Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/11007
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Os paradigmas da pré-modernidade, da modernidade e da pós-modernidade no direito político.

Uma singela reflexão sobre Alexandre Magno, Napoleão Bonaparte e Barack Obama

Os paradigmas da pré-modernidade, da modernidade e da pós-modernidade no direito político. Uma singela reflexão sobre Alexandre Magno, Napoleão Bonaparte e Barack Obama

Publicado em . Elaborado em .

Sumário: I. Introdução; II. O Direito Político e os paradigmas jurídicos; III. O paradigma da pré-modernidade e Alexandre Magno; IV. O paradigma da modernidade e Napoleão Bonaparte; V. O paradigma da pós-modernidade e Barack Obama.

Resumo: Pretende-se visitar alguns tópicos do Direito Político e dos Paradigmas Jurídicos e sugerir algumas reflexões acerca da pré-modernidade, da modernidade e da pós-modernidade, tendo como pano-de-fundo as figuras simbólicas de Alexandre Magno, de Napoleão Bonaparte e de Barack Obama.

Palavras-chave: Direito Político – Paradigmas Jurídicos – Pré-modernidade – Modernidade – Pós-modernidade – Alexandre Magno – Napoleão Bonaparte – Barack Obama.


I. INTRODUÇÃO

1.O processo eleitoral norte-americano é um dos mais interessantes mecanismos de alternância institucional de poder político, mormente as eleições para a Presidência da República. A despeito da complexidade do tabuleiro político, a estabilidade institucional, com o respeito às "regras do jogo democrático", tem sido uma característica marcante dos Estados Unidos desde a sua fundação como Nação soberana e independente, sendo um dos poucos países que não sofreram "golpes de Estado" ou "quebras institucionais". Exemplo radical dessa estabilidade político-institucional é a sua Constituição vigente desde 1787.

2. Nada obstante, eles – os americanos – sofreram com a "Guerra Civil" no período de 1861-1865, que culminou com a vitória dos "unionistas" contra os "separatistas confederados", e com os assassinatos de alguns Presidentes da República. Mesmo assim, reitera-se que induvidosamente, para "consumo interno", os Estados Unidos respeitam e realizam o regime democrático, compreendido como o regime político no qual há a existência de oposição livre com a possibilidade concreta de alternância legítima no poder, aliada à liberdade de imprensa, que possa atuar no limite da "irresponsabilidade" na fiscalização das ações ou omissões do Poder Público, e a efetiva garantia do respeito aos direitos e liberdades fundamentais da pessoa humana.

3. O atual processo eleitoral norte-americano será consumado no próximo mês de novembro de 2008 com a escolha entre os dois candidatos dos principais partidos políticos (o Democrata e o Republicano). Pelos republicanos disputam a indicação partidária o senador John McCain e o ex-governador Mike Huckabee. Pelos democratas disputam os senadores Hillary Clinton e Barack Obama. Cada partido indicará um candidato. Para ser indicado pelo seu respectivo partido político, o candidato deverá vencer as eleições internas, denominadas de "primárias ou prévias".

4. Diferentemente da realidade brasileira, onde impera o "caciquismo político", com a escolha dos candidatos feita pelos "líderes", nos EUA, para viabilizar a candidatura, os interessados devem se submeter aos escrutínios internos e são eleitos pelos filiados dos partidos ou por seus simpatizantes – os futuros "liderados". Excepcionalmente, quando não há vencedores nas prévias, os candidatos são escolhidos nas respectivas convenções partidárias.

5. Isso significa que qualquer um desses mencionados postulantes pode se tornar o próximo Presidente dos EUA. Porém, independentemente do resultado das eleições, a candidatura do senador Barack Obama, com chances reais de vitória, é a demonstração de que o Direito Político se enquadrou definitivamente no paradigma constitucional da pós-modernidade, haja vista as peculiaridades que envolvem a figura desse senador americano.

6. O senador Barack Obama, representante do Estado de Illinois, é filho de pai queniano negro e de mãe americana branca, nascido no Estado do Hawaii, na cidade de Honolulu. Após o divórcio de seus pais, viveu em Jacarta, na Indonésia, junto com a sua mãe e o segundo marido dela. Posteriormente, voltou para os Estados Unidos e passou a ser criado pela família materna. É fruto da miscigenação (de cor, cultural e religiosa), pois conviveu, na forja de seu caráter, com brancos, negros, asiáticos, cristãos, muçulmanos e animistas. Formou-se em Direito, em Harvard, é advogado e professor de Direito Constitucional da Universidade de Chicago.

7. Nessa perspectiva juspolítica, entendo que assim como Alexandre Magno seja o símbolo do homem da pré-modernidade, Napoleão Bonaparte seja o da modernidade, Barack Obama venha a ser o da pós-modernidade. Os dois primeiros deixaram timbrados indelevelmente os seus nomes na história pelos seus feitos e pelo que representaram em suas épocas e para a posteridade. Barack Obama, ainda que não consiga repetir os "feitos" dessas aludidas figuras históricas, já pode ser considerado a figura simbólica do homem da pós-modernidade juspolítica.

8. Todavia, digna de registro é a figura da senadora Hillary Clinton. A sua participação também se encarta na perspectiva pós-moderna da inserção da mulher como agente político que deve ser levado a sério. Provavelmente, o segmento que melhor reflete a pós-modernidade seja o feminino. A mulher é pós-moderna, por ser mais complexa que os homens, no sentido de mais rica de possibilidades. A pós-modernidade é o reino da amplificação das complexidades. Complexidade entendida como alternativas possíveis. Indisputavelmente, a sociedade ocidentalizada oferece ao universo feminino um espectro imenso de possibilidades de posturas e alternativas de vida.

9. Porém, antes da senadora americana, outras mulheres já ocuparam – e têm ocupado - funções de extrema relevância em seus países, de sorte que o feito da senadora não seria inédito, mas reflexo de uma sensível mudança no papel desempenhado pela mulher no teatro da vida e da política.

10. Para o Mundo, e para os Estados Unidos em particular, a candidatura de Barack Obama é uma revolução paradigmática na sociedade e da política tradicional. Daí a sua força simbólica pós-moderna, pelo ineditismo de uma pessoa de origem miscigenada na cor, nas crenças religiosas e nas culturas, em ocupar o mais alto e importante posto político do Mundo: a presidência dos EUA.


II. O DIREITO POLÍTICO E OS PARADIGMAS JURÍDICOS

II. A. O Direito Político

11. O Direito Político tem como objeto de análise as normas relacionadas com a institucionalização do poder político e com a atuação, manutenção e renovação desse poder institucionalizado. É ramo do conhecimento voltado para o "estatuto jurídico do poder político".

12. A idéia de Direito Político é uma idéia moderna, concebida com a separação racional do próprio Direito em relação à Política, e da diferenciação entre Política, Cultura, Religião, Moral, Direito, Estado, Sociedade e Igreja.

13. Conquanto haja a separação entre o Direito e a Política, são inquestionáveis os pontos de interseção entre essas duas áreas de atuação. A Política tem como binômio de atuação a "legitimidade ou ilegitimidade" de suas ações ou interesses. Legitimidade entendida como aceitação conveniente e oportuna de suas escolhas e decisões pelos destinatários das atividades políticas: as pessoas.

14. A Política é arte da sobrevivência no poder e da convivência de interesses contrapostos. A Política produz o Direito, segundo suas conveniências e oportunidades, em conformidade com as normas do próprio Direito. Nessa linha, o Direito é o instrumento da Política para atribuir conseqüências "lícitas ou ilícitas" aos comportamentos das pessoas.

15. Se a Política trabalha com o binômio "legítimo ou ilegítimo", o binômio do Direito é o "lícito ou ilícito". Licitude entendida como submissão às normas jurídicas válidas e vigentes. Na modernidade, as decisões políticas devem ser legítimas, e as normas jurídicas devem ser lícitas.

16. A técnica jurídica é a atribuição de conseqüências normativas aos fatos da natureza ou aos atos das pessoas, na proteção de determinados interesses ou na realização de certos valores, julgados importantes pelas forças sociais ou políticas. Objetiva o Direito pacificar (resolver definitivamente) os conflitos de interesses ou as dúvidas reinantes sobre qual norma jurídica deve ser aplicada e como essa norma solucionará as controvérsias jurídicas.

17. Esse caráter instrumental do Direito manejado pelas forças políticas não reduz seu o valor nem a sua importância. Com efeito, a própria legitimidade das decisões políticas pressupõe a licitude das normas jurídicas que são produzidas. A adequação dos comportamentos e das condutas das pessoas será maior quanto melhor for a legitimidade da Política e a licitude do Direito.

18. Nada obstante a relevância do Direito para a consecução da Política, nos eventuais atritos entre essas duas áreas, somente nas democracias constitucionais (no Estado de Direito) prevalece a licitude da norma jurídica sobre a legitimidade da decisão política. Nas sociedades onde não prevalece a o "Estado de Direito" (com limites jurídicos ao poder político), a vontade política atropela os freios jurídicos. Assim, nas situações extremadas, inevitavelmente, a força política quebra a resistência jurídica. A história é a fiel testemunha comprovadora dessa situação.

19. A Política, em uma perspectiva ideal ou ética, busca a realização do bem comum em uma sociedade. Bem comum, segundo o Papa João XXIII, conceituado como o "conjunto de todas as condições de vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana".

20. O Direito pode ser um valioso instrumento de realização dessa finalidade ideal ou ética da Política, estabilizando, mediante a previsibilidade e a certeza, racionalmente as expectativas comportamentais, com a justificação normativa da licitude ou ilicitude das decisões políticas.

21. Direito e Política, em que pese distintos, são facetas de uma mesma moeda: viabilizar a convivência social com a solução pacífica das controvérsias ou dos conflitos entre as pessoas. Tanto a autoridade política quanto a autoridade jurídica devem buscar a "paz social" e a "justiça possível". Esse é o paradigma - ou modelo – preconizado na modernidade juspolítica.

22. A despeito desse aspecto da finalidade ética, a Política - assim como o Direito - pode estar a serviços de interesses contrários aos desejos e às reais necessidades das pessoas. A Política poder ser um instrumento de manutenção do poder por quem não tem a livre adesão e aceitação de seus governados. O Direito pode ser um instrumento de tal Política, com normas jurídicas "justificadoras" dos eventuais abusos do poder governamental.

23. A História - repita-se -, tem sido fiel testemunha dessa possível situação: Política ilegítima "garantida" pelo Direito mascarado de "lícito". Karl Loewenstein denominou de "semânticas" as Constituições que justificam o poder político ilegítimo, camuflando de legalidade os abusos governamentais. Esse Direito, ainda que tipificasse de "lícita ou ilícita" as condutas humanas, padeceria da indispensável legitimidade popular. Seria Direito "válido e vigente", mas "ilegítimo" ou "inaceitável" socialmente, garantido pela "força bruta do aparato estatal", mas sem a livre concordância das pessoas. Nos Estados autoritários é o Direito vigente.

II.B. Os Paradigmas Jurídicos

24. É cediço que a noção de paradigma científico foi forjada por Thomas Kuhn. Significa o mecanismo de compreensão das transformações científicas e seus fenômenos, visto que os paradigmas são conceituados como as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência.

25. Para as ciências jurídicas, o entendimento de Jürgen Habermas no sentido de que um paradigma de Direito delineia um modelo de sociedade contemporânea para explicar como direitos constitucionais e princípios devem ser concebidos e implementados para que cumpram naquele dado contexto as funções a eles normativamente atribuídas.

26. Em outra oportunidade, externei que um paradigma jurídico (constitucional) é o modo de ver e perspectivar a Constituição e o Direito de cada Estado e Sociedade segundo os valores e verdades aceitos de cada época, procurando, na medida do possível, enxergar através dos prismas contemporâneos, sem esquecer-se de que nos situamos em um espaço físico-cultural-histórico distinto ao olharmos o passado, vermos o presente – muitas vezes ainda turvo – e procurarmos vislumbrar o futuro.

27. Escorado no magistério de Menelick de Carvalho Netto, divisam-se os seguintes paradigmas constitucionais (juspolíticos): o pré-moderno e o da modernidade. Os da modernidade se subdividem nesses outros paradigmas: liberal, social e democrático.

28. Tradicionalmente, acolhia o magistério de Menelick de Carvalho Netto, apoiado nas lições de Jürgen Habermas, para quem ainda não se esgotou o paradigma democrático da modernidade iluminista, e, portanto, não se alcançou a pós-modernidade.

29. Todavia, os recentes acontecimentos na esfera juspolítica, sejam no Brasil, sejam em outros países e, sobretudo, nos EUA, com ressonância mundial, levaram-me a aceitar a densa plausibilidade da tese de que finalmente nos encontramos na pós-modernidade juspolítica. Segundo Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy o pós-modernismo jurídico é uma resposta cética à crença na modernidade e em seu discurso de racionalidade iluminista.

30. A compreensão desse novo paradigma da pós-modernidade juspolítica, requer a apreciação dos outros dois paradigmas (da pré-modernidade e da modernidade) que, parece-me, restaram superados e já não oferecem as explicações suficientes para as situações complexas e problemáticas da atualidade.


III. O PARADIGMA DA PRÉ-MODERNIDADE E ALEXANDRE MAGNO

31. A pré-modernidade é o paradigma das "certezas irracionais", fundadas, sobretudo, na tradição histórica e nas concepções religiosas dominantes e aceitas como verdadeiras e inquestionáveis.

32. Ensina Menelick de Carvalho Netto que a pré-modernidade se apresentava como o paradigma da indiferenciação normativa entre o direito, a moral, a tradição e costumes transcendentalmente justificados e que essencialmente não se discerniam.

33. Nesse referido paradigma, a depender do seu local de nascimento ou da origem familiar, em uma sociedade cristalizada e dividida em "castas", o ser humano não é visto como indivíduo dotado de direitos e deveres recíprocos (pessoa), mas como um membro de uma coletividade sem valor em si, mas tão-somente válido enquanto útil para essa coletividade (coisa).

34. Na pré-modernidade, a idéia de direitos fundamentais como um núcleo de proteção do ser humano (enquanto indivíduo ou pessoa) é inexistente. Em algumas sociedades, a depender das crenças religiosas o ser humano gozava de respeito e dignidade por ser semelhante à divindade e por ser a sua vida pertencente à divindade. Daí que os atentados contra o ser humano poderiam ser considerados como violações aos mandamentos divinos. As principais garantias das pessoas encontravam-se em normas de natureza religiosa. A autoridade divina e os seus sacerdotes se sobrepunham às autoridades políticas.

35. Na sociedade pré-moderna, o ser humano tinha de cumprir o seu destino de ser útil à coletividade. E o seu destino estava traçado no momento de seu nascimento, a depender do local ou do núcleo familiar. "Ao nascer sabia-se como se ia viver e como se iria morrer".

36. Mesmo o homem (sexo masculino) não era uma pessoa (sujeito de si próprio e de direitos), mas coisa, objeto à disposição de outros homens ou à disposição da divindade. Essa coisificação do homem explicava a aceitação da escravidão humana como algo normal naquela sociedade pré-moderna. O homem não era senhor de si mesmo, ainda que fosse senhor de outrem.

37. Nesse quadro, a condição da mulher, da criança, do idoso, do enfermo, do deficiente, do estrangeiro, do "diferente", era a pior possível: era a "coisificação" do ser humano, sobretudo daquele não poderia se defender "sozinho", especialmente a partir de sua "natural" condição, oriunda, muitas vezes, do próprio nascimento.

38. Cumprir o destino traçado ao nascer. Alexandre Magno cumpriu o seu destino de grandiosidade e glória, iniciado com as conquistas de seu avô e consolidadas com o domínio estabelecido por seu pai. A ele cabia seguir a trilha aberta e assenhorear-se de toda a Grécia e de todo o Mundo conhecido. Ser grande era o seu destino. Ele o cumpriu. Daí o seu aspecto simbólico, pois foi um homem de seu tempo e se fez em seu tempo, aproveitando as "oportunidades" viabilizadas pelo seu nascimento e por sua condição social.


IV. O PARADIGMA DA MODERNIDADE E NAPOLEÃO BONAPARTE

39. A modernidade é o paradigma das "certezas racionais", fundadas na razão e na aceitação científica, a partir de verdades comprovadas e demonstráveis universalmente.

40. Nada obstante, recorde-se que a história da humanidade organizada em núcleos coletivos deu-se no contexto da pré-modernidade social. Após um longo caminho, o paradigma da pré-modernidade foi superado pelo da modernidade.

41. A modernidade deve ser compreendida como diferenciação racional entre a religião, a política, a moral e o direito. E também como apresentação do ser humano como indivíduo, ser indiviso dotado de razão e de direitos e deveres (pessoa). A data simbólica do nascimento do indivíduo como pessoa é o 14.07.1789: Revolução Francesa.

42. A Revolução Francesa foi um marco na história da sociedade ocidental. O ideal iluminista da racionalidade de todo o gênero humano como pessoa indivisa, senhor de sua própria vida, sem os grilhões da Igreja (religião), da Sociedade (moral) e do Estado (direito) e como agente livre e senhor de si próprio era uma novidade retumbante.

43. Em uma sociedade arcaica, cristalizada, delimitada por castas sociais, o lema da "liberdade, igualdade e fraternidade" como novo tripé sobre o qual se assentarão as novas estruturas sociais foi avassalador, revolucionário. A promessa de que todos nascem livres e iguais em direitos e oportunidades conquistou muitos adeptos e empolgou setores economicamente abastados, elites intelectualizadas e as massas populares, no campo e nas cidades. Também despertava a reação dos setores "prejudicados" por essa novidade revolucionária.

44. Se o homem pré-moderno cumpria o seu destino, traçado no momento de seu nascimento, por força de sua condição social, o homem moderno faz o seu destino, independentemente de seu nascimento, do local de nascimento ou de sua ascendência familiar. Como símbolo desse homem moderno tem-se Napoleão Bonaparte.

45. Criar e fazer o seu próprio destino, independentemente de seu nascimento ou de sua condição social. Napoleão Bonaparte fez o seu destino, a despeito do nascimento humilde em uma província sem importância alguma para a França. Por sua capacidade de adaptação e sobrevivência, e dotado de grande argúcia política e militar, ascendeu ao posto máximo da política francesa e se apresentava como o principal agente revolucionário daquele período histórico. Ser grande não era o seu destino, mas ele fez outro para si. Marcou a história também, assim como Alexandre Magno.

46. À luz do paradigma da pré-modernidade, não ser o Imperador era o destino de Napoleão Bonaparte. Todavia, ele o descumpriu. Ele fez o seu próprio destino. Daí o seu aspecto simbólico, pois foi um homem de seu tempo e se fez em seu tempo, aproveitando as "oportunidades" viabilizadas, independentemente de seu nascimento ou de sua condição social.

47. É de Napoleão Bonaparte a obra jurídica simbólica da modernidade e da fé na força universal da racionalidade humana: o Código Civil francês ou napoleônico. Também foi na França revolucionária que se acentuou a diferenciação dos Poderes estatais entre si (a tripartição entre o Legislativo, o Judiciário e o Executivo) e a diferenciação do Estado (direito), da Igreja (religião) e da Sociedade (moral).

48. O Direito moderno é o direito da previsibilidade dos riscos e do reconhecimento da imprevisibilidade dos perigos. É o Direito que atua com as "frustrações de expectativas", mas que não encontra respostas adequadas para os "aborrecimentos" dos perigos inesperados.

49. A razão jurídica não se preparou para os perigos imprevisíveis, apenas para os riscos previsíveis. A razão menosprezou as vicissitudes da natureza e da cultura humana. O Estado e o Direito se arvoraram senhores das condutas e comportamentos das pessoas, como se o cumprimento ou descumprimento das leis fosse uma conduta automatizada do ser humano, esquecendo-se dos outros aspectos que envolvem o agir humano (psíquicos, emocionais, morais, éticos etc.). O homem ficou enjaulado na razão científica.


V. O PARADIGMA DA PÓS-MODERNIDADE E BARACK OBAMA

50. A pós-modernidade é o paradigma das "incertezas racionais", fundadas no ceticismo em relação à força da razão universal e das verdades comprováveis e aceitáveis.

51. Se a modernidade juspolítica "nasceu" em 14.07.1789 (Revolução Francesa), a pós-modernidade tem como data simbólica, ao meu sentir, o 11.09.2001, com o ataque suicida às "Torres Gêmeas" nos EUA. É a demonstração da insuficiência da razão para responder às angústias e problemas da humanidade.

52. Ademais, a pré-modernidade foi greco-romana (Alexandre Magno), a modernidade foi euro-francesa (Napoleão Bonaparte), a pós-modernidade teria de ser norte-americana e globalizada (Barack Obama).

53. A pós-modernidade é o reconhecimento de que a história humana ainda não chegou ao seu fim, pois a humanidade é por demais inventiva e criativa.

54. A modernidade cultuou a razão iluminista, supostamente universal, e desprezou a influência de outros elementos na composição da sociedade e do ser humano em particular, especialmente os aspectos psíquico-emocionais e os de natureza religiosa, por serem esses aspectos supostamente "irracionais".

55. A modernidade depositou todas as suas fichas em um Direito sistematizador e organizador da vida humana, garantido pelo poder coativo do Estado, reduzindo a influência da própria sociedade e da família, com seu forte apelo moral e emocional, assim como a capacidade das "confissões religiosas" na condução do comportamento das pessoas.

56. A razão científica sozinha não foi suficiente para o bem-estar das pessoas. A pós-modernidade ataca essa situação. O Direito escoteiro é incapaz de viabilizar a desejada paz social. É preciso o auxílio da família, da sociedade e também das confissões religiosas.

57. A pós-modernidade amplificou as complexidades da vida social. Há mais alternativas possíveis de vida. Se na pré-modernidade, ao nascer o ser humano (sequer pessoa) tinha o seu destino traçado, com poucas possibilidades de vida, na pós-modernidade as alternativas são muito maiores.

58. A pós-modernidade é da mulher, é feminina. A mulher pós-moderna não está sujeita à ditadura masculina e obrigada a casar e ter tantos filhos quanto à natureza permita. A mulher pós-moderna, antes de ser esposa, é pessoa que escolhe a profissão, o eventual companheiro e se terá ou não filhos e a quantidade de filhos que quer ou pode ter. A mulher é o ser humano que sempre procurou se diferenciar. Primeiro, diferenciar-se da natureza (pintar os olhos, os lábios, as faces, usar brincos, as roupas etc.), depois da sociedade (estudar, casar ou não casar, trabalhar ou não trabalhar, ter ou não filhos etc.).

59. Com isso, a mulher sempre foi – e sempre será – mais complexa (com mais alternativas possíveis) que o homem, por isso é ela pós-moderna.

60. O homem pós-moderno tem se efeminado. Nessa linha de feminilização do masculino, o homem pós-moderno tem aprendido a se comportar como as mulheres, diferenciando-se da natureza e de outros homens (uso de brincos, cuidados com a pele, cabelo, roupas na moda etc.). Esse homem foi rotulado de "metrossexual", por causa da vida nas grandes metrópoles.

61. Uma novidade da pós-modernidade é a família. Se na pré-modernidade o espaço privilegiado era o da "tribo-sociedade" e da "Igreja", por força das "certezas irracionais", e na modernidade o espaço privilegiado era o do "Estado", com esteio nas "certezas racionais", a Família pode vir ser um local complexo e pós-moderno.

62. Nessa nova perspectiva familiar, o pai pós-moderno é um homem emasculado, como enunciou o jornalista Diogo Mainardi. É um pai que tem na boa criação dos filhos a sua grande realização pessoal. Isso, até bem pouco tempo, era a grande satisfação das mães (mulheres). Hoje, o pai provedor material perdeu espaço. O pai pós-moderno é provedor de afeto, é o companheiro da mãe nos cuidados com os filhos, e seu companheiro afetivo. Em vez de chefe, é a outra referência existencial da família.

63. Nessa toada, a família pós-moderna deixa de ser uma sociedade natural, por força dos instintos darwinianos de continuidade da espécie ou por força de imposição cultural, e se torna o espaço de segurança existencial e afetiva de todos os seus membros. É na família onde o indivíduo (pessoa) pode ser quem ele de fato é, e assim é por todos aceito e amado. A família pós-moderna é a família que tem no afeto os seus laços de manutenção. É lastreada no amor e no respeito mútuo, na aceitação das diferenças que individualizam a pessoa.

64. Se algum dia a Família deixar de ser o ambiente mais seguro do ser humano, entraremos na fase da "pré-barbaridade" e das "incertezas irracionais". Isso porque foram os mais primitivos instintos de sobrevivência e cuidados com a prole, nata em quase todos os animais (e mais forte entre os mamíferos, especialmente entre os primatas), que deram ensejo à solidariedade entre os pertencentes à mesma espécie – e família – que viabilizaram a humanidade evoluir. Se não houver mais a certeza de que a família humana é o eixo de segurança existencial e de compartilhamento de afeto, entraremos na "pré-barbaridade" das "incertezas irracionais". Talvez aí terá chegado o fim da história, pois será o fim da própria humanidade.

65. A pós-modernidade desnudou a insuficiência da razão e do Direito estatal sistematizador e coerente. Isso significa que não são "boas" normas penais que reduzirão os crimes. Nem um bom direito de família que melhorará as relações entre os seus membros. Ou que os Estatutos da Criança, do Idoso, do Portador de Deficiência, da Igualdade Racial que tornarão a vida dos destinatários dessas normas melhor. Não é o Código de Trânsito que melhorará as relações no trânsito etc.

66. O Direito sozinho não deu – nem dá ou dará – "conta" de tornar a vida em sociedade melhor. É preciso buscar auxílio fora do Direito. Na moral, na religião, na ética. Além do Estado, há a Família, a Sociedade, a "Igreja" e outras "corporações sociais". Não bastam "boas leis", é preciso "boas pessoas".

65. Nada obstante, acerta Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy ao dizer que não existe um Direito pós-moderno. Com efeito, o que há é uma compreensão pós-moderna do Direito e da sociedade. Uma compreensão que não fica restrita à frieza normativa, mas que perscruta a realidade circunstancial dos problemas sociais. Ir além do Direito. Entender os fatos e os valores controvertidos. Algo que Miguel Reale já tinha percebido com sua "teoria tridimensional do Direito".

67. A pós-modernidade rompeu as fronteiras nacionais e deu novos contornos à soberania estatal. As pessoas ampliaram suas referências culturais. O homem pós-moderno é um homem do Mundo, que pertence à humanidade, com toda a sua diversidade. A humanidade é culturalmente complexa.

68. A pessoa humana pós-moderna, homem ou mulher, criança ou idoso, crente ou ateu, sadio ou enfermo, deve ser vista como ser dotado de vontades e interesses que devem ser respeitados, independentemente de suas condições naturais ou sociais. A pessoa pós-moderna é uma pessoa culturalmente miscigenada. As referências culturais - repita-se - são fluidas. As "verdades" são circunstâncias, como são as pessoas humanas, independentemente de seu sexo, de sua cor, de suas tendências sexuais, de suas crenças, de suas origens e, inclusive, de seu caráter.

69. Nesse sentido, a figura de Barack Obama se afivela nessa nova perspectiva de pessoa humana. Ele é um filho do mundo globalizado, do mundo pós-moderno, do mundo miscigenado, de um caldo cultural que torna as referências fluídas e as certezas circunstanciais. Se ele for eleito Presidente dos EUA, não estarão elegendo um afro-americano, mas um homem que simboliza uma nova realidade mundial: a do homem pós-moderno forjado na imensa variedade cultural disponível a todos nós.

70. Eis o admirável Mundo Novo. Há muito que fazer por esse novo Mundo e pelas pessoas que nele habitam e que devem ter a perspectiva de serem felizes e de poderem realizar os seus sonhos, com o auxílio da razão, da emoção, da moral e de suas crenças e concepções de vida e de religião. Para isso, além do Estado, do Direito e da Política, necessitamos da Família, da Igreja, das ONGs, da Moral, da Ética e da Religião. Além do físico, reconheçamos o metafísico. Além da verdade científica, tenhamos a esperança da fé, seja em uma força superior, seja em nós mesmos. Mãos à obra, com muito estudo e com muito trabalho, com muita razão e com muita emoção.


Artigo em homenagem a Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, um jurista enciclopédico e pós-moderno. Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy, paranaense de Arapongas, é um dos mais importantes juristas da atualidade. Bacharel em Direito, Universidade Estadual de Londrina – UEL; Mestre e Doutor em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP; Pós-doutor em Direito,Boston University; Professor da Universidade Católica de Brasília – UCB e do Instituto de Educação Superior de Brasília – IESB; Procurador da Fazenda Nacional junto à Coordenação-Geral de Assuntos Tributários da Fazenda Nacional - CAT. Palestrante no Brasil e no exterior. Autor de mais de uma centena de artigos. Publicou os seguintes livros: O pós-modernismo jurídico; Direito & Literatura – anatomia de um desencanto: desilusão jurídica em Monteiro Lobato; Introdução ao movimento do Critical Legal Studies; Direito e História: uma relação equivocada; Direito Grego e historiografia jurídica; Direito Constitucional Comparado; Direito Tributário Comparado e tratados internacionais fiscais; Direito Tributário nos Estados Unidos; Direito nos Estados Unidos; Globalização, Neoliberalismo e Direito no Brasil; Chuva de sapos. Melhores informações na sua página virtual: www.arnaldogodoy.adv.br


Autor

  • Luís Carlos Martins Alves Jr.

    Luís Carlos Martins Alves Jr.

    Piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional, Centro Universitário do Distrito Federal - UDF; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA e do Centro Universitário de Brasília - CEUB. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; "Lições de Direito Constitucional - Lição 1 A Constituição da República Federativa do Brasil" e "Lições de Direito Constitucional - Lição 2 os princípios fundamentais e os direitos fundamentais" .

    Textos publicados pelo autor

    Fale com o autor

    Site(s):

Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. Os paradigmas da pré-modernidade, da modernidade e da pós-modernidade no direito político. Uma singela reflexão sobre Alexandre Magno, Napoleão Bonaparte e Barack Obama. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1713, 10 mar. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11007. Acesso em: 18 abr. 2024.