Processo Civil brasileiro permite a cumulação dos interditos mandamentais com pleitos de outra natureza cognitiva.

De todo o argumentado até aqui, resta tangível que o requisito fundamental para que a posse seja restituída ao empresário será a comprovação da boa vontade da empresa em abrir ou retomar a negociação coletiva, pois somente assim convencerá o magistrado que respeita os direitos fundamentais dos trabalhadores e cumpre plenamente com a sua função social.

Daí a importância de não se conceder a liminar possessória irrefletidamente. O mais adequado nesses casos será que o juiz se apegue às melhores tradições da Justiça do Trabalho, para, na perspectiva de intermediação do conflito e aproximação dos litigantes, inserir o processo em pauta [45] e fomentar a negociação coletiva, de tel modo abdicando de impor uma decisão autoritária à pendência.

Corroborando o conteúdo do parágrafo anterior, reproduzo as palavras de Luiz Melíbio Uiraçaba Machado, digno desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

"O juiz não deve, nos litígios possessórios coletivos, conceder ou não pedidos liminares: deve negociar, ir até o conflito e no trato democrático buscar a solução dialogal à pendência. Eis o novo: o Juiz sair de seu gabinete, sentir o conflito, nele ingressar e juntamente com os litigantes buscar solução à lide." [46]

Aliás, haverá determinadas conjunturas em que a situação convergirá para a manutenção definitiva da posse nas mãos dos trabalhadores. Quanto ao afirmado existem no país pelo menos três relatos, embora extrajudiciais, em que os trabalhadores assumiram a administração da fábrica, já que os proprietários se viram sem condições de continuar a exploração econômica e garantir os empregos.

São os casos das empresas Cipla e Interfibra [47], ocorridos em Joinville - SC, em outubro de 2002, quando os mil trabalhadores das mencionadas fábricas de material plástico entraram em greve por tempo indeterminado, em virtude dos seus salários e demais direitos, como férias, décimo terceiro salário e FGTS não estarem sendo respeitados.

No episódio os relatos dão conta que com muita  disposição os operários se organizaram para defender mil postos de trabalho, tendo suportado, durante oito dias, todo o tipo de pressão e violência policial, como gases e cassetetes, o que só fez aumentar a solidariedade popular e a organização dos piquetes.

Ao final do conflito, todavia, os patrões reconheceram que não poderiam mais pagar os salários e os débitos trabalhistas, fiscais e previdenciários, razão pela qual entregaram as ações aos trabalhadores, que passaram a administrar a empresa e retomaram a produção. Os proprietários foram afastados da direção administrativa e a empresa e os trabalhadores elegeram uma comissão, que partir de então passou a gerir a fábrica.

Em circunstâncias muito similares, existe ainda o caso da empresa Flaskô, que foi ocupada por 70 trabalhadores em junho de 2003, na cidade de Sumaré –SP, bem como o da empresa Flakepet, localizada em Itapevi – SP, que foi ocupada em dezembro de 2003.


7 – CONCLUSÃO

Já ao término da minha tarefa, cumpre-me esboçar uma síntese conclusiva, capaz de resumir tudo aquilo que de essencial foi dito até aqui. Assim é que merecem destaque os seguintes pontos:

- A greve é um direito constitucional fundamental da classe trabalhadora, reconhecido tanto no plano internacional quanto no interno. Sua compleição é ampla e dialética, pois ao mesmo tempo em que é norma, consegue ser ainda sanção e garantia.

- A função primordial da greve é a viabilização de outro interesse não menos fundamental da classe trabalhadora, também externa e internamente consagrado, que é a garantia de negociação coletiva dos seus direitos laborais. Pode-se dizer, pois, que o paredismo possui função instrumental.

- Por ocasião do advento da E.C. 45 o poder normativo da Justiça do Trabalho foi amainado, fato que merece ser comemorado, já que o dissídio coletivo não passa de uma herança autoritária, sem paradigmas no mundo democrático. Com efeito, é correto afirmar que, em tal contexto, o direito de greve foi ainda mais prestigiado pelo constituinte derivado.

- Para merecer a tutela jurisdicional possessória, a posse deverá cumprir concretamente com a sua função social, a qual somente será alcançada, no plano empresarial, quando o empreendimento se comprometer com um padrão exploratório que favoreça o bem-estar dos trabalhadores, bem como com o respeito dos direitos laborais básicos, dentre eles o de negociação coletiva.

- São três as demandas tipicamente possessórias, quais sejam, o interdito proibitório, a ação de manutenção de posse e a ação de reintegração de posse, sendo da Justiça do Trabalho a competência para delas conhecer, quando manejadas em face do exercício do direito de greve.

- No interdito proibitório, a simples notícia do intento dos trabalhadores de promoverem a paralisação dos serviços não será motivo para que o Juiz do Trabalho defira a liminar perseguida pelo empresário, vez que sempre militará presunção de que os obreiros não exercitarão o direito de greve abusivamente. Cabe ressaltar, entretanto, que a concessão da tutela satisfativa será plausível na hipótese do interessado demonstrar que o movimento paredista foi engendrado muito tempo antes da data-base, com o objetivo gratuito de esgarçar as relações empregatícias.

- No caso dos interditos de manutenção e reintegração, a liminar não deverá ser concedida sem que o empregador demonstre a sua disposição real e séria de participar do processo de negociação coletiva, pois somente assim convencerá o Juiz do Trabalho de que a sua posse se presta à concretização da função social a que está constitucionalmente adstrita.

- O mais adequado, sempre, será que o magistrado se apegue às melhores tradições da Justiça do Trabalho, para, na perspectiva de intermediação do conflito e aproximação dos litigantes, inserir o processo em pauta e fomentar a negociação coletiva, de tal modo abdicando de impor uma decisão autoritária à pendência.


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Notas

01 Direito Coletivo do Trabalho, 1ª ed., São Paulo: LTr, 2001, p. 149.

02 Direitos Humanos: Essência do Direito do Trabalho, 1ª ed., São Paulo: LTr, 2007, p. 99.

03 Vide, por exemplo, o Código Penal brasileiro de 11.10.1890, a Lei de Segurança Nacional de 1938 e o Código Penal editado em 1940.

04 Oris de Oliveira, Juiz do Trabalho e doutor em direito, ensina, in Direito Coletivo do Trabalho em uma Sociedade Pós-industrial, 1ª ed., São Paulo: LTr, 2003, p. 225, que os inúmeros casos de greve examinados pelo Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho "permitiram a elaboração de um conjunto de princípios que constituem um verdadeiro direito internacional sobre liberdade sindical, uma espécie de regra direito consuetudinário internacional".

05 Direito Constitucional do Trabalho, 2ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p.p. 87 e 88.

06 Orlando Gomes apud Enoque Ribeiro dos Santos, in Direitos Humanos na Negociação Coletiva, 1ª ed., São Paulo: LTr, 2004, p.p. 101 e 102.

07 Estabelece o artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho brasileira que "considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços."

08 Arnaldo Sussekind et al, in Instituições de Direito do Trabalho, Vol. 2, 21ª ed., São Paulo: LTr, 2004, p. 1178.

09 Extraído do sítio www.oit.org.br em 03.11.2007

10 Extraído do sítio www.ilo.org em 03.11.2007.

11 Nunca é demais lembrar que os artigos 7º e 8º da CRFB estão inseridos no título II da Magna Carta, que, por sua vez, trata dos direitos e garantias fundamentais.

12 Op. cit., p.p. 32 e 110.

13 Curso de Direito do Trabalho, 14ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 645.

14 Processo nº TST-RODC-3.612/2005-000-04-00.5, Relator Ministro João Batista de Brito Pereira.

15 Processo nº TST-RODC-992/2005-000-04-00.6, Relator Ministro Carlos Alberto Reis de Paula.

16 Direitos Reais, 4ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p.p. 33 e 34.

17 Curso de Direito Processual Civil: Procedimentos Especiais, Vol. III, 38ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 124.

18 Clóvis Beviláqua apud Humberto Thedoro Júnior, idem, p. 119.

19 Op. cit., p. 38.

20 Idem, p.p. 52, 53 e 54.

21 Idem, p. 52.

22 Turbação possessória é todo fato impeditivo do livre uso da posse, ou que venha tornar duvidoso o exercício dela. Já o esbulho possessório é todo ato violento, em virtude do qual uma pessoa é despojada daquilo que lhe pertence ou está em sua posse. Vide, a propósito, DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico, 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1991.

23 A Greve no Direito Brasileiro, 1ª ed., São Paulo: LTr, 2006, p.p. 163 e 164.

24 Op. cit., p. 148.

25 Vide o julgado STF, Ac. Pleno, Conflito de Jurisdição nº 6.959, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, DJU de 22.05.1991, p. 1259.

26 Op. cit., p. 130.

27 Decisão proferida na Sétima Vara Cível do Distrito Federal, nos autos do processo nº 2005.01.1.096701-4, em 04.05.2006.

28 Agravo de Instrumento nº 630440, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, julgamento ocorrido em 12 de março de 2007.

29 Art. 928 do CPC – Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou reintegração; no caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada.

Art. 929 do CPC – Julgada procedente a justificação, o juiz fará logo expedir mandado de manutenção ou reintegração.

30 A respeito, vide Luiz Guilherme Marinoni, in Técnica Processual e Tutela dos Direitos, 1ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 575.

31 Op. cit., p.p. 139 e 140. Registre-se, todavia, que os mencionados autores, na seqüência, trazem uma alternativa em que a antecipação de tutela poderia ser usada, não para resguardar a posse, mas a propriedade. Dizem eles, na mesma p. 140: "A título de sugestão, sendo o possuidor igualmente qualificado como proprietário, será aconselhável o ajuizamento de ação reivindicatória, depois de escoado o prazo de ano e dia, podendo o autor lograr êxito com a demonstração de sua titularidade. Nestas circunstâncias poderá obter a tutela antecipada do art. 273, do Código de Processo Civil, sendo da essência da dita ação petitória o rito ordinário. Aqui não se verifica qualquer burla ao sistema, pois a pretensão do autor se assenta em remédio jurídico ligado à violação de direito de propriedade. Ao contrário da ação possessória, a reivindicatória tramita com procedimento comum, sem previsão legal específica para a concessão de tutela antecipatória".

32 Devo esclarecer que centrarei atenção na decisão da liminar, pois em virtude do caráter efêmero da greve, o interesse processual do autor geralmente se exaure antes da decisão definitiva de mérito.

33 Esclarece Humberto Theodoro Júnior (op. cit., p. 148) que "a estrutura do interdito proibitório é de uma ação cominatória, para exigir do demandado uma prestação de fazer negativa, isto é, abster-se da moléstia à posse do autor, sob pena de incorrer em multa pecuniária".

34 Op. cit., p.p. 148 e 149.

35 Decisão interlocutória proferida em 27 de setembro de 2005, no interior dos autos do processo nº 01012.2005.007.23.00-3, cujo curso deu na 7ª Vara do Trabalho de Cuiabá – MT.

36 É evidente que todas as greves são inegavelmente dotadas de contundente caráter político. Procurando, todavia, explicar o uso da expressão "caráter político" no corpo da ementa transcrita, trago a lição de Marilena Chaui, in Convite à Filosofia, 13ª ed., São Paulo: Editora Ática, 2005, p.p. 347 e 348: "Em certos casos, é compreensível que a expressão greve política pareça uma acusação. Quando, por exemplo, se trata de trabalhadores de uma fábrica de automóveis que, em nome de melhores salários, entram em greve contra a direção da empresa, considera-se que a greve é como tem de ser, ou seja, simplesmente econômica. Ao criticá-la como greve política está-se querendo dizer que os grevistas, sob a aparência de uma reivindicação salarial, estariam defendendo interesses particulares escusos e ilegítimos, ou buscando, dissimuladamente, vantagens e poderes para alguns sindicalistas. A palavra política é, assim, empregada para dar um sentido pejorativo à greve. Há casos, porém, em que a expressão greve política, usada como crítica ou acusação, é surpreendentemente descabida. Suponhamos, por exemplo, que os trabalhadores de um país façam uma greve geral contra o plano econômico do governo. Estão, portanto, recusando uma política econômica e, nesse caso, a greve é e só pode ser política. Por que, então, acusar uma greve por ser o que ela é? O motivo é simples: para o senso comum social, dizer de alguma coisa que ela é política é fazer uma acusação. A crítica só em aparência está dirigida contra a greve, pois, realmente, está voltada contra a política, imaginada como algo maléfico."

37 Constituição e Reforma Trabalhista no Brasil: Interpretação na Perspectiva dos Direitos Fundamentais, 1ª ed., São Paulo: LTr, 2004, p.p. 152, 154 e 155.

38 Nunca é demais repisar que a greve somente se justifica nos contextos de recusa dos empregadores à negociação coletiva (artigo 3º da Lei 7.783-89).

39 O professor de direito constitucional e Procurador do Trabalho, Manoel Jorge e Silva Neto, in Direitos Fundamentais e o Contrato de trabalho, 1ª ed., São Paulo: LTr, 2005, p. 21, ensina que "a dignidade da pessoa humana é o fim supremo de todo o direito; logo, expande seus efeitos nos mais distintos domínios normativos para fundamentar toda e qualquer interpretação. É o fundamento maior do Estado brasileiro".

40 Diz o artigo 4º da Lei 7.783-89: Caberá à entidade sindical correspondente convocar, na forma do seu estatuto, a assembléia geral que definirá as reivindicações da categoria e deliberará sobre a paralisação coletiva da prestação de serviços.

41 Estatui o § 1º do artigo 4º da Lei 7.783-89: O estatuto da entidade sindical deverá prever as formalidades de convocação e o quorum para deliberação, tanto da deflagração quanto da cessação da greve.

42 Op. cit., p. 100.

43 Direito Constitucional do Trabalho: Sua Eficácia e o Impacto do Modelo Neoliberal, 1ª ed., São Paulo: LTr, 1998, p. 102.

44 Elementos de Direito Constitucional, 16ª ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 25.

45 A inserção do feito em pauta poderá ser realizada com substrato no artigo 765 da Consolidação das Leis do Trabalho, que confere ao Juiz do Trabalho ampla liberdade na direção do processo. Demais disso, o fato é que a inteligência dos artigos 928 e 929 do Código de Processo Civil permite, naqueles casos em que a liminar não deva ser concedida inaudita altera pars, que o processo seja inserido em pauta, para realização de audiência de justificação, ocasião em que o magistrado evidentemente poderá buscar a abertura ou retomada da negociação coletiva.

46 Luiz Melíbio Uiraçaba Machado apud Amilton Bueno de Carvalho, in Magistratura e Direito Alternativo, 5ª ed., Rio de Janeiro: Luam, 1997, p. 104.

47 Os casos a seguir são narrados a partir de uma adaptação livre de texto obtido, na data de 07.11.2007, no sítio http://www.fabricasocupadas.org.br.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CESÁRIO, João Humberto. O direito constitucional fundamental de greve e a função social da posse. Um novo olhar sobre os interditos possessórios na Justiça do Trabalho brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1604, 22 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10683. Acesso em: 20 abr. 2024.