Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/108566
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Termo de referência: documento norteador dos processos licitatórios

Termo de referência: documento norteador dos processos licitatórios

Publicado em .

O termo de referência é um documento essencial: sua produção ineficiente prejudica o processo licitatório.

Resumo: O objetivo deste artigo é realizar uma análise sobre o Termo de Referência, documento constitutivo da fase interna dos processos de compras públicas e previsto na Nova Lei de Licitações, Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Será realizada uma abordagem através do método dialético, objetivando através de discussão, argumentação e pesquisa bibliográfica, trabalhar o tema de forma qualitativa através de princípios e normas. Pretende-se com essa discussão doutrinária mostrar que o Termo de Referência não obstantes ser um documento feito na fase interna produz efeitos relevantes e essenciais para o sucesso de um processo licitatório. O Termo de Referência trata-se de documento norteador do objeto a ser contratado e sua produção ineficiente pode comprometer a eficiência do processo licitatório.

Palavras-chave: Licitações. Termo de Referência. Planejamento. Governança.


Introdução

O Termo de Referência - TR é um documento constitutivo da fase interna do processo licitatório que produz efeitos relevantes na fase externa dos processos de contratação. Trata-se do documento que balizará todos os elementos, balizará os métodos e a estratégia de suprimento das demandas da administração pública através dos processos licitatórios.

A fase interna do processo licitatório deve ser caracterizada pelo planejamento, a governança nas contratações públicas é uma das ideias balizadoras da Lei nº 14.133/2021. Se a administração pública ao claudicar no seu dever de planejar, expõe a administração pública ao risco de cometer atos lesivos ao poder público por cometer atos ineficazes, ineficientes, antieconômicos e, por consequência, ilegais.

O Estudo Técnico Preliminar – ETP, documento estrutural do planejamento da contratação, define a melhor forma de se resolver a necessidade do órgão público, analisa e compara as soluções passíveis de serem executadas, que subsidiarão a confecção do Termo de Referência.

Planejar uma contratação pública não se resume apenas na elaboração de um Edital, este documento depende do Termo de Referência que definirá o objeto que a Administração Pública deseja cotratar. Dessa forma, o Termo de Referência é o documento que determinará o sucesso ou insucesso da contratação Pública, pois uma especificação mal feita poderá resultar em compras ineficientes, que não atenderão as necessidades da Administração.


1. Termo de Referência: Peça fundamental no planejamento e governança

Dentre os diversos princípios da Administração Pública previstos em nossa Constituição Federal a Lei nº 14.133/2021 incluiu dentre outros, o princípio do planejamento:

Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). (grifo nosso)

A contratação pública deve ser planejada da melhor forma possível para que menos surpresas o gestor tenha que lidar ao longo de todo o processo de aquisição. O planejamento adequado evita diversas falhas. Já nos deparamos com aquisições de materiais que não tinham sequer condições de serem utilizados no local pretendido. Exemplo: foram adquiridos diversos ares condicionados, no entanto, o local para onde os aparelhos eram destinados não possuía condições de suportar a tensão elétrica dos aparelhos, nem sequer a tomada para ligá-los.

À medida que se prioriza a realização de estudos e planejamentos para as contratações, diversas situações poderão ser previstas, assegurando que soluções adequadas sejam implementadas para a solução eficiente do problema.

Noutro giro, abordamos o conceito de Chiavenato (2006) acerca do Planejamento Estratégico como sendo a construção de estratégias por uma organização e o modo de alcançá-la:

O planejamento estratégico é um processo organizacional compreensivo de adaptação através de aprovação, tomada de decisão e avaliação. Procura responder a questões básicas, como: por que a organização existe, o que ela faz e como faz. O resultado do processo é um plano que serve para guiar a ação organizacional por um prazo de três a cinco anos.

Na mesma linha de pensamento está a Portaria SEGES/ME Nº 8.678 :

Art. 2º Para os efeitos do disposto nesta Portaria, considera-se:

[...]

III - governança das contratações públicas: conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle postos em prática para avaliar, direcionar e monitorar a atuação da gestão das contratações públicas, visando a agregar valor ao negócio do órgão ou entidade, e contribuir para o alcance de seus objetivos, com riscos aceitáveis; (grifo nosso)

Em razão desses fundamentos é que a Nova Lei de Licitações e Contratos (parágrafo único, do art. 11) previu como responsabilidade da alta administração do órgão o exercício da governança:

Parágrafo único. A alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das contratações e deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os objetivos estabelecidos no caput deste artigo, promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações. (grifo nosso)

De acordo com Leonez (2021) a governança deve ocorrer de cima para baixo (top down), sendo que o nível intermediário deve possuir uma responsabilidade maior acerca da viabilidade da implantação e do controle do planejamento das contratações, isto porque é o responsável pela transferência das informações do nível estratégico ao operacional.

A forte tônica dada pela Lei nº 14.133/2021 é sobre planejamento e governança. E sob esse enfoque dois documentos da fase preparatória são fundamentais para se obter sucesso nas contratações públicas: Estudo Técnico Preliminar – ETP e o Termo de Referência. Nesta ocasião, o foco do nosso presente estudo será o Termo de Referência.

O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais em sua cartilha, “Como Elaborar Termo de Referência ou Projeto Básico”, ensina que o Termo de Referência trata-se de um instrumento de gestão estratégica que determinará o sucesso ou o fracasso de uma compra pública. Para o Tribunal é possível comprar com qualidade no serviço público desde que o Termo de Referência seja bem elaborado.

O Termo de Referência ou Projeto Básico é um instrumento obrigatório para toda contratação (seja ela por meio de licitação, dispensa, inexigibilidade e adesão à ata de registro de preços), sendo elaborado a partir de estudos técnicos preliminares e devendo reunir os elementos necessários e suficientes, com nível de precisão adequado para caracterizar o objeto, bem como as condições da licitação e da contratação.

Considera-se, pois, que o referido instrumento é o documento que contém informações obtidas a partir de vários levantamentos feitos em relação ao objeto a ser contratado, o que permite dizer que possui os “códigos genéticos” das contratações pretendidas pela Administração Pública.

O Termo de Referência situa-se na fase preparatória dos processos de compras públicas sendo o documento responsável por reunir as informações necessárias para a caracterização preciso do que se pretente adquirir/contratar. A Lei nº 14.133/2021 estabelece intima relação deste documento com o planejamento feito pela administração. Não se pode falar em compras públicas na atualidade sem atos de planejamento e tecnicidade, vejamos o que diz a Nova Lei de Licitações e Contratos:

Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12. desta Lei , sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, compreendidos:

II - a definição do objeto para o atendimento da necessidade, por meio de termo de referência, anteprojeto, projeto básico ou projeto executivo, conforme o caso;

O Planejamento de uma contratação não se resume apenas na elaboração do edital, pois ele depende do Termo de Referência, que na maioria das vezes trata-se do Anexo I do instrumento convocatório. Nesse sentido, é necessário que se privilegie o planejamento da contratação e a fase interna da licitação. Somente assim, a fase externa será otimizada, pois o sucesso dessa fase depende, primordialmente, da eficácia daquela.

O Termo de Referência é o grande responsável por todas as definições técnicas e metodológicas para a condução do certame e, até mesmo, para as definições do contrato. Por isso, é fundamental que o Termo de Referência seja baseado em estudos técnicos para determinação clara e objetiva do objeto de licitação e seus impactos quanto à contratação e à execução.

O conteúdo a ser inserido no Termo de Referência é citado na Lei nº 14.133/2021 da seguinte forma:

Art. 6º Para os fins desta Lei, consideram-se:

XXIII - termo de referência: documento necessário para a contratação de bens e serviços, que deve conter os seguintes parâmetros e elementos descritivos:

a) definição do objeto, incluídos sua natureza, os quantitativos, o prazo do contrato e, se for o caso, a possibilidade de sua prorrogação;

b) fundamentação da contratação, que consiste na referência aos estudos técnicos preliminares correspondentes ou, quando não for possível divulgar esses estudos,no extrato das partes que não contiverem informações sigilosas;

c) descrição da solução como um todo, considerado todo o ciclo de vida do objeto;

d) requisitos da contratação;

e) modelo de execução do objeto, que consiste na definição de como o contrato deverá produzir os resultados pretendidos desde o seu início até o seu encerramento;

f) modelo de gestão do contrato, que descreve como a execução do objeto será acompanhada e fiscalizada pelo órgão ou entidade;

g) critérios de medição e de pagamento;

h) forma e critérios de seleção do fornecedor;

i) estimativas do valor da contratação, acompanhadas dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, com os parâmetros utilizados para a obtenção dos preços e para os respectivos cálculos, que devem constar de documento separado e classificado;

j) adequação orçamentária;

Art. 40. O planejamento de compras deverá considerar a expectativa de consumo anual e observar o seguinte:

§ 1º O termo de referência deverá conter os elementos previstos no inciso XXIII do caput do art. 6º desta Lei, além das seguintes informações:

I - especificação do produto, preferencialmente conforme catálogo eletrônico de padronização, observados os requisitos de qualidade, rendimento, compatibilidade,durabilidade e segurança;

II - indicação dos locais de entrega dos produtos e das regras para recebimentos provisório e definitivo, quando for o caso;

III - especificação da garantia exigida e das condições de manutenção e assistência técnica, quando for o caso.

Para Charles (2023) o Termo de Referência é o documento utilizado para especificar de maneira precisa, suficiente e clara o objeto/serviço a ser adquirido/contratado. Ele deve conter elementos que permitam à Administração avaliar os custos com base em um orçamento detalhado, utilizando como referência os preços praticados no mercado. Além disso, o termo de referência deve definir métodos, estratégias de suprimento, prazo de execução do contrato e outros elementos relevantes.

Em seu Manual de Licitações e Contratos o Tribunal de Contas da União trata o assunto da seguinte forma:

Além disso, o TR esclarece como o futuro contrato será executado e fiscalizado, apresenta os critérios para recebimento provisório e definitivo do bem ou serviço prestado, define a forma e critérios para seleção do fornecedor, e indica os recursos orçamentários para a contratação. Ou seja, no TR pode haver o refinamento de itens do ETP e há a elaboração de novos elementos que não constam do ETP. (Licitações & Contratos: Orientações e Jurisprudência do TCU / Tribunal de Contas da União. 5ª Edição, Brasília: TCU, Secretaria-Geral da Presidência, 2023, pg. 298)

Dessa forma a correta elaboração do Termo de Referência, dá uma maior confiança aos licitantes e à Administração Pública, isso porque só poderá ser exigido dos proponentes o que está descrito no referido termo. Ademais, o Termo de Referência corretamente confeccionado propicia a eficiência do processo de compra, isto porque quando todas as informações do objeto e da contratação em si estão dispostas de forma clara, o processo correrá de maneira mais célere e perfeita.

Corroborando o entendimento, extraí-se um trecho do Acórdão nº. 768/2013, do Plenário do Tribunal de Contas da União - TCU:

131. O projeto básico ou termo de referência dotam o processo licitatório de maior transparência e dão mais segurança ao gestor de que esta contratando o produto conforme necessita, além de permitir que o licitante tenha informações e elementos necessários à boa elaboração das propostas. Já o orçamento estimado em planilhas de preços unitários serve de balizamento para a análise das propostas das licitantes, e é um importante instrumento para a análise de possíveis repactuações. Assim, a ausência ou fragilidades nesses procedimentos pode prejudicar o processo licitatório.

Tal fato também é abordado na Instrução Normativa SEGES/ME nº 96/2022:

Art. 14. O termo de referência deverá prover todos os dados e as informações necessários e suficientes para que os licitantes possam elaborar suas propostas de trabalho e de preço, observado o disposto nos arts. 24. e 25.


2. Responsabilidade de Elaboração do Termo de Referência

O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais em sua cartilha, “Como Elaborar Termo de Referência ou Projeto Básico” descreve que a elaboração do Termo de Referência assemelha-se ao trabalho de um alfaiate, profissional especialista na arte de fabricação de roupas sob medida. O alfaiate não se atém a um modelo ou tamanho padrão, mas à necessidade específica de seu cliente. Dessa maneira, o Termo de Referência não pode ser elaborado através de modelos prontos, mas sim de acordo com a demanda do “setor requisitante”.

A Instrução Normativa 05/2017 da SEGES assim dispõe:

Art. 28. O Projeto Básico ou Termo de Referência deverá ser elaborado a partir dos Estudos Preliminares, do Gerenciamento de Risco e conforme as diretrizes constantes do Anexo V, devendo ser encaminhado ao setor de licitações, de acordo com o prazo previsto no art. 27.

[...]

§ 2º Cumpre ao setor requisitante a elaboração do Termo de Referência ou Projeto Básico, a quem caberá avaliar a pertinência de modificar ou não os Estudos Preliminares e o Gerenciamento de Risco, a depender da temporalidade da contratação, observado o disposto no art. 23. (grifo nosso)

No mesmo sentido dispõe a Instrução Normativa CGNOR/ME Nº 81, de 25 de novembro de 2022: “ Art. 8º O TR será elaborado conjuntamente por servidores da área técnica e requisitante ou,quando houver, pela equipe de planejamento da contratação. (grifo nosso)”

O setor que necessita da aquisição de determinado produto/serviço, “setor demandante ou requisitante”, é que detém as informações necessárias e precisas daquilo que se pretende adquirir. Dessa forma, e esse setor que deverá ter a condição de informar de forma clara o objeto que se pretente comprar.

O doutrinador Ronny Charles comenta o assunta da mesma forma:

“Via de regra, é o setor requisitante responsável pela confecção do termo de referência. Esta determinação, repetida nos regulamentos federais do pregão que precederam a Lei nº 14.133/2021, transferiu ao setor responsável por gerar a pretensão contratual a competência e responsabilidade para levantar elementos específicos da contratação, como: descrição precisa do objeto licitado, métodos e estratégia de suprimento, estimativa dos custos (através de pesquisa de preços), critérios de aceitação do objeto, obrigações específicas das partes, entre outros.”

Na prática, verifica-se que o setor requisitante tem dificuldades na formulação do Termo de Referência por não possuir conhecimento de como operacionalizar a especificação, a maneira correta de inserir as informações necessárias no TR. Tal situação, pode fazer com que o documento fique incompleto ou com demasiadas informações impertinentes levando, então, ao fracasso do certame.

Seria mais produtivo promover uma colaboração efetiva entre as diversas áreas (setor requisitante, setor técnico e setor de licitações), possibilitando a complementação das informações disponíveis de modo a aprimorar a formulação do Termo de Referência.

A doutrina já vem se posicionando no sentido de que o Termo de Referência ou deve ser de competência multissetorial. Dessa maneira, o TR contará com apoio de profissionais que possuem a expertise suficiente para deixar o documento completo e atender satisfatoriamente os anseios da Administração.

O setor requisitante apresenta a demanda, ou seja, o problema que deve ser resolvido com a compra de um material ou contratação de um serviço. Por ser o setor que vivencia o problema saberá informar as especificações do que se deseja com a compra pública. Nesse momento, entra em cena o setor técnico que vai informar se a demanda apresentada verdadeiramente pode ser solucionada com o solicitado ou se existe outra solução mais viável. Vencida essa etapa o setor de licitações/compras entra em cena com sua expertise para melhor especificar o material, condições contratuais, etc.

Faria (2016) assevera que a responsabilidade pela definição do objeto, justificação da necessidade, execução do contrato e acompanhamento, incluindo outras informações pertinentes, recai sobre a área que solicita a contratação. Para garantir uma elaboração adequada e segura do documento formal que expressa a demanda, a área requisitante deve contar com o respaldo de profissionais das áreas de compras, jurídica e, quando necessário para a contratação em questão, de uma área técnica especializada.

O mesmo entendimento é corroborado por Santana, Camarão e Chrispim (2013):

A elaboração multissetorial do Termo de Referência tem efeitos de suma importância: promove o engajamento dos diversos setores da unidade administrativa e, consequentemente, o aprimoramento das atividades respectivas. Disso, naturalmente decore até mesmo um aumento de competências dos servidores envolvidos nessa tarefa. (SANTANA, CAMARÃO E CHRISPIM, 2013)


3. A importância de especificar corretamente o objeto da contratação

Um dos temas mais importantes contidos no Termo de Referência trata-se da especificação do objeto. Por vezes verifica-se que a Administração faz aquisições de produtos com qualidade deficiente e muito se alega que se deve ao fato da busca pelo menor preço. Isso é uma inverdade. É possível se fazer boas contratações e o caminho correto para isso é a confecção de um Termo de Referência de qualidade, principalmente no que se diz respeito à especificação do objeto.

A especificação dever ser feita de forma precisa, suficiente e clara, evitando especificações que, por serem excessivas, irrelevantes ou desnecessárias, possam restringir ou prejudicar a competição, configurando, assim, a prática de atos antieconômicos.

O Tribunal de Contas da União sumulou a esse respeito:

SÚMULA TCU 177: A definição precisa e suficiente do objeto licitado constitui regra indispensável da competição, até mesmo como pressuposto do postulado de igualdade entre os licitantes, do qual é subsidiário o princípio da publicidade, que envolve o conhecimento, pelos concorrentes potenciais das condições básicas da licitação, constituindo, na hipótese particular da licitação para compra, a quantidade demandada uma das especificações mínimas e essenciais à definição do objeto do pregão.

A descrição do objeto não deve ser demasiadamente breve, omitindo informações ou detalhes que impactam no valor da proposta, nem muito menos excessivamente detalhada a ponto de direcionar a licitação para determinado fornecedor. Dessa feita, é inadequado reproduzir literalmente as especificações técnicas de manuais, folders ou catálogos, pois isso pode direcionar a concorrência para uma marca ou produto específico, o que fere o princípio da competitividade das contratações públicas.

O Tribunal de Contas da União já posicionou-se em julgados demonstrando que processos licitatórios com deficiência no Termo de Referência são passíveis de anulação:

10. O termo de referência deficiente, sem detalhamento dos serviços a serem prestados e a sua forma de medição (irregularidade descrita na alínea ‘a’), propiciou que se pagasse mensalmente à contratada um valor fixo de R$ [...] pela manutenção de equipamentos, quer tenha havido apenas um conserto/manutenção simples, quer tenha havido vários e complexos. [...] Diferentemente do que afirmou o responsável, não é possível sustentar que o termo de referência estava suficientemente especificado se não havia uma estimativa de quais serviços seriam prestados mensalmente e em quais equipamentos. O termo não esclareceu qual seria a periodicidade da manutenção preventiva dos aparelhos, nem estabeleceu, para os casos de manutenção corretiva, as expectativas de conserto. A previsão genérica de que a manutenção seria feita em todos os aparelhos e o estabelecimento de um valor fixo mensal para remunerar esses serviços não atende aos arts. 3º, II, da Lei 10.520/2002 e 9º, I, do Decreto 5.450/2005.

(Acórdão 434/2016-TCU-Plenário)

9.7.2. especificação de forma imprecisa do objeto da licitação, a ponto de comprometer a respectiva identificação pelos potenciais interessados, o que ocorreu no âmbito do edital do Pregão Eletrônico [omissis] e na correspondente publicação no portal de compras Comprasnet (“prestação de serviços de modernização administrativa portuária”), em prejuízo aos princípios da publicidade e da competitividade, com descumprimento do art. 6º, inciso IX, da Lei 8.666/1993;

(Acórdão 1823/2017-TCU - Plenário)

Santana, Camarão e Chrispim (2013) destacam a importância da especificação do objeto no Termo de Referência:

A definição do objeto em toda a sua latitude talvez seja de longe o aspecto mais polêmico (e interessante) a constar do Termo de Referência. Especificar um objeto a ser licitado é como talhar uma roupa no corpo de um modelo. Uma especificação excessivamente detalhada pode gerar uma restrição à licitação e resultar em um direcionamento do certame, que representa não só um ilícito administrativo, mas também a prática de um tipo penal. Por outro lado, uma especificação muito aberta costuma ser a origem de todo tipo de equivoco e problema que circunda uma contratação, ou até mesmo a porta de entrada para contratados de má-fé e de inúmeras atitudes (praticadas por agentes da administração ou por terceiros) lesivas ao erário, tais como: medições propositalmente malfeitas, superfaturamento, fornecimento de bens ou serviços de baixíssima qualidade a custos desproporcionais ao benefício oferecido.

(SANTANA, CAMARÃO e CHRISPIM 2013, p. 46-47)

Nieguhr (2008) ensina que para confecção do Termo de Referência, a primeira coisa a ser feita, é especificar o Objeto a ser licitado. No mínimo, deve-se definir o que a Administração Pública necessita, o que pretende com a futura contratação, além de determinar o modo como o objeto da contratação deve ser executado, definindo de métodos, estratégias de suprimentos e prazos de execução.

A correta descrição do item é crucial para determinar se atenderá ou não às necessidades da compra. É de suma importância que a descrição seja detalhada o suficiente para evitar dúvidas tanto por parte dos licitantes quanto dos responsáveis pela aquisição (BRSCAN, 2009). Neste contexto, ressalta-se a relevância do conhecimento e da precisa especificação do item, visando prevenir descrições equivocadas que possam resultar em insatisfação durante o recebimento do item contratado no futuro.

Segundo Pires (2011), a falta de especificação completa do bem ou serviço a ser adquirido impede que o licitante realize uma cotação precisa e apresente a melhor proposta. Para a administração, isso pode resultar em uma série de inconsistências técnicas, perdas econômicas, atrasos de tempo, problemas de qualidade, entre outros, tornando o termo de referência suscetível a questionamentos ou até mesmo à impugnação do processo licitatório. Portanto, destaca-se a importância do responsável pela elaboração do termo de referência especificar de maneira precisa o que é necessário, para que finalidade, atendendo a quem, com qual finalidade e de que maneira.

O doutrinador Ronny Charles traz a seguinte contribuição sobre o tema:

Orienta-se no sentido de que os instrumentos convocatórios não contenham excessivo detalhamento objetivo, evitando o direcionamento da licitação ou a restrição de seu caráter competitivo, sob pena de invalidação ou sustação do certame pelo Poder Judiciário. Assim, quaisquer especificações ou condições que restrinjam o universo de possíveis fornecedores dos bens ou prestadores de serviços devem ser devidamente justificadas e fundamentadas tecnicamente em razão do objeto do certame e do interesse público a ser alcançado.

(TORRES, 2023, pag. 166,167)

Ainda sobre a especificação do objeto é importante trazer as providencias importantes elencadas pela cartilha do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais:

Verificar as condições de mercado, como prazo de validade do produto. Verificar os padrões tecnológicos vigentes para o produto ou serviço, para evitar a aquisição de produto “fora de linha” ou de difícil manutenção por falta de peças de reposição. Muitas vezes, além de descrever o produto que se quer, pode ser de muita valia escrever o produto que não se quer, mediante justificativa. Verificar leis, decretos, regulamentos, portarias e demais atos normativos aplicáveis ao objeto.

Denúncia n. 912.181, 18/08/15


4. Considerações Finais

Diante do estudo apresentado restou evidenciada a importância do Termo de Referencia nas compras públicas. Um dos pilares da Lei 14.133/2021 é a ênfase do planejamento, elemento essencial e indispensável para a gestão eficiente com contratações que verdadeiramente atendam as demandas da Administração Pública. O planejamento privilegiará a solução mais adequada para as necessidades identificadas à medida que adota uma abordagem dinâmica que envolve a integração de projeções relativas a variações previsíveis no futuro, juntamente com a implementação de medidas para lidar com eventos imprevisíveis ou com consequências não estimáveis.

Falhas no planejamento podem resultar em diversas consequências negativas, tais como construções deficientes, aquisições inadequadas, produtos de qualidade inferior, escassez de materiais, dimensionamento inadequado, desperdício de recursos públicos, condições inadequadas de armazenamento, potencial para práticas licitatórias ilegais e, por conseguinte, contratações ilícitas e rescisões contratuais, além de prazos mal definidos.

Novamente citamos a cartilha do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais:

Termos de Referência ou Projetos Básicos incompletos, vagos, deficientes e sem controle de qualidade redundam a licitação em vício insanável, passível de colocar sob séria e grave ameaça o sucesso da contratação, os objetivos perseguidos pela Administração e, a toda evidência, a tutela sobre o gasto público.

Decisão do TCEMG: Consulta n. 657.018, 07/08/02.

Em face disso, concluí-se que a elaboração do Termo de Referência com qualidade é fazer com que as funções administrativas sejam exercidas com eficiência, perfeição e rendimento esperado pela população. A administração não pode se contentar em seguir apenas a estrita legalidade, mas também atingir resultados positivos e satisfatórios atendendo o interesse público na sua mais ampla concepção.


5. Referências

ALVARES, José Anjelo Justo. Compras Públicas. Webartigos.com. Disponível em: Acesso em 05 de Jun. 2015.

BITTENCOURT, Sidney. Nova Lei de Licitações passo a passo: comentado artigo por artigo, a nova lei de licitações e contratos administrativos, Lei 14.133, de 1º de abril de 2021. Belo Horizonte: Fórum, 2021.

BRASIL. Decreto-Lei nº 200/1967. Dispõe sobre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del0200.htm. Acesso em 10 de Jan. 2024.

BRASIL. Guia Nacional de Contratações Sustentáveis. Disponível em: https://www.gov.br/agu/pt-br/comunicacao/noticias/AGUGuiaNacionaldeContrataesSustentveis4edio.pdf. Acesso em 10 de Jan. 2024.

BRASIL. Instrução Conjunta Normativa – INC nº 01/2016 do Ministério do Planejamento Orçamento e Gestão e Controladoria Geral da União. Dispõe sobre controles internos, gestão de riscos e governança no âmbito do Poder Executivo federal. Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-br/acesso-a-informacao/governanca/Gestao-de-Riscos/biblioteca/Normativos/instrucao-normativa-conjunta-no-1-de-10-de-maio-de-2016-imprensa-nacional.pdf/view. Acesso em 10 de Jan. 2024.

BRASIL. Instrução Normativa nº 5, de 26 de maio de 2017. Dispõe sobre as regras e diretrizes do procedimento de contratação de serviços sob o regime de execução indireta no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional. Disponível em: https://www.gov.br/compras/ptbr/acesso-a-informacao/legislacao/instrucoes-normativas/instrucao-normativa-no-5-de-26-de-maio-de-2017-atualizada. Acesso em 10 de Jan. 2024.

BRASIL. Instrução Normativa nº 40, de 22 de maio de 2020. Dispõe sobre a elaboração dos Estudos Técnicos Preliminares – ETP – para a aquisição de bens e a contratação de serviços e obras, no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, e sobre o Sistema ETP digital. Disponível em: https://www.gov.br/compras/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/instrucoes-normativas/instrucao-normativa-no-40-de-22-de-maio-de-2020. Acesso em 10 de Jan. 2024.

BRASIL. Instrução Normativa SEGES nº 58, de 8 de agosto de 2022. Dispõe sobre a elaboração dos Estudos Técnicos Preliminares – ETP, para a aquisição de bens e a contratação de serviços e obras, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, e sobre o Sistema ETP digital. Disponível em: https://www.gov.br/compras/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/instrucoes-normativas/instrucaonormativa-seges-no-58-de-8-de-agosto-de-2022. Acesso em 10 de Jan. 2024.

BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em 10 de Jan. 2024.

BRASIL. Lei nº 14.133, de 1 de abril e 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm. Acesso em 10 de Jan. 2024.

BRASIL. Parecer nº 01/2021 do CNS/CGU/AGU. Critérios e práticas de sustentabilidade nas contratações públicas. Disponível em: https://www.gov.br/agu/pt-br/composicao/cgu/cgu/modelos/licitacoesecontratos/copy_of_PARECER01.2021CNS.pdf. Acesso em 10 de Jan. 2024.

BRASIL. Portaria SEGES/ME Nº 8.678, de 19 de julho de 2021. Dispõe sobre a governança das contratações públicas no âmbito da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional. Disponível em: https://www.gov.br/compras/pt-br/acesso-a-informacao/legislacao/portarias/portaria-seges-me-no-8-678-de-19-de-julho-de-2021. Acesso em 10 de Jan. 2024.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Súmula 247. auditorias. Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/#/redireciona/sumula/%22SUMULA-EJURIS-34240%22. Acesso em 10 de Jan. 2024.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Licitações & Contratos: Orientações e Jurisprudência do TCU / Tribunal de Contas da União. 5ª Edição, Brasília: TCU, Secretaria-Geral da Presidência, 2023.

BRSCAN, Ivan. O Governo compra mal porque compra pelo menor preço? Webartigos.com. Disponível em: <https://www.webartigos.com/artigos/o-governo-compra-mal-porque-comprapelo-menor-preco/29091 > Acesso em 10 de Jan. 2024.

CAMARÃO, T.; BRITO, I. Maturidade e qualificação da etapa de planejamento das contratações públicas. Consultor Jurídico, 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jan-10/maturidade-qualificacao-etapa-planejamento-contratacoes-publicas. Acesso em: 21 de maio de 2023.

CAMARÃO, Tatiana. A nova Lei de Licitações: Avanços ou mais do mesmo?. Disponível em: https://www.tatianacamarao.com.br/a-nova-lei-de-licitacoes-avancos-ou-mais-do-mesmo/. Acesso em 10 de Jan. 2024.

CHIAVENATO, Idalberto. Administração geral e pública. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006.

FARIA, Felícia Borges Carvalho de. A importância do Projeto Básico ou Termo de Referência bem elaborados no sucesso da contratação. https://portal.jmlgrupo.com.br/pagina.php?&pag=8&area=colunajuridica. Acesso em 10 de Jan. 2024

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratações Administrativas: Lei 14.133/2021. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.

LEONEZ, Angelins Souza. Aspectos Relevantes Sobre a Aplicabilidade do PAC nas Rotinas Administrativas dos Órgãos Públicos. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/224817. Acesso em 10 de Jan. 2024.

MINAS GERAIS. Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais. Manual de boas práticas em licitação para contratação de sistemas de gestão pública. Disponível em: https://www.tce.mg.gov.br/IMG/2015/Manual%20Final_Editado_26%2001%2015%20pdf.pdf. Acesso em: 21 de maio de 2023.

NAHMIAS, P. S. FERREIRA, E. D. C. KATO, R. B.. A Importância do Projeto Básico e do Termo de Referência para o Processo Licitatório da Administração Pública. Revista Científica Seana Acadêmica. Fortaleza, ano MMXIII, Nº 000048, 21/12/2013. Disponível em: <https://semanaacademica.org.br/artigo/importancia-do-projeto-basico-e-do-termo-dereferencia-para-o-processo-licitatorio-da > Acesso em 10 de Jan. 2024.

PIRES, Antônio Claudio Silva. A Especificação do Termo de Referência como forma de evitar distorções e melhorar a relação de custo-benefício na aquisição de bens e serviços pelo pregão eletrônico. Webartigos.com. Disponível em: <https://www.webartigos.com/artigos/aespecificacao-do-termo-de-referencia-como-forma-de-evitar-distorcoes-e-melhorar-a-relacaode-custo-beneficio-na-aquisicao-de-bens-e-servicos-pelo-pregao-eletronico/74672/ >. Acesso em 10 de Jan. 2024.

TORRES, Ronny Charles Lopes. Leis das Licitações Públicas Comentadas. 14ª ed., atual. e ampl. São Paulo: Editora JusPodivm, 2023.

SANTANA, Jair Eduardo; CAMARÃO, Tatiana; CHRISPIM, Anna Carla. Termo de Referência: O impacto da especificação do objeto e do termo de referência na eficácia das licitações e dos contratos. 3ª. ed. [S.l.]: Editora Fórum, 2013.


Abstract: The objective of this article is to carry out an analysis of the Term of Reference, the constitutive document of the internal phase of public procurement processes and provided for in the New Bidding Law, Law No. 14,133, of April 1, 2021. An approach will be carried out using the method dialectical, aiming through discussion, argumentation and bibliographical research, to work on the topic in a qualitative way through principles and norms. This doctrinal discussion is intended to show that the Terms of Reference, despite being a document created in the internal phase, produces relevant and essential effects for the success of a bidding process. The Term of Reference is a guiding document for the object to be contracted and its inefficient production may compromise the efficiency of the bidding process.

Key words: Bids. Reference term. Planning. Governance.


Autor

  • Sergio Henrique Zilochi Soares

    Funcionário Público. Chefe de Seção de Licitações. Bacharel em Direito. Bacharel em Teologia. Pós-graduado em: Aconselhamento Pastoral; Teologia Contemporânea; Liderança e Desenvolvimento de Equipes; Gestão Estratégica de Pessoas; Gestão em Logística; Direito Administrativo e Licitações.

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Sergio Henrique Zilochi. Termo de referência: documento norteador dos processos licitatórios. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7558, 11 mar. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/108566. Acesso em: 10 maio 2024.