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Globalização econômica, neoliberalismo e direitos humanos.

Desafios diante da nova realidade global

Globalização econômica, neoliberalismo e direitos humanos. Desafios diante da nova realidade global

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Mudanças historicamente recentes na economia e na sociedade, especificamente o advento do fenômeno multifacetado denominado globalização, causaram alterações significativas para o tema da limitação do exercício do poder.

Sumário:1.Introdução. 2.Globalização econômica e neoliberalismo: conceituação e contextualização. 3.Migrações do poder (Kraft, kratos): do poder público estatal ao poder privado ultra-estatal. 3.1. Estados nacionais e poder público estatal.3.2.Organismos internacionais, transnacionais, megacorporações e poder privado.4.Da limitação do poder.4.1.Da limitação do poder público estatal: constitucionalismo, policracia, democracia.4.2.Da limitação do poder privado e ultra-estatal: constrangimentos e incapacidade dos Estados nacionais.5.Luigi Ferrajoli: globalização como vazio do Direito Internacional Público.6.Drittwirkung: eficácia horizontal dos direitos humanos fundamentais e poderes privados ultra-estatais.7.Conclusão: desafios do Direito Internacional dos Direitos Humanos em face das migrações do poder. Da nova feição dos tratados internacionais de direitos humanos em face dos poderes privados e extra-estatais. a) Novos sujeitos de obrigações internacionais: os poderes privados. b) Direitos Humanos como Jus Cogens. c) Sanções coletivas pelos Estados-parte. Referências bibliográficas.


1.Introdução

A limitação do poder [01], de seu exercício, tem sido um dos desafios do pensamento e da práxis política já há longa data. Os mais célebres exemplos dos primeiros limites impostos ao exercício do poder datam já do Século XIII.

Tal limitação deu-se tanto pela engenharia orgânica ou institucional dos Estados, com criações como, por exemplo, a tripartição dos poderes ou o constitucionalismo, como com a imposição de limites específicos à atuação estatal, através da instituição de direitos – inicialmente individuais –, imunidades e inviolabilidades ao poder impositivo, ao jus puniendi estatal e assim por diante.

Vislumbra-se, desde logo, que a questão da limitação do poder se coloca, desde seus primórdios, como limitação do poder do soberano, ulteriormente, portanto, como limitação do poder público estatal, razão da carga significativa das idéias correlatas à imposição de limites ao poder no âmbito do Direito Público – para os sistemas que conhecem tal distinção. [02]

Mudanças historicamente recentes na economia e na sociedade, especificamente o advento do fenômeno multifacetado denominado globalização, causaram alterações que se revelam extraordinariamente significativas para o tema da limitação do exercício do poder, tema este que mantém, como nunca, sua atualidade, como se verá neste rápido estudo.


2.Globalização econômica e neoliberalismo: conceituação e contextualização

A globalização é compreendida como um fenômeno recente em termos históricos, consistente na crescente intensificação de intercâmbios os mais variados entre pontos distantes do globo terreste – daí seu nome.

No magistério de Abili Lázaro Castro de Lima, tal tipo ideal se caracteriza por "uma crescente interconexão em vários níveis da vida cotidiana a diversos lugares longínquos do mundo". [03]

É fenômeno intimamente ligado às novas tecnologias de comunicação, informação e transporte, que permitiram intercâmbios de ordem vária em uma escala planetária absolutamente sem precedentes na história da humanidade.

Evidentemente os diversos intercâmbios havidos ao redor do globo, entre os mais diversos povos, civilizações, culturas e grupamentos humanos, não é fenômeno recente. O que caracteriza a globalização e lhe confere sua especificidade, sua particularidade, é exatamente a extensão e a intensidade sem precedentes dos intercâmbios, à qual já se referiu e a qual, em grande parte, somente se faz possível por força das novas tecnologias a que também já se fez referência. [04]

Pois bem, a globalização – ou mundialização, como preferem alguns – é um fenômeno polifacetado, também conforme já consignado. Isto quer dizer o intercâmbio intensificado que a caracteriza não se limita a um aspecto da vida, possuindo várias dimensões, por assim dizer. [05]

Assim, é possível falar-se em globalização econômica, ao lado de globalização cultural, da globalização política e assim por diante. Embora, portanto, sejam distinguíveis diferentes aspectos do fenômeno da globalização, isto não está a significar que eles sejam estanques e incomunicáveis. Ao contrário, a globalização econômica influencia fortemente as demais dimensões do fenômeno. [06]

O fenômeno da globalização econômica é o ponto de partida para a migração do poder que se verifica na recente história mundial, migração esta que está a reclamar uma verdadeira redefinição da questão político-jurídica da limitação do poder nas sociedades humanas contemporâneas.

A globalização econômica, axial para o deslocamento do poder que se vai abordar, consiste na intensificação sem precedentes no intercâmbio de bens e serviços ao redor do mundo, como já visto.

John Gray a definiu como "a expansão mundial da produção industrial e de novas tecnologias promovida pela mobilidade irrestrita do capital e a total liberdade do comércio". [07]

Tal globalização somente é possível, de um lado, pelas novas tecnologias às quais já se fez referência – especialmente em sede de comunicações e transportes – e, de outro, por uma severa redefinição do panorama mundial em termos de fronteiras e soberania dos Estados.

Para que a globalização econômica se fizesse possível fez-se imperativa uma readequação das relações inter-estatais em escala global, de modo a, eliminando barreiras jurídicas, tributárias, alfandegárias e o mais, permitir-se o amplo intercâmbio de mercadorias e serviços que a caracteriza.

Assim a globalização econômica não prescindiu, para seu advento e afirmação, de um programa político e teórico que lhe embasasse e preparasse o terreno social, cultural e político para sua aparição.

O instrumento teórico a embasar a globalização econômica é o conjunto de teorias econômicas conhecido como neoliberalismo. [08]

O neoliberalismo consiste em um movimento de reação político-teórico contra o Estado social e sua intervenção na economia. Assim, condena a intervenção estatal na economia, atribui – como o faziam as escolas liberais das quais descende – a auto-regulação dos mercados. [09]

Preconiza, para tanto, um Estado de formatação mínima, que somente exerça funções bem definidas como estatais para tais correntes – tais quais segurança pública e administração da justiça –, bem como a formação de um mercado mundial, com supressão das barreiras à circulação de bens e serviços ao redor do globo, de modo a permitir que o mercado mundial assim instaurado, por seus mecanismos próprios, como a concorrência global assim instaurada, regule a si mesmo. [10]

Tais teorias são o vetor político-teórico da globalização econômica, tendo atuado tanto dentro das academias quanto junto aos governos e, através da mídia, junto à massa da população, possibilitando a formação de um ambiente cultural e ideologicamente propício ao advento da globalização econômica e, conseqüentemente, a instauração de uma concorrência global.


3.Migrações do poder (Kraft, kratos): do poder público estatal ao poder privado ultra-estatal.

A alteração das relações sócio-econômicas e da divisão do trabalho em nível global, engendrada pela globalização econômica informada pelas teorias neoliberais repercutiu severamente na conformação dos Estados, notadamente após a década de 80 do século XX, causando, como se verá no presente item, uma significativa migração do poder da esfera pública para esferas privadas e mesmo para novas esferas, de natureza equívoca, extra ou ultra-estatais. [11]

a) Estados nacionais e poder público estatal

Com a concentração de prerrogativas tais quais as de imposição tributária, administração da justiça e poderio militar nas mãos do soberano, expropriados os antigos estamentos da participação do poder [12], o exercício do poder se consolidou na esfera pública. Assim a questão da limitação do poder volta-se centralmente para os Estados nacionais. [13]

Não se desconhece, por evidente, a permanência de certas formas de poder – notadamente do relevante poder econômico – no âmbito privado. O que se necessita frisar, neste passo, é que, em um primeiro momento, a questão da limitação do poder em sua acepção sociológica (vide notas de fim), volta-se essencialmente, se não unicamente, aos entes estatais.

Os poderes privados, essencialmente econômicos, são, inicialmente, controlados pela intervenção dos Estados nacionais, mais ou menos significativamente conforme o lugar, a época, os contextos e conjunturas sócio-político-econômicas.

É assim que surge, por exemplo, a regulação estatal do trabalho, consubstanciada na legislação trabalhista, a qual, por período significativo da história recente da humanidade limitou – e continua, em certa medida, a fazê-lo – consideravelmente o exercício do poder por entes privados.

É exatamente contra este tipo de intervenção que logra, com êxito, insurgir-se o pensamento neoliberal.

b)Organismos internacionais, transnacionais, megacorporações e poder privado

Com o fenômeno da globalização econômica e o advento de empresas transnacionais, multinacionais e conglomerados ou holdings espalhadas pelos cinco continentes, surge um novo panorama no que diz respeito ao exercício do poder.

Algumas empresas chegando a níveis de acumulação de capital espantosamente altos, superando os orçamentos de muitos Estados nacionais inteiros, passam a influenciar pesadamente a atuação estatal, a relativizar as possibilidades dos Estados nacionais de lançar mão dos tradicionais mecanismos de regulação da economia – tão caros ao Estado Social ou welfare state – e deflagrar um processo de migração do poder da esfera pública para a esfera privada. [14]

A maximização da repercussão pública de decisões privadas [15] deflagrada pela nova situação mundial, em que uma grande corporação pode, facilmente, fechar sua unidade ou suas unidades em um determinado país, transferindo-as para outros onde encontre situações mais favoráveis – salários mais baixos ou tributos menos gravosos – acaba por gerar significativos e crescentes constrangimentos ao poder decisório e interventivo estatal na economia. [16]

Não raro muitos Estados são obrigados a ajustar seus ordenamentos jurídicos à nova realidade mundial, em face de uma competição ou concorrência global, concorrência direta do novel caráter transnacional das corporações, o que significa, ao fim e ao cabo, na minoração de direitos sociais, como os trabalhistas e previdenciários, v.g., na concessão de isenções e imunidades tributárias e outros benefícios vários.

Verifica-se, na contemporaneidade e partout uma impossibilidade dos Estados tomarem decisões soberanas e livres de constrangimentos, por parte dos interesses privados das empresas transnacionais, em domínios como o social, por exemplo. [17]

Mas não apenas as transnacionais acabam por conseguir impor suas preferências aos Estados, em detrimento da soberania estatal nacional no processo de tomada de decisões. Outros organismos extra (ou ultra) estatais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional, passam a ter um poder cada vez mais significativo e, ao fim e ao cabo, dão o coup de grâce em qualquer possibilidade de autonomia estatal.

Com efeito, a renegociação das dívidas externas dos diversos países em desenvolvimento, bem como a concessão de novos créditos, fica subordinada ao denominado princípio da condicionalidade, através do qual os organismos internacionais em questão conseguem impor reestruturações e ajustes econômicos àqueles países tão significativos a ponto de restar muito pouco espaço para qualquer decisão autômoma por parte dos emergentes. [18]

Deste modo, o que hora se vê é uma espécie de refluxo à situação anterior à configuração do Estado moderno, qual seja, uma situação em que o poder (ou a soberania) é compartilhado entre a esfera pública e várias esferas privadas. A diferença reside na amplitude da questão: passou-se dos feudos da Idade Média aos grandes impérios mundiais das megacorporações.


4.Da limitação do poder.

A limitação do poder, até a consolidação do quadro rapidamente exposto nos itens precedentes, teve como seu centro de atenção o Estado nacional, territorialmente delimitado. [19]

As formas de limitação do exercício do poder pelo soberano ou pelo Estado são várias, podendo-se destacar dois tipos, a saber, de um lado, a engenharia institucional do próprio Estado – seu projeto orgânico – e, de outro, a imposição direta de limites a seu atuar.

No primeiro grupo inserem-se as conformações estatais voltadas a reduzir, mitigar ou neutralizar a concentração de poder em mãos de um ou de uns poucos indivíduos, órgãos ou grupos.

Assim, as idéias de separação dos poderes pelas suas funções, seu exercício como um sistema de freios e contrapesos – checks and balances -, os sistemas parlamentaristas, a idéia do controle de constitucionalidade e dos tribunais constitucionais, por exemplo, constituem arranjos institucionais engendrados no espírito de impedir a apropriação monocrática do poder. A democracia assenta-se sobre as mesmas premissas de distribuição do poder. [20]

A par dos arranjos institucionais com a finalidade de limitação do poder, outra forma distinta de se buscar atingir tal finalidade é aquela da imposição de limites ao soberano ou ao Estado. Assim a idéia de direitos e liberdades individuais, de direitos fundamentais e de direitos humanos oponíveis ao Estado constitui exatamente o exemplo por excelência de tal vertente da limitação do poder.

Aqui surgem as vedações e os limites ao exercício do jus puniendi estatal, assim como as isenções e imunidades tributárias, e toda uma gama de direitos, liberdades e garantias que representam, inicialmente, exatamente a dimensão dita negativa, ou seja, a imposição de um não-agir ao Estado, a imposição de limites ao atuar estatal, ao exercício do poder estatal.

b)Da limitação do poder privado e extra ou ultra-estatal: constrangimentos e incapacidade dos Estados nacionais.

Tendo migrado o poder do Estado para entes privados ou ultra-nacionais, pelos fenômenos complexos sucintamente resumidos linhas atrás, resta observar que todas as técnicas e teorias acerca da limitação do poder acabam por ficar em descompasso para com a nova realidade posta. [21]

Com efeito, inúmeros dos arranjos institucionais como a democracia, bem como relativos às simples limitações ao agir estatal, como os direitos e garantias individuais, acabam por ficar desatualizados e inermes em face de novas formas de exercício de poder privado em proporções dantes desconhecidas.

Se, de um lado, a política se esvazia de conteúdo por força das restrições às escolhas possíveis pela imposição de parâmetros heterônomos pelo Banco Mundial e pelo FMI [22], dentre outros elementos, por um lado, e se, por outro lado, os direitos trabalhistas e sociais naufragam em face da incapacidade dos Estados nacionais em oporem-se, eficazmente, às multinacionais, é preciso constatar a mudança de panorama na geopolítica do poder mundial e contextualizar as teorias e práticas da limitação do poder à nova realidade, como condição de possibilidade da própria limitação.

Se, de um lado, não se deve abrir mão das conquistas obtidas quanto à limitação do poder público, não se deve, por outro lado, permanecer inerme em relação ao exercício do poder privado, fazendo-se necessária a busca, inicialmente em nível teórico e, ato contínuo, na luta para a implantação, de mecanismos de limitação e controle do exercício do poder pelos agentes privados em nível internacional.


5.Luigi Ferrajoli: globalização como vazio do Direito Internacional Público.

Após abordar, em recente estudo, a crise dos modelos que denomina forte e débil de Estado de Direito (Estado legislativo de Direito e Estado Constitucional de Direito, respectivamente), o jurista italiano Luigi Ferrajoli definiu a globalização como um vazio de Direito [Internacional] Público:

Por lo demás, todo el proceso de integración económica mundial que llamamos ‘globalización’ bien puede ser entendido como un vacío de Derecho público producto de la ausência de límites, reglas y controles frente a la fuerza, tanto de los Estados con mayor potencial militar como de los grandes poderes económicos privados [23] (destaques ausentes do original).

Identifica, assim, Ferrajoli a falta de regulação e limitação dos poderes, tanto estatais e públicos quanto extra-estatais e privados, na nova conjuntura sócio-econômica e política global. Prossegue:

A falta de instituciones a la altura de las nuevas relaciones, el Derecho de la globalización viene modelándose cada día más, antes que en las formulas públicas, generales y abstractas de la ley, en las privadas del contrato, signo de una primacía incontrovertibile de la economia sobre la politica y del mercado sobre la esfera pública. De tal manera que la regresión neoabsolutista de la soberanía externa (unicamente) de las grandes potencias está acompañada de una paralela regresión neoabsolutista de los poderes económicos transnacionales, un neoabsolutismo regresivo y de retorno que se manifiesta en la ausencia de reglas abiertamente asumida por el actual anarco-capitalismo globalizado, como una suerte de nueva grundnorm del nuevo orden económico internacional (negritos ausentes do original, itálicos do original). [24]

O mesmo sentir se manifesta em Boaventura de Sousa Santos, citado por Abili Lázaro Castro de Lima, segundo quem

[a] perda da centralidade institucional e de eficácia reguladora dos Estados nacionais, por todos reconhecida, é hoje um dos obstáculos mais resistentes à busca de soluções globais. É que a erosão do poder dos Estados nacionais não foi compensada pelo aumento de poder de qualquer instância transnacional com capacidade, vocação e cultura institucional voltadas para a resolução solidária dos problemas globais. De fato, o caráter dilemático da atuação reside precisamente no fato da perda de eficácia dos Estados nacionais se manifestar antes na incapacidade destes para construírem instituições internacionais que colmatem e compensem esta perda de eficácia. [25]

Com efeito, é de ser creditado ao Direito Internacional Público, assim como ao Direito Constitucional, o mérito dos avanços até hoje verificados em matéria de limitação do poder e de seu exercício em face dos Estados nacionais.

O Direito Constitucional, não apenas no que se refere à engenharia do Estado como, especialmente, na instituição dos direitos e garantias fundamentais, limitações por excelência do poder estatal, desempenhou papel relevantíssimo nesta seara.

O mesmo se diga em relação ao Direito Internacional Público, nele compreendidos o Direito Internacional Humanitário, o Direito Internacional dos Direitos Humanos e ainda o Direito dos Refugiados, cuja atuação foi decisiva tanto para processos de redemocratização quanto para o combate ao poder abritrário em situações extremas de guerra-civil, genocídio e o mais.

Ocorre que todo o arcabouço teórico-prático, seja de Direito Constitucional, seja de Direito Internacional Público, encontra-se centrado na figura do Estado nacional, ora como agente executor do poder público a ser limitado, ora como agente limitador dos poderes privados.

Vista a atual incapacidade dos Estados nacionais em fazer frente eficazmente aos novos poderes privados, em face dos constrangimentos que estes lhes impõem, resta como desafio, especialmente ao Direito Internacional Público, a limitação, em níveis global, do exercício do poder privado e extra-estatal no novo contexto mundial.

Por outro lado, um dos construtos teóricos que parecer constituir uma das bases de uma possível resposta ao problema que ora se coloca – qual seja, o da limitação de um poder fora de um ambiente de subordinação territorialmente delimitado – advém exatamente da teoria da constituição, mais especificamente da teoria dos direitos fundamentais, embora não seja, em absoluto, desconhecido no Direito Internacional dos Direitos Humanos. É a tal construto que se dedicará o próximo tópico.


6.Drittwirkung: eficácia horizontal dos direitos humanos fundamentais e poderes privados ultra-estatais.

"Alega-se que o Direito Internacional visa somente os atos dos Estados soberanos e que não prevê sanções para os delinqüentes individuais. Pretende-se, ainda, que quando o ato incriminado é perpetrado em nome de um Estado, os executantes não são pessoalmente responsáveis; que eles são cobertos pela soberania do Estado. O Tribunal não pode aceitar nem uma, nem outra dessas teses. Admite-se, há muito, que o Direito das Gentes impõe deveres e responsabilidades às pessoas físicas." (Anais dos Julgamentos do Tribunal Internacional de Nuremberg). [26]

Causou aceso debate, em tempos relativamente recentes, a afirmação das teorias relativas à denominada eficácia horizontal dos direitos fundamentais – Horizontalwirkung –, também denominada Drittwirkung, ou seja, literalmente eficácia perante terceiros, ou ainda eficácia dos direitos, liberdades e garantias na ordem jurídica privada (Geltung der Grundrechte in der Privatrechtsordnung). [27]

A idéia propugnada por seus defensores é, essencialmente, a de que, em sendo os direitos fundamentais o ápice normativo e axiológico das atuais cartas constitucionais e, se tendo em mente a primazia da Constituição, substância mesma do princípio da constitucionalidade, bem como a dimensão objetiva dos direitos fundamentais, juntamente com outros fundamentos teóricos, estes impõe-se não apenas em face do Estado, impondo limites à sua atuação, mas também aos particulares em suas relações privadas. [28]

Assim, a oponibilidade dos direitos fundamentais, sua vinculatividade, dar-se-ia, figurativamente, em duas direções: verticalmente – relação particular x Estado – e horizontalmente – relação particular x particular. [29]

À toda evidência a recepção de uma tal teoria variou entre posturas que foram da efusiva aceitação à rejeição completa. Os detratores da idéia da Drittwirkung baseiam-se no argumento de que tal teoria acaba por levar a uma concepção totalizante da ordem jurídica, sujeitando os particulares a restrições severas e admitindo qualquer conteúdo, bem como que seria incompatível com outros bens ou valores constitucionalmente tutelados, tais quais a autonomia privada [30], havendo quem aí vislumbrasse uma colisão de direitos fundamentais.

Com efeito, uma das principais dificuldades enfrentadas pela teoria da Drittwirkung é o delineamento dos limites a oponibilidade dos direitos fundamentais (Grundrechte) aos particulares, bem como das circunstâncias de tal oponibilidade. Em outras palavras, como (de que modo) e em que medida se dá a vinculação de particulares aos direitos fundamentais. [31]

Cabe observar que, em sendo as circunstâncias fáticas influentes sobre o direito, se a teoria da oponibilidade irrestrita dos direitos fundamentais aos particulares permanece extremamente controversa, a oponibilidade de tais direitos em situações de desequilíbrio ou assimetria entre os privados em questão – relações entre hipossuficientes e hipersuficientes – já é mais tranqüilamente aceita.

Passando, portanto, ao largo da discussão acerca da eventual vinculação de particulares em condições de (sempre relativa) igualdade, de se observar mais detidamente a plausibilidade das teses que propugnam pela oponibilidade dos direitos e garantias fundamentais a particulares que exerçam poder, de uma forma ou de outra.

Com efeito, quando se questiona da oponibilidade dos direitos fundamentais em uma relação entre um particular, v.g. um consumidor, e uma grande corporação, como, v.g., uma instituição financeira ou uma companhia telefônica, a teoria da Drittwirkung ganha maior aceitação.

Konrad Hesse, por exemplo, inicialmente cauteloso em relação à Drittwirkung [32] assim se manifesta, ao examinar a influência do poder na relação interprivada em questão, numa perspectiva mediata, admitindo a incidência imediata na ausência ou insuficiência da intermediação legislativa:

Ao contrário, os direitos fundamentais influenciam as prescrições jurídico-privadas tanto mais eficazmente quanto mais se trata da proteção da liberdade pessoal contra o exercício de poder econômico ou social. [...] Não é o sentido do estar livre das vinculações dos direitos fundamentais, sancionar jurídico-constitucionalmente exercício destruidor de liberdade de poder econômico ou social. Se a legislação não, ou só incompletamente, tem em conta essa situação, então as regulações correspondentes devem ser interpretadas ‘na luz dos direitos fundamentais’. Se não é possível trazer ao efeito os direitos fundamentais por esse caminho, ou faltam até regulações legais, então devem os tribunais a proteção desses direitos – no exercício do dever de proteção estatal (supra, número de margem 350) – garantir." [33]

Exatamente porque o exercício do poder – seja ele público, seja ele privado encontra-se intimamente ligado aos direitos e garantias fundamentais (e aos direitos humanos), que buscam, por definição, limitá-lo. [34]

Poder-se-ia afirmar, parafraseando até certo ponto um célebre autor tedesco em outro contexto, que quão mais presente estiver na relação a questão do exercício de poder entre um particular em relação a outro, tanto mais razão haverá para que se admita a incidência da Drittwirkung ou eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

A idéia de oponibilidade de direitos fundamentais (ou humanos) a particulares ou a agentes não-estatais não é estranha ao Direito Internacional, como já afirmado. Ali, tal idéia é nomeada eficácia erga omnes, ou seja, eficácia contra todos dos direitos humanos o que, em última análise, outra coisa não é senão a própria idéia de eficácia contra terceiros (literalmente, Drittwirkung), ou seja, contra terceiros que não sejam o Estado ou seus agentes.

Sobre o tema, assim discorre Antônio Augusto Cançado Trindade:

Certos direitos humanos têm validade erga omnes, no sentido de que são reconhecidos em relação ao Estado, mas também necessariamente "em relação a outras pessoas, grupos ou instituições que poderiam impedir o seu exercício. [35]

O autor arrola diversos instrumentos internacionais de direitos humanos que contêm dispositivos que sustentam a oponibilidade dos direitos humanos neles consagrados perante particulares e observa as recentes evoluções doutrinária e jurisprudencial em tal sentido. [36]

Em outro tomo de sua obra Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos, Cançado Trindade conclui pela crescente conscientização da

(...) necessidade premente de defender os direitos humanos contra os abusos do poder público, assim como de todo outro tipo de poder: os direitos humanos têm sido e devem continuar a ser consistentemente defendidos contra todos os tipos de dominação. [37]

Pois bem, são construtos como o da Drittwirkung ou Eficácia erga omnes dos direitos humanos fundamentais, juntamente com outros, como a idéia de Jus Cogens das normas internacionais protetivas de direitos humanos que se reputam, no presente trabalho, aptos a fornecer o supedâneo teórico inicial para a construção de uma teoria dos direitos humanos fundamentais contemporizada e contextualizada no atual ambiente globalizado, apta a iniciar uma resposta ao crescimento vertiginoso do poder privado na atualidade (neo-hipertrofia esferas privadas de poder).

Reputa-se, concludentemente, que os direitos humanos podem e devem ser considerados oponíveis tanto contra o Estado – sua eficácia dita vertical, clássica – quanto contra particulares em sede de relações interprivadas – sua eficácia interprivada, nova –, em face do crescimento do poder privado e da migração de parcelas consideráveis do poder outrora público para âmbitos privados de decisão, situação esta a revelar uma assimetria entre agentes hiper-suficientes ou dominadores extra-estatais e sujeitos de direito hipossuficientes ou dominados.

Resta saber de que forma se poderia fazer a imposição de tais direitos aos novos agentes potencialmente violadores de direitos humanos fundamentais, em face do quadro de impotência estatal para tanto, bem como qual seria o órgão com capacidade e recursos para tanto.


7.Conclusão: desafios do Direito Internacional dos Direitos Humanos em face das migrações do poder. Da nova feição dos tratados internacionais de direitos humanos em face dos poderes privados e extra-estatais.

Em síntese, resgatando o quanto visto: os sistemas de limitação do poder, consistentes basicamente em arranjos institucionais (como a democracia e o constitucionalismo) e limitações (consistentes em direitos, liberdades, imunidades) foi engendrado com vistas a um panorama sócio-econômico e político diverso do atual, profundamente alterado pela globalização econômica e pelo ideário neoliberal que lhe serve de sustentáculo.

Segundo Abili Lázaro Castro de Lima, o Estado nacional territorialmente delimitado perde seu sentido como espaço de luta e conquista políticas e de defesa de direitos, em face da nova ordem instaurada. [38]

Quanto às temáticas dos direitos humanos e direitos e garantias fundamentais, o Direito Constitucional e o Direito Internacional dos Direitos Humanos acabam por revelar-se defasados. A assertiva deve ser bem compreendida: sua atualidade e importância ímpares diante do poder público continuam intocadas. Apenas passa a transparecer uma insuficiência quanto às respostas necessárias em face dos novos poderes (ou contrapoderes) privados e extra-estatais.

Antônio Augusto Cançado Trindade já havia constatado a lacuna e chamado a atenção para a necessidade de sua resolução:

Com efeito, o fato de os instrumentos de proteção internacional em nossos dias voltarem-se essencialmente à prevenção e punição de violações dos direitos humanos cometidas pelo Estado (seus agentes e órgãos) revela uma grave lacuna: a da prevenção e punição de violações dos direitos humanos por entidades outras que o Estado, inclusive por simples particulares e mesmo por autores não-identificados. Cabe examinar com mais atenção o problema e preencher esta preocupante lacuna. A solução que se vier a dar a este problema poderá constribuir decisivamente ao aperfeiçoamento dos mecanismos de proteção internacional da pessoa humana, tanto os de proteção dos direitos humanos stricto sensu quanto os de Direito Internacional Humanitário. [39]

As mudanças às quais se faz referência não retiram, portanto, em nada e por nada, a relevância das conquistas e dos avanços teóricos e práticos no particular, antes o reafirmam e exigem atenção redobrada para sua preservação, seu aperfeiçoamento, incremento e expansão.

É exatamente a necessidade de expansão, aperfeiçoamento e incremento, tanto da temática dos direitos humanos quanto dos direitos e garantias fundamentais, nos âmbitos, respectivamente, do Direito Internacional Público e do Direito Constitucional, e conjugadamente, interagindo ambos, que se busca evidenciar com o presente trabalho.

Todo o arcabouço teórico-prático, de teorias e instituições voltadas à limitação do poder permanece hígido e atual, mas aparece fragilizado enquanto não se desenvolver, através de teorias como a do Drittwirkung ou da oponibilidade erga omnes dos direitos humanos fundamentais, o cabedal teórico e prático-jurídico para fazer face ao poder privado, prevalecente com o advento e a afirmação do processo de globalização econômica.

Deve ser, portanto, preocupação premente do Direito Internacional dos Direitos Humanos, doravante, colmatar a lacuna do vazio a que se referem Ferrajoli e Cançado Trindade, nomeado globalização, fazendo face aos novos megapoderes privados transnacionais e/ou extra ou ultra-estatais, buscando impor-lhes limites.

Trata-se, por evidente, de tarefa hercúlea, que não será facilmente adimplida e que oferecerá àqueles indivíduos e organismos que a ela se dedicarem dificuldades incomensuráveis. Dificuldades como aquelas outrora enfrentada pelo então incipiente Direito Internacional Público, em um contexto ainda de poderes públicos encarnados em Estados nacionais, e como aquelas até o presente momento não resolvidas, mas que, nem por isso, representaram razão suficiente para o abandono da idéia de um controle internacional e supra-nacional do exercício do poder, sempre ameaçador dos direitos e liberdades, seja este poder público ou privado.

Mudam os atores em cena, muda o peso de cada agente, talvez, mas a questão permanece a mesma, vale dizer, buscar e propugnar pela adoção de soluções para o já antigo e ainda tão atual problema do controle e da limitação do poder em um ambiente em que, diversamente do nacional, não vige a lógica da subordinação, mas uma lógica de coordenação.

É fato que se deve reconhecer que hoje, ao lado do desafio dos organismos internacionais encarregados da proteção dos direitos humanos fundamentais no sentido de impor o Direito Internacional dos Direitos Humanos a entes (ainda) não sujeitos a uma jurisdição externa de direito público – os Estados – surge o desafio de fazê-lo, também, em relação a entes de natureza privada sem vinculação a qualquer espaço territorial nacional definido – as transnacionais – e outros agentes extra ou ultra-estatais exercentes de parcelas cada vez mais crescentes de poder e cujas ações e decisões afetam e podem afetar, cada dia mais, os direitos já consagrados e os arranjos institucionais, como a democracia, tão dificilmente burilados.

A solução ao problema posto, em um espaço desterritorializado e privo, portanto, de uma jurisdição propriamente dita, e ainda, envolvendo agentes tão poderosos a ponto de serem capazes de constranger e impor suas decisões e determinações aos Estados nacionais, evidentemente não poderá ser realizada dentro de um ordenamento jurídico circunscrito a tal espaço territorialmente delimitado e informado pela lógica, outrora válida e hoje relativizada, dos Estados nacionais.

Diante do quadro até aqui traçado, pode-se cogitar algumas possibilidades de desenvolvimento, no âmbito dos futuros tratados internacionais de direitos humanos, de soluções ao problema que ora se buscou expor e, dentro do possível, enfrentar.

a)Novos sujeitos passivos de obrigações internacionais: os poderes privados.

Preliminarmente, parece que a resposta à hipertrofia do poder nas esferas privadas transnacionalizadas (como, e.g., as transnacionais) passa, necessariamente, pelo desenvolvimento da tendência em introduzir os particulares como sujeitos ativos e passivos de Direito Internacional Público e, notadamente pela inclusão, doravante, nos tratados internacionais de direitos humanos, de disposições expressas e inequívocas assecuratórias de oponibilidade dos direitos humanos em face de agentes privados potencialmente violadores de suas disposições.

A idéia, quanto a este ponto, é, essencialmente, incluir os poderes privados no pólo passivo das obrigações instauradas pelos instrumentos internacionais de direitos humanos, independentemente de ratificação dos tratados pelos mesmos – o que seria absurdo –, o que remete, imediatamente, ao próximo tópico.

b)Direitos Humanos como Jus Cogens.

Evidentemente a oponibilidade erga omnes, em face de terceiros (agentes não estatais), privados exercentes de poder (econômico ou de outra natureza, como midiático, e.g.) não dependeria, como salientado no item precedente, de ratificação de novéis instrumentos internacionais de direitos humanos por parte destes.

A idéia é a de que os direitos humanos devem ser considerados, tanto em face dos Estados e, com razão ainda maior, em relação aos poderes privados, Jus Cogens, isto é, direito imperativo, cogente e peremptório, independente da vigência do princípio pacta sunt servanda que informa o direito dos tratados.

Mais uma vez, quanto ao particular, o magistério de Antônio Augusto Cançado Trindade:

Em suma e conclusão, nosso propósito deve residir em definitivo no desenvolvimento doutrinário e jurisprudencial das normas peremptórias do direito internacional (jus cogens) e das correspondentes obrigações erga omnes de proteção do ser humano. Mediante este desenvolvimento lograremos transpor os obstáculos dos dogmas do passado e criar uma verdadeira ordre public internacional baseada no respeito e observância dos direitos humanos. Só assim nos aproximaremos da plenitude da proteção internacional do ser humano. [40]

Em resumo, a idéia singela aqui contida e sustentada – de repercussões significativas – é a de normas de direitos humanos imperativas – e não apenas obrigatórias [41]oponíveis a terceiros que não serão partes no tratado (poderes privados), oponibilidade esta sobre cuja efetividade e cujo sancionamento incumbirá aos Estados-partes no tratado, conforme se defende no item sucessivo. [42]

Por fim, resta enfrentar aquele que talvez constitua o ponto nevrálgico da temática ora tratada, a saber, a forma de imposição dos direitos humanos fundamentais e de sanção por comportamentos que caracterizem violação aos mesmos por parte dos poderes privados, especialmente os transnacionais.

c)Sanções coletivas pelos Estados-parte

Como visto, o principal óbice à imposição, pelos Estados nacionais, de limitações consistentes em direitos fundamentais ou direitos humanos aos novos poderes privados tem sido sua natureza transnacional, a qual, através da repercussão pública das decisões privadas e da mobilidade espacial tem redundado na imposição de constrangimentos à soberania estatal.

A imposição dos direitos humanos fundamentais aos poderes privados transnacionais somente pode se dar em um âmbito supranacional ou internacional, como, por exemplo, no âmbito do Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos – onusiano – ou dos Sistemas Regionais de Proteção.

Para tanto, pode-se cogitar a instituição, nos novéis tratados internacionais de direitos humanos, de órgãos especializados de fiscalização no âmbito dos referidos Sistemas, dentre cujas atribuições encontrem-se aquelas de imposição de sanções aos agentes privados autores de condutas tipificadas como violadoras de direitos humanos.

A questão que se põe, nesse passo, é o tipo de sanção aplicável aos poderes privados em referência para fazer valer os direitos humanos contra os mesmos.

As sanções devem ser compatíveis com a natureza, os interesses e as suscetibilidades dos agentes violadores. Assim, pode-se cogitar de sanções como as aplicadas pelos Estados, coletivamente, no âmbito da Organização Mundial do Comércio, os embargos econômicos, por exemplo.

Agentes econômicos privados, cujas condutas venham a ser consideradas como atentatórias aos direitos humanos fundamentais – como violações diretas ou ainda indiretas, através da imposição de constrangimentos à soberania dos Estados onde suas unidades estejam sediadas, por exemplo – parecem ser suscetíveis a sanções econômicas, aplicadas por um organismo internacional e executadas obrigatoriamente por todos os Estados signatários dos pactos elaborados com tal finalidade.

Esta é uma das possíveis soluções – ainda que de difícil execução, por óbvio – ao problema crescente da hipertrofia dos poderes privados transnacionais. Outras podem ser engendradas.

Em rápida síntese, o que se busca propor diante do problema colocado é que os poderes privados passem a ser considerados sujeitos passivos em relação às obrigações relativas aos direitos humanos, com base na Drittwirkung ou eficácia erga omnes destes últimos, e que a observância dos direitos humanos pelos mesmos seja imposta pelo conjunto dos países signatários de novos instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos, através da execução de sanções de natureza econômica, especialmente, impostas por um organismo internacional.


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Notas

01 Para Weber, dominação no sentido genérico de poder seria "a possibilidade de impor ao comportamento de terceiros a vontade própria". Weber define dominação em sentido estrito como caso especial do poder, definindo-a como "uma situação de fato, em que uma vontade manifesta (‘mandado’) do ‘dominador’ ou dos ‘dominadores’ quer influenciar as ações de outras pessoas (do ‘dominado’ ou dos ‘dominados’), e de fato as influencia de tal modo que estas ações, num grau socialmente relevante, se realizam como se os dominados tivessem feito do próprio conteúdo do mandado a máxima de suas ações (‘obediência’). WEBER, Max. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. v. 2. Trad. Regis Barbosa e Karen E. Barbosa. Brasília: Editora da Universidade de Brasília; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004, p. 187-191. Wilson Steinmetz, após frisar, com Bobbio, o caráter relacional do poder, situa este como espécie do gênero influência, valendo-se das lições de Robert Dahl: "a influência [...] é uma relação entre atores, na qual um ator induz outros atores a agirem de um modo que, em caso contrário, não agiriam", concluindo com Bobbio, citado por Dahl: "O poder de A implica a não-liberdade de B", "a liberdade de A implica o não-poder de B". Observa, por fim, que o poder "é um fenômeno social em sentido amplo, porque se manifesta nas múltiplas relações sociais, sejam elas verticais, sejam elas horizontais." STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 86 e p. 89.

02 É sabido que a distinção entre direito público e direito privado, central aos sistemas de matriz romanista, é desconhecida no sistema anglo-americano, a Common Law. Neste sentido, SGARBOSSA, Luís Fernando. JENSEN, Geziela. Elementos de Direito Comparado. Ciência, política legislativa, integração e prática judiciária. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008, pp. 108 e 116.

03 LIMA, Abili Lázaro Castro de. Globalização econômica, política e direito. Análise das mazelas causadas no plano político-jurídico. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2002, p. 127.

04 LIMA, Abili Lázaro Castro de. Idem, p. 125.

05 Idem, p. 126.

06 Ibidem.

07Idem, p. 139.

08 Idem, p. 156.

09 Sobre o tema do individualismo e do liberalismo, oportuna a lição de Nicholas Barr: "Por analyser l’Etat-providence, Il est utile de distinguer trois grands courants théoriques, individualiste, libéral et collectiviste. L’individualisme s’inscrit à bien des égards dans la lingée directe du ‘libéralisme pur’ du XIXe siècle, malgré, nous allons le constater, d’importantes différences entre les partisans des ‘droits naturels’ et les individualistes ‘empiriques’. Les premiers (Nozick, par exemple) jugent l’intervention de l’Etat moralement contreindiquée, sauf dans des circonstances très precises. Les seconds, notamment des auteurs tels que Hayek et Friedman, sont héritiers moderns, de la tradition libérale classique; ils s’élèvent contre l’intervention de l’Etat non pas pour des raisons morales, mais parce qu’elle conduit à une réduction globale du bien-être. Dans les deux cas, ils analysent la société en considerant ses membres isolément (et non en termes de groupe ou de classe sociale), donnent une large place à la liberté individuelle et soutiennent résolument la propriété privée et les mécanismes du marché. Le rôle de l’Etat en matière de fiscalité et de redistribution se trouve ainsi étroitement circonscrit." Ou seja: "Para analisar o Estado-providência é útil distinguir três grandes correntes teóricas, a individualista, a liberal e a coletivista. O individualismo inscreve-se a bem dizer na linhagem direta do ‘liberalismo puro’ do Século XIX, não obstante, como nós iremos constatar, a existência de importantes diferenças entre os partidários dos ‘direitos naturais’ e os individualistas ‘empíricos’. Os primeiros (Nozick, por exemplo) julgam a intervenção do Estado moralmente contra-indicada, exceto em circunstâncias muito precisas. Os segundos, notadamente autores como Hayek e Friedman, são herdeiros modernos da tradição liberal clássica: eles se levantam contra a intervenção do Estado não em nome de razões morais, mas porque ela conduz a uma redução global do bem-estar. Em ambos os casos, eles analisam a sociedade considerando seus membros isoladamente (e não em termos de grupo ou classe social), dão um amplo espaço à liberdade individual e sustentam resolutamente a propriedade privada e os mecanismos de mercado. O papel do Estado em matéria de fiscalidade e redistribuição encontra-se, assim, estritamente delimitado." Tradução livre dos autores. BARR, Nicholas. Les théories politiques de la justice sociale. HOLCMAN, Robert. La protection sociale: príncipes, modèles, nouveaux défis. Paris: La Documentation française. Problèmes politiques et sociaux, n. 793, 14 nov 1997, pp. 29-30.

10 Abili Lázaro Castro de. Op. cit., p. 159.

11 A migração do poder é uma metáfora aqui eleita que pode ser substituída, se preferir o leitor, pela idéia de um significativo aumento do poder na esfera privada.

12 WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. 5. ed. Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: LTC Editora, 2002, p. 155 e seguintes. Em Economia e Sociedade cit., p. 217 e seguintes.

13 Max Weber afirma que o Estado, assim como as formações políticas que o precederam, é "uma relação de dominação de homens sobre homens, apoiada no meio da coação legítima (quer dizer, considerada legítima)". Segundo Weber o Estado não é definido por aquilo que faz, mas pelo seu meio específico, qual seja, a coação física, que, embora não seja seu meio normal ou único, é seu meio específico. Assim, Weber define Estado como "aquela comunidade humana que, dentro de determinado território – este, o ‘território’, faz parte da qualidade característica –, reclama para si (com êxito) o monopólio da coação física legítima", sendo considerado "a única fonte do ‘direito’ de exercer coação". WEBER, Max. Op. cit., pp. 525-526.

14 LIMA, Abili Lázaro Castro de. Op. cit., p. 163, nota de rodapé n. 385.

15 Aqui somos instados a fazer referência a uma das teorias do governo pelo capital, a saber, aquela da dependência estrutural do Estado em relação ao capital: "Mas a mais ousada das teorias, por ser a menos contingente, argumenta que não importa quem são os governantes, o que querem e quem representam. Tampouco importa como o Estado é organizado e o que ele é legalmente capaz ou incapaz de fazer. Os capitalistas não precisam sequer se organizar e agir coletivamente: é suficiente que busquem cegamente seus estreitos interesses privados para levar qualquer governo a respeitar os limites impostos pelas conseqüências públicas de suas decisões privadas. PRZEWORSKY, Adam. Estado e Economia no Capitalismo. Trad. Angelina C. Figueiredo e Paulo Pedro Z. Bastos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995, p. 88.

16 Idem, pp. 152-154.

17 Idem, p. 188.

18 Abili Lázaro Castro de Lima quem sintetiza a questão: "Ocorre que, na maioria das vezes, o auxílio financeiro é submetido a condições específicas, prática conhecida como ‘princípio da condicionalidade’. Contudo, tais estipulações restringem sobremaneira a capacidade dos Estados definirem as suas políticas, ou seja, cerceando ou restringindo a participação dos cidadãos na definição dos destinos da sociedade, colocando, inclusive, em risco às instituições que promovem o bem-estar da população e ameaçando a soberania do Estado." Op. cit., p. 216 e seguintes.

19 STEINMETZ, Wilson. Op. cit., p. 84.

20 "A introdução da problemática das práticas cotidianas nos leva a entender a democracia enquanto uma prática que é transformada pelas mudanças estruturais da modernidade. Tanto a democracia quanto a cidadania passam a ser consideradas enquanto rupturas com formas de poder privado incompatíveis com a relações impessoais introduzidas no Estado moderno. Elas são parte do trade-off no qual a introdução de restrições no nível do trabalho e das práticas administrativas são compensados pelo estabelecimento de limitações à ação dos agentes econômicos e administrativos." AVRITZER, Leonardo. A moralidade da democracia. Ensaios em Teoria habermasiana e Teoria democrática. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1996, p. 139.

21 WILSON STEINMETZ. Op. cit., p. 85: "Contudo, a teoria dos direitos fundamentais como limites ao poder carece, em parte, de atualidade quando reduz o fenômeno do poder somente ao poder do Estado."

22 Abili Lázaro Castro de Lima: "No âmbito da globalização, verificamos que ocorre uma considerável diminuição da participação popular no palco político (uma vez que as decisões da política local estão cada vez mais atreladas às esferas mundializadas) e, neste contexto, perde-se um locus para conquista, defesa e exercício dos direitos que vai, progressivamente, se desvanecendo." Op. cit., p. 204.

23 FERRAJOLI, Luigi. Pasado y futuro del "Estado de Derecho" In CARBONELL, Miguel. Neoconstitucionalismos. Madri: Editorial Trotta, 2003, p. 22.

24 Ibidem. Após a passagem citada, Ferrajoli questiona-se sobre o porvir do Estado de Direito e especula sobre a possibilidade de um terceiro modelo, que denomina modelo ampliado de Estado de Direito (p. 22), propugnando pela complementação da integração econômico-política por uma integração jurídico-institucional, consistente no desenvolvimento de um constitucionalismo sem Estado, uma ordem constitucional ampliada ao nível supranacional, à altura dos novos espaços supraestatais, vale dizer, um constitucionalismo europeu e um constitucionalismo internacional (pp. 24 e 27).

25 LIMA, Abili Lázaro Castro de. Op. cit., p. 199.

26 LAMBERT, Jean-Marie. Curso de Direito Internacional Público. Parte Geral. v. II. 2. ed. Goiânia: Kelps, 2001, pp. 274-275.

27 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003, p. 1286. Ver, por todo, SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 6. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editor, 2006, p. 392 e seguintes.

28 Sobre os fundamentos embasadores das teorias que propugnam pela eficácia horizontal v. STEINMETZ, Wilson. Op. cit., p. 100 e seguintes.

29 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Op. cit., p. 1286.

30 STEINMETZ, Wilson. Op. cit., p. 189 e seguintes.

31 Idem, p. 21.

32 "Se os direitos fundamentais, como direitos subjetivos, são direitos de defesa contra os poderes estatais, então isso univocamente fala contra um ‘efeito diante de terceiros’". HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha (Grundzüge des Verfassungsrechts der Bundesrepublik Deutschland). Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 282.

33 HESSE, Konrad. Idem, p. 286.

34 São exemplos de poder privado o dos megragrupos industriais e comerciais, nacionais e (sobretudo) multinacionais, megagrupos financeiros, megagrupos midiáticos, associações e sindicatos com grande poder de barganha e organizações criminosas, e, até mesmo, movimentos sociais. Os exemplos são de STEINMETZ, Wilson. Op. cit., p. 88.

35 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. v. I. 2. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 375.

36 Idem, p. 371 e seguintes. São referidos pelo autor os seguintes documentos: Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, art. 2º, 1, Convenção sobre os Direitos da Criança, art. 2º (1), Convenção Européia de Direitos Humanos, art. 1º, Convenção Americana de Direitos Humanos, art. 1º (1), Convenção sobre a eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, art. 2º (1) (d), Convenção Européia de Direitos Humanos, art. 17, dentre outros instrumentos.

37 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Tratado de Direito Internacional dos Direitos Humanos. v. II. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999, p. 413.

38 LIMA, Abili Lázaro Castro de. Op. cit., p. 204.

39 Idem, p. 371.

40 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Op. cit. (v. II), pp. 419-420.

41 Sobre a noção de Jus Cogens, ver FRIEDRICH, Tatyana Scheila. As normas imperativas de Direito Internacional Público. Jus Cogens. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004, pp. 31 e seguintes.

42 Vale conferir o magistério de Tatyana Scheila Friedrich, discorrendo sobre os direitos humanos como jus cogens: "A consolidação de direitos humanos como jus cogens, ao nosso ver, está condicionada a duas mudanças estruturais do cenário internacional: o reconhecimento do indivíduo como sujeito de direito internacional e de sua capacidade jurídica para interpor, perante as cortes nacionais ou internacionais, ação relacionada à violação de direito internacional. [...] Por outro lado, assiste-se ao ressurgimento da idéia do indivíduo como sujeito do direito internacional, sobretudo a partir da segunda metade do século XX." Vislumbra-se, desse modo, quão intimamente relacionadas estão a temática dos direitos humanos como Jus cogens e a participação de entes extra-estatais e privados como sujeitos ativos e passivos das obrigações decorrentes do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Idem, p. 106.


Autores

  • Luis Fernando Sgarbossa

    Doutor e Mestre em Direito pela UFPR. Professor do Mestrado em Direito da UFMS. Professor da Graduação em Direito da UFMS/CPTL.

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  • Geziela Jensen

    Geziela Jensen

    Mestre em Ciências Sociais Aplicadas pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Membro da Société de Législation Comparée (SLC), em Paris (França) e da Associazione Italiana di Diritto Comparato (AIDC), em Florença (Itália), seção italiana da Association Internationale des Sciences Juridiques (AISJ), em Paris (França). Especialista em Direito Constitucional. Professora de Graduação e Pós-graduação em Direito.

    é autora de obra publicada por Sergio Antonio Fabris Editor (Porto Alegre).

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SGARBOSSA, Luis Fernando; JENSEN, Geziela. Globalização econômica, neoliberalismo e direitos humanos. Desafios diante da nova realidade global. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1716, 13 mar. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11044. Acesso em: 25 abr. 2024.