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A limitação dos juros remuneratórios no ordenamento jurídico pátrio à luz da legislação, doutrina e jurisprudência

A limitação dos juros remuneratórios no ordenamento jurídico pátrio à luz da legislação, doutrina e jurisprudência

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O texto estuda a limitação da cobrança dos juros remuneratórios considerados abusivos, frente ao recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

Sumário:1. Introdução; 2. Conceito de juros remuneratórios; 3. Os juros remuneratórios no âmbito do Código Civil de 1916 e do Decreto n 22.626/33; 4. Os juros remuneratórios após o advento da Lei nº 4.595/64; 5. Os juros remuneratórios e a redação original do art. 192, §3º da Constituição Federal; 6. Os juros remuneratórios em face do art. 591 do Código Civil de 2002; 7. A abusividade na cobrança dos juros remuneratórios e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça; 8. Conclusão.


1. Introdução

Antiga é a discussão na doutrina e jurisprudência acerca da possibilidade ou não da limitação dos juros remuneratórios no ordenamento jurídico brasileiro, tanto no plano legal quanto constitucional.

O presente artigo, embora não tenha como propósito esgotar o tema, cuida dos seus principais aspectos, tomando-se como ponto de partida um breve conceito de juros remuneratórios e sua disposição legislativa no Código Civil de 1916 e no Decreto nº 22.626/33.

Posteriormente, faz-se um apanhado do assunto à luz da Lei nº 4.595/64 e da redação original do art. 192, §3º da Constituição Federal, tratando-o de maneira expositiva, sobretudo no que tange às divergências doutrinárias e jurisprudenciais que o cerca.

Ainda, traça-se um panorama da limitação dos juros remuneratórios em face do Código Civil de 2002, abordando, neste aspecto, as recentes discussões atinentes à aplicabilidade do art. 591 nos contratos firmados com as instituições financeiras.

Por último, o foco do trabalho está voltado para a limitação da cobrança dos juros remuneratórios considerados abusivos frente ao recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça.


2. Conceito de juros remuneratórios

Os juros remuneratórios, também denominados de compensatórios, podem ser definidos como o preço pago pela utilização do capital alheio [01].

Conforme define Silvio Rodrigues [02], o juro "(...) é o fruto produzido pelo dinheiro, pois é como fruto civil que a doutrina o define. Ele a um tempo remunera o credor por ficar privado de seu capital e paga-lhe o risco em que incorre de os não receber de volta".

No mesmo sentido, ensina Caio Mário da Silva Pereira [03]:

"(...) Chamam-se juros as coisas fungíveis que o devedor paga ao credor, pela utilização de coisas da mesma espécie a este devidas. Pode, portanto, consistir em qualquer coisa fungível, embora freqüentemente a palavra juro venha mais ligada ao débito de dinheiro, como acessório de uma obrigação principal pecuniária. Pressupõe uma obrigação de capital, de que o juro representa o respectivo rendimento, distinguindo-se com toda nitidez das cotas de amortização. Na idéia do juro integram-se dois elementos: um que implica a remuneração pelo uso da coisa ou quantia pelo devedor, e outro que é a de cobertura do risco que sofre o credor".

Dessa forma, todo aquele que empresta determinada soma em dinheiro pode pactuar juros com o objetivo de ser compensado pela indisponibilidade temporária do capital cedido.


3. Os juros remuneratórios no âmbito do Código Civil de 1916 e da Lei da Usura

O Código Civil de 1916, envolto pelas idéias individualistas, deu às partes a liberdade para convencionarem a taxa de juros remuneratórios, permitindo a sua fixação em taxa inferior ou superior à legal, com ou sem capitalização. Essa é dicção do disposto no então art. 1262 do diploma em análise:

"Art. 1262. É permitido, mas só por cláusula expressa, fixar juros ao empréstimo de dinheiro ou de outras coisas fungíveis.

Esses juros podem fixar-se abaixo ou acima da taxa legal (artigo 1062), com ou sem capitalização".

Somente nas hipóteses de omissão contratual ou de incidência de juros legais, aplicava-se a taxa de 6% ao ano, a teor do que dispunha o art. 1063 do Código Civil pretérito [04].

A determinação legislativa, portanto, era no sentido de que o ajuste desprovido de qualquer especificação acerca da taxa de juros remuneratórios necessariamente deveria observar o que disciplinava a lei civil [05].

Este regime calcado no liberalismo teve breve duração, eis que diante dos excessos praticados pela usura, foi editado em 07 de abril de 1933, por Getúlio Vargas, Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, o Decreto nº 22.626.

A respeito deste diploma, leciona Luiz Antônio Scavone Júnior [06] que:

"(...) em virtude da crise econômica do café, sob o argumento de que a remuneração exacerbada do capital implicava em impedimento do desenvolvimento da produção e do emprego – o que é verdade -, contrariando os interesses do país, seguindo tendência das legislações alienígenas, que passavam a afastar o liberalismo econômico do século XIX, surgiu o Decreto 22.626, de 07.04.1933, também denominado ‘Lei de Usura’, que limitou os juros a 1% e vedou o anatocismo com periodicidade inferior à anual.

Caio Mario da Silva Pereira justifica as restrições impostas pela Lei de Usura: ‘sentindo, porém, o legislador que os abusos, especialmente nos períodos de crise, são levados ao extremo de asfixiarem toda a iniciativa honesta, baixou o Decreto 22.626, de 7 de abril de 1933.

De fato, o liberalismo não logrou êxito em acabar com as injustiças sociais, de tal sorte que houve um retorno ao intervencionismo e à regulamentação dos juros".

O art. 1º da denominada Lei de Usura dispôs que:

"Art. 1º. É vedado, e será punido nos termos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dobro da taxa legal (Código Civil, artigo nº 1.062).

(...)

§ 3º. A taxa de juros deve ser estipulada em escritura pública ou escrito particular, e não o sendo, entender-se-á que as partes acordaram nos juros de 6% ao ano, a contar da data da propositura da respectiva ação ou do protesto cambial".

Como se vê, a legislação em referência revogou a segunda parte do art. 1262 do Código Civil de 1916, vedando, em regra, a cobrança de juros superiores ao dobro da taxa legal de 6% ao ano, limitando, por conseqüência, em 12% ao ano a taxa máxima de juros a serem pactuadas em quaisquer contratos.

O art. 2º, por sua vez, vedou o recebimento de taxas maiores do que as permitidas por tal lei, a pretexto de comissão. Ainda, estabeleceu-se no art. 11 que "o contrato celebrado com infração desta lei é nulo de pleno direito, ficando assegurado ao devedor a repetição do que houver pago a mais".

O Decreto nº 22.626/33, por um longo período, teve ampla e indiscutível incidência nos contratos firmados sob a sua égide.


4. Os juros remuneratórios após o advento da Lei nº 4.595/64

Em 31 de dezembro de 1964 foi publicada a Lei nº 4.595/64, denominada "Lei da Reforma Bancária", a qual, segundo se depreende de sua ementa "dispõe sobre a Política e as Instituições monetárias, bancárias e creditícias, cria o Conselho Monetário Nacional, e dá outras providências".

O art. 4º, inciso IX, trouxe em seu bojo o seguinte comando:

"Art. 4º. Compete ao Conselho Monetário Nacional, segundo diretrizes estabelecidas pelo Presidente da República:

(...)

IX - Limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financeiros, inclusive os prestados pelo Banco Central da República do Brasil, assegurando taxas favorecidas aos financiamentos que se destinem a promover:

(...)".

Em atenção ao anteriormente transcrito, passou-se a deduzir que às instituições financeiras seriam aplicáveis as limitações de taxas de juros impostas pelo Conselho Monetário Nacional. Por isso, o limite previsto até então pela Lei de Usura em relação a elas teve sua vigência encerrada, uma vez que pelas normas da hermenêutica jurídica, lei específica posterior derroga lei geral anterior.

Dessa forma, as restrições impostas pelas leis comuns às taxas de juros não mais se aplicariam aos bancos, já que estariam sujeitos às fixações do Conselho Monetário Nacional [07].

Em amparo a essa tese, foi editada em 15 de dezembro de 1976 a Súmula nº 596, do Supremo Tribunal Federal:

"Súmula 596 - As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional".

O tema, entretanto, nunca foi objeto de pacífica interpretação entre os doutrinadores, a exemplo de Gabriel Wedy [08], que, fazendo alusão a Arnaldo Rizzardo, assim leciona:

"ARNALDO RIZZARDO, em feliz artigo, é enfático ao afirmar que a Lei nº 4.595 em nenhum momento permitiu a graduação de juros acima da taxa legal. Autorizou, sim, a referida Lei, ao Conselho Monetário Nacional delimitar as taxas de juros e outros encargos, mas não elevá-los a quaisquer níveis, ficando os bancos liberados dos percentuais ordenados pelo CCB e pelo Decreto-Lei nº 22.626".

Arremata o referido autor, com muita proficiência, dizendo que:

"É importante a conscientização em massa do meio jurídico para a interpretação justa do disposto no art. 4º, inc. IX, da Lei nº 4.595/64. Ao autorizar o Conselho Monetário Nacional a limitar juros, além de não ter rompido o limite de 12% a.a, o fez expressamente visando taxas favorecidas para financiamento de finalidade desenvolvimentista e ecológica, que enumera (recuperação e fertilização do solo, etc.), e não para colaborar no aumento dos ganhos das instituições financeiras.

Com a devida e máxima vênia aos que contrário pensam, a Lei nº 4595 jamais revogou a Lei de Usura, pois quando em seu art. 4º, inciso IX, concede poderes ao Conselho Monetário Nacional para limitar a taxa de juros a ser praticada no mercado financeiro, não dispõe e nem cogita a possibilidade de a limitação ser superior aos 12% ao ano, imposto como referido teto na referida lei.

A interpretação correta, e acima de tudo honesta, é de que limitar significa ordenar obediência a um limite, e este é o limite permitido pela Lei de Usura: 1% ao mês.

De outra forma, não pode ser, pois mesmo para um jejuno na hermenêutica jurídica, é de clareza solar que a finalidade da referida Lei é dar subsídios para as classes produtoras, o que se torna impossível com juros superiores a 12% ao ano. Subsídios estes fundamentais em um País de dimensões continentais que necessita de um setor produtivo forte e competitivo, que não pode ser asfixiado pelo furor usurário".

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, ocorreu uma sensível alteração na política monetária nacional, mormente no que se refere aos juros remuneratórios, em razão do estatuído no art. 48, XIII, c/c com art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, assim redigidos, respectivamente:

"Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos artigos 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:

(...)

XIII - matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações;

(...)".

"Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a:

I - ação normativa;

II- alocação ou transferência de recursos de qualquer espécie".

Da combinação desses dois dispositivos, extrai-se que somente o Congresso Nacional passou a deter competência para legislar sobre instituições financeiras e suas operações, ficando revogados, ainda, após cento e oitenta dias da promulgação da Constituição Federal, todos os dispositivos que delegavam competência assinalada por esta a órgão do Poder Executivo.

Antes de o prazo de cento e oitenta dias escoar, a Medida Provisória nº 45/89, editada em 31 de março de 1989, o elasteceu até 30 de abril de 1990. Perdendo eficácia em 3 de maio de 1989, a Medida Provisória nº 53/89 prorrogou tal prazo até 30 de outubro de 1989, seguida da Medida Provisória nº 100/89, que, por sua vez, dilatou do prazo de vigência até a vinda da Lei Complementar de que trata o artigo 192 da Constituição Federal. A Lei nº 7.892/89 prolongou o prazo de forma limitada até 31 de maio de 1990, seguindo-se a Medida Provisória nº 188/90, convertida na Lei nº 8.056/90, que dilatou o prazo até 31 de dezembro de 1990. Já a Medida Provisória nº 277/90, convertida na Lei nº 8.127/90, implicou nova extensão, assinando-se, como termo final, 30 de junho de 1991. Seguiu-se a Lei nº 8.201/91, mais uma vez tendo-se a prorrogação, agora até 31 de dezembro de 1991. A Lei nº 8.392/91 fixou como termo final a promulgação da Lei Complementar aludida no artigo 192 da Constituição. Então, veio a lume o Plano Real e a lei respectiva, de nº 9.069/95, que repetiu a regra do diploma anterior [09].

A partir de então, forte corrente surgiu no sentido de que a Lei nº 4.595/64, na parte que confere competência ao Conselho Monetário Nacional para limitar juros, foi expressamente revogada, visto que, a despeito da edição de algumas medidas provisórias, a lei propriamente dita mencionada no art. 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias somente foi editada alguns anos depois da revogação do poder normativo conferido ao Conselho Monetário Nacional.

Logo, o Decreto nº 22.626/33, que era norma geral inaplicável com relação às instituições bancárias e financeiras por haver norma especial, voltou a subsistir em sua integralidade desde 1989.

A este respeito, conclui Márcio Mello Casado [10] que:

"(...) segundo a corrente em estudo, a (a) ausência da norma complementar reclamada pela Constituição Federal (art. 192, IV), (b) a não recepção dos dispositivos que delegavam poderes ao executivo (art. 4º, IX e XVII, da Lei 4.595/64) para, através do CMN, legislar sobre a matéria monetária, ou, ainda, (c) a expressa revogação de todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional levam à conclusão de que a incidência da Lei de Usura voltou a atingir as instituições financeiras.

Esta afirmação é plenamente justificável, para esta corrente jurisprudencial, não se podendo falar em repristinação da Lei".

Aliás, elucidativos são os argumentos esboçados pelo Dr. Sebastião Pereira de Souza, Juiz integrante do então Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, em julgado que defende a aplicabilidade do Decreto 22.626/33, no que se refere à limitação dos juros. Eis o teor de parte do seu voto que cuidou da matéria:

"(...) é expressa a CF/88 em seu artigo art. 48, inciso XIII, ao elencar como competência legislativa do Congresso Nacional matéria financeira, cambial e monetária, instituições financeiras e suas operações.

Cabendo ao Congresso Nacional a edição de lei a respeito da questão e não tendo a mesma sido editada, eliminada a exceção trazida pela lei especial - Lei n. 4.595/64 - em face da sua não-recepção pela Magna Carta de 1988, restaura-se a aplicabilidade da lei geral à matéria antes regida pela especial - Dec. n. 22.626/33, que regula de maneira ampla todas as taxas de juros e encargos no País, incluídas as do Sistema Financeiro Nacional. A hipótese não trata de repristinação, mas tão-somente de reativar a norma geral, afastada temporariamente pela norma especial - inteligência da Lei de Introdução ao Código Civil, art. 2º, § 2º.

(...)

Pretendem alguns defender o entendimento segundo o qual a prorrogação prevista no artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com relação à competência do Conselho Monetário Nacional, teria ocorrido com a edição da Medida Provisória n. 45 em 31/3/89, que prorrogou aquele prazo até 30/4/89. Ocorre que tal fundamentação não convence, na medida em que o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias é claro, dispondo acerca da necessidade de Lei para a prorrogação do prazo. E, ainda que se admita a prorrogação com base em Medida Provisória, também não houve referida prorrogação ante a ausência de conversão em Lei da Medida Provisória supra.

Findos os trinta dias de sua edição em 30 de abril de 1989, não foi ela convertida em lei, seguindo-se, depois de interstício de dois dias, uma outra Medida Provisória, de n. 53, e editada em 3 de maio de 1989. Ora, perdendo a eficácia pela não-conversão em lei, a Medida Provisória que prorrogou o prazo do artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias não se pode considerar prorrogada indefinidamente, pela sucessão de novas Medidas Provisórias extemporaneamente editadas. Perdendo sua eficácia, também a suposta prorrogação restou acabada.

Em assim sendo, cumpre averiguar qual a taxa legal que poderia ser considerada para fins de aplicação do artigo 1o do Decreto 22.626/33" (AC 435.386-2, Oitava Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, Data do julgamento: 18/06/2004).

A título de exemplificação, colhem-se ainda os seguintes julgados que comungam desse entendimento:

"AÇÃO MONITÓRIA – EMPRÉSTIMO CELEBRADO COM COOPERATIVA DE CRÉDITO – TAXA DE JUROS REMUNERATÓRIOS – LIMITAÇÃO EM 12% AO ANO – É vedada a contratação de taxa de juros em montante superior a 12% ao ano. O artigo 25 do ADCT estabeleceu a revogação de todos os dispositivos legais que atribuíam ou delegavam a órgãos do poder executivo a normatização de matéria exclusiva do Congresso Nacional, por isso, devem incidir os juros remuneratórios no limite de 12% ao ano, visto que a lei 4.595/64 – Lei da reforma bancária – Não revogou o art. 1.062 do Código Civil nem os artigos 1º e 13 do decreto 22.626/33 – Lei da usura" (TJMS – AC 2003.004349-7/0000-00 – Campo Grande – 4ª T.Cív. – Rel. Des. Elpídio Helvécio Chaves Martins – J. 16.12.2003) [11].

"CONTRATO DE ABERTURA DE CREDITO EM CONTA CORRENTE. JUROS. LIMITACAO EM 12% AO ANO EM FACE DA LEI USURA, APLICAVEL AS INSTITUICOES FINANCEIRAS. CAPITALIZACAO MENSAL. ILEGALIDADE. SUBSTITUICAO DOS ENCARGOS REMUNERATORIOS, NO CASO DE MORA, POR COMISSAO DE PERMANENCIA COM BASE NAS TAXAS MAXIMAS DO MERCADO FINANCEIRO. ILEGALIDADE EM FACE DA SUA POTESTATIVIDADE. APELO IMPROVIDO" (TARS, AC nº 197114192, Rel. Des. José Aquino Flores de Camargo, Segunda Câmara Cível, julgado em 26/03/1998).

"AÇÃO MONITÓRIA – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA – CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – JUROS REMUNERATÓRIOS – LEI DE USURA – APLICABILIDADE – A Lei de Usura, induvidosamente aplicável às instituições financeiras, não permite a estipulação de juros remuneratórios superiores ao dobro da taxa legal (art. 1º do Decreto nº 22.626/33). - Com a revogação da Lei 4.595/64, o Decreto 22.626/33, juntamente com o art. 1.062 do Código Civil pretérito, passou a reger a fixação de juros no limite máximo de 12% ao ano, inclusive os bancários" (TAMG – AP 0436375-3 – (91406) – Belo Horizonte – 8ª C.Cív. – Rel. Juiz Mauro Soares de Freitas – J. 08.10.2004).

Não obstante os numerosos julgados em sentido contrário, o teor do enunciado nº 596 do Supremo Tribunal Federal até hoje predomina nas decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, atual guardião do ordenamento jurídico federal [12], bem como na grande maioria dos tribunais inferiores.

O fundamento utilizado para rechaçar a aplicabilidade do Decreto nº 22.626/33 é bastante simples e depende tão-somente de mera interpretação do aplicador da lei.

Com a previsão constitucional dizendo que o prazo de 180 dias previsto no artigo 25 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias estaria sujeito à prorrogação por lei, entendeu-se que as sucessivas medidas provisórias tiveram o condão de fazer as vezes da lei, já que no ordenamento pátrio as medidas provisórias possuem esta natureza.

O Supremo Tribunal Federal, em recente julgamento do Recurso Extraordinário nº 286.963-5, por maioria, entendeu pela validade das disposições da Lei Federal nº 4.595/64 na parte em que outorga poderes ao Conselho Monetário Nacional para dispor sobre as taxas de juros bancários. Eis o teor de sua ementa:

"EMENTA: Conselho Monetário Nacional: competência para dispor sobre a taxa de juros bancários: ADCT/88, art. 25: L. 4.595/64: não revogação. 1. Validade da aplicação ao caso, da L. 4.595/64, na parte em que outorga poderes ao Conselho Monetário Nacional para dispor sobre as taxas de juros bancários, uma vez que editada dentro do prazo de 180 dias estipulado pelo dispositivo transitório, quando o Poder Executivo possuía competência para dispor sobre instituições financeiras e suas operações: indiferente, para a sua observância, que tenha havido ou não a prorrogação admitida no art. 25 do ADCT; portanto, não há falar em revogação da Lei 4.595/64. 2. RE provido, para determinar que o Tribunal a quo reaprecie a demanda tendo em conta o disposto na L. 4.595/64" (STF, RE 286963/MG, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 20-10-2006 PP-00063, EMENT VOL-02252-03 PP-00563, LEXSTF v. 28, n. 336, 2006, p. 190-214).

Por outro lado, há de ressaltar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça possui forte entendimento no sentido de se aplicar a limitação de juros da Lei de Usura aos contratos bancários previstos em leis especiais posteriores à Lei da Reforma Bancária, a exemplo do mútuo rural, industrial e comercial, regidos, respectivamente, pelo Decreto-Lei 167/67, Decreto-Lei 413/69 e pela Lei 6.840/80.

Segundo a Corte Infraconstitucional, cabendo ao Conselho Monetário Nacional fixar a taxa de juros, este assim não procedendo, aplicar-se-á aos contratos de mútuos anteriormente especificados o limite do Decreto 22.626/33. A propósito:

"PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – CONTRATO BANCÁRIO – LEASING – JUROS REMUNERATÓRIOS – LIMITAÇÃO AFASTADA – SÚMULAS 596/STF E 283/STJ – APLICABILIDADE – DESPROVIMENTO – 1. Esta corte, no que se refere aos juros remuneratórios, firmou-se no sentido de que, com a edição da Lei 4.595/64, não se aplicam as limitações fixadas pelo Decreto 22.626/33, de 12% ao ano, aos contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional (Súmula 596 do STF), salvo nas hipóteses de legislação específica. 2. Outrossim, conforme orientação da segunda seção, não se podem considerar presumidamente abusivas taxas acima de 12% ano, sem que tal fato esteja cabalmente comprovado nos autos, o que, in casu, não restou evidenciado pelo V. Acórdão recorrido. 3. Agravo regimental desprovido" (STJ – AGRESP 200501190640 – (767648 MS) – 4ª T. – Rel. Min. Jorge Scartezzini – DJU 20.11.2006 – p. 325) (grifo não original).

"CÉDULA DE CRÉDITO COMERCIAL – INSTITUIÇÃO FINANCEIRA – JUROS REMUNERATÓRIOS – CÓDIGO DO CONSUMIDOR – APLICABILIDADE; LEI DE USURA – LIMITAÇÃO DE 12% – INCIDÊNCIA – "Recurso Especial. Cédula de crédito comercial. Código de Defesa do Consumidor. Limitação e capitalização dos juros. Índice de correção monetária. Precedentes. 1. Segundo orientação pacífica da 2ª Seção, o Código de Defesa do Consumidor incide nos contratos celebrados com instituições financeiras. 2. O art. 5º da Lei nº 6.840/80 c/c o art. 5º do Decreto-lei nº 413/69, posteriores à Lei nº 4.595/64, conferem ao Conselho Monetário Nacional o dever de fixar os juros a serem praticados nas cédulas e notas de crédito comercial. Ante a eventual omissão desse órgão governamental, incide a limitação de 12% ao ano prevista na Lei de Usura (Decreto nº 22.626/33), não alcançando a cédula de crédito comercial o entendimento jurisprudencial consolidado na Súmula nº 596/STF. 3. Dissídio jurisprudencial não comprovado em relação à capitalização dos juros e ao índice adequado para a correção monetária. 4. Agravo Regimental desprovido." (STJ – AgRg-Resp 480.555 – RS – 3ª T. – Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – DJU 16.06.2003 – p. 341).

"AGRAVO REGIMENTAL – CÉDULA DE CRÉDITO INDUSTRIAL – TAXA DE JUROS – LIMITAÇÃO – ITERATIVA JURISPRUDÊNCIA – APLICAÇÃO DO DECRETO Nº 413/69 – I – O tribunal não está adstrito aos fundamentos estampados pelas partes ou por juízos a quo, mas sim aos fatos apresentados, conforme o princípio jura novit curia. II – Os títulos de crédito industrial são submetidos a disciplina legal específica, prevalecendo as disposições do Decreto nº 413/69 sobre as da Lei nº 4.595/64 que com elas forem incompatíveis. Lei especial derroga a lei geral. III – A Resolução nº 1.064/85 não significa autorização do CMN para a prática de juros acima do limite legal. IV – Agravo regimental desprovido" (STJ – AgRg-REsp 274.048/RS – 3ª T. – Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro – DJU 19.11.2001 – p. 263).

Assim, nas cédulas e notas de crédito rural, industrial e comercial, os juros estão limitados ao patamar de 12% ao ano, cabendo salientar, no entanto, que tal entendimento se firmou anteriormente ao Código Civil de 2002, que, consoante será objeto de análise adiante, trouxe profundas modificações no que se refere à limitação dos juros remuneratórios quando aplicável o art. 1º da Lei de Usura.


5. Os juros remuneratórios e a redação original do art. 192, §3º da Constituição Federal

No plano constitucional, outro tema polêmico a respeito da limitação dos juros foi objeto de divergência travada entre os tribunais e doutrinadores, qual seja, a auto-aplicabilidade ou não do hoje revogado art. 192, §3º da Constituição Federal.

A este respeito, disserta Sidnei Turczyn [13]:

"Desde a promulgação da Constituição de 1988 (apesar da grande relevância dos assuntos que, a teor do disposto no caput do art. 192, deveriam ser regulamentados por lei complementar), o tema que mais despertou polêmica no Judiciário foi o do limite de 12% ao ano imposto aos juros reais pelo §3º desse artigo.

O fato se explica em razão das altas taxas de juros que vinham sendo praticadas (e continuaram a ser) no mercado, decorrentes da política monetária adotada pelo Banco Central, e que teriam levado inúmeros tomadores de recursos bancários a uma situação de insolvência ou de impossibilidade de pagamento.

Dessa maneira, a questão da auto-aplicabilidade ou não da disposição limitadora dos juros reais passou a ser objeto de reiteradas discussões e decisões judiciais".

Dispunha o citado dispositivo, antes de ser revogado pela Emenda Constitucional nº 40, de 29 de maio de 2003, que:

"Art. 192. O sistema financeiro nacional, estruturado de forma a promover o desenvolvimento equilibrado do País e a servir aos interesses da coletividade, será regulado em lei complementar, que disporá, inclusive, sobre:

(...)

3º. As taxas de juros reais, nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito, não poderão ser superiores a doze por cento ao ano; a cobrança acima deste limite será conceituada como crime de usura, punido, em todas as suas modalidades, nos termos que a lei determinar".

Quando ainda vigente a redação original do art. 192, duas correntes se formaram, uma acompanhando a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn nº 4/DF, proposta pelo PDT (Partido Democrático Trabalhista), entendendo que o disposto no § 3º do mencionado artigo é de eficácia limitada, e outra entendendo pela auto-aplicabilidade de tal dispositivo.

O julgamento da ADIn nº 4/DF, na parte relacionada à questão por ora abordada, restou ementado nos seguintes termos, in verbis:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TAXA DE JUROS REAIS ATÉ DOZE POR CENTO AO ANO (PARAGRAFO 3. DO ART. 192 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL).

(...)

6. Tendo a Constituição Federal, no único artigo em que trata do sistema financeiro nacional (art. 192), estabelecido que este será regulado por lei complementar, com observância do que determinou no "caput", nos seus incisos e parágrafos, não é de se admitir a eficácia imediata e isolada do disposto em seu parágrafo 3º, sobre taxa de juros reais (12 por cento ao ano), até porque estes não foram conceituados. Só o tratamento global do sistema financeiro nacional, na futura lei complementar, com a observância de todas as normas do "caput", dos incisos e parágrafos do art. 192, e que permitirá a incidência da referida norma sobre juros reais e desde que estes também sejam conceituados em tal diploma.

(...)" (STF, ADI 4 / DF - DISTRITO FEDERAL, Rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, DJ 25-06-1993 PP-12637).

Ficou consolidado, in casu, que o caput do disposto no artigo 192 fazia alusão à edição de lei complementar para regulamentação das matérias tratadas em seus vários incisos e, por isso, estando os parágrafos atrelados ao artigo, imprescindível seria a edição de norma regulamentadora.

A decisão retratada até hoje reflete o posicionamento da Corte Constitucional, que, reiteradamente, bate-se pela não auto-aplicabilidade da norma em estudo, consoante se extrai dos recentes julgados:

"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 2. Juros. Limitação. Não é auto-aplicável a limitação dos juros estipulada pelo art. 192, § 3o, da CF/88. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento"(STF – RE-AgR 539265 / RS - 2ª T. – Rel. Min. Cezar Peluso – DJ 28-09-2007 PP-00070).

"AGRAVO REGIMENTAL – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – JUROS REMUNERATÓRIOS – 3º DO ART. 192 DA MAGNA CARTA (REDAÇÃO ORIGINÁRIA) – SÚMULA 648 DO STF – INOVAÇÃO – REEXAME DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS E DE PROVA – SÚMULAS 279 E 454 DO STF – É pacífica a jurisprudência desta Casa de Justiça de que "a norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de Lei Complementar" (Súmula 648 do STF). (...)" (STF – RE-AgR 459388 – PR – 1ª T. – Rel. Min. Carlos Britto – DJU 04.08.2006 – p. 47).

"AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – JUROS – LIMITAÇÃO – CB, ARTIGO 192, § 3 – 1. O Pleno desta Corte já decidiu que o artigo 192, § 3º, da Constituição do Brasil, que limita as taxas de juros em 12% ao ano, necessita de regulamentação" (ADI Nº 4). Agravo regimental a que se nega provimento. (STF – AI-AgRg 487429 – SP – 1ª T. – Rel. Min. Eros Grau – DJU 03.06.2005 – p. 00042).

Visando estancar a controvérsia a respeito do tema, o Supremo Tribunal Federal editou na Sessão Plenária de 24 de setembro de 2003 a Súmula nº 648, com a seguinte redação:

"Súmula 648 - A norma do § 3º do art. 192 da Constituição, revogada pela EC 40/2003, que limitava a taxa de juros reais a 12% ao ano, tinha sua aplicabilidade condicionada à edição de lei complementar" [14].

Em contrapartida, o embasamento utilizado pelos defensores da corrente que entenderam pela auto-aplicabilidade do contido no § 3º do artigo 192 fundava-se no argumento de que o comando nele inserido possuía autonomia própria.

Adepto desta tese, José Afonso da Silva [15], com a maestria que lhe é peculiar, leciona que:

"Esse dispositivo causou muita celeuma e muita controvérsia quanto à sua aplicabilidade.

Pronunciamo-nos pela imprensa, a favor de sua aplicação imediata, porque se trata de uma norma autônoma, não subordinada à lei prevista no caput do artigo. Todo parágrafo, quando tecnicamente bem situado liga-se ao conteúdo do artigo, mas tem autonomia normativa. Veja-se, p. ex., o § 1º do mesmo art. 192. Ele disciplina assunto que consta dos incs. I e II do artigo, mas suas determinações, por si, são autônomas, pois uma vez outorgada qualquer autorização, imediatamente ela fica sujeita às limitações impostas no citado parágrafo.

Se o texto, em causa, fosse um inciso do artigo, embora com normativa formal autônoma, ficaria na dependência do que viesse a estabelecer a lei complementar. Mas, tendo sido organizado num parágrafo, com normatividade autônoma, sem referir-se a qualquer previsão legal ulterior, detém eficácia plena e autonomia de artigo, mas a preocupação, muitas vezes revelada ao longo da elaboração constitucional, no sentido de que a Carta Magna de 1988 não aparecesse com demasiados números de artigos, levou a Relatora do texto a reduzir artigos e parágrafos e uns e outros, não raro, a incisos. Isso, no caso em exame, não prejudica a eficácia do texto."

Ainda sobre o assunto, dada a clareza de seus argumentos, é de se reportar ao voto vencido do Ministro Marco Aurélio, na ocasião do julgamento da ADIn nº 4/DF:

"(...) Portanto, sobrepondo-se o conteúdo à forma, há que se concluir que o simples fato de o preceito em comento estar relevado em parágrafo não firma a presunção definitiva de dependência ao artigo no qual está inserido. Cabe assim o exame do teor de cada qual. (...) o enfoque sobre a necessidade de lei que discipline o que são juros reais contraria a ordem natural das coisas. Implica em relegar à lei a definição do que, pela própria natureza, no sentido do vernáculo pátrio, já estaria suficientemente definido. Mas para os que assim não entendem, é dado encontrar na própria Carta a elucidação. No campo de uma quase premonição, intuíram os Constituintes que ainda se poderia colocar em dúvida o alcance do instituto e, aí, além da utilização do adjetivo real – autodefinível – fizeram constar, em relação às taxas de juros: ‘... nelas incluídas comissões e quaisquer outras remunerações direta ou indiretamente referidas à concessão de crédito...’. (...) a única diferença que noto é que o preceito hoje em vigor, além da estatura constitucional que possui, é mais explícito ainda que o Decreto de 1933, com um dado que talvez elucide a razão de toda essa celeuma – a abrangência consagradora do princípio econômico" [16].

Comprovando a cizânia apontada, colhem-se os seguintes arestos:

"APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE COBRANÇA – LIMITAÇÃO DOS JUROS EM 12% AO ANO – VIGÊNCIA DO CONTRATO À ÉPOCA DO § 3º DO ART. 192 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – AUTO-APLICABILIDADE – LIMITE PREVISTO NO DECRETO N. 22.626/33 – SENTENÇA REFORMADA – RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO PARCIAL.

Os juros remuneratórios estão limitados à taxa máxima de 12% ao ano, por força do disposto no revogado § 3º do art. 192 da Constituição Federal, vigente à época, e por força do que dispõe o art. 1º do Decreto nº 22.626/33" (TJMS, Apelação Cível - Ordinário - N. 2003.006112-6/0000-00 - Fátima do Sul, Rel. Des. Joenildo de Sousa Chaves, 1ª Turma, DJ 27.3.2007).

"EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL - NOTA PROMISSÓRIA - VÍCIOS NÃO COMPROVADOS - JUROS DE 2,5% A.M - AUTO-APLICABILIDADE DO ART. 192, § 3º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL - LIMITAÇÃO - REDUÇÃO À TAXA DE 12% AO ANO. Em face da auto-aplicabilidade do § 3º do art. 192 da CF, anteriormente a Emenda Constitucional nº 40, não foi recepcionado o art. 4º, inciso IX, da Lei 4.595/64 (Lei da Reforma Bancária), o qual outorgava ao Conselho Monetário Nacional a competência para limitar as taxas de juros, razão pela qual, a partir de 5 de outubro de 1988, as instituições financeiras ficaram impedidas de aplicar taxas de juros superiores a 12% ao ano" (TJMG, AC n° 2.0000.00.488003-5/000, Rel. Des. Fabio Maia Viani, 13ª Câmara Cível, Data do julgamento: 03/05/2007).

"APELAÇÃO CÍVEL – JUROS – ART. 192, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – LIMITAÇÃO – AUTO-APLICABILIDADE – CONTRATOS DE CONCESSÃO DE CRÉDITO – RELAÇÃO DE CONSUMO – INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – RECURSO IMPROVIDO – A norma do art. 192, § 3º, da Constituição Federal, que limita a taxa de juros em 12% (doze por cento) ao ano, é auto-aplicável, não carecendo de Lei Complementar que a regulamente. (...)" (TJMT – AC 11221/2003 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Orlando de Almeida Perri – J. 18.06.2003).

"APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE EMBARGOS À EXECUÇÃO – (...). II. O § 3º do art. 192 da CF é auto-aplicável, sendo manifestamente ilegal a cobrança de taxa de juros superior ao limite de 12% ao ano. III. (...)" (TJSE – AC 0379/2001 (Proc. 1922/2001) – (20023986) – 2ª C.Cív. – Rel. Des. José Artêmio Barreto – J. 17.12.2002).

O certo é que, apesar do entendimento sumulado pelo Supremo Tribunal Federal, a divergência só não mais persiste com tanto vigor em função da revogação do dispositivo em estudo pela Emenda Constitucional nº 40/2003.


6. Os juros remuneratórios em face do art. 591 do Código Civil de 2002

Com o advento do Novo Código Civil, em vigor desde 11 de janeiro de 2003, outro impasse vem surgindo no meio jurídico quanto à limitação dos juros remuneratórios em 12% ao ano em função do que preconizam os artigos 406 e 591.

De acordo com o aventado linhas atrás a respeito da aplicabilidade do Decreto nº 22.626/33, o seu art. 1º estava atrelado ao disposto no art. 1062 do Código Civil de 1916, que fixava os juros moratórios, quando não convencionados, em seis por cento ao ano.

Ocorre que o art. 1062 foi substituído pelo art. 406 do Novo Código Civil, assim redigido:

"Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional".

Passou-se a entender que a referida taxa é a mencionada no art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% ao mês, conforme ficou sedimentado no Enunciado nº 20 [17] da Jornada de Direito Civil realizada pelo Superior Tribunal de Justiça, sob a coordenação científica do Min. Ruy Rosado de Aguiar Júnior:

"Enunciado nº 20 - Art. 406: a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% (um por cento) ao mês".

Como a Lei de Usura veda a estipulação de juros superiores ao dobro da taxa legal e como esta, desde a promulgação do Código Civil anterior, sempre foi de 6% ao ano, segundo a dicção dos artigos 1062 e 1063, a aplicação de referido dobro admitido resultava na cobrança de juros no patamar máximo de 12% ao ano.

Passando a taxa legal a ser de 1% ao mês nos contratos celebrados após a entrada em vigor do Novo Código Civil, aceitável se tornou a cobrança de juros no percentual de 24% ao ano.

O art. 591 do Código Civil, por sua vez, reza que:

"Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual".

Com efeito, para aqueles que defendem a aplicabilidade de tal dispositivo a todos os contratos de mútuo, indistintamente, sejam eles pactuados com instituições financeiras ou não, a taxa de juros convencionais ou remuneratórios (compensatórios) não poderá exceder ao limite de 12% ao ano.

A este respeito, trago à colação julgados que refletem essa orientação:

"APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATO DE CONTA CORRENTE E EMPRÉSTIMO PESSOAL. (...). JUROS REMUNERATÓRIOS LIMITADOS À TAXA DE 12% AO ANO, percentual que atende aos parâmetros da lei civil e constitucional vigentes à época da contratação. Aplicabilidade do Dec. 22.626/33 (Lei de Usura). Em virtude de a ação ter sido ajuizada em data posterior à entrada em vigor do NOVO CÓDIGO CIVIL e se tratando de relação continuada ao longo do tempo, os juros remuneratórios que se venceram após 11.01.2003 devem ser reduzidos, não podendo exceder a taxa utilizada para o pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional, nos termos do que dispõe o art. 591, combinado com o art. 406 do atual diploma legal. (...). APELO PARCIALMENTE CONHECIDO E NESTA PARTE PROVIDO. UNÂNIME" (TJRS, AC nº 70006783112, Rel. Desª. Agathe Elsa Schmidt da Silva, Décima Segunda Câmara Cível, julgado em 18/03/2004).

"ADMINISTRATIVO. CIVIL. CONTRATOS BANCÁRIOS. REVISÃO. LIMITAÇÃO DA TAXA DE JUROS. CONTRATO FIRMADO APÓS A VIGÊNCIA DO NOVO CCB. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. LEGALIDADE. CUMULAÇÃO. INVIABILIDADE. MULTA CONTRATUAL. 1. Os contratos bancários em geral estão na zona de incidência da regra acerca dos juros remuneratórios prevista no art. 591 do novo CCB, seja porque não mais existe a demarcação constitucional - art. 192, § 3º da CF/88 - que reclamava regulamentação do tema via de lei complementar, seja porque a ressalva das instituições financeiras ofenderia o princípio da isonomia. 2. Aplicáveis à espécie juros compensatórios de 1% ao mês, de forma não capitalizada, conforme o Enunciado nº 20 do STJ: "Art. 406: a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161,§1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% (um por cento ao mês). A utilização da taxa SELIC como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros e pode ser incompatível com o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros reais de 12% (doze por cento) ao ano. (...)" (TRF 4, AC 2001.70.00.023552-6, Rel. Luiz Carlos De Castro Lugon, Terceira Turma, DJU DATA:27/09/2006 página: 749).

AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO - JUROS COMPENSATÓRIOS - INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS - AUTO-APLICABILIDADE DO ART. 192, § 3º, DA CF - LIMITE DE 12% AO ANO - REVOGAÇÃO DA NORMA CONSTITUCIONAL PELA EC 40/2003 - INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA - MANUTENÇÃO DO LIMITE DE 12% AO ANO - COMISSÃO DE PERMANÊNCIA - FIXAÇÃO À TAXA DE MERCADO - IMPOSSIBILIDADE - SUBSTITUIÇÃO PELO INPC. (VOTO VENCIDO PARCIALMENTE). Por uma interpretação histórica e sistemática do ordenamento jurídico brasileiro, as instituições financeiras devem obedecer à limitação de juros prevista na Lei de Usura. O art. 192, § 3º, da CF é auto-aplicável, e, desse modo, a revogação de tal norma não implica a repristinação da Lei 4.595/64 no que se refere a limites de juros diferenciados para as instituições financeiras, devendo os juros compensatórios, até o advento da EC 40/2003, ser limitados a 12% ao ano. A partir da EC 40/2003, o limite legal de juros compensatórios continua a ser de 12% ao ano por uma interpretação sistemática do Código Civil de 2002 (art. 591 c/c art. 406) e do Código Tributário Nacional (art. 161, § 1º). (...)" (TJMG, AC 2.0000.00.487523-8/000, Rel. Des. Elpídio Donizetti, Décima Terceira Câmara Cível, Data do julgamento: 02/06/2005).

"APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO C/C CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO C/C COMPENSAÇÃO DE VALORES – JUROS REMUNERATÓRIOS – CONTRATO PACTUADO POSTERIORMENTE À EMENDA CONSTITUCIONAL N. 40/2003, QUE REVOGOU O § 3º DO ART. 192 DA CARTA POLÍTICA – LIMITADOS AO PERCENTUAL DE 12% AO ANO, NOS TERMOS DOS ARTS. 591 E 406 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 C.C. O § 1º DO ART. 161 DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL – INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEIUS – IMPOSSIBILIDADE DE COBRANÇA DE COMISSÃO DE PERMANÊNCIA – APLICAÇÃO DO IGPM-FGV – CAPITALIZAÇÃO MENSAL – VEDADA – RECURSO IMPROVIDO. Nos contratos de mútuo feneratício formalizados após a Emenda Constitucional n. 40, de 20 de maio de 2003, que revogou o § 3º do art. 192 da Carta Magna, os juros remuneratórios não podem ser superiores ao percentual de 12% ao ano, tendo em vista que a taxa legal atualmente fixada pelos arts. 591 e 406 do novel Código Civil c.c o § 1º do art. 161 do Código Tributário Nacional, é de 1% ao mês. (...)" (TJMS, Apelação Cível - Ordinário - N. 2007.028539-3/0000-00 – Corumbá, Rel. Des. Paschoal Carmello Leandro, 4ª Turma Cível, DJ 16.10.2007).

O fundamento basilar utilizado pelos julgadores para incluir as instituições financeiras na regra no art. 591 é o princípio da isonomia esculpido pela Constituição Federal, pois, segundo se sustenta, deixar de aplicá-lo ao sistema financeiro seria incorrer em favorecimento deste em detrimento dos demais.

A propósito, é o que se extrai do teor dos acórdãos anteriormente citados, dentre os quais destaco os de relatoria dos Desembargadores Elpídio Donizetti e Paschoal Carmello Leandro, respectivamente dos Tribunais de Justiça Mineiro e Sul-Mato-Grossense, verbis:

"(...) Na ausência de norma específica a partir do advento da EC 40/2003, em 29 de maio de 2003, data em que já se encontrava em vigor o novo Código Civil de 2002 - cuja vigência ocorreu a partir de 10 de janeiro de 2003 - aplica-se esse Código, conforme se demonstra a seguir.

Já foi visto que, na vigência do Código Civil de 1916, a taxa legal era de 6% ao ano (Art. 1.062). Entretanto, em razão do disposto no art 1o, caput, do Decreto 22.626/33 - Lei de Usura, permitia-se a cobrança até o limite de 12% ao ano.

Segundo o Código Civil de 2002, por sua vez, tem-se que, nos termos de seu art. 591, os juros compensatórios não podem exceder a taxa a que se refere o art. 406 do referido diploma legislativo.

(...)

Interpretando-se, conjuntamente, Código Civil de 2002 e Código Tributário Nacional, chega-se à conclusão de que o limite de juros permitido pelo direito brasileiro, hoje, para todas as pessoas, inclusive instituições financeiras, permanece no patamar de 12% ao ano.

Frise-se que a limitação de juros igualitária, tal qual prevista na legislação brasileira, não afronta de forma alguma a dinamicidade exigida no sistema financeiro nacional, muito pelo contrário, trata-se de juros que, em uma economia estável, podem ser considerados bastante razoáveis.

Ademais, essa limitação única, englobando tanto as instituições financeiras quanto os demais mutuantes, nada mais é do que o reconhecimento dos princípios da isonomia e da razoabilidade, visto que se afigura incoerente privilegiar os bancos, que possuem muito mais capital para disponibilizar aos mutuários, em detrimento daqueles que não detêm tal poderio econômico" (grifo não original).

"(...) Sucede que no caso vertente o contrato foi formalizado em julho de 2005, ou seja, após a aludida Emenda Constitucional, que entrou em vigor no dia 30 de maio de 2003. Dessa forma, deve ser observado o novo Código Civil que dispõe a respeito do tema.

(...)

Portanto, constata-se que após a Emenda Constitucional n. 40/2003, os juros remuneratórios cobrados nos empréstimos de dinheiro com fins econômicos, praticados por qualquer pessoa física ou jurídica, devem ser limitados ao percentual de 12% ao ano, 1% ao mês sob pena de serem usurários, nos termos dos arts. 591 e 406 do Código Civil de 2002, c.c o § 1º do art. 161 do Código Tributário Nacional, incluindo aqui as instituições financeiras e entidades semelhantes, visto que deixar de aplicar os aludidos preceitos legais ao sistema financeiro, seria favorecê-lo em detrimento dos demais, causando uma situação de flagrante inconstitucionalidade, por quebra de isonomia, violando o art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988" (grifo não original).

Por outro lado, é cabível ressaltar que o entendimento dado à matéria pelo Superior Tribunal de Justiça é diverso, eis que, para a Corte Infraconstitucional, o mútuo civil e o mútuo referente ao mercado financeiro haverão de ser diferenciados. Isso porque o sistema financeiro, pelo regime constitucional, está obediente a uma lei complementar (Lei Especial nº 4.595/64), não podendo, por isso, o Código Civil, lei ordinária, regular essa matéria.

O Ministro Aldir Passarinho Junior, relator do Recurso Especial nº 680.237 – RS [18] (Segunda Seção), julgado em 14/12/2005, em seu extenso voto, assim concluiu:

"(...) Em conclusão, tenho que mesmo para os contratos de agentes do Sistema Financeiro Nacional celebrados posteriormente à vigência do novo Código Civil, que é lei ordinária, os juros remuneratórios não estão sujeitos à limitação, devendo ser cobrados na forma em que ajustados entre os contratantes, consoante a fundamentação acima, que lhes conferia idêntico tratamento antes do advento da Lei n. 10.406⁄2002, na mesma linha da Súmula n. 596 do E. STF".

Na mesma linha de raciocínio foi o voto de vista proferido pelo Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, o qual, sinteticamente, apreciou a questão:

"(...) desejo cumprimentar o eminente Relator pelo voto precioso que proferiu nesta Seção e salientar esses dois fundamentos que me parecem essenciais e que são aqueles, a meu sentir, que justificam a interpretação que foi dada porque, realmente, a leitura do art. 591 do Código Civil de 2002 dá margem à interpretação de que alcançaria todas as situações, porque a referência feita no dispositivo é "mútuo para fins econômicos". E isso, evidentemente, permitiria englobar-se, também, os empréstimos bancários. Mas dois fundamentos são essenciais na trilha da jurisprudência que foi aberta pela Corte Especial há bastante tempo.

O primeiro deles diz respeito à diferença entre o mútuo civil e o mútuo referente ao mercado financeiro e, de fato, na situação da economia brasileira, não se pode ter por equiparados os dois tipos de mútuo; impõe-se que seja feita tal distinção, distinção essa que já tinha sido feita quando se examinou o ponto relativo à limitação da taxa de juros sob o regime da Súmula nº 596, ou seja, a distinção já havia sido feita naquela oportunidade. Tanto é verdade que, em muitas circunstâncias, há um mútuo civil também antes da Súmula nº 596; aplicava-se a limitação dos juros de 12% e, depois, manteve-se essa distinção: abriu-se a possibilidade da não-limitação, ou seja, da não-aplicação da lei de usura dentro do mercado financeiro, mas manteve-se a limitação dentro do mútuo civil.

E, demais disso, como destacou Sua Excelência e enfatizou o Senhor Ministro Ari Pargendler, se o sistema financeiro, pelo regime constitucional, está obediente a uma lei complementar, a lei civil não pode superar e, portanto, regular essa matéria, porque está subordinada à lei complementar. E essa lei complementar foi admitida como tal, no sentido de que a própria disposição do artigo da Constituição Federal, que disciplina o mercado financeiro, impõe a exigência da lei complementar".

Em sintonia com o entendimento esposado, relevantes são as considerações de Luiz Guilherne Loureiro [19] ao comentar a norma contida no art. 591:

"(...) os juros remuneratórios máximos, no mútuo econômico, não podem exceder a 1% ao mês. Cláusula contratual prevendo juros superiores ao limite legal deverá ser reduzida até este limite. Cumpre observar que este limite não se aplica às instituições financeiras, cuja atividade é regida por lei especial.

A Lei da Reforma Bancária (Lei n. 4.595/64) derrogou as determinações da Lei de Usura relativamente às operações bancárias, que passaram a sujeitar-se aos limites estabelecidos para as taxas de juros pelo Conselho Monetário Nacional, por intermédio do Banco Central".

Observa-se que o Superior Tribunal de Justiça apenas veio reforçar a tese aventada antes mesmo do advento do Código Civil de 2002. Por isso, a despeito de posicionamentos contrários, conforme se ilustrou com julgados de distintos tribunais, a tendência é de que a jurisprudência da Corte Infraconstitucional, ainda escassa sobre o tema, seja uniformizada no sentido de afastar a aplicação do art. 591 às instituições financeiras.


7. A abusividade na cobrança dos juros remuneratórios e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

Nos últimos tempos, embora tenha rejeitado os fartos argumentos voltados para a limitação dos juros ao patamar de 12% ao ano, o Superior Tribunal de Justiça vem revendo sua jurisprudência, sobretudo diante do reconhecimento da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras, há muito sedimentado na Súmula 297 [20] dessa Corte, como também em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADIn 2591 [21].

O certo é que, atualmente, predomina a orientação de que a abusividade na pactuação dos juros deverá ser apreciada caso a caso, tomando-se como parâmetro a taxa média do mercado na praça do empréstimo, a teor do que ilustra o julgado abaixo:

"COMERCIAL. CONTRATO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. A legislação não limita os juros remuneratórios cobrados pelas instituições financeiras, que, todavia, estão sujeitas ao Código de Defesa do Consumidor (STJ - Súmula nº 297). Os juros podem ser abusivos se destoarem da taxa média de mercado sem que as peculiaridades do negócio os justifiquem - circunstância que não ficou evidenciada nos autos. Agravo regimental não provido" (STJ, AgRg no Ag 817539 / PR, Rel. Min. ARI PARGENDLER, Terceira Turma, DJ 04.06.2007 p. 346) (grifo não original).

Seguindo esta tendência, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, considerou abusivo o percentual de 380,78% ao ano cobrado em um financiamento de R$ 1.000,00 (mil reais) feito por uma dona-de-casa de Porto Alegre [22].

Do voto do Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, relator do Recurso Especial nº 971.853 - RS, julgado em 07/10/2004, lê-se os seguintes argumentos:

"O tema é bem conhecido deste Tribunal, que, inclusive, já firmou jurisprudência a respeito.

Como cediço, esta Corte entende que não se pode presumir abusivas as taxas de juros remuneratórios que excederem o limite de 12% ao ano. Todavia, orienta que a abusividade da cláusula contratual que a prevê pode ser declarada nas instâncias ordinárias, com amparo nas disposições do Código de Defesa do Consumidor, quando ficar provado que a instituição financeira está cobrando taxa excessiva, se comparada com a média do mercado para a mesma operação financeira.

É do que se trata no presente caso.

A r. sentença apurou que a taxa de juros remuneratórios cobrada pelas instituições financeiras recorridas encontra-se acima do triplo da taxa média do mercado para a modalidade do negócio jurídico bancário efetivado. Enquanto, a taxa média do mercado para empréstimos pessoais divulgada pelo Banco Central do Brasil para o mês da contratação é no patamar de 67,81% ao ano, a taxa cobrada foi no importe de 380,78% ao ano, que mensalmente reflete o percentual de 13,98%. Assim, flagrante a abusividade na estipulação contratual. Aliás, diante de tal discrepância, chega a impressionar a afirmação contida no peça recursal das instituições financeiras de que "não se visualiza, no presente caso, qualquer abusividade que possa ensejar a revisão do contrato" (fl. 153).

De outro lado, creio que têm razão as recorrentes quando se insurgem contra a limitação de 12% ao ano imposta pelo acórdão recorrido aos juros remuneratórios. A uma, porque ausente fundamentação a respeito dos parâmetros que resultaram na fixação em tal patamar. A duas, em virtude da orientação jurisprudencial desta Corte, a qual deve se adequar.

Assim, verificada a flagrante abusividade dos juros remuneratórios pelas instâncias ordinárias deve sua taxa ser adequada ao patamar médio praticado pelo mercado para a respectiva modalidade contratual, isto é, 67,81% ao ano, como determinam os precedentes deste Tribunal a respeito do tema.

Posto isso, dou parcial provimento ao recurso especial para afastar a limitação de 12% ao ano imposta à taxa de juros remuneratórios, para fixá-la de acordo com a média praticada pelo mercado, como acima explicitado. (...)".

Ao que se colhe das decisões colacionadas, o Superior Tribunal de Justiça vem proclamando que a alteração da taxa de juros pactuada depende da demonstração cabal da sua excessiva onerosidade, em relação à taxa média de mercado e demais peculiaridades da situação em concreto.


8. Conclusão

Apesar do vasto regramento que cuida dos juros remuneratórios no Brasil, tem-se visto que as divergências doutrinárias e jurisprudências são enormes.

Forçoso é reconhecer que a questão não vem sendo tratada pelos legisladores com a devida seriedade, pois os desencontros exteriorizados pelo Judiciário devem-se, principalmente, ao vasto e obsoleto emaranhado legislativo brasileiro.

A oportunidade criada pelo §3º do art. 192 da Constituição Federal de 1988 para regulamentar a limitação dos juros no país foi dissipada no momento em que este foi revogado pela Emenda nº 40/2003, pois, ainda que consubstanciado em norma de aplicabilidade restrita, como quis fazer prevalecer o Supremo Tribunal Federal, seria a forma mais acertada de o Estado agir em prol da sociedade brasileira, há muito entregue ao poderio econômico das instituições financeiras.

Com efeito, embora se tenha um Legislativo inerte, o Judiciário, ao menos em parte e dentro de suas limitações, vem intervindo com maior vigor nas relações contratuais, amenizando, dessa forma, o grande desequilíbrio ainda existente entre consumidor e fornecedor.


Notas

01 NERY JUNIOR, Nelson; ANDRADE, Rosa Maria de. Código civil anotado e legislação extravagante. 2. ed. São Paulo: RT, 2003. p. 326.

02 RODRIGUES, Sílvio. Direito civil, parte geral das obrigações. 30 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. v. 2. p. 257.

03 SILVA, Caio Mário. Instituições de direito civil. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. v 2. p. 110.

04 "Art. 1063. Serão também de seis por cento ao ano os juros devidos por força da lei, ou quando as partes os convencionarem sem taxa estipulada".

05 CASADO, Márcio Mello. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. São Paulo: RT, 2000. p. 44/45.

06 SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antonio. Juros no direito brasileiro. São Paulo: RT, 2003. p. 38.

07 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 71.

08 WEDY, Gabriel. O limite constitucional dos juros reais. 4. ed. Porto Alegre: Síntese, 1997. p. 38/39.

09 Extraído do voto do Min. Marco Aurélio (RE 286.963-5), que discutiu a validade da aplicação da Lei nº 4.595/64, na parte em que outorga poderes ao CMN para dispor sobre as taxas de juros bancários. Disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=286963.NUME.+E+$RE$.SCLA.&base=baseAcordaos

10 CASADO, Márcio Mello. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. São Paulo: RT, 2000. p. 49.

11 O Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul possui entendimento majoritário no sentido de que o Decreto nº 22.626/33 é plenamente aplicável às operações bancárias.

12 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. São Paulo: Atlas, 2004. p. 496.

13 TURCZYN, Sidnei. O Sistema financeiro nacional e a regulação bancária. São Paulo: RT, 2005. p. 115.

14 Fonte de Publicação: DJ de 9/10/2003, p. 3; DJ de 10/10/2003, p. 3; DJ de 13/10/2003, p. 3. Disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=648.NUME.%20NAO%20S.FLSV.&base=baseSumulas

15 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 9. ed. p. 703/704.

16 STF, ADI 4 / DF - DISTRITO FEDERAL, Rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, DJ 25-06-1993 PP-12637. Disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=4&classe=ADI&origem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M

17 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no novo código civil. 2. ed, São Paulo: Editora Método, 2004. p. 484.

18 "EMENTA: COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO REVISIONAL. CONTRATOS DE ABERTURA DE CRÉDITO EM CONTA CORRENTE E DE EMPRÉSTIMO PESSOAL. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULAS N. 282 E 356⁄STF. JUROS. LIMITAÇÃO (12% AA). LEI DE USURA (DECRETO N. 22.626⁄1933). NÃO INCIDÊNCIA. APLICAÇÃO DA LEI N. 4.595⁄1964. DISCIPLINAMENTO LEGISLATIVO POSTERIOR. SÚMULA N. 596-STF. INEXISTÊNCIA DE ONEROSIDADE EXCESSIVA. CONTRATO BANCÁRIO FIRMADO POSTERIORMENTE À VIGÊNCIA NO NOVO CÓDIGO CIVIL. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. CABIMENTO. CC, ARTS. 591 E 406. I. Carente de prequestionamento tema objeto do inconformismo, a admissibilidade do recurso especial, no particular, encontra óbice nas Súmulas n. 282 e 356 do STF. II. Inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c⁄c o art. 406 do novo Código Civil. III. Outrossim, não incide, igualmente, a limitação de juros remuneratórios em 12% ao ano prevista na Lei de Usura aos contratos de abertura de crédito. IV. Admite-se a repetição do indébito de valores pagos em virtude de cláusulas ilegais, em razão do princípio que veda o enriquecimento injustificado do credor. V. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, parcialmente provido" (STJ, Recurso Especial Nº 680.237 – RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, Segunda Seção, DJ 15.03.2006 p. 211) (grifo não original).

19 LOUREIRO, Luiz Guilherme. Contratos no novo código civil. 2. ed, São Paulo: Editora Método, 2004. p. 484.

20 Súmula 297 do STJ - O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras.

21 "EMENTA: CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – ART. 5º, XXXII, DA CB/88 – ART. 170, V, DA CB/88 – INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS – SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, EXCLUÍDAS DE SUA ABRANGÊNCIA A DEFINIÇÃO DO CUSTO DAS OPERAÇÕES ATIVAS E A REMUNERAÇÃO DAS OPERAÇÕES PASSIVAS PRATICADAS NA EXPLORAÇÃO DA INTERMEDIAÇÃO DE DINHEIRO NA ECONOMIA [ART. 3º, § 2º, DO CDC] – MOEDA E TAXA DE JUROS – DEVER-PODER DO BANCO CENTRAL DO BRASIL – SUJEIÇÃO AO CÓDIGO CIVIL – 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. O preceito veiculado pelo art. 3º, § 2º, do Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado em coerência com a Constituição, o que importa em que o custo das operações ativas e a remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras na exploração da intermediação de dinheiro na economia estejam excluídas da sua abrangência. 4. Ao Conselho Monetário Nacional incumbe a fixação, desde a perspectiva macroeconômica, da taxa base de juros praticável no mercado financeiro. 5. O Banco Central do Brasil está vinculado pelo dever-poder de fiscalizar as instituições financeiras, em especial na estipulação contratual das taxas de juros por elas praticadas no desempenho da intermediação de dinheiro na economia. 6. Ação direta julgada improcedente, afastando-se a exegese que submete às normas do Código de Defesa do Consumidor [Lei nº 8.078/90] a definição do custo das operações ativas e da remuneração das operações passivas praticadas por instituições financeiras no desempenho da intermediação de dinheiro na economia, sem prejuízo do controle, pelo Banco Central do Brasil, e do controle e revisão, pelo Poder Judiciário, nos termos do disposto no Código Civil, em cada caso, de eventual abusividade, onerosidade excessiva ou outras distorções na composição contratual da taxa de juros. ART. 192, DA CB/88 – NORMA-OBJETIVO – EXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR EXCLUSIVAMENTE PARA A REGULAMENTAÇÃO DO SISTEMA FINANCEIRO – 7. O preceito veiculado pelo art. 192 da Constituição do Brasil consubstancia norma-objetivo que estabelece os fins a serem perseguidos pelo Sistema Financeiro Nacional, a promoção do desenvolvimento equilibrado do País e a realização dos interesses da coletividade. 8. A exigência de Lei Complementar veiculada pelo art. 192 da Constituição abrange exclusivamente a regulamentação da estrutura do sistema financeiro. CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL – ART. 4º, VIII, DA LEI Nº 4.595/64 – CAPACIDADE NORMATIVA ATINENTE À CONSTITUIÇÃO, FUNCIONAMENTO E FISCALIZAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS – ILEGALIDADE DE RESOLUÇÕES QUE EXCEDEM ESSA MATÉRIA – 9. O Conselho Monetário Nacional é titular de capacidade normativa --- a chamada capacidade normativa de conjuntura --- no exercício da qual lhe incumbe regular, além da constituição e fiscalização, o funcionamento das instituições financeiras, isto é, o desempenho de suas atividades no plano do sistema financeiro. 10. Tudo o quanto exceda esse desempenho não pode ser objeto de regulação por ato normativo produzido pelo Conselho Monetário Nacional. 11. A produção de atos normativos pelo Conselho Monetário Nacional, quando não respeitem ao funcionamento das instituições financeiras, é abusiva, consubstanciando afronta à legalidade" (STF – ADI 2591 – DF – TP – Rel. P/o Ac. Min. Eros Grau – DJU 29.09.2006 – p. 31).

22 "EMENTA: Ação revisional de contrato bancário. Juros remuneratórios. Verificação da abusividade da taxa prevista no contrato pelas instâncias ordinárias. Taxa acima do triplo ao patamar médio praticado pelo mercado. Adequação. I - Verificada a flagrante abusividade dos juros remuneratórios pelas instâncias ordinárias deve sua taxa ser adequada ao patamar médio praticado pelo mercado para a respectiva modalidade contratual. II - Recurso especial parcialmente provido" (STJ, REsp 971853, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, Quarta Turma, DJ 24/09/2007).


Autor

  • Luis Fernando Simões Tolentino

    Luis Fernando Simões Tolentino

    Assessor de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul. Especialista em Direito Público pela Associação Nacional dos Magistrados (ANAMAGES)/Instituto Izabela Hendrix e Direito Público Municipal pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES)/Centro de Estudos Estratégicos em Direito do Estado (CEEDE)

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOLENTINO, Luis Fernando Simões. A limitação dos juros remuneratórios no ordenamento jurídico pátrio à luz da legislação, doutrina e jurisprudência. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1609, 27 nov. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10699. Acesso em: 26 abr. 2024.