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Evolução da legislação que protege a criança do trabalho infantil

Evolução da legislação que protege a criança do trabalho infantil

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Sumário: 1. Evolução legislativa no plano internacional. 1.1. Direito Internacional do Trabalho: evolução histórica. 1.2. Fundamentos e objetivos do Direito Internacional do Trabalho. 1.3. A Organização Internacional do Trabalho e o combate ao trabalho infantil. 1.3.1. A Convenção nº 138 e a Recomendação nº 146 da Organização Internacional do Trabalho. 1.3.2. A Convenção nº 182 e a Recomendação nº 190 da Organização Internacional do Trabalho. 1.4. A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), A Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959) e a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989). 2. Evolução legislativa no âmbito nacional. 2.1. Medidas não aplicadas. 2.2. Primeiras tentativas de aplicação. 2.2.1 Os Códigos de Menores de 1927 e de 1979. 2.3. Proteção efetiva. 2.4. Legislação vigente. 2.4.1. A Constituição Federal de 1988. 2.4.2. O Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069, de 13.7.1990. 2.4.3. A Consolidação das Leis do Trabalho - Decreto-lei nº 5.452, de 1º.5.1943.


1. Evolução legislativa no plano internacional

1.1. Direito Internacional do Trabalho: evolução histórica

É importante o estudo da evolução histórica do Direito Internacional do Trabalho porque seus antecedentes estão diretamente relacionados aos motivos que determinaram o aparecimento das leis trabalhistas.

O processo de regulamentação dos direitos trabalhistas iniciou-se com as inquietações sociais decorrentes do apogeu da Primeira Revolução Industrial, no fim do século XVIII. Nesse período, crescia na Europa a preocupação com a situação dos operários nas fábricas e, por causa disso, ocorreram vários encontros visando discutir a internacionalização das normas de tutela: Congresso Internacional de Bruxelas (1856), Congresso Internacional de Frankfurt (1857), Assembléia Internacional dos Trabalhadores (Londres, 1864), Congresso Trabalhista de Lyon (1877), Congresso Operário de Paris (1883), Congresso Internacional Operário (1884), Conferência de Berlim (1890) e Conferências de Berna (1905 e 1906). [01]

Dois industriais - o inglês Robert Owen e o francês Daniel Le Grand - foram os precursores da tutela aos obreiros como uma questão internacional. Owen foi pioneiro a defender amplas reformas sociais e a aplicar essas novas idéias em sua fábrica de tecidos. Em 1818, dirigiu um manifesto em prol da classe trabalhadora aos soberanos das potências que compunham a Santa Aliança, propondo uma completa reforma da sociedade através da cooperação mundial. Le Grand, por sua vez, dirigiu-se várias vezes, entre 1840 e 1853, a governantes franceses e a soberanos dos principais países europeus, propondo um acordo internacional acerca da legislação trabalhista; visava a criação de um direito internacional para proteger as classes obreiras contra o trabalho prematuro e excessivo, e suas propostas cobriam, entre outros assuntos, a proteção ao trabalho infantil. [02]

A primeira Conferência Internacional do Trabalho – Conferência de Berlim – realizou-se em 1890, com participação de treze países. Nessa reunião, foram apresentadas sugestões para a criação de uma repartição internacional para realizar estudos e estatísticas de trabalho. Da Conferência de Berlim, nasceram importantes resoluções com o intuito de regulamentar, no âmbito internacional, medidas para proibir o labor no interior das minas, o trabalho dominical e a utilização do trabalho de crianças, adolescentes e mulheres.

Em 1905, quinze Estados participaram da Primeira Conferência de Berna e, em 1906, várias nações marcaram presença na Segunda, que resultou em duas convenções. Em 1919, realizou-se, em Paris, a Conferência da Paz, que decidiu sobre a criação de uma Comissão de Legislação Internacional do Trabalho para estudar preliminarmente a "regulamentação internacional do trabalho" e determinar uma maneira de organização internacional perene entre os países, objetivando facilitar uma ação uniforme quanto às condições de trabalho. Ainda no ano de 1919, foi aprovado, pela Conferência, o projeto que criou a Organização Internacional do Trabalho (OIT), organismo internacional voltado para a institucionalização de normas universais de proteção ao labor e de diretrizes a serem adotadas pelos países-membros. [03]

Em 1944, a Conferência Internacional do Trabalho, realizada em Filadélfia, assinou a declaração de Filadélfia, que reiterava alguns preceitos da Organização Internacional do Trabalho, e os ampliava, apregoando ser necessária a colaboração dos países-membros para a conquista de melhores situações laborais, prosperidade econômica e segurança aos operários.

Em 1948, a Assembléia Geral das Nações Unidas sancionou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, reafirmando vários dos princípios fundamentais defendidos pela OIT na proteção do trabalho infanto-juvenil.

Nas palavras de Monteiro de Barros,

"desde a Conferência de Berlim, de março de 1890, já se estudavam as bases para a regulamentação internacional do trabalho do menor, deixando clara a necessidade de intervenção estatal nesta área. A legislação sobre o trabalho do menor sofreu a influência da ação internacional, recebendo um tratamento nitidamente tutelar, mais ou menos semelhante à proteção conferida à mulher. Com a evolução do Direito do Trabalho, as normas alusivas ao menor foram sendo revistas, com o objetivo de intensificar a tutela (...)". [04]

1.2. Fundamentos e objetivos do Direito Internacional do Trabalho

Segundo ensinamentos de Arnaldo Süssekind [05], os fundamentos do Direito Internacional do Trabalho decorrem de motivos de ordem econômica, de índole social e de caráter técnico:

a)as causas de ordem econômica provêm da necessidade de se estabelecer, no âmbito internacional, um equilíbrio do custo das medidas sociais de tutela à classe operária, a fim de evitar a concorrência de nações que logravam uma produção mais barata por causa da sonegação das medidas de proteção;

b)os motivos de índole social são conseqüência da necessidade de se estabelecer, no plano internacional, princípios reservados à promoção da universalização dos princípios da justiça social e da dignidade do obreiro;

c)as razões de caráter técnico fundamentam o Direito Internacional do Trabalho na medida que as Convenções e Recomendações aprovadas pela OIT e os estudos e pesquisas realizados pela Organização serviram de subsídios para a elaboração de normas legislativas pelos países-membros.

Enfim, as bases do Direito Internacional do Trabalho estão ligadas diretamente ao estabelecimento de normas criadas por um Organismo Internacional, objetivando harmonizar o ordenamento jurídico dos países na promoção da paz e da justiça social no ambiente de trabalho.

Com relação aos objetivos do Direito Internacional do Trabalho, os estudos de Arnaldo Süssekind [06] apontam como meta primordial a realização de convenções internacionais visando: a universalização das normas de tutela à atividade laborativa , fundadas no princípio de justiça social e de dignificação do trabalho do homem; a colaboração internacional para os Estados soberanos adotarem e observarem a aplicação de regras de proteção ao trabalho aprovadas pela OIT; e a realização do bem-estar social.

Destarte, os principais intuitos do Direito Internacional do Trabalho se relacionam à organização de regras jurídicas internacionais que incorporem direitos e deveres aos ordenamentos jurídicos dos países, a fim de que se garanta a universalização de normas –estas assentadas na justiça social, no avanço do bem-estar social e na dignificação do trabalho - de proteção ao labor.

1.3. A Organização Internacional do Trabalho e o combate ao trabalho infantil

Mascaro do Nascimento [07] define a OIT como um organismo internacional criado, em 1919, pelo Tratado de Versalhes, com sede em Genebra, destinando-se à realização da Justiça Social entre os povos, pressuposto para a manutenção da paz entre os países. A ela, podem filiar-se todos os países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU). Arnaldo Süssekind [08] enumera os órgãos da OIT: o Conselho de Administração (direção colegiada), a Repartição (secretaria) e a Conferência Geral (parlamento).

Em 1944, a Conferência Internacional do Trabalho, que é, segundo Süssekind [09], a assembléia geral de todos os Estados-Membros da organização, o órgão supremo da OIT, adotou a Declaração referente aos fins e objetivos da OIT, mais conhecida como Declaração de Filadélfia, reafirmando e ampliando alguns preceitos do Tratado de Versailles e consubstanciando outros. Nilson de Oliveira Nascimento [10] escreve que a Declaração destacava a proteção à criança como princípio fundamental e elemento indispensável à paz mundial.

Segundo Süssekind, cabe à Conferência Internacional do Trabalho, através das reuniões que realiza, normalmente uma vez por ano, elaborar e aprovar, na posição de Assembléia Geral da OIT, a regulamentação internacional do trabalho e das questões que lhes são relacionadas. Para isso, dispõe de três espécies de instrumentos: convenção, recomendação e resolução.

Santos Minharro enfatiza que

"com a criação da Organização Internacional do Trabalho, em 1919, passou-se a verificar uma generalizada preocupação com o problema do labor infanto-juvenil. Várias convenções e recomendações foram editadas com o intuito de amenizar os efeitos maléficos do emprego desse tipo de mão-de-obra". [11]

Oliveira Nascimento também salienta a importância da OIT quanto á tutela internacional da criança e do adolescente:

"Na condição de órgão especializado no trato de questões trabalhistas e sociais a OIT sempre se preocupou com a proteção dos direitos humanos do menor. Essa preocupação referencial com o menor se manifesta concretamente pela aprovação de várias Convenções Internacionais que foram ratificadas por uma grande parte dos países-membros" [12].

Sessenta e uma convenções e recomendações da OIT relacionam-se ao trabalho da criança e do adolescente [13]. Serão, aqui, estudadas mais cautelosamente: a Convenção nº 138, de 1973, e a Recomendação nº 146, que se ocupam da idade mínima para o ingresso em qualquer emprego; e a Convenção nº 182, de 1999, e a Recomendação nº 190, que visam eliminar as piores formas de trabalho infantil.

Com a análise, será possível verificar que a OIT tem buscado, mais do que abolir completamente a utilização da mão-de-obra da criança, limitar a idade de admissão no mercado de trabalho e abolir as formas mais desumanas de labor infantil. Essa posição vem confirmar que a situação mundial, no que se refere à utilização do trabalho da criança, é bastante complexa, abrangendo uma série de fatores em vários países – e a erradicação gradativa desse tipo de mão-de-obra seria mais passível de ser alcançada do que a abolição imediata.

O ideal seria que o infante fosse, imediatamente, afastado das atividades laborais, sendo-lhe respeitada a condição de indivíduo em desenvolvimento. Contudo, o verdadeiro comprometimento das nações às disposições da OIT já representaria um grande passo na melhoria da vida de inúmeras crianças.

1.3.1. A Convenção nº 138 e a Recomendação nº 146 da Organização Internacional do Trabalho

A Convenção nº 138 [14] (Convenção sobre a Idade Mínima), de 1973, pretende que todo país ratificante comprometa-se a seguir uma política que propicie a efetiva abolição da utilização da mão-de-obra infantil e eleve, gradativamente, a idade mínima de admissão no emprego a um nível apropriado ao pleno desenvolvimento físico e mental do adolescente.

"Os padrões internacionais vigorantes indicam que o trabalho precoce consolida e reproduz a miséria, inviabilizando que a criança e o adolescente suplantem suas deficiências estruturais através do estudo. Por isso é que a Organização Internacional do trabalho recomenda proibição de qualquer trabalho anteriormente à idade de quinze anos". (Convenção 138 da OIT). [15]

A Convenção não fixa uma idade mínima; contudo, permite que os Estados-membros especifiquem, por meio de declaração, a idade mínima para admissão no labor, desde que não seja inferior à idade de conclusão da escolaridade obrigatória ou, em qualquer circunstância, inferior a quinze anos. Abre, no entanto, uma ressalva: permite que, nas nações cuja economia e condições de ensino não estiverem suficientemente desenvolvidas, estabeleça-se a idade de catorze anos como mínima.

As regras acima, no entanto, não se aplicam ao labor executado por infantes e adolescentes em escolas técnicas ou vocacionais e a outras instituições de treinamento geral, dentre as quais empresas participantes de programas de orientação profissional. Nesses casos, as leis ou regulamentos nacionais poderão permitir o emprego ou trabalho a pessoas entre treze e quinze anos, obedecidos os seguintes requisitos: que o serviço seja leve; que não lese a saúde e o desenvolvimento; e que não prejudique a freqüência escolar. Nos Países-Membros economicamente enfraquecidos, essas idades podem ser diminuídas para doze e catorze anos, respectivamente.

O Art. 3º da convenção internacional em análise proíbe a admissão em atividades prejudiciais à saúde, à segurança e à moral aos indivíduos de menos de 18 anos. Já o Art. 8º, referindo-se a representações artísticas, dispõe que poderão ser concedidas licenças, em casos individuais, para a participação de crianças e adolescentes com idades inferiores às delimitadas.

Na opinião coerente de Erotilde Ribeiro dos Santos Minharro [16], a Convenção nº 138 da Organização Internacional do Trabalho apresenta-se bem flexível, chegado a permitir que os próprios países determinem a idade mínima de admissão no mercado de trabalho – estabelecendo, evidentemente, limites – e, paulatinamente, a amplie. Outros exemplos de maleabilidade da Convenção são os dispositivos que permitem, dependendo da situação econômica do país, que este especifique categorias a serem excluídas da aplicação das normas convencionais (artigo 4º) e os setores da economia ou modalidades de empreendimentos aos quais se aplicariam os preceitos da Convenção. Conforme a autora, isso se dá porque a OIT é consciente de que, em determinados Estados, a proibição de todo trabalho infantil levaria ou ao menosprezo geral da norma jurídica pela população, ou a condenação dos infantes à morte por inanição.

Para Oris de Oliveira [17], as Convenções 138 e 182 da OIT, bem como s recomendações que as acompanham, não exigem dos países ratificantes uma imediata e miraculosa mudança social e cultural, mas o comprometimento das nações em adotar uma política nacional que assegure a progressiva – e, no entanto, efetiva – eliminação da mão-de-obra infantil.

A Recomendação nº 146 [18] da Organização Internacional do Trabalho teve por fim concretizar os objetivos estabelecidos na Convenção nº 138, enfatizando a alta prioridade que deve ser conferida à identificação e ao atendimento das necessidades de crianças e adolescentes em políticas e em programas nacionais de desenvolvimento, e a gradativa extensão de medidas necessárias para criar as melhores condições para o desenvolvimento físico e mental dos indivíduos em questão. Recomenda que os países devem conferir atenção especial ao compromisso com o pleno emprego, a fim de que possam fixar a idade mínima para inserção no labor nos parâmetros visados pela OIT; salienta a importância da promoção de medidas econômico-sociais a fim de reduzir as conseqüências da pobreza – evitando, destarte, que as famílias necessitem da mão-de-obra do infante para poder sobreviver; fala no desenvolvimento de programas de seguridade social e de bem-estar da família, visando garantir o sustento da criança; salienta a importância de proporcionar o acesso da criança ao ensino obrigatório, bem como à formação profissional, sem esquecer de garantir a freqüência à escola; além disso, esclarece acerca da relevância do acesso à saúde, garantindo, assim, o desenvolvimento saudável na infância.

De acordo com a Recomendação, os Países-Membros devem ter como objetivo a elevação paulatina da idade mínima para iniciação em emprego ou trabalho para dezesseis anos, e a abolição de atividades perigosas aos menores de dezoito. Requer ainda, em seu texto, que seja conferida maior atenção às crianças e adolescentes sem família, aos migrantes e aos que vivem em família adotiva.

O Congresso Nacional aprovou a Convenção nº 138 e a Recomendação nº 146 por meio do Decreto-Legislativo nº 179, de 14.12.1999. O Decreto nº 4.134, de 15.2.2002, publicado no Diário Oficial da União de 15.2.2002, promulgou a Convenção, que passou a vigorar, a partir de 28.6.2002, no ordenamento jurídico brasileiro. [19]

1.3.2. A Convenção nº 182 e a Recomendação nº 190 da Organização Internacional do Trabalho

A Convenção nº 182 [20] – Convenção sobre a Proibição das Piores Formas de Trabalho Infantil e a Ação Imediata para a sua Eliminação -, de 1999, estabelece que todo país ratificante deve adotar medidas imediatas a fim de erradicar as "piores modalidades de trabalho infantil", expressão utilizada no artigo 3º do texto convencional e que abrange: todas as maneiras de escravidão ou práticas a esta análogas, tais como a venda e o tráfico de crianças, a servidão por dívidas e a condição de servo, e o trabalho forçado ou obrigatório, inclusive o recrutamento forçado ou obrigatório de crianças para serem utilizadas em conflitos armados; a utilização, o recrutamento ou o oferecimento de crianças para a prostituição e a produção de pornografia, bem como para a realização de atividades ilícitas, particularmente a produção e o tráfico de substâncias entorpecentes; o labor que, pela essência ou pelas condições em que é executado, é passível de prejudicar a saúde, a moral ou a segurança dos infantes.

Todo País-Membro, de acordo com a esta Convenção, deve estabelecer mecanismos de fiscalização para que os dispositivos convencionais sejam obedecidos, além de elaborar programas de ação para a eliminação das piores formas de labor. As nações deveriam prestar assistência direta aos infantes – que são, na Convenção, considerados os indivíduos com idade inferior a dezoito anos -, a fim de livrá-los das modalidades mais degradantes de trabalho, assegurando-lhes plena reabilitação, reinserção social e acesso ao ensino básico gratuito. [21]

Oris de Oliveira esclarece que o termo piores, utilizado na Convenção nº 182, é apenas comparativo em relação a outras formas que são também totalmente inaceitáveis [22].

No mesmo ano, a OIT adotou a Recomendação nº 190, indicando os programas de ação para a eliminação das piores formas de labor infantil e solicitando aos Países-Membros que identifiquem, denunciem e impeçam que os infantes exerçam tais atividades. Recomendava, ainda, que fosse dada atenção especial às crianças mais jovens, às do sexo feminino e ao problema do trabalho oculto. A Recomendação assinala, de maneira exemplificativa, modalidades de trabalho perigoso: aqueles em que a criança submete-se a abusos psicológicos, físicos e sexuais; as atividades executadas em condições insalubres ou em condições especialmente difíceis; os trabalhos subterrâneos, debaixo d’água, em lugares confinados ou em alturas perigosas; as atividades realizadas com máquinas, ferramentas e equipamentos de risco, bem como os que envolvam manipulação ou transporte de cargas pesadas.

A Recomendação propõe que, visando pôr em prática os programas de erradicação das piores formas de trabalho infantil, sejam compilados e atualizados dados estatísticos acerca da natureza e do alcance do trabalho da criança e do adolescente. Sugere que os países ratificantes criem um forte sistema de monitoramento e de sanções para os envolvidos, além de propor: o desenvolvimento de políticas empresariais que visem à promoção dos fins da Convenção, a melhoria da infra-estrutura educacional e da capacitação de professores, a promoção de emprego e de formação profissional aos pais das crianças, bem como a sensibilização dos adultos das famílias sobre a gravidade da questão do trabalho infantil.

O Decreto-Legislativo nº 178, de 14.12.1999, aprovou os textos da Convenção nº 182 e da Recomendação nº 190, que passaram a ter vigência no ordenamento jurídico brasileiro a partir de 2.2.2001. [23]

1.4. A Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), A Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959) e a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança (1989)

No dia 10 de dezembro de 1948, a Assembléia das Nações Unidas, promovida pela ONU, aprovou a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Trata-se de um dos mais importantes diplomas positivados, que foi recepcionado totalmente pela Constituição Federal de 1988. Alguns dos dispositivos aplicam-se especificamente à criança, considerando a família como núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado (Art. 16, III), e prescrevendo que a educação deverá ser orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais (Art. 26, II).

A Declaração Universal dos Direitos da Criança é uma adaptação dos direitos e garantias fundamentais, já previstos da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), à criança e ao adolescente, no plano internacional. Foi editada em 1959, e suas disposições dizem respeito a cuidado e a proteção, ainda que sob a concepção adultocêntrica (em que não é considerada a autonomia do infante).

Quanto à Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, foi ela adotada pela ONU em 1989 e ratificada pelo Brasil em 1990. De acordo com a professora Flávia Piovesan, "destaca-se como o tratado internacional de proteção de direitos humanos com o mais elevado número de ratificações (Em 26 de junho de 2001, a Convenção sobre os Direitos da Criança contava com 191 Estados-partes)" [24].

No primeiro artigo da Convenção, tem-se a descrição da criança como "todo ser humano com menos de 18 anos de idade, a não ser que, pela legislação aplicável, a maioridade seja atingida mais cedo". A Convenção acolhe a concepção da criança como verdadeiro sujeito de direito, exigindo que lhe seja dada proteção especial e prioridade. O direito a um nível adequado de vida e segurança social; o direito à educação, devendo os Estados oferecer educação primária compulsória e gratuita; a proteção contra a exploração econômica, com a fixação de idade mínima para admissão em emprego; a proteção contra o envolvimento na produção, tráfico e uso de drogas e substâncias psicotrópicas; a proteção contra a exploração e o abuso sexual são alguns dos direitos previstos.


2. Evolução legislativa no âmbito nacional

Por motivos didáticos, adotar-se-á, aqui, a divisão de Segadas Vianna [25] , que fragmenta os antecedentes legislativos da proteção ao labor infanto-juvenil, no Brasil, em três fases:

1.medidas não aplicadas: Decreto nº 1313, de 1891;

2.primeiras tentativas de aplicação: Projeto nº 4-A, de 1912; Decreto municipal nº 1801, de agosto de 1917; Decreto nº 16.300, de 1923, que aprovou o Regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública; Decreto nº 17.943-A, de dezembro de 1927, que aprovou o Código de Menores;

3.proteção efetiva: Decreto nº 22.042, de novembro de 1932; Decreto-lei nº 1.238, de maio de 1939, regulamentado pelo Decreto nº 6.029, de 1940; Decreto-lei nº 3.616, de 13.9.1941.

Oliveira Nascimento [26] esclarece que várias foram as leis aprovadas, mas que a maioria delas não chegava a ter real vigência. Explica que, no Brasil, até o advento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a legislação acerca da tutela da criança e do adolescente nas relações operárias era esparsa, o que, conseqüentemente, deixava à margem da proteção legal direitos importantes.

2.1. Medidas não aplicadas

Em 1891, já após a abolição da escravatura, foi expedido o Decreto nº 1.313, que dispensava proteção às crianças e adolescentes nas fábricas do Distrito Federal. Segundo o imperativo legal, estava vedado o trabalho efetivo de menores de 12 anos de idade – com exceção dos aprendizes, que, a partir dos 8 anos, já podiam ingressar nas fábricas de tecidos. Os aprendizes com oito ou nove anos não trabalhariam mais do que três horas diárias; os que tivessem entre 10 e 12 anos poderiam exercer atividade por quatro horas, com descanso que variava de trinta minutos a uma hora. Proibiu-se o emprego de menores de 18 anos na limpeza de máquinas em movimento, junto a rodas, volantes, engrenagens e correias em ação, bem como em depósitos de carvão, fábricas de pólvora, ácidos, algodão e nitroglicerina. Também não se podia empregá-los em indústrias onde houvesse manipulação direta com fósforos, chumbo, fumo etc.

O Decreto nº 1.313, segundo Santos Minharro [27], jamais foi regulamentado, e suas diretrizes não foram colocadas em prática. A autora também comenta que a Constituição da República de 24 de fevereiro de 1891, de inspiração liberal abstencionista, não tratava de questões relacionadas ao trabalho (muito menos ao infanto-juvenil).

2.2. Primeiras tentativas de aplicação

Para Erotides Minharro: "Depois, houve a primeira tentativa parlamentar, com o Projeto n. 4-A, de 1912, que deveria regular o trabalho industrial. Nele se proibia o trabalho dos menores de 10 anos e se limitava o tempo de trabalho, dos 10 aos 15 anos, a 6 horas diárias, condicionada a admissão a exame médico e certificado de freqüência anterior em escola primária". [28]

Segadas Vianna [29] lembra que a maior parte dos deputados, contudo, impugnava a intervenção do Estado que objetivava proteger o labor da criança e do adolescente. Alegavam os parlamentares que o projeto atentava contra o pátrio poder, que se tratava de uma tirania contra os pais e que obstruiria o aprendizado. O Projeto não foi aprovado.

Oliveira Nascimento [30] ensina que o Decreto Municipal nº 1.801, de 11.8.1917, instituiu algumas medidas de tutela às crianças e aos adolescentes operários. Em 1923, surgiu o Decreto nº 16.300, aprovando o Regulamento do Departamento Nacional de Saúde Pública. Fixava a duração da jornada diária de trabalho dos indivíduos com idade inferior a 18 anos no limite máximo de seis horas, a cada vinte e quatro horas. Ambos os diplomas legais não passaram de letra morta.

2.2.1 Os Códigos de Menores de 1927 e de 1979

Em doze de outubro de 1927, foi aprovado, com o Decreto nº 17.943-A, o Código de Menores, cujo capítulo IX tratava do labor infanto-juvenil, expressando, dentre outras proibições, o trabalho de menores de doze anos de idade. Contudo, Rodello [31] lembra que um habeas corpus suspendeu a entrada em vigor do Código por dois anos, alegando que atentava contra o direito dos genitores de decidir o que era melhor para os filhos.

Quanto ao Código de Menores, Veronese [32] considera que ele institucionalizou a obrigação estatal em assistir as crianças e os adolescentes que, devido ao estado de carência de suas famílias, dependiam do auxílio ou mesmo da proteção do Estado para terem condições de se desenvolver, ou, no mínimo, sobreviver. A autora também ensina que a legislação tinha fins corretivos: era necessário disciplinar física, moral e civicamente as crianças provenientes da orfandade ou de famílias desestruturadas. O Código, assim, tratava, na realidade, da criança em situação irregular (órfãos ou os chamados "pequenos delinqüentes"); considerava que a situação de dependência não advinha de fatores estruturais, mas do acidente da orfandade e da incompetência familiar; culpabilizava quase que exclusivamente o desajuste das famílias.

Na época, o que havia, no atendimento à criança, era um "direito dual", como se pode verificar no seguinte trecho:

"Enquanto o Código Civil se refere aos direitos civis, pertinentes à criança inserida em uma família padrão, em moldes socialmente aceitos, o Código do Menor atribui ao Estado a tutela sobre o órfão, o abandonado e os pais presumidos como ausentes, tornando disponível os seus direitos ao pátrio poder. Legislava sobre crianças, de 1 a 18 anos, em estado de abandono, quando não possuíssem moradia certa, tivessem os pais falecidos, fossem ignorados ou desaparecidos, tivessem sido declarados incapazes, estivessem presos há mais de 2 anos, fossem qualificados como vagabundos, mendigos, de maus costumes, exercessem trabalhos proibidos, fossem prostitutas ou economicamente incapazes de suprir as necessidades de sua prole. (...) o Código estabeleceu que crianças adotadas passariam a ter todos os direitos do filho legítimo e passaria a reger-se sua tutela pelo Código Civil e não mais pelo Código de Menores, o que confirma a teoria de atendimento dual". [33]

Em 1979, o Decreto nº 6.697 aprovou o novo Código de Menores, revogando o diploma anterior; não obstante, não trouxe nenhuma inovação em relação à matéria. Segundo Aldaíza Sposati, manteve a mesma concepção do código revogado, "dedicando-se exclusivamente ao menor em situação irregular, ou seja, àquele que não possuía o essencial para sua subsistência, dada a falta de condições econômicas do responsável". [34]

O que se pode perceber é que existia um aparato de leis que visavam regulamentar a situação da criança e do adolescente que exerciam atividade operária; no entanto, como observa Oliveira Nascimento [35], havia uma grande contradição entre o ideal e o real. Devido a essa contradição, nenhuma lei foi capaz de mudar a infeliz realidade vivida pelos pequenos trabalhadores. Muitas das medidas legais não tiveram qualquer repercussão na realidade brasileira, servindo tão-somente à promoção da imagem do Brasil no exterior, já que convinha mostrar que o país preocupava-se com a situação da criança operária.

2.3. Proteção efetiva

A partir de 1930, no Brasil, houve uma importante evolução no Direito do Trabalho. Segundo Mascaro do Nascimento [36], isso foi resultado não apenas de fatores políticos, mas também econômicos e legislativos. Com a política trabalhista de Getúlio Vargas, as idéias de intervenção nas relações trabalhistas passaram a ter maior aceitação; para isso, influiu fortemente o modelo corporativista italiano.

No ano de 1932, o presidente Vargas expediu o Decreto nº 22.042, em que se fixava em 14 anos a idade mínima para o trabalho nas fábricas; além disso, exigiam-se dos indivíduos de idade inferior a 18 anos os seguintes documentos para a admissão no emprego: certidão de identidade, autorização dos pais ou responsáveis, prova de saber ler, escrever e contar, além de atestado médico. O Decreto também criou a obrigatoriedade de o empregador apresentar uma relação de empregados adolescentes. [37]

A Constituição de 1934 iniciou a "fase do constitucionalismo" na proteção à criança e ao adolescente, proibindo, no Art. 121, § 1º, "d", o exercício de atividade laborativa aos menores de 14 anos. A Constituição de 1937 manteve a proibição. [38]

Em 1943, sistematizando toda a legislação trabalhista que existia até então, entrou em vigor a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), dispondo que a idade mínima para o labor era 14 anos. Nos artigos 402 a 441, a CLT cuida das normas especiais de tutela e proteção ao trabalho infanto-juvenil.

Posteriormente, com a promulgação da Carta de 1967, houve o retrocesso caracterizado pela redução da idade mínima para o trabalho do menor de 14 (quatorze) para 12 (doze) anos [39].

2.4. Legislação vigente

Hoje, as normas que visam à proteção da criança, no Brasil, encontram-se presentes na Constituição Federal de 1988, na Consolidação das Leis do Trabalho e no Estatuto da Criança e do Adolescente. O Brasil possui leis avançadas sobre trabalho infantil; o que falta é uma fiscalização efetiva, o real compromisso das autoridades - que não dão à infância a importância que é a ela conferida pela Carta Magna e o ECA -, enfim, o respeito à criança.

2.4.1. A Constituição Federal de 1988

Com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, houve o restabelecimento da idade mínima para o trabalho em 14 anos. Dispôs o Art. 7º, inciso XXXIII, da Carta Constitucional de 1988:

"Art. 7º. Omissis

XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz".

A Emenda Constitucional nº 20, promulgada no dia 15 e publicada no dia 16 de dezembro de 1998, elevou para 16 anos a idade mínima para o trabalho, com exceção da condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. Godinho Delgado considera que a EC nº 20 "veio ultrapassar essa timidez do texto magno primitivo" [40].

Teixeira Filho [41] ressalta que o dispositivo constitucional erige, na realidade, o direito da criança de não trabalhar; de não assumir encargo de sustento próprio e da família tão precocemente. Segundo o autor, a Carta Magna assim o faz movida pelo entendimento de que, nessa tenra idade, é essencial a preservação de fatores básicos que formarão o adulto de amanhã: o convívio familiar e os valores dele advindos; o inter-relacionamento com outros infantes, o que molda o desenvolvimento físico, psíquico e social da criança; o convívio com a comunidade; a formatação da base educacional etc.

Atente-se ao posicionamento de Süssekind em relação à alteração trazida pela emenda ao Art. 7º, inciso XXXIII, da Carta Maior:

"Inclinamos nos (sic) a considerar que o aumento da idade mínima não melhora a condição social do menor, até porque amplia o hiato nocivo entre o término prevalente da escola e o começo da atividade profissional, eis que a maioria não é contratada como aprendiz". [42]

Ainda sobre o Art. 7º, escreve o procurador regional do trabalho e professor Xisto Tiago de Medeiros Neto:

"A adequada interpretação do mencionado preceito constitucional (art.7º, XXXIII) conduz ao entendimento de que a proibição a qualquer trabalho a menores de dezesseis anos (sic), de acordo com a própria expressão gramatical, estende-se a todo o tipo de labor, não se restringindo ao trabalho subordinado, uma vez que a proteção almejada é ampla, compreendendo todos os aspectos da vida da criança e do adolescente (pessoal, familiar e social). Defende-se o acerto desse entendimento, principalmente sob o ângulo de uma interpretação sistemática e à luz do princípio da proteção integral à criança e ao adolescente. Se diversa fosse a intenção do legislador, argumenta-se, ter-se-ia utilizado, certamente, a expressão ‘proibição a qualquer emprego’ ". [43]

Assim, a disposição constitucional não trata apenas da relação de emprego, mas de qualquer relação de trabalho, aí inseridos o trabalho autônomo, o temporário etc.

Também não se pode deixar de mencionar o que preceitua o Art. 227 da Constituição. Segundo Rodello [44], o dispositivo cuida de vários aspectos atinentes à tutela da criança e do adolescente:

"Art 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão".

Quanto ao Art. 227, § 3º, I [45], da Constituição, Arnaldo Süssekind [46], apesar de se referir a idade mínima de quatorze anos para admissão no trabalho, determina que seja observado o disposto no Art. 7º, XXXIII, que sofreu alteração pela EC nº 20/98. Destarte, prevalece a idade mínima de 16 anos para ingresso na atividade laborativa, salvo na condição de aprendiz, permitida a partir dos 14 anos.

Sobre o dispositivo acima, atente-se às palavras de Medeiros Neto:

"O art. 227, § 3º, incisos I, II e III da Constituição Federal, afirmando o direito da criança e do adolescente à proteção especial, dispõe sobre a sua abrangência, com destaque para o seguinte:

(I )idade mínima de dezesseis anos para admissão ao trabalho (ressalvando-se o contratação de aprendiz, a partir dos 14 anos, conforme dispôs a Emenda Constitucional nº 20/98)". [47]

2.4.2. O Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei nº 8.069, de 13.7.1990

Grunspun descreve o Estatuto da Criança e do Adolescente como a Lei que dispõe acerca das relações jurídicas das crianças e adolescentes com a família, a comunidade, a sociedade e geral e o Poder Público, impondo obrigações e deveres para todos. Grunspun adiciona que é errada a concepção de que o ECA só trata dos direitos da criança, esquecendo seus deveres e obrigações. Para o autor, houve alteração com a substituição do Código de Menores pelo Estatuto: "a mudança foi a substituição da teoria da situação irregular-discriminatória, onde a criança tinha a culpa por sua situação, e coloca agora toda criança como sujeito de direito" [48].

Medeiros Neto escreve que

"Antonio Carlos Gomes da Costa, em brilhante síntese, aduz que ‘o conceito de pessoa em condição peculiar de desenvolvimento complementa de forma magnífica a concepção de sujeito de direitos. Reconhece-se, mediante este conceito, que as crianças e adolescentes são detentoras de todos os direitos que têm os adultos e que sejam aplicáveis à sua idade. Além disso, são reconhecidos os seus direitos especiais, decorrentes do fato de que, face à peculiaridade natural do seu processo de desenvolvimento, não conhecem suficientemente tais direitos, não estão em condições de exigi-los do mundo adulto e não são capazes, ainda, de prover por si mesmo suas necessidades básicas sem prejuízo do seu desenvolvimento pessoal e social’ ". [49]

Oliveira Nascimento [50] esclarece que o Estatuto adota o princípio da doutrina da proteção integral (que substituiu a doutrina da situação irregular, vigente no Código de Menores de 1979), fundamentada na promoção do pleno desenvolvimento mental e físico da criança e do adolescente, conferindo-lhe direitos civis, sociais, culturais, políticos e econômicos. Cansiglieri também enfatiza a adoção, pelo ECA, da doutrina da proteção integral, dizendo que

"essa nova visão baseou-se numa concepção humanista, de caráter próprio e particular, cujo fim foi garantir à criança e ao adolescente uma proteção diferenciada, diante das condições de desenvolvimento físico e mental que lhe são inerentes". [51]

A Lei nº 8069, no Art. 1º, deixa claro que visa à tutela integral da criança e do adolescente. Para os efeitos do Estatuto, é considerada criança a pessoa de até doze anos de idade incompletos, e adolescente, aquela entre doze e dezoito anos de idade (Art. 2º, caput). O Art. 3º trata dos direitos fundamentais do infante e do adolescente e explicita a já comentada doutrina da proteção integral:

"Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade".

O Art. 3º do ECA demonstra brilhantemente a nova concepção da infância e da adolescência no Brasil. Vistos, agora, como cidadãos plenos, portadores da condição peculiar de pessoas em desenvolvimento – e não mais como adultos em miniatura ou pessoas incompletas -, a criança e o adolescente são considerados sujeitos de direitos.

O Art. 4º do Estatuto, assim como o Art. 227 da CF, destaca a responsabilidade dos agentes - família, sociedade e Estado – em assegurar os direitos da criança e do adolescente e em fornecer-lhes proteção essencial. [52]

Segundo Lucas Coelho [53], os Arts. 3º, 4º e 5º do ECA não só reproduzem como também aprofundam as regras do Art. 227 da Constituição Federal.

O Art. 60, inserido no capítulo V ("Do direito à profissionalização e à proteção no trabalho") do Estatuto da Criança e do Adolescente, recebeu nova redação graças à Emenda Constitucional n. 20, que alterou a original do Art. 7º, XXXIII, da Carta Magna [54]. Assim, está proibido qualquer trabalho aos menores de 16 anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14.

Sobre a idade mínima para exercício de atividade produtiva, Oris de Oliveira [55] ensina que a interpretação comporta duas leituras. A primeira é paupérrima, que vê no dispositivo somente o "não-proibitivo"; a segunda está de acordo com a sua teleologia, explicitando os valores a serem preservados, quais sejam: o direito de ser criança e de brincar, o direito ao lazer, à convivência com a família e à educação.

2.4.3. A Consolidação das Leis do Trabalho - Decreto-lei nº 5.452, de 1º.5.1943

O Capítulo IV do Título III ("Das normas especiais de tutela do trabalho") da Consolidação das Leis do Trabalho é intitulado "Da proteção do trabalho do menor".

Acerca da relação da criança com o trabalho, a Consolidação das Leis do Trabalho dispõe, no Art. 403, com redação dada pela Lei nº 10.097, de 19.12.2000:

Art. 403. É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos".


3. Bibliografia

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RODELLO, Fernanda Cavalcante Batista. A profissionalização do menor aprendiz e a sua inserção no mercado de trabalho. Síntese Trabalhista. 2005, v. 16, n. 188, FEV.

SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. 3ª ed. Rio de janeiro: Renovar, 2004, p. 303.


Notas

01 PESSOA, Marcelo. As relações de trabalho no contexto global. Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 47, nov. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/1146>. Acesso em: 8 jun. 2006.

02 NASCIMENTO, Nilson de Oliveira. Manual do trabalho do menor. São Paulo: LTr, 2003, p. 31.

3 Idem, ibidem, p. 33. Apud SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Internacional do Trabalho. 3ª ed. atual. São Paulo: LTr, 2000, pp.82, 99-100.

04 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 519.

05 MARANHÃO, Délio,; SÜSSEKIND, Arnaldo; TEIXEIRA, Lima; VIANNA, Segadas. Instituições de direito do trabalho. 17ª ed. atual. até 30.4.97 por Arnaldo Süssekind e João de Lima Teixeira Filho. São Paulo: LTr, 1997, p. 1431-1432, v. 2.

06MARANHÃO, Délio; SÜSSEKIND, Arnaldo; TEIXEIRA, Lima; VIANNA, Segadas. Instituições de direito do trabalho. 17ª ed. atual. até 30.4.97 por Arnaldo Süssekind e João de Lima Teixeira Filho. São Paulo: LTr, 1997, p. 1432-1433, v. 2.

07 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 24 ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 1998, p. 130.

08 MARANHÃO, Délio; SÜSSEKIND, Arnaldo; TEIXEIRA, Lima; VIANNA, Segadas. Op. cit.,1437, v. 2.

09Idem. Op. cit., p.1447, v.2.

10 NASCIMENTO, Nilson de Oliveira. Manual do trabalho do menor. São Paulo: LTr, 2003, p. 38.

11 MINHARRO, Erotilde Ribeiro dos Santos. A criança e o adolescente do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 33.

12 NASCIMENTO, Nilson de Oliveira.Op. cit., p. 42.

13 Idem, ibidem. Apud OLIVEIRA, Oris de. O trabalho da criança e do adolescente. São Paulo: LTr, 1994, pp. 43-61.

14 INSTITUTO AMP PESQUISAS NORMATIVAS DO TRABALHO SC. Convenção nº 138 da Organização Internacional do Trabalho. Disponível em <http://www.institutoamp.com.br/oit138.htm>.

15 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3ª ed. São Paulo, LTr, 2004, p. 784.

16 MINHARRO, Erotilde Ribeiro dos Santos. A criança e o adolescente do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 36.

17 OLIVEIRA, Oris de. In CURY, Munir (coord). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 7ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Malheros, 2005, p. 211.

18 INSTITUTO AMP PESQUISAS NORMATIVAS DO TRABALHO SC. Recomendação nº146 da Organização Internacional do Trabalho. Disponível em <http://www.institutoamp.com.br/oit138.htm>.

19 NASCIMENTO, Nilson de Oliveira. Manual do trabalho do menor. São Paulo: LTr, 2003, p. 46.

20 INSTITUTO AMP PESQUISAS NORMATIVAS DO TRABALHO SC. Convenção nº 182 da Organização Internacional do Trabalho. Disponível em <http://www.institutoamp.com.br/oit182.htm>.

21 MINHARRO, Erotilde Ribeiro dos Santos. A criança e o adolescente do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 35.

22 OLIVEIRA, Oris de. In CURY, Munir (coord). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 7ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Malheros, 2005, p. 211.

23 NASCIMENTO, Nilson de Oliveira. Manual do trabalho do menor. São Paulo: LTr, 2003, p. 47.

24 LOBO, Ana Maria. Os direitos da criança – aspectos históricos. Disponível em: <http://www.apriori.com.br/cgi/for/viewtopic.php?p=1510>. Acesso em 20 JUN 2006. Apud PIOVESAN,Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 5 ed. São Paulo: Max Lemonad, 2002. p.206.

25 MARANHÃO, Délio; SÜSSEKIND, Arnaldo; TEIXEIRA, Lima; VIANNA, Segadas. Instituições de direito do trabalho. 17ª ed. atual. Até 30.4.97. São Paulo: LTr, 1997, p. 977-980, v.2.

26 Idem, p. 54.

27 MINHARRO, Erotilde Ribeiro dos Santos. A criança e o adolescente do direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2003, p. 24.

28 MARANHÃO, Délio; SÜSSEKIND, Arnaldo; TEIXEIRA, Lima; VIANNA, Segadas. Instituições de direito do trabalho. 17ª ed. atual. Até 30.4.97. São Paulo: LTr, 1997, p. 977-978, v.2.

29 Idem, ibidem.

30 NASCIMENTO, Nilson de Oliveira. Manual do trabalho do menor. São Paulo: LTr, 2003, p. 55.

31 RODELLO, Fernanda Cavalcante Batista. A profissionalização do menor aprendiz e a sua inserção no mercado de trabalho. Síntese Trabalhista. 2005, v. 16, n. 188, FEV, p. 38.

32 NASCIMENTO, Nilson de Oliveira. Manual do trabalho do menor. São Paulo: LTr, 2003, p. 57. Apud VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. São Paulo: LTr, 1999, p. 28.

33 ESCRITORIO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Análise e recomendações para a melhor regulamentação e cumprimento da normativa nacional e internacional sobre o trabalho de crianças e adolescentes no Brasil. Disponível em: <http://www.oit.org.pe/ipec/documentos/brasil_171.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2006.

34 NASCIMENTO, Nilson de Oliveira. Manual do trabalho do menor. São Paulo: LTr, 2003, p. 59. Apud SPOSATI, Aldaíza. Revista teoria e debate, n. 37 – Educação. Fundação Perseu Abramo, fev./mar./abr./1998.

35 Idem, p. 56.

36 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direto do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho. 17ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 66-67.

37 MARANHÃO, Délio; SÜSSEKIND, Arnaldo; TEIXEIRA, Lima; VIANNA, Segadas. Instituições de direito do trabalho. 17ª ed. atual. Até 30.4.97. São Paulo: LTr, 1997, p. 979, v.2.

38 NASCIMENTO, Nilson de Oliveira. Manual do trabalho do menor. São Paulo: LTr, 2003, p. 61.

39 RODELLO, Fernanda Cavalcante Batista. A profissionalização do menor aprendiz e a sua inserção no mercado de trabalho. Síntese Trabalhista. 2005, v. 16, n. 188, FEV, p. 38.

40 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 3ª ed. São Paulo, LTr, 2004, p. 764-765.

41 MARANHÃO, Délio; SÜSSEKIND, Arnaldo; TEIXEIRA, Lima; VIANNA, Segadas. Instituições de direito do trabalho. 17ª ed. atual. até 30.4.97 por Arnaldo Süssekind e João de Lima Teixeira Filho. São Paulo: LTr, 1997, p.980, v.2.

42 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. 3ª ed. Rio de janeiro: Renovar, 2004, p. 303.

43 NETO, Xisto Tiago de Medeiros. A proteção trabalhista à criança e ao adolescente: fundamentos e normas constitucionais. Disponível em < http://www.prt21.gov.br/doutr14.htm>. Acesso em 15 jun 2006.

44 RODELLO, Fernanda Cavalcante Batista. A profissionalização do menor aprendiz e a sua inserção no mercado de trabalho. Síntese Trabalhista. 2005, v. 16, n. 188, FEV, p. 39.

45 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988.

Art. 227.Omissis

§ 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;

(...)

46 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito constitucional do trabalho. 3ª ed. Rio de janeiro: Renovar, 2004, p. 304.

47 NETO, Xisto Tiago de Medeiros. A proteção trabalhista à criança e ao adolescente: fundamentos e normas constitucionais. Disponível em < http://www.prt21.gov.br/doutr14.htm>. Acesso em 15 jun 2006.

48 GRUNSPUN, Haim. O Trabalho das Crianças e dos Adolescentes. São Paulo: LTr, 2000, p. 126.

49 NETO, Xisto Tiago de Medeiros. A proteção trabalhista à criança e ao adolescente: fundamentos e normas constitucionais. Disponível em < http://www.prt21.gov.br/doutr14.htm>. Acesso em 15 jun 2006. Apud COSTA, Antônio Carlos Gomes da. O Novo Direito da Infância e da Juventude do Brasil: 10 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente - avaliando Conquistas e Projetando Metas, UNICEF, Brasil, Caderno 1, p. 11

50 NASCIMENTO, Nilson de Oliveira. Manual do trabalho do menor. São Paulo: LTr, 2003, p. 65-66.

51 RODELLO, Fernanda Cavalcante Batista. A profissionalização do menor aprendiz e a sua inserção no mercado de trabalho. Síntese Trabalhista. 2005, v. 16, n. 188, FEV, p. 39. Apud CANSIGLIERI, Olga Helena Aragon Bonatto. Proteção jurídica ao trabalho do menor: utopia ou caos social? Disponível em <http://www.doutrina.com.br>.

52 ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE.

Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

53 COELHO, João Gilberto Lucas Coelho. In CURY, Munir (coord). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 7ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 35.

54 CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988.

Art. 7º. Omissis

XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos.

55 OLIVEIRA, Oris de. In CURY, Munir (coord). Estatuto da Criança e do Adolescente comentado: comentários jurídicos e sociais. 7ª ed. revista e atualizada. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 209.


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LIMA, Débora Arruda Queiroz. Evolução da legislação que protege a criança do trabalho infantil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1750, 16 abr. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11163. Acesso em: 19 abr. 2024.