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A possibilidade de aplicação de juízo arbitral nos contratos firmados por sociedade de economia mista

A possibilidade de aplicação de juízo arbitral nos contratos firmados por sociedade de economia mista

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O estudo analisa as hipóteses em que a sociedade de economia mista, dada sua natureza singular no âmbito da Administração Indireta, possa utilizar o juízo arbitral como forma de resolução de conflitos oriundos de contratos firmados com particulares.

Introdução.

O tema objeto do presente trabalho é a possibilidade de utilização de juízo arbitral em contratos celebrados por sociedades de economia mista.

Assim, o estudo em questão tem como proposta analisar as hipóteses em que a sociedade de economia mista, dada sua natureza singular no âmbito da Administração Indireta, possa utilizar o juízo arbitral como forma de resolução de conflitos oriundos de contratos firmados por ela com particulares, pessoas físicas ou jurídicas, em estrita observância com os princípios, expressa ou implicitamente previstos nas legislações pertinentes.

Esse trabalho decorre de experiência adquirida no âmbito do Tribunal de Contas da União, nas fiscalizações e instruções de processos nos quais são examinados, com freqüência, contratos da administração indireta que prevêem, no seu bojo, a submissão de controvérsias contratuais a juízo arbitral, principalmente quando se trata de contratos internacionais. O exame da matéria visa a verificar as vantagens e desvantagens da utilização de arbitragem com o fito de atender ao interesse público.

Diante disso, será analisada a natureza jurídica dos contratos celebrados por sociedades de economia mista. Noutro prisma, serão observadas, ainda, as características do objeto a ser contratado, em razão de ser relacionado à área fim ou à área meio da entidade contratante, bem como será analisada a natureza jurídica da contratada seja ela nacional ou estrangeira.

Trata-se de tema relevante e extremamente atual, vez que o procedimento da arbitragem, mormente após a publicação da Lei n.º 9.307/96, vem sendo adotado como um meio alternativo e eficaz na solução de litígios entre as partes, por dar maior celeridade ao processo, além de possibilitar uma análise mais técnica da questão objeto da lide.


A Natureza Jurídica dos Contratos celebrados por Sociedades de Economia Mista.

Resta assente tanto na doutrina quanto na jurisprudência pátria que os contratos celebrados por sociedades de economia mista possuem natureza jurídica de direito privado, conforme preceitua a Constituição da República, em seu art. 170, quanto o Decreto-Lei nº 200/67, em seu art. 5º.

Ao tecer comentário sobre esse tema, a ilustre professora Ada Pellegrini Grinover [01] esclarece que:

"Particularmente no caso das sociedades de economia mista, conforme observa Maria Sylvia Zanella di Pietro, as controvérsias sobre a respectiva natureza jurídica ''se pacificaram consideravelmente a partir de 1967; de um lado, porque a Constituição, no artigo 170, § 2º, determinava a sua submissão ao direito privado; de outro lado, tendo em vista o conceito contido no art. 5º, II e III, do Decreto-lei nº 200''. Além disso, observou a administrativista, ''acrescente-se outra razão de ordem técnica funcional, ligada à própria origem desse tipo de entidade; ela foi idealizada, dentre outras razões, principalmente por fornecer ao poder público instrumento adequado para o desempenho de atividade natureza comercial industrial; foi precisamente a forma de funcionamento e organização das empresas privadas que atraiu o poder público. Daí a sua personalidade jurídica de direito privado’."

Corroborando esse entendimento, Mauro Roberto Gomes de Mattos [02] ensina que "a empresa pública e a sociedade de economia mista possuem personalidade jurídica de direito privado". O citado autor aborda a questão sob outro enfoque, o objeto do contrato, ao asseverar que:

"... a empresa estatal que desenvolve atividade econômica em sentido estrito, possui regime próprio das empresas privadas. Nesse caso as empresas sub oculis possuem direitos patrimoniais disponíveis, condição sine qua non para utilização da lei de arbitragem.

O STF deixou consignado que é irrelevante a Empresa Estatal (sociedade de economia mista ou empresa pública) possuir a personalidade jurídica de direito privado, pois o que releva necessário perquirir é se ela, nos seus objetivos, se destina à exploração de serviço público ou à consecução da exploração de atividade econômica, para sabermos se estamos diante de direitos patrimoniais disponíveis ou não."

Em que pese a natureza jurídica peculiar dos contratos celebrados pelas sociedades de economia mista, permanece a competência do TCU no julgamento das contas e fiscalização dessas estatais, afastando qualquer tese em contrário que possa existir, de acordo com jurisprudência recente do STF a seguir transcrita:

"MS 25092/DF*

RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO

EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. TRIBUNAL DE CONTAS. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA: FISCALIZAÇÃO PELO TRIBUNAL DE CONTAS. ADVOGADO EMPREGADO DA EMPRESA QUE DEIXA DE APRESENTAR APELAÇÃO EM QUESTÃO RUMOROSA.

I. – Ao Tribunal de Contas da União compete julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo poder público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário (CF, art. 71, II; Lei 8.443, de 1992, art. 1º, I).

II. – As empresas públicas e as sociedades de economia mista, integrantes da administração indireta, estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Contas, não obstante os seus servidores estarem sujeitos ao regime celetista.

III. – Numa ação promovida contra a CHESF, o responsável pelo seu acompanhamento em juízo deixa de apelar. O argumento de que a não-interposição do recurso ocorreu em virtude de não ter havido adequada comunicação da publicação da sentença constitui matéria de fato dependente de dilação probatória, o que não é possível no processo do mandado de segurança, que pressupõe fatos incontroversos.

IV. – Mandado de segurança indeferido."

Por fim, cumpre observar lição de renomado administrativista Hely Lopes Meirelles [03], o qual ensina que a sociedade de economia mista sujeita-se às normas aplicáveis às empresas particulares em igualdade de condições com estas. Assim, os contratos celebrados por sociedades de economia mista exploradora de atividade econômica possuem natureza jurídica de direito privado, especialmente na parte das obrigações, igualando-se às empresas particulares, conforme disposto no inciso II do § 1º do art. 173 da Constituição da República.


O instituto da arbitragem no direito brasileiro. Vantagens e desvantagens.

O instituto da arbitragem no ordenamento jurídico brasileiro já se encontrava presente no ordenamento jurídico brasileiro, conforme disposições dos artigos 1.072 a 1.102 do Código de Processo Civil de 1973, os quais foram revogados por ocasião da promulgação da Lei nº 9.307/96, a qual inovou ao estabelecer a possibilidade de controvérsias contratuais acerca de direitos patrimoniais disponíveis pudessem ser dirimidas por árbitros especialmente designados para tal fim.

Em artigo denominado "Sinal Verde para a Arbitragem nas Parcerias Público-Privadas", Lauro da Gama e Souza Jr. [04] afirma que, desde a edição da Lei de Arbitragem, a despeito das restrições impostas, o instituto do juízo arbitral vem possuindo a mesma efetividade das instâncias ordinárias do judiciário na solução das lides, minimizando a carência de instrumentos de prestação jurisdicional.

A utilização da via arbitral, talvez por suas características peculiares que desburocratizam o procedimento, configura uma alternativa eficaz para a solução de conflitos sejam eles de origem de relações trabalhistas, direito societário, assuntos cíveis e comerciais, e, principalmente, nas relações internacionais comerciais.

Citando dados do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem – CONIMA, o autor assevera que houve um crescimento de 45%, entre 1999 e 2004, das arbitragens realizadas nas 79 instituições associadas, nos quais se demonstrou regularidade quanto à eficácia das decisões proferidas por árbitros, tendo em vista que, em pesquisa realizada junto aos Tribunais brasileiros revelou que, desde o advento da Lei n.º 9.307/96, dentre os 14 acórdãos que versaram a nulidade de sentença arbitral, apenas um determinou sua desconstituição.

Essas informações demonstram a existência de meios alternativos eficazes na resolução de conflitos, auxiliando o Poder Judiciário, principalmente no que se refere às lides entre particulares e a Administração Pública, nos quais a lentidão das ações judiciais é, infelizmente, o traço mais visível.

Segundo o autor, a adoção da arbitragem também possibilita evitar que possíveis greves dos serventuários da Justiça ou utilização indiscriminada de recursos processuais emperrem o trâmite normal do processo brasileiro, em especial quanto à observância da razoável duração do processo prevista no inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição da República [05], considerando que o governo, seja federal, estadual, distrital ou municipal, é o maior cliente da Justiça Estatal, respondendo por 80% dos processos e recursos que tramitam nos tribunais superiores.

Outro ponto importante é a especialização dos árbitros, fazendo com que, em contratos que envolvam aspectos técnicos de engenharia, por exemplo, como no caso da Petrobras, as decisões sejam mais técnicas e afetas às áreas de atuação da estatal.

Ponto a ser destacado, também, é o custo reduzido na prestação jurisdicional do juízo arbitral se comparado ao custo do Estado na manutenção do Poder Judiciário. Por fim, tem-se a celeridade do rito, que pode ser vantajoso economicamente para as partes litigantes.

Com relação aos custos despendidos nos processos no âmbito da Justiça comum e do juízo arbitral, vale dizer que diretamente, no caso das sociedades de economia mista, os custos com árbitros podem ser superiores às custas judiciais estipuladas pelo Poder Judiciário. Ressalta-se que, para valer-se de arbitragem, é necessário contratar câmaras arbitrais ou árbitros, muitas das vezes por inexigibilidade de licitação, pagando o preço por eles estipulados. Não se pode olvidar da questão referente ao tempo em que o litígio ficará sob julgamento, de modo a aferir, nesse aspecto, o custo em função do tempo gasto na solução da lide, principalmente no que se refere aos honorários advocatícios.

As sociedades de economia mista que exploram atividades econômicas celebram diversos contratos, dentre eles aqueles em que o nível de complexidade técnica é extremamente elevado, a exemplo das construções de plataformas de petróleo ou de navios petroleiros. Os contratos que contemplem tal complexidade na execução de seu objeto, muitas das vezes, acarretam controvérsias que para serem dirimidas necessitam que o julgador detenha capacidade técnica, além do conhecimento jurídico, para solucionar a lide. O Poder Judiciário, em que pese valer-se da utilização de peritos judiciais, terá dificuldades no julgamento da questão que lhe foi imposta. A utilização de árbitros com formação específica em engenharia ou outra área técnico-científica poderá solucionar o litígio com mais propriedade. Geralmente, a solução das lides não são questões jurídicas, mas questões meramente técnicas.

Nessa linha de raciocínio, vale a pena trazer como ilustração os contratos celebrados pela Petrobras nas áreas de engenharia nos quais ocorrem diversas alterações de projeto, acarretando divergências entre a estatal e a contratada no sentido de identificar quais serviços já estariam dentro do escopo contratual, bem como quais seriam as responsabilidades de cada partícipe na execução contratual. Casos assim só seriam solucionados com fundamento em questões extremamente técnicas, alheias às questões jurídicas.

Marçal Justen Filho [06] corrobora tal entendimento ao mencionar, como vantagens para utilização da arbitragem, o fato desta ser uma forma de solução rápida de litígios, resolvendo questões de alta complexidade, mormente técnica, além de proporcionar uma redução no volume de processos não só no âmbito do Poder Judiciário, mas talvez dos próprios Tribunais de Contas.

Aqui cabe mencionar o ensinamento de Helena Caetano de Araújo e José Cláudio Linhares Pires [07]:

"Acrescentem-se às transformações estruturais da economia do país as próprias transformações operadas na economia mundial, fruto dos avanços tecnológicos que imprimem um ritmo cada vez mais acelerado para as tomadas de decisões e soluções de controvérsias, sem esquecer que, por mais paradoxal que possa parecer, aumentaram as exigências de maior especialização sobre uma quantidade sempre crescente de temas novos que precisam ser abordados e solucionados".

Outra questão que é vantagem na utilização de arbitragem nos contratos celebrados com empresas estrangeiras com base no direito internacional. Ressalta-se que é comum verificar em tais contratos cláusula de arbitragem, estipulando como foro câmaras arbitrais internacionais. Nesse ponto, não se vislumbra qualquer impedimento, visto que, ao celebrar tais contratos, as sociedades de economia mista utilizam de suas subsidiárias estrangeiras.

Quanto a esse ponto, vale dizer que, nos casos de contratação que envolva partícipes de países distintos, verifica-se comum a indicação de juízo arbitral neutro, tendo em vista que não seriam utilizadas as justiças estatais de quaisquer dos países envolvidos, dando mais imparcialidade aos processos. O juízo arbitral atuaria como se fosse uma corte internacional para a solução dos conflitos em âmbito mundial [08].


Considerações acerca do objeto do litígio a ser solucionado por meio de arbitragem.

Leon Frejda Szklarowsky [09] traz algumas considerações sobre a matéria, cujos excertos a seguir são transcritos:

"O objeto do litígio está plenamente delimitado na Lei 9307, de 1996, ou seja, somente podem ser objeto da arbitragem conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. O artigo 1º é claro e não dá margem a qualquer dúvida.

Em face dessa lei, fica excluída qualquer matéria que não seja pertinente à restrição imposta. O artigo 25 esclarece que, se no curso da arbitragem verificar o juiz arbitral ou tribunal arbitral que a matéria se refere a direitos indisponíveis, deverá remeter as partes ao Poder Judiciário, suspendendo-se imediatamente o procedimento arbitral.

O artigo 39 impede a homologação de sentença arbitral estrangeira, se o Pretório Excelso confirmar que o objeto do litígio não pode ser solucionado por arbitragem, segundo o Direito nacional.

(...)

A lei restringiu bastante o âmbito de sua abrangência, só permitindo a arbitragem de conflitos relativos aos direitos patrimoniais disponíveis, isto é, aqueles que possam ser objeto de transação, apropriação, comércio, alienação e outros que tais. Excluídas estão, a rigor, as questões de família ou de estado (capacidade, filiação, pátrio poder, casamento etc.).

(...)

O direito brasileiro vem ampliando, com muita pertinência, a abrangência da arbitragem, de sorte que os entes públicos também poderão utilizar-se do juízo arbitral para solução de litígios decorrentes de contratos entre elas e outras pessoas ou entidades.

A lei matriz de regência da arbitragem deve, pois, ser lida e interpretada, em consonância com o sistema jurídico e não isoladamente".

Conforme se depreende do texto acima transcrito, é de fundamental importância conhecer e identificar o objeto do litígio, para daí aplicar ou não o juízo arbitral. Só serão passíveis de utilização de arbitragem os direitos e bens disponíveis, seja para esfera privada, seja para a esfera pública, nos exatos termos do art. 1º da Lei n.º 9.307/96.

Com exemplo, impende observar que a Petrobras, como sociedade de economia mista, rotineiramente realiza contratações sejam direcionadas à área-fim da companhia (compra e venda de óleo e derivados, transporte, produção e exploração etc.), sejam direcionadas à área-meio da empresa (aquisição de material, construção e montagem de engenharia, prospecção etc.).

Como já mencionado alhures, a jurisprudência do STJ e a doutrina entendem que as contratações referentes à área-fim de uma sociedade de economia mista, desde que trate de direitos disponíveis, podem ser submetidas ao juízo arbitral. O problema decorre em saber o que são direitos disponíveis e quais contratações são enquadradas como ligadas à área-fim da companhia.

Não obstante possuírem natureza jurídica de direito privado, as sociedades de economia mista possuem contratos cujos objetos podem ser disponíveis ou não, assim como as empresas privadas.

Destarte, a utilização ou não de juízo arbitral em contratos celebrados deve observada de maneira restritiva, sob a ótica da jurisprudência do TCU e dos princípios que regem toda a administração pública, inclusive as estatais.

Em razão do princípio da indisponibilidade do interesse público encontrar-se mitigado em face das empresas estatais, cabe constatar que estas, ainda assim, estão obrigadas a licitar, realizar concurso, prestar contas, bem como suas despesas de capital (investimentos) devem constar da lei orçamentária anual da União.

Assim, considera-se que as contratações decorrentes de bens e serviços oriundos do Orçamento de Investimentos das Estatais, além daqueles não relacionados à área fim da empresa, entendendo, nesse caso, os que não estejam relacionados estritamente a questões de cunho comercial presentes no objeto social descrito no estatuto da companhia, não são passíveis de serem abarcadas pela arbitragem.

Noutro prisma, seguindo doutrina liberal, Carlos Pinto Coelho Motta [10] posiciona-se "de forma amplamente favorável à adoção do juízo arbitral na administração pública", ao considerar que o contrato administrativo é o instituto que fundamenta juízo arbitral. No dizer desse autor, na relação jurídica negocial entre a Administração e o particular, "o juízo arbitral é exercido em foro imparcial, autônomo, independente, eleito pelas partes com a finalidade de explicitar e dirimir pendências, com compromisso de mútua e pacífica aceitação".

Entretanto, é necessário, não obstante entendimento contrário, dizer que o instituto da arbitragem não tem seu fundamento no contrato administrativo, pois, como é sabido, o princípio da indisponibilidade do interesse público e da supremacia do interesse público sobre o privado não se coadunam com o art. 1º da Lei n.º 9307/96. Além disso, a imparcialidade a autonomia e da independência são atributos típicos da Justiça Estatal e não de determinada câmara arbitral ou árbitro. Vale lembrar que a criação de uma Justiça Estatal deveu-se justamente para propiciar maior imparcialidade e autonomia em relação aos antigos árbitros que não eram vinculados ao poder público. Não se pode dizer que os árbitros possuam independência e autonomia, em razão de serem contratados das partes litigantes, exercendo uma relação jurídica comercial, na qual o poder econômico predomina. Essa situação pode até excepcionalmente acontecer, como no caso das contratações internacionais, mas não será a regra.

É de se notar, por relevante, que as sociedades de economia mista são espécies sui generis de sociedades por ações regidas pela Lei nº 6.404/76, que permite, em seu art. 109, § 3º, a utilização da arbitragem, para a solução dos conflitos, entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários, desde que haja previsão nos estatutos.

Carlos Pinto Coelho Motta [11] afirma que "o princípio da legalidade não conflita, de fato, com o princípio teleológico do interesse público; tampouco pode inibir o princípio da economicidade previsto no art. 70 da Carta Magna". De fato, as sociedades de economia mista, em razão de seu viés econômico, devem sopesar o princípio da economicidade previsto no art. 70 da Constituição da República com os outros decorrentes do mandamento do art. 37. Todavia, um não pode prevalecer sobre o outro de forma a extingui-los.

O referido autor assevera que "nessa linha, a interpretação do contrato deve situar-se cada vez mais em campo divergente do formalismo estéril, almejando sempre a diretriz essencial de um contrato seguro, satisfatório e economicamente aceitável (art. 55, I, da Lei nº 9472/97)".

Mauro Roberto Gomes de Mattos [12] ao se defrontar com a questão traz considerações a respeito:

"Sobre a Emenda Constitucional n.º 19/98, deixamos consignado em outra oportunidade que ela adaptou ''o texto Constitucional à realidade econômica das empresas públicas e sociedades de economia mista, excluindo-as do contexto da lei de licitação citada e criando novo ordenamento legal que será baixado, totalmente independente das normas gerais federais vigorantes da matéria’.

(...)

Por fim, concluímos que é plenamente aplicável às empresas públicas e sociedades de economia mista que desenvolvem atividades econômicas em sentido estrito, submetidas aos preceitos jurídicos do direito privado, as regras da arbitragem, desde que conste no contrato firmado cláusula específica nesse sentido."

Em artigo denominado "A ARBITRAGEM COMO MEIO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS NA INDÚSTRIA DO GÁS NATURAL", Rafael dos Santos Ribeiro [13] deixa clara sua posição no sentido de que "com relação ao setor de gás natural, a Lei nº 9.478/97 ("Lei do Petróleo") veio apenas reforçar em seu art. 43, X a possibilidade de adoção da arbitragem em contratos de concessão do setor, eis que a Lei de Arbitragem, por ser anterior à Lei do Petróleo já previra tal possibilidade".

O aludido autor aduz que os "críticos à adoção da arbitragem como meio de solução de controvérsias costumam basear seu entendimento na aparente incompatibilidade do art. 55, §2º da Lei nº 8.666/93 ("Lei de Licitações") com o art. 1º da Lei de Arbitragem bem como na possível violação pelo compromisso arbitral de alguns princípios constitucionais básicos como legalidade, publicidade e supremacia do interesse público".

O autor menciona que o fato de o dispositivo legal estabelecer como o foro competente o da sede da Administração, no sentido de que "a acepção da expressão ‘foro’ não deve se dar no sentido de submissão de controvérsias ao Poder Judiciário local, mas, apenas, que em licitações nacionais a solução de controvérsias (sejam estas submetidas ao Poder Judiciário ou a Tribunal Arbitral) deve se dar na localidade da sede da pessoa jurídica de direito público envolvida."

No que se refere à peculiaridade da indústria do petróleo, cabe trazer à baila ensinamento de Helena Caetano de Araújo e José Cláudio Linhares Pires [14], no qual fica assente que "mesmo não sendo regidos pelo direito público, os contratos firmados no setor de petróleo representam um bom exemplo de funcionalidade da arbitragem como forma de composição de conflitos entre particulares e entes estatais".

Ressaltam os autores que as práticas de comércio adotadas internacionalmente trazem já incorporadas em seu bojo a arbitragem como forma de solucionar litígios decorrentes da execução de contratos, a exemplo daqueles firmados pela ANP, nos quais a cláusula compromissória de arbitragem fica patente, determinando a regra a ser utilizada, o foro, o tipo de arbitragem etc. Como exemplo, podem-se citar as construções de diversas plataformas da Petrobras, nas quais esta celebrou contratos internacionais, utilizando-se de subsidiária holandesa (Petrobras Netherlands BV), com empresas e estaleiros estrangeiros.

Quanto à difusão e aplicabilidade da arbitragem na indústria do petróleo internacional, cabe citar exemplo trazido por MELLO [15] a respeito:

"... a arbitragem, igualmente, alcançou lugar de destaque no cenário jurídico da indústria mundial do petróleo, tendo demonstrado sua enorme utilidade como instrumento para preservar o equilíbrio de interesses entre as entidades e empresas que participam dessa atividade econômica vital e especializada.

(...)

A comunidade internacional de negócios tende a buscar solução para as controvérsias originárias de seus contratos fora da multifacetada e morosa via judiciária dos Estados, preferindo submetê-las a árbitros privados, constituindo a arbitragem a nível internacional o método de solução de cerca de 80% desses casos, sobretudo nos países do hemisfério norte."


A possibilidade de utilização do juízo arbitral em contratos administrativos, consoante jurisprudência do Tribunal de Contas da União.

A indisponibilidade do interesse público, que restringe a utilização da arbitragem em contratos administrativos, está relacionada ao princípio da supremacia do interesse público, que, por sua vez, sujeita ao dever de proporcionalidade no sentido de determinar o que é o interesse público em cada caso concreto, na medida em que este deve prevalecer sobre o interesse do particular.

Sob outro enfoque, ressalta-se que, de acordo com a Lei n.º 8.666/93, "considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada".

Importante relevar que os contratos administrativos são distintos dos contratos civis, sendo estes fundamentados na autonomia da vontade e aqueles pautados na indisponibilidade do interesse público. No direito privado a autonomia da vontade significa a liberdade para escolher os fins a atingir e os meios adequados a tanto, respeitadas as normas imperativas e a ordem pública.

O Tribunal de Contas da União - TCU vem tratando do tema sobre o procedimento da arbitragem, nos moldes estabelecidos na Lei n.º 9.307/96, para a resolução de conflitos surgidos na execução do contrato administrativos, no sentido de considerá-lo incompatível com os princípios da indisponibilidade do interesse público e da supremacia do interesse público, vedando a utilização do juízo arbitral em contratos administrativos, conforme se verifica nos seguintes julgados: Decisão n.º 286/93–Plenário, Decisão n.º 286/93-Plenário, Decisão n.º 188/95-Plenário, Acórdão n.º 906/03-Plenário e Acórdão n.º 537/06-2ª Câmara.

O TCU tem entendido que o art. 1º da referida lei, ao excluir a possibilidade de resolução, por arbitragem, de conflitos oriundos de interesses patrimoniais indisponíveis, acabou por afastar a possibilidade de que contratos administrativos ou relações jurídicas de natureza pública prevejam possibilidade de utilização da via arbitral, em decorrência de o interesse público ser indissociavelmente indisponível.

De fato, este tem sido o entendimento predominante na Egrégia Corte de Contas, que fundamenta sua crítica à previsão de arbitragem nos contratos administrativos na inexistência de expressa autorização legal para tanto, sem a qual não pode o administrador público, por simples juízo de oportunidade e conveniência, adotar tão relevante inovação, tendo em vista o que dispõe o Princípio da Legalidade.

É de se notar que o problema persiste apesar da edição da Lei n.º 9.307/96, embora tenha introduzido a arbitragem no direito positivo brasileiro.

O Tribunal de Contas da União, em julgado da 2ª Câmara acerca de processo envolvendo contratos da Comercializadora Brasileira de Energia Emergencial – CBEE, considerou que o art. 1º da referida lei, ao estabelecer que a via arbitral estava aberta apenas aos detentores de direitos patrimoniais disponíveis, retirava os contratos administrativos da esfera de incidência de suas disposições, consoante se pode depreender pelo excerto do Voto condutor do Acórdão n.º 584/2003 - Segunda Câmara, in verbis:

"Em relação à pretensa autorização contida na própria Lei n.º 9.307/96, o seu art. 1º determina que poderão ser objeto de solução via arbitral questões envolvendo direitos patrimoniais disponíveis. Não se pode falar em direito disponível quando se trata de fornecimento de energia elétrica, com o objetivo de atender boa parte da população brasileira que estava sofrendo os efeitos do racionamento de energia. E, conforme já mencionei, os serviços de energia elétrica são serviços públicos exclusivos do Estado. A própria CBEE só foi criada em função do racionamento de energia. Não se poderia admitir, por exemplo, que ela vendesse a energia contratada com os produtores independentes para empresas fora do país. A energia contratada destinava-se a atender à situação de emergência por que passava a sociedade brasileira. Claramente, portanto, não se estava tratando de direitos disponíveis da empresa".

Sobre a admissibilidade da arbitragem no âmbito de contratos firmados com a Administração, convém citar ainda que o Tribunal de Contas da União, na Decisão n.º 188/95, em que eram interessados o DNER e o Consórcio Andrade Gutierrez/Camargo Corrêa, admitiu especialmente a utilização da arbitragem fundamentando-se na Lei de Concessão de Serviços Públicos, que autoriza o uso da arbitragem no seu artigo 23, inciso XV, em razão da existência excepcional de permissivo legal.

A seguir são colacionados alguns julgados que demonstram a tendência pacífica da Colenda Corte de Contas no sentido de considerar nulas as cláusulas contratuais que contenham previsão de juízo arbitral no âmbito da Administração Pública:

ACÓRDÃO N.º 1.099/2006 – TCU – Plenário - TC–008.402/2005-4.

"É ilegal, com afronta a princípios de direito público, a previsão, em contrato administrativo, da adoção de juízo arbitral para a solução de conflitos."

ACÓRDÃO N.º 906/2003 - TCU - PLENÁRIO

VOTO Relator: Ministro Lincoln Magalhães da Rocha

"Coloco-me de acordo com o entendimento defendido pela Unidade Técnica no sentido de que não existe amparo legal para a adoção de juízo arbitral nos contratos administrativos, conforme entendimento firmado por esta Corte de Contas consoante a Decisão nº 286/1993-Plenário, ao responder consulta formulada pelo Exmo. Sr. Ministro de Minas e Energia. Assiste razão, ademais, à SECEX/SP quando afirma que apenas excepcionalmente esse instituto foi admitido pela Decisão nº 188/1995-Plenário, em razão de interpretação conferida ao inciso XV do art. 23 da Lei nº 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos."

Por elucidativo, vale trazer excerto do Voto condutor do Acordão n.º 537/2006-TCU-2ª Câmara, proferido pelo eminente Ministro Walton Alencar Rodrigues, in verbis:

"Examinadas as razões apresentadas pelos recorrentes, consoante transcrito no relatório que precede a este Voto, manifesto-me inteiramente de acordo com o posicionamento defendido pela Secretaria de Recursos, no sentido de que não existe amparo legal para a adoção de juízo arbitral nos contratos administrativos — e administrativos são os contratos celebrados pela CBEE com os PIE, conforme demonstrado à saciedade.

Esse entendimento coaduna-se com o juízo firmado na Decisão 286/1993-Plenário, proferida por esta Corte de Contas em sede de consulta formulada pelo Exmo. Sr. Ministro de Minas e Energia. Naquela oportunidade, o Tribunal manifestou-se no sentido de que "o juízo arbitral é inadmissível em contratos administrativos, por falta de expressa autorização legal e por contrariedade a princípios básicos de direito público (princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, princípio da vinculação ao instrumento convocatório da licitação e à respectiva proposta vencedora, entre outros)".

Como bem ressaltado pela instrução da Unidade Técnica especializada, corroborado pela manifestação do Ministério Público, a Lei 9.307/96, que dispõe de modo geral sobre a arbitragem, não supre a necessária autorização legal específica para que possa ser adotado o juízo arbitral nos contratos celebrados pela CBEE."

Não obstante a jurisprudência no sentido de que a previsão de arbitragem em contratos administrativos depende de prévia autorização legislativa, bem como não pode, em princípio, ser utilizada em direitos indisponíveis, não se pode perder de vista que o art. 1º da Lei n.º 9.307/97 autoriza as pessoas capazes de contratar a recorrerem à arbitragem, o art. 54 da Lei n.º 8.666/93 permite a aplicação supletiva dos princípios da teoria geral dos contratos aos contratos administrativos, o art. 23, inciso XV, da Lei n.º 8.987/95 prevê como essencial ao contrato de concessão a cláusula relativa ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais e, por derradeiro, o art. 173, § 1º, da Constituição da República, sujeita as sociedades de economia mista e empresas públicas exploradoras de atividade econômica ao regime jurídico de direito privado.

Em que pese ser pessoa capaz de contratar, conforme disposição do art. 1º da Lei nº 9.307/96, a Administração não está apta a utilizar a arbitragem, visto que não trata de direitos disponíveis em face do Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público.

Marçal Justen Filho [16] ensina que a questão referente à aplicação do juízo arbitral no âmbito dos contratos administrativos permanece em aberto, acarretando a existência de dois entendimentos distintos.

O primeiro, respeitável, aduz que a Administração Pública fica impedida de aplicar a arbitragem para dirimir conflitos oriundos de contratos administrativos. Esse é o entendimento incorporado pelo TCU.

Contudo, o ilustre administrativista discorda dessa linha de raciocínio, ao considerar que "a indisponibilidade dos interesses sob tutela estatal não significa a indisponibilidade dos direitos de que o administração pública é titular". Assim, o que seria indisponível seria o interesse e não o direito envolvido.

O autor ainda levanta a tese de que os órgãos de controle, ao decidirem dessa forma, podem fazê-lo por temer de certa maneira a redução de sua competência dado que, com a solução do litígio pela via arbitral, somente o poder judiciário poderia rever, em restritos casos, tal decisão.

Nesse aspecto, cumpre observar que, dada interdependência das instâncias administrativa e judicial, a Colenda Corte de Contas continuaria a exercer sua competência constitucional, nas matérias que lhe forem afetas, apesar de eventualmente haver previsão de arbitragem.

Ressalta-se que prepondera, na jurisprudência pátria, o Princípio da Independência de Instâncias insculpido em diversos julgados, em decorrência de sua competência constitucional exclusiva no sentido de fiscalizar e julgar os administradores de recursos públicos federais.

Assim, a competência do TCU prescinde de eventual deslinde de processo em curso no Poder Judiciário, em razão de evidenciar-se como instituição paradigma a conduzir interpretações no âmbito do direito administrativo. Nesse raciocínio, cabe transcrever Voto condutor do Acórdão nº 627/96-TCU-2ª Câmara, no qual o Ministro-Substituto José Antonio Barreto de Macedo trata da matéria, in verbis:

"Por sua vez, a alegada pendência de julgamento do feito pelo Poder Judiciário não impede sua apreciação por este Tribunal, à vista do princípio da independência de instâncias. O julgamento de Contas é competência deste Tribunal, conforme preceitua o art. 71, II, da Constituição Federal".

Há ainda outro julgado a respeito do tema, no qual o Ministro Adylson Motta, ao proferir o Voto condutor do Acórdão n.º 02/2003-TCU-2ª Câmara, menciona que:

"O TCU tem jurisdição própria e privativa sobre as pessoas e matérias sujeitas a sua competência, de modo que a proposição de qualquer ação no âmbito do Poder Judiciário não obsta que esta Corte cumpra sua missão constitucional. De fato, por força de mandamento constitucional (CF, art. 71, inc. II), compete a este Tribunal julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores da administração federal direta e indireta, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao Erário. E, para o exercício dessa atribuição específica, o TCU é instância independente, não sendo cabível, portanto, tal como pretende o interessado, que se aguarde manifestação do Poder Judiciário no tocante à matéria em discussão."

No mesmo sentido tem se manifestado o excelso Supremo Tribunal Federal (MS 21.029-DF; 21.948-RJ; 21.708-DF).

Diante disso, a utilização de juízo arbitral ou do Poder Judiciário não vincula o convencimento racional sobre os elementos probatórios submetidos ao exame do TCU, visto que este, por mandamento constitucional, não se pode furtar à apuração dos fatos e proceder ao julgamento com base apenas na opinião de outros órgãos autônomos e independentes.

Retomando o tema, vale destacar entendimento de Helena Caetano de Araújo e José Cláudio Linhares Pires [17] ao traduzirem de maneira didática a questão do princípio da indisponibilidade do interesse público, nos seguintes termos:

"A indisponibilidade do direito nesses contratos decorre de uma questão óbvia: só se pode dispor daquilo que se possui, o que não ocorre com o patrimônio público. Inclui-se nessa categoria a maioria dos contratos firmados pela administração pública com o contratante privado, entre eles os contratos de concessão de serviços públicos."

Noutra visão sobre o tema, cabe, por oportuna, a ponderação de Mauro Roberto Gomes de Mattos [18] a respeito:

"Apesar de ser um instituto de direito privado, a solução por arbitragem, em alguns casos, por si só, não ofende as regras de direito público, visto que o artigo 54, da lei nº 8.666/93 de forma clara, manda aplicar supletivamente os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado aos contratos administrativos de que trata a aludida lei."

Nesse sentido, Sidney Bittencourt [19] considera que, em princípio, aos contratos administrativos não é permitido juízo arbitral, salientando, no entanto, que "existem contratos em que a administração pública atua normalmente como agente privado".

Quanto à exceção exposta, o autor ensina que, nos contratos que a administração celebra, com predomínio do direito privado, tais como contrato de locação, a aplicação do direito público é supletiva, sendo o interesse público atendido apenas de forma indireta. Assim, conseqüentemente, em tais acordos não se vislumbra impedimento para a adoção de cláusula de arbitramento, pois as situações não se enquadram em direitos indisponíveis.


A jurisprudência do STJ acerca da possibilidade de aplicação do juízo arbitral em contratos administrativos.

Cumpre destacar que o Superior Tribunal de Justiça já confirmou a possibilidade do uso da arbitragem em contratos administrativos, em 25/10/05, quando a Segunda Turma proferiu, por unanimidade, decisão pioneira, confirmando a validade da cláusula compromissória em contratos firmados com empresas públicas ou sociedades de economia mista. Segundo manifestação do STJ, a arbitragem é um meio eficaz e necessário à inserção dos agentes públicos e privados no mercado globalizado (RESP 612.439-RS).

A possibilidade de se recorrer à arbitragem em contratos administrativos também foi sedimentada no voto da Ministra do STJ Nancy Andrighy, enquanto juíza do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (relatora do MS 1998002003066-9, julgado em 18/05/99), ao declarar que "pelo artigo 54 da Lei 8.666/93, os contratos administrativos regem-se pelas cláusulas e preceitos de direito público, aplicando-se-lhes supletivamente os princípios do direito privado, o que vem reforçar a possibilidade de adoção do juízo arbitral para dirimir questões contratuais."

Repise-se que, sob a matéria, o Superior Tribunal de Justiça vem tratando de forma recorrente do assunto, cabendo destacar, pela sua didática, trecho do Voto do Ministro Luiz Fux, nos autos do Processo MS 011308-DF (2005/0212763-0), cuja Decisão foi publicada no DJ em 03/03/2006, in verbis:

"3.Questão gravitante sobre ser possível o juízo arbitral em contrato administrativo, posto relacionar-se a direitos indisponíveis.

4. O Ministro Eros Grau, hoje membro do STF, sustenta a legalidade do juízo arbitral em sede do Poder Público, citando precedente daquela corte acerca do tema, in "Da Arbitrabilidade de Litígios Envolvendo Sociedades de Economia Mista e da Interpretação de Cláusula Compromissória", publicado na Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem, ,Editora Revista dos Tribunais, Ano 5, outubro - dezembro de 2002, coordenada por Arnold Wald, esclarece às páginas 398/399 ...

(...)

10. Destarte, as sociedades de economia mista, encontram-se em situação paritária em relação às empresas privadas nas suas atividades comerciais, consoante leitura do artigo 173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal, evidenciando-se a inocorrência de quaisquer restrições quanto à possibilidade de celebrarem convenções de arbitragem para solução de conflitos de interesses, uma vez legitimadas para tal as suas congêneres.

11.Com razão o Professor Dalmo Dallari, citado por Arnold Wald, Atlhos Gusmão Carneiro, Miguel Tostes de Alencar e Ruy Janoni Doutrado, em artigo intitulado "Da Validade de Convenção de Arbitragem Pactuada por Sociedade de Economia Mista", publicado na Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem, nº 18, ano 5, outubro-dezembro de 2002, à página 418, cujo ensinamento revela ausência de óbice na estipulação da arbitragem pelo Poder Público: ‘(...) Ao optar pela arbitragem o contratante público não está transigindo com o interesse público, nem abrindo mão de instrumentos de defesa de interesses públicos, Está, sim, escolhendo uma forma mais expedita, ou um meio mais hábil, para a defesa do interesse público. Assim como o juiz, no procedimento judicial deve ser imparcial, também o árbitro deve decidir com imparcialidade, O interesse público não se confunde com o mero interesse da Administração ou da Fazenda Pública; o interesse público está na correta aplicação da lei e se confunde com a realização correta da Justiça."

Em que pese tal entendimento, não se pode olvidar que a amplitude de aplicação da arbitragem nos contratos celebrados por sociedades de economia mista encontra limitações, a exemplo das contratações oriundas dos orçamentos de investimentos das estatais e daquelas referentes à área-meio da companhia, tais como construções, compra de equipamentos etc.

O art. 173 da Constituição da República deve ser sistematicamente interpretado com os art. 37, caput e inciso XXI, e art. 165, § 5º, inciso II, ambos da Constituição de 1988. Assim, não obstante possuírem natureza jurídica de direito privado, as estatais devem contratar por concurso público, realizar licitação e suas despesas de capital devem estar consignadas em lei orçamentária.

Cumpre registrar ainda que, no que se refere aos contratos celebrados por sociedade de economia mista, o princípio da supremacia do interesse público fica mitigado, no sentido de que não há, nesses contratos, a ocorrência de cláusulas exorbitantes, conferindo privilégios à Administração Pública, conforme art. 58 da Lei n.º 8.666/93.

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do Resp 612.439-RS, sob a relatoria do Ministro João Otávio Noronha, em 25/10/2005, considerou que:

"A sociedade de economia mista pode firmar cláusula compromissória (art. 4º da Lei n. 9.307/1996) quando celebrar contratos referentes a direitos ou obrigações de natureza disponível. No caso, cuidou-se de contrato de compra e venda de energia elétrica, atividade econômica de produção e comercialização de bens, em que constava cláusula de eleição de arbitragem em caso de descumprimento da avença, o que descarta a possibilidade de a sociedade de economia mista ora recorrida, companhia estadual de energia elétrica, unilateralmente, optar pela via judicial para solução do litígio. Então, resta somente extinguir o processo sem julgamento do mérito (art. 267, VII, do CPC). Precedentes citados do STF: AgRg na SE 5.206, DJ 30/4/2004; do STJ: REsp 712.566-RJ, DJ 5/9/2005" [20]

A aludida decisão do STJ demonstra que o entedimento daquele Tribunal Superior não é pacífico, ao considerar, aplicando os exatos termos do art. 1º da Lei de arbitragem, que somente bens disponíveis podem ser objeto de juízo arbitral, e ainda assim, no que se refere à área-fim da estatal, como no caso em tela a compra e venda de energia elétrica.

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro já deliberou, por meio do Acórdão 2003.002.07839, referente a agravo de instrumento julgado pela 13ª Câmara Cível, em 29/10/2003, nos autos de ação popular, no qual o Desembargador Ademir Pimentel consignou que "revela-se atentatório aos preceitos constitucionais o estabelecimento de cláusula na qual se exige o sigilo na arbitragem, não podendo o Município a ela se submeter ante a indisponibilidade do direito em discussão, traduzindo um atentado à soberania quedar-se o componente da Federação, genuflexo, às leis alienígenas", sendo negado provimento ao aludido agravo.


Conclusão.

Por oportuno, cumpre registrar que não se pretendeu exaurir a discussão acerca do assunto, mesmo porque a jurisprudência e a doutrina têm muito que aprofundar sobre a questão da arbitragem, que configura tema novel no direito administrativo.

No entanto, após traçar um panorama sobre o tema, indicando as correntes doutrinárias e jurisprudenciais existentes, pode-se chegar a algumas conclusões e estabelecer parâmetros para avaliar a possibilidade ou não de aplicação de juízo arbitral no âmbito dos contratos celebrados por sociedades de economia mista.

Primeiro, deve ser ter em mente que, em face dos princípios que regem o direito administrativo e da falta de disposição legal permissiva, é vedada a aplicação de juízo arbitral em contratos sob o regime jurídico-administrativo, conforme jurisprudência consolidada do TCU.

Segundo, em razão da natureza jurídica dos contratos celebrados por sociedades de economia mista, as contratações podem versar sobre direitos disponíveis ou indisponíveis. Entende-se, em interpretação restritiva que serão disponíveis somente aqueles relativos à área-fim da companhia que explorem atividade econômica, de cunho estritamente comercial, as quais a Constituição coloca em posição de igualdade com o regime jurídico das empresas privadas, nos termos do art. 173.

Terceiro, considerando que a indústria internacional do petróleo vem utilizando-se consuetudinariamente do instituto da arbitragem, não se pode olvidar que, em contratações internacionais que sociedades de economia mista, por meio de suas subsidiárias estrangeiras, celebrem contratos com empresas alienígenas, a possibilidade de aplicação do juízo arbitral revela-se necessária por garantir imparcialidade e neutralidade no direito internacional, mantendo condições favoráveis a ambos os lados. Nesse sentido, a aplicação da legislação brasileira deve ser mitigada pelo princípio da razoabilidade e da economicidade, mormente nesse caso, dado seu caráter privado, econômico e competitivo num mundo globalizado.

Por fim, cabe observar que, em se tratando de assunto que permeia a seara do Direito Administrativo, melhor seria que o legislador elaborasse legislação específica para as questões envolvendo direitos e recursos públicos, estabelecendo regras claras, com vedações e permissões para a utilização do juízo arbitral.


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Notas

01 GRINOVER, Ada Pellegrini. Arbitragem e prestação de serviços públicos. Revista de Direito Administrativo. Nº 233. Ed. Renovar. Jul/set/2003. p.381.

02 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Contrato administrativo e a lei de arbitragem. Revista de Direito Administrativo. Nº 223. Ed. Renovar. Jan/mar/ 2001. p.120.

03 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 23ª ed. Malheiros Editores. São Paulo. 1998. p.321/322.

04 SOUZA JR., Lauro Gama e. Sinal Verde para a Arbitragem nas Parcerias Público-Privadas. Internet: http://www.mundojuridico.adv.br.

05 Ver inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição da República: "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004).

06 FILHO, Marçal Justen. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos.11ª ed. Dialética. São Paulo. 2005. p.399.

07 ARAÚJO, Helena Caetano de. PIRES, José Cláudio Linhares. Regulação e arbitragem nos setores de serviços públicos no Brasil: problemas e possibilidades. Revista de Administração Pública nº 212 set/out/2000. p. 22.

08 SE-AgR 5206 / EP – ESPANHA - AG.REG.NA SENTENÇA ESTRANGEIRA. Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE. Julgamento: 12/12/2001

09 Szklarowsky, Leon Frejda. Objeto de litígio da arbitragem. Texto extraído do site Jus Navigandi http://jus.com.br/revista/texto/6840.

10 Motta, Carlos Pinto Coelho. Experiências da interpretação do contrato administrativo. Boletim de Direito Administrativo. Nº 9. Set/99. p.598/600.

11 Motta, Carlos Pinto Coelho. Experiências da interpretação do contrato administrativo. Boletim de Direito Administrativo. Nº 9. Set/99. p.599/600.

12 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Contrato administrativo e a lei de arbitragem. Revista de Direito Administrativo. Nº 223. Ed. Renovar. Jan/mar/ 2001. p.120.

13 Associado sênior de Vieira, Rezende, Barbosa e Guerreiro Advogados.

14 ARAÚJO, Helena Caetano de. PIRES, José Cláudio Linhares. Regulação e arbitragem nos setores de serviços públicos no Brasil: problemas e possibilidades. Revista de Administração Pública nº 212 set/out/2000. p.22.

15 Mello. Marcelo Oliveira e Andrade. Carlos César B. de. A arbitragem da Era da Globalização. Rio de Janeiro. Editora Forense, 1997, p. 159/161.

16 FILHO, Marçal Justen. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos.11ª ed. Dialética. São Paulo. 2005. p.399.

17 ARAÚJO, Helena Caetano de. PIRES, José Cláudio Linhares. Regulação e arbitragem nos setores de serviços públicos no Brasil: problemas e possibilidades. Revista de Administração Pública nº 212 set/out/2000. p.22.

18 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Contrato administrativo e a lei de arbitragem. Revista de Direito Administrativo. Nº 223. Ed. Renovar. Jan/mar/ 2001. p.124.

19 BITTENCOURT, Sidney. A cláusula de arbitragem nos contratos administrativos. Informativo de Licitações e Contratos. Nº 86. Ed. Zênite. Abr/2001. p.268/274.

20 Informativo do STJ nº 266


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADA, Bruno Lima Caldeira de. A possibilidade de aplicação de juízo arbitral nos contratos firmados por sociedade de economia mista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1687, 13 fev. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10942. Acesso em: 26 abr. 2024.