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O art. 30-a da Lei Eleitoral e as suas implicações.

Arrecadação, gastos e prestação de contas de campanha eleitoral

O art. 30-a da Lei Eleitoral e as suas implicações. Arrecadação, gastos e prestação de contas de campanha eleitoral

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Sumário: 1. Introdução – 2. O Art. 30-A – 3. Reprovação de contas e as conseqüências do art. 30-A – 4. Nexo Causal e Efeitos: Da necessidade de aferir potencialidade – 5. Questões Processuais do Art. 30-A – 6. Legitimidade Ativa – 7. Legitimidade Passiva – 8. Necessidade de participação do vice-prefeito nas representações pelo Art. 30-A – 9. Termo inicial para propositura de AIJE estribada no 30-A – 10. Termo final para propositura de AIJE estribada no 30-A – 11. Conclusão


1.Introdução

A reforma eleitoral idealizada pela Lei n.º 11.300/2006 buscou atingir vários aspectos convergentes para os propósitos acima citados, quais sejam, eliminar ou reduzir a corrupção, o abuso de poder econômico e todas as formas de desvio dos recursos financeiros eleitorais.

Além das alterações de ordem material, a mini-reforma introduziu uma nova causa de pedir para as ações de investigação judicial eleitoral, ou como bem afirma o Mestre Adriano Soares da Costa,"criou um novo ato jurídico ilícito (captação ou gastos ilícitos de recursos para fins eleitorais) cominando-lhe a sanção de negação ou cassação do diploma do candidato eleito". [04]

Tal alteração veio estatuída pela introdução do art. 30-A na Lei das Eleições, nos seguintes termos:

"Art. 30-A. Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral relatando fatos e indicando provas e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos.

§ 1º Na apuração de que trata este artigo, aplicar-se-á o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, no que couber.

§ 2º Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos, para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

O referido artigo, sem ressaibo de dúvidas, foi o principal sistema repressivo das infrações às normas contábeis da campanha eleitoral, no sentido de permitir a grave penalidade de cassação do diploma do candidato que não tenha atendido as regras que têm por escopo a extinção do conhecido "caixa dois" e de todas as formas de corrupção e abusos que o poder econômico pode propiciar, em detrimento do equilíbrio da disputa.

Para se ter uma idéia da gravidade da arrecadação e gastos de campanha, nessas eleições municipais, os candidatos a prefeito e vereador que não respeitarem as normas estabelecidas na Resolução 22715/2008, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), podem ter as contas desaprovadas depois da eleição, bem como ser cassado o registro e/ou diploma.

A sobredita Resolução e a Lei das Eleições disciplinam claramente que os candidatos só poderão arrecadar recursos e realizar gastos após a solicitação do registro do candidato e do comitê financeiro, bem como já possuir a inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), a abertura de conta bancária específica para a movimentação financeira de campanha e a obtenção dos recibos eleitorais.

Logo, a simples realização de propaganda eleitoral, a partir de 06 de julho do ano da eleição, que for realizada sem se ater aos requisitos acima estabelecidos sujeitará os infratores a cassação do registro e/ou diploma se já houver sido outorgado, desde que comprovado o abuso de poder político e/ou econômico que desequilibre o pleito eleitoral.

Diante disso, tem-se que, a confecção e utilização de faixas, placas, cartazes e carros de som antes da inscrição no CNPJ, da abertura de conta corrente específica e da obtenção dos recibos eleitorais poderá ensejar as conseqüências previstas no art. 22, § 3º da Lei n. 9.504/97, que assim dispõe:

O uso de recursos financeiros para pagamentos de gastos eleitorais que não provenham da conta bancária específica de que trata o artigo anterior implicará a desaprovação da prestação de contas do partido político ou candidato. Comprovado abuso do poder econômico, será cancelado o registro da candidatura ou cassado o diploma, se já houver sido outorgado.

O citado dispositivo impõe observância estrita ao balizamento legal imposto para o processo de arrecadação, gastos e prestação de contas, processo esse que não era encarado com a devida acuidade pelos candidatos, haja vista que, em regra, não se aplicava pena drástica como a imposta no art. 30-A da Lei Geral das Eleições, mas, costumeiramente, ficava-se adstrito ao impedimento de diplomação dos eleitos enquanto perdurasse o inadimplemento na prestação de contas perante a Justiça Eleitoral, além da negativa de quitação eleitoral.

No entanto, com a nova sistemática de controle, a Justiça Eleitoral passou a focar a destinação e origem dos recursos movimentados pelos candidatos sob uma ótica mais rígida e com maior efetividade na fiscalização, o que impõe zelo irrestrito por parte do candidato, afinal é ele (candidato) e seu administrador financeiro os responsáveis pela administração financeira da campanha.

Sobre esse aspecto cabe, inclusive, uma observação de natureza procedimental, eis que ao remeter ao candidato e seu administrador financeiro a responsabilidade pela administração da campanha, sendo únicos responsáveis pela veracidade das informações financeiras e contábeis, indicou o legislador que o fato típico previsto no § 2º do art. 30-A da Lei 9.504/97, é próprio, ou seja, somente poderá ser praticado pelo candidato e/ou o administrador financeiro da campanha.

Nesse contexto, tem-se que para que seja imposta qualquer implicação ao candidato consubstanciada em decisão fundada no art. 30-A da Lei das Eleições, deverão ser observados os seguintes requisitos:

1.recursos movimentados por ele e/ou seu administrador financeiro;

2.a ausência de trânsito pela conta especifica, ou seja, a verificação de "caixa dois";

3.o recebimento de recursos de fonte vedada, e

4.a utilização de recursos para pagamento de despesas não elencadas pela norma de regência, abusando do poder econômico para proporcionar vantagem ao eleitor e, consequentemente, comprometer a igualdade de oportunidades entre os candidatos, ou seja, corrompendo a vontade do eleitor.

O art. 20 da Lei 9.504/97 é que remete para o fato típico próprio, ao assinalar que "o candidato a cargo eletivo fará, diretamente ou por intermédio de pessoa por ele designada, a administração financeira de sua campanha, usando recursos repassados pelo comitê, inclusive os relativos à cota do Fundo Partidário, recursos próprios ou doações de pessoas físicas ou jurídicas, na forma estabelecida nesta Lei".

Assim, tem-se que a responsabilidade pela administração financeira da campanha é do candidato e da pessoa por ele indicada, ficando implícito o seu conhecimento das finanças de campanha.

O trânsito de todos os recursos auferidos na campanha por conta específica, sejam eles do próprio candidato, sejam provenientes de doações, também é requisito obrigatório a ser observado, vez que o "caixa dois" implica, em qualquer hipótese, em reprovação das contas, podendo servir, ainda, como escora para pretensa cassação ou negativa de diploma.

Além do art. 30-A, a Lei 11.300/06, também elasteceu o rol de pessoas jurídicas que os candidatos estão impedidos de receber doações, acrescendo às já previstas (entidade ou governo estrangeiro; órgão da administração pública direta e indireta ou fundação mantida com recursos provenientes do Poder Público; concessionário ou permissionário de serviço público; entidade de direito privado que receba, na condição de beneficiária, contribuição compulsória em virtude de disposição legal; entidade de utilidade pública; entidade de classe ou sindical e pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do exterior) a vedação de financiamento por parte de entidades beneficentes e religiosas, entidades esportivas que recebam recursos públicos, organizações não-governamentais (ONG’s) que recebam recursos públicos e organizações da sociedade civil de interesse público.

Outra inovação da lei 11.300 que possui ligação direta com o artigo em comento é a restrição inserida no art. 26, o qual impõe ao candidato a possibilidade de somente realizar gastos com as despesas ali indicadas. Isso porque a norma retirou do texto original expressões que poderiam dar guarida a outros gastos senão os previstos, como podiam ser percebidos, por exemplo, nos incisos XI e XII, revogados, que previam, de forma genérica, o pagamento de "eventos relacionados a campanha eleitoral" e "outros brindes de campanha".

Inobstante a nova sistemática imposta pela Lei 11.300/06, temos que a norma, como pontificava Carlos Maximiliano, não pode ser interpretada de modo que a force cumprir finalidade diversa daquela que a originou, desvirtuando seu escopo.

Nesse sentido, vale dizer que em decorrência das contas de campanha está o candidato sujeito a duas implicações materiais, quais sejam, a apreciação da prestação de contas e a imposta pelo art. 30-A da norma já referida.


3.Reprovação de contas e as conseqüências do art. 30-A.

Será que a simples reprovação de contas do candidato gera a possibilidade de cassação de diploma pela aplicação do art. 30-A?

Ora, é certo afirmar que as contas de campanha possam ser reprovadas por não observar o candidato aspectos formais descritos na lei. No entanto, não poderão certas impropriedades, por si só, servirem para cassar o diploma do candidato, haja vista a necessidade de se provar fato conseqüente capaz de ferir a lisura ou isonomia do processo eleitoral através do abuso do poder econômico, o que, sem ressaibo de duvidas, desaguará sempre na promoção de vantagem ao eleitor.

Com efeito, não pode ser considerado plausível a pretensão de cassação ou negativa de diploma do candidato sob o argumento de que este teria desrespeitado aspectos meramente formais, sem provar, no entanto, que tais impropriedades fossem capazes de comprometer o bem jurídico maior tutelado pelo ordenamento, a vontade do eleitor.

Para corroborar esse entendimento, cita-se julgado do colendo Tribunal Regional Eleitoral do Estado de Goiás que caminhou nessa vertente, valendo relevar um da lavra do eminente Juiz Membro Álvaro Lara de Almeida, acompanhado à unanimidade pela Corte (RP 2238912006), onde assim ficou consignado: "A expressão "gastos ilícitos" retrata a utilização de recursos arrecadados em despesas proibidas pela legislação eleitoral. A legalidade, portanto, refere-se à substância, a matéria essencial da despesa, não dizendo respeito apenas a forma como se opera. Diante disso, gastos ilícitos de recursos para fins eleitorais são todos aqueles efetuados em dissonância aos preceitos estabelecidos na Lei n.º 9.504/97, ou seja, são despesas realizadas para contratação de artistas com a finalidade de animar eventos eleitorais, confecção de brindes de campanha (chaveiros, bonés, botons, etc.) outorga de prêmios, doações para eleitores ou pessoas jurídicas, dentre outros".

Entende o Advogado Admar Gonzaga Neto [05], que o ajuizamento da representação prevista no artigo 30-A não está adstrito a reprovação das contas pelo órgão julgador. Ou seja, ainda que as contas tenham sido aprovadas, é perfeitamente possível o ajuizamento da representação, não sendo a aprovação das contas, argumento válido para a defesa da ação formulada com base no dispositivo. Nos casos de desaprovação, cumpre ao Ministério Público e aos demais legitimados o ajuizamento da representação.

Ademais, a representação do 30-A é uma das vias próprias para se pedir a apuração de irregularidades na captação e gastos de campanha, pois a jurisprudência do TSE firmou o entendimento de que o processo de prestação de contas é de índole substancialmente administrativa, sobre o qual não cabe a jurisdicionalização do debate por meio da interposição de recurso especial. [06]

Cediço que o ordenamento eleitoral não previa a aplicação de penalidade aos candidatos nas hipóteses de desaprovação das contas, ou seja, não havia sucumbência a ser suportada. A lei prevê apenas que os eleitos não sejam diplomados enquanto não apresentadas as respectivas contas de campanha (art. 29, § 2º da Lei 9.504/97). Já em relação ao partido, há uma penalidade a ser suportada nos casos de rejeição das contas de campanha, eis que a lei (art. 25 da Lei 9.504/97) prevê a perda do direito aos recursos do Fundo Partidário no ano seguinte às eleições. (sic)

A não apresentação de contas, bem como sua rejeição, impede a obtenção de certidão de quitação eleitoral pelo período de 4 anos, não podendo, com isso, ser candidato por este período.

Assim, não paira dúvida, de que a representação com base no art. 30-A não está adstrita ao julgamento das contas, tanto que a mesma pode ser proposta bem antes do prazo final estabelecido na lei (art. 30, § 1º da Lei n. 9504/97) para que as contas sejam julgadas, qual seja 8 (oito) dias antes da diplomação. Logo, a simples reprovação de contas não enseja a cassação de diploma com fulcro no art. 30-A, fazendo-se necessário que as irregularidades encontradas na prestação de contas tenham significância lesiva no processo eleitoral a ensejar a cassação.


4.Nexo Causal e Efeitos: Da necessidade de aferir potencialidade.

O princípio da proporcionalidade configura instrumento de salvaguarda dos direitos fundamentais contra a ação limitativa que o Estado impõe a esses direitos, ou seja, quando a fixação da pena implicar em desproporcionalidade entre o reflexo do ato, comprovado no direito conquistado e perseguido.

O Tribunal Superior Eleitoral pacificou o entendimento de que para a caracterização de abuso de poder não é necessária a demonstração aritmética dos efeitos do abuso, mas apenas a comprovação de que a conduta desviante ostente potencialidade para desequilibrar o pleito eleitoral, e que somente pode ser aferido em cada caso concreto, sendo, portanto, matéria afeta a convicção pessoal e, pois, ao subjetivismo de cada intérprete e aplicador da lei.

Ora, a conduta tipificada no artigo 30-A remete a outros artigos da lei eleitoral, principalmente ao quanto descrito no art. 22 e seu parágrafo terceiro, ou recebidos em desacordo com o art. 24, todos da lei 9.504/97.

Verifica-se assim, uma harmonia dos dispositivos invocados, os quais substanciam sustentação para decisão fundada no art.30-A da Lei das Eleições, valendo dizer que sem a presença aditiva dos requisitos descritos na lei não há de se falar em aplicação da pena descrita no § 2° do art.30-A.

Desse modo haverá de ficar comprovado (1) a responsabilidade do candidato (art. 20); (2) a movimentação através de "caixa dois" (art.22) ou (3) o recebimento de recursos de fontes vedadas (art. 24). (4) bem como a utilização da receita de campanha para fins de abuso de poder econômico ou para comprometer a igualdade de oportunidades entre os candidatos.

Tem-se então, que o ilícito cometido terá natureza de abuso de poder, sendo necessário aferir a potencialidade do ato lesivo para se justificar a cassação do registro e/ou diploma do candidato, conforme entendimento do TSE.

Ocorre que tal entendimento é duramente criticado por diversos doutrinadores, dentre eles Adriano Soares da Costa, Joel Cândido e os advogados Admar Gonzaga Neto e Fernando Neves, sendo que este último, quando Ministro do TSE, já assim se manifestava desfavoravelmente ao princípio da proporcionalidade, ao assim ponderar em um de seus votos "considero desnecessária a demonstração sobre o número de votos obtidos por cada candidato. A mim me basta a probabilidade de que o ato reconhecidamente irregular possa influir no pleito. Até porque, como disse em outra oportunidade, exigir o exame dos números finais impediria o julgamento de ações de investigação judicial antes das eleições, o que não tem nenhum sentido."

Com efeito, após a transcrição acima das notas taquigráficas do voto do então Ministro Fernando Neves, "fica claro que não há necessidade de se ater a números, visto que o direito não pode ser tratado como uma ciência exata, e, muito menos ao conceito de justiça, por demais subjetivo." (sic)

No entanto, o entendimento do TSE é no sentido de se aferir potencialidade, tendo os tribunais regionais nas últimas eleições, analisando a aplicação do art. 30-A, mantido essa linha de raciocínio, valendo citar julgado do E. Regional de Minas Gerais – Acórdão 3337, publicado em Sessão do dia 07/12/06, verbis: "Prestação de Contas. Candidato eleito a Deputado Estadual. Eleições 2006. Utilização efetiva de recursos financeiros para quitar despesas de campanha eleitoral, sem o trânsito obrigatório do recurso pela conta bancária. Valor ínfimo face ao total de recursos regularmente movimentados. Observância aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Desproporção entre o agravo e a sanção que dele pode advir. Existência de falhas que não comprometem a regularidade das contas. Contas aprovadas com ressalvas."

Agora pergunto: e se o ilícito cometido na arrecadação tiver uma natureza ainda mais grave? Como por exemplo, o desvio de recursos públicos para campanha eleitoral.

Estaríamos tratando então, de um ato de corrupção, que na esteira do entendimento do TSE, não cabe aferir potencialidade, bastando meramente à prática do ato irregular. Logo, quando a causa de pedir na representação calcada no artigo em estudo tiver seu fundamento em corrupção na arrecadação e gastos de campanha, vislumbro que bastará meramente o ato praticado a ensejar a cassação do diploma e/ou mandato, não se fazendo necessário verificar a influência de tal ato no pleito. Espera-se que o TSE siga a mesma linha de entendimento manifestada para o art. 41-A nestes casos, não se afere potencialidade.

Desse modo, mister se faz verificar a causa de pedir que originará a representação do art. 30-A para saber os efeitos que advirá, se cassação do diploma e/ou mandato com execução imediata da decisão ou se apenas aplicação de multa, sem qualquer conseqüência para o mandato do eleito.

Evidente a necessidade de punição, mas dentro de um processo eleitoral complexo e desgastante, muitas vezes, situações pequenas podem ocorrer no momento da prestação de contas, não querendo dizer, contudo que se praticou um ilícito eleitoral. Não se quer dizer com isso que não haja cassação do registro ou mandato do candidato, mas apenas que se averigúe a profundidade da lesão que tal ato tenha ocasionado ao processo eleitoral em si.

Alertando, no entanto que os atos de corrupção, como aceitar doação de fontes não autorizadas, efetuar gastos ilícitos e com recursos de origem não identificada ou não contabilizados (caixa-dois), dentre outros não necessitarão de aferir potencialidade, face a gravidade de sua natureza, para gerar a cassação.


5.Questões Processuais do Art. 30-A

O artigo 30-A em comento, além dessas questões alhures citadas, trouxe inovação e dúvidas na seara processual eleitoral, dentre elas, rito a ser adotado, possibilidade de declaração de inelegibilidade, efeitos a serem aplicados, dentre outras, ao qual se passa, de forma sucinta, a discorrer.

Primeiramente, cabe ressaltar que para o ingresso de AIJE prevista no art.30-A não basta que se afirme a existência de possível infração às normas de arrecadação e gastos de campanha: é necessário que a petição inicial relate fatos concretos e indique provas. Indicar provas não é produzi-las desde já. Se para a comprovação dos fatos alegados há a necessidade de documentos que se encontram em poder de terceiros, basta que a petição indique quais são os documentos e em poder de quem eles se encontram, pedindo que sejam eles juntados aos autos por determinação judicial. [07]

Logo, a ocorrência de possível ilicitude, deve ser descrita minimamente e com segurança, relatando situações concretas que insinuem afronta à legislação e possam ser apurados mediante a instrução processual.


6.Legitimidade Ativa.

No que pertine a legitimidade ativa para propositura da demanda, fazendo uma interpretação literal do artigo, vislumbra-se que esta estaria limitada aos partidos políticos e coligações. Entretanto, seria absurdo considerar apenas estes como legitimados, pois se estaria a violar a CF no ponto atinente ao Ministério Público, haja vista que aquela diz que este é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da CF).

Ora, a presença do Ministério Público no processo eleitoral é caracterizada por sua essencialidade, sendo a sua intervenção necessária e indispensável à defesa do interesse público, ainda que atue como custos legis, para que haja a efetiva e real observância da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis – como dispõe o art. 127, caput da Constituição da República

Logo, a ausência de legitimação do Ministério Público configura violação ao aludido preceito constitucional, além de constituir dano insanável por vício essencial, o que gera uma necessidade de uma análise mais ampla do art. 30-A, isto porque, conforme as disposições do art. 72, caput, da lei orgânica do MP: "Compete ao Ministério Público Federal exercer, no que couber, junto à Justiça Eleitoral, as funções do Ministério Público, atuando em todas as fases e instâncias do processo eleitoral." 

Assim, não restam dúvidas de que o artigo estudado deve ter uma interpretação ampla, permitindo a atuação do Ministério Público Eleitoral e, também, dos candidatos como legitimados a propositura deste tipo de demanda.

E como se não bastassem tais argumentos, o dispositivo ora estudado estabelece o rito previsto no artigo 22 da Lei Complementar 64/90, que disciplina a ação de investigação judicial eleitoral para a apuração de abuso do poder econômico, de autoridade e/ou uso ilegal dos meios de comunicação. Nele estão legitimados todos os acima citados, em texto muito semelhante ao do artigo 30-A. [08]

Inclusive, a própria resolução do TSE de n.º 22.715/2008, baixada recentemente para as eleições de 2008, estabeleceu no seu art. 49 que "qualquer partido político, coligação, ou o Ministério Público poderá representar à Justiça Eleitoral relatando fatos e indicando provas e pedir a abertura de investigação judicial para apurar condutas em desacordo com as normas da Lei n.º 9.504/97 e desta resolução, relativas à arrecadação e aos gastos de recursos"

Dessa forma, resta clarividente que não só os partidos políticos e coligações, como, também, o MPE e os candidatos são legitimados a propositura de representações e/ou AIJE’s que versem apuração das condutas vedadas estabelecidas no art. 30-A da Lei das Eleições.


7.Legitimidade Passiva.

Pela simples leitura do parágrafo segundo do art. 30-A, aparenta que somente o candidato pode fazer parte do pólo passivo da demanda, ao afirmar que comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido outorgado.

Logo, a priori somente o candidato pode figurar como requerido em representação por conduta do art. 30-A, no entanto, não é o que se vislumbra da leitura de outros artigos de lei referente à arrecadação de campanha.

Entende-se que nada impede àqueles que tenham contribuído, de alguma forma, na prática do ato, façam parte do pólo passivo, como, por exemplo, se uma igreja contribuir para uma campanha eleitoral de um candidato, seus componentes deverão ser responsabilizados, sob pena de se permitir indistintamente a prática de tal conduta.

Agora, o interessante é saber qual seria a penalidade a ser aplicada as essas pessoas que praticarem tal conduta! O mais lógico é que fosse aplicada a penalidade descrita no § 3º do art. 81 da Lei 9.504, qual seja, a proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o poder público pelo período de 5 (cinco) anos.

Ocorre que, tal penalidade em nada afetará a certas pessoas físicas e/ou jurídicas, como o exemplo alhures citado, eis que algumas igrejas raramente realizam contratos com o poder público ou recebem subvenção pública.

A solução mais adequada seria aplicação de multa pecuniária, pois mexeria no bolso dos responsáveis pela prática ilícita, entretanto não existe norma aplicável à espécie, já que o art. 30-A somente trouxera penalidade para o candidato.

No que se refere a pessoa indicada pelo candidato para a administração financeira de sua campanha, o art. 21 atesta ser o mesmo o principal responsável pela movimentação financeira, podendo até figurar no pólo passivo de demandas do 30-A, mas que não ensejará qualquer penalidade, haja vista que a norma não disciplina qualquer multa ou punição para o administrador financeiro.

Vislumbramos no caso, a aplicação, por similitude, de uma norma penal em branco para o administrador financeiro, eis que a norma possui conteúdo incompleto de relação a este.

Cabe salientar que, apesar de não existir penalidade para o administrador financeiro, a prática de irregularidade por parte deste enseja a penalidade ao candidato, não havendo que se falar em desconhecimento do fato por parte do candidato.

Por isso, de suma importância a escolha pelo candidato de um administrador financeiro de confiança e capacitado para exercer tal encargo.

Assim, em princípio, somente o candidato e o responsável pela administração financeira de sua campanha poderão figurar no pólo passivo da demanda estribada no art. 30-A, todavia nada impede que outros responsáveis por condutas ilícitas venham a ser co-responsáveis.


8.Necessidade de participação do vice-prefeito nas representações pelo Art. 30-A.

Como o TSE não se contenta em firmar um posicionamento definitivo e duradouro a respeito do assunto, eis que até recentemente era pacificado naquela corte a desnecessidade de formação de litisconsórcio entre os membros da chapa, já que sua relação seria de subordinação, sendo o mandato alcançado. Ocorre que agora, entendeu por modificar tal orientação jurisprudencial, necessário discussão acerca do tema, ainda que de forma sucinta.

Os ministros entenderam que o vice deve ser tratado como litisconsorte passivo, podendo produzir a prova que entenda necessária à comprovação de suas alegações, sendo necessário, portanto, a sua citação como litisconsorte.

Assim, o mais óbvio é que se chame o vice para participar da relação processual, até porque se evitará alegação futura de violação aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.

Evidente que o vice não possui voto próprio, sendo o mesmo dado para a chapa, existindo assim, uma vinculação entre o titular e o seu vice, ou melhor, uma relação de dependência entre a situação jurídica de ambos. O estado subordinante é do cabeça de chapa, ao passo que o do vice é o subordinado. [09]

Desta forma, o vice sofre o efeito da desconstituição da situação jurídica do titular, não cuidando pois, de reflexo da sentença, mas sim da existência ou não da relação jurídica subordinante. Portanto, deixando de existir a situação jurídica subordinante, desaparece a subordinada. [10]

Logo, o mais lógico seria a desnecessidade do litisconsorte passivo necessário, pois se evitaria as manobras jurídicas para travamento do processo, como, advogados distintos para prefeito e vice, rol de testemunhas, dentre outros. Porém, indene de dúvidas que se estaria a violar direitos constitucionais sagrados, pois o vice será atingido pelos efeitos imediatos da decisão, sem exercício do seu direito de defesa.


9.Termo inicial para propositura de AIJE estribada no 30-A.

No que se refere ao momento inicial para o ajuizamento de representação fundada no 30-A, o mais lógico seria utilizar o entendimento já pacificado do Egrégio Tribunal Superior Eleitoral [11], de que o registro de candidatura é o dies a quo para a propositura da AIJE, data em que se inicia a atividade administrativa da Justiça Eleitoral.

Entretanto, tal entendimento é um verdadeiro obstáculo no combate a corrupção eleitoral, isto porque, sabido por todos que militam na seara eleitoral, que basta iniciar o ano eleitoral para que os maus políticos comecem a praticar abusos de poder, principalmente, os que possuem recursos financeiros e/ou exerçam mandato, não se fazendo necessário sequer o pedido de registro de candidatura para prática de tais atos.

Nesse contexto, imagine-se a situação de um prefeito que busca a reeleição, sendo pré-candidato natural, flagrado no início do ano eleitoral fazendo caixa dois para a sua campanha, além de praticar, como chefe do executivo, inequívoco abuso de poder econômico e/ou político, com clara potencialidade para influenciar o eleitorado. Pergunta-se: O crime praticado não teve o animus eleitoral?

Claro que sim! Não se pode atacar tal ato apenas como improbidade administrativa, mas também como crime eleitoral.

Aliás, aquele que não exerce mandato, mas desde o início do ano eletivo começa a praticar abuso de poder, tem que, de alguma forma, ser penalizado, visando coibir tais práticas.

Por isso, em decorrência da legislação não estabelecer o limite inicial para propositura de AIJE’s e/ou representações eleitorais, coube ao TSE - Tribunal Superior Eleitoral estabelecer tal marco.

Entende-se que seria necessário que o TSE revisasse tal entendimento, atribuindo o ano eleitoral como termo prefacial para propositura de tais demandas, pois assim, se evitaria que os "almejantes a pré-candidato" praticassem abusos de poder em geral, limitando-se, com isso, o desequilíbrio eleitoral e a corrupção.

No entanto, o mais provável é que as AIJE’s e/ou representações com base no art. 30-A poderão ser propostas desde o pedido de registro de candidatura até a data da diplomação, que é marco para a contagem de prazo para outras vias processuais eleitorais, a exemplo do recurso contra a expedição de diploma do artigo 262 do Código Eleitoral e a ação de impugnação de mandato eletivo, prevista no artigo 14, §§ 10 e 11 da Constituição Federal.


10.Termo final para propositura de AIJE estribada no 30-A

. O escândalo investigado pela CPMI dos Correios flagrou a aplicação de recursos ilícitos em campanha eleitoral presidencial quase dois anos depois do prélio, sem que houvesse qualquer remédio jurídico próprio para atacar o diploma do candidato beneficiário. O mesmo ocorreu em conhecida e florida capital de um dos Estados da federação, em que o tesoureiro da campanha denunciou, por se sentir preterido politicamente, todo o esquema do caixa dois de campanha. Também não houve aqui conseqüências eleitorais." [13]

Diante disso, nada mais lógico do que se admitir a adição desta causa de pedir na Ação de Impugnação ao Mandato Eletivo, como foi feito com o art. 41-A, eis que o cometimento do crime tipificado no artigo em estudo, nada mais é, do que uma modalidade do crime de abuso de poder econômico e/ou corrupção. Crimes estes, estabelecidos no art. 14, § 10 da CF/88.

Assim, tem-se que o prazo final para AIJE do 30-A é da diplomação dos candidatos eleitos. No entanto, cabe salientar, por oportuno que nada impede que o cometimento do crime capitaneado no art. 30-A, seja objeto de Ação de Impugnação ao Mandato Eletivo, haja vista se tratar de um tipo de abuso de poder.


11.Conclusão.

Diante do estudo feito, tem-se que a AIJE prevista no artigo 30-A é a medida própria para os legitimados provocarem a apuração de suspeitas na arrecadação e gastos de recursos financeiros de campanha, sendo que o início prazal para propositura de tal demanda, fica, a priori, adstrito ao pedido de registro de candidatura.

No entanto, fica claro que a depender do caso, nada impede que sejam propostas representações antes do registro da candidatura, desde que se vislumbre a presença e/ou indícios de fraudes numa possível pré-candidatura.

Cabe informar que, mesmo após a diplomação dos eleitos, aqueles que se sentirem prejudicados poderão optar pela AIME - Ação de Impugnação de Mandato Eletivo.

No que pertine aos efeitos, por não existir, ainda, decisões a respeito, eis que se trata de norma recente e que será aplicada com mais acuidade nas eleições municipais que se avizinham, espera-se que o TSE assente o mesmo entendimento posto em relação ao artigo 41-A da Lei 9.504/97 - que prescreve a cassação do registro ou do diploma quando apurada a compra de votos -, de reconhecer ser imediata à execução das decisões lançadas com base no artigo 30-A, que prevê a não concessão do diploma, ou a sua cassação quando já outorgado. [14]

Já no que se refere à questão atinente a procedência da ação e à conseqüência jurídica advinda, essa deverá ser tema de debates intensos no plenário do TSE. Eis que, ou se aplicará as conseqüências das AIJE’s ou das AIME’s – havendo nulidade de mais de 50% dos votos válidos, novas eleições; em caso contrário, assumiria o segundo colocado.

Essa criação jurisprudencial do TSE a respeito de conseqüências jurídicas distintas para AIJE e AIME foi de uma tristeza úmida, de uma infelicidade tamanha, haja vista que o objetivo das demandas é somente um, condenar aqueles que se utilizam dos meios ilícitos para obter a vitória nas urnas, pois a inelegibilidade de três anos do artigo 22, inciso XIV, da Lei 64/90 é uma pena...uma verdadeira pena de ganso, ou seja, para fazer rir.

Diante disso, tem-se que o 30-A, fará muito sucesso nas eleições que se aproximam, assim como fez o 41-A, tanto no que diz respeito ao combate à corrupção eleitoral, a busca por eleições mais limpas, como pelo aumento do número de políticos cassados nesta seara.


REFERÊNCIAS

CÂNDIDO, Joel J. Direito Eleitoral Brasileiro. Bauru: Edipro, 2005. p. 423/424

COSTA, Adriano Soares da. Comentários à Lei nº 11.300/2006 . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1107, 13 jul. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8641>. Acesso em: 26 jan. 2008.

COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 6ª Ed. Belo Horizonte. Ed. Del Rey. 2006.

GARCIA, Emerson. Abuso de Poder nas Eleições – Meios de Coibição. 3ª Ed. Lumen Juris. 2006

FERNANDES, Lília Maria Da Cunha. Minirreforma eleitoral: considerações sobre a lei nº 11.300, DE 10/05/2006, nas prestações de contas das campanhas eleitorais. - Revista do TRE-TO, Palmas, v.1, n.1, jan/jun. 2007.

GUIMARÃES, Cristiana de Pinho Aguiar. Não obrigatoriedade do litisconsórcio passivo necessário do vice segundo a nova jurisprudência do TSE, Revista n. 11 do TRE-MG

OLIVEIRA, Marco Aurélio Bellizze. Abuso de Poder nas Eleições: A inefetividade da Ação de Investigação Judicial Eleitoral. 1ª Ed. Lumen Juris. 2005

NETO, Admar Gonzaga – Revista Consultor Jurídico, 19 de setembro de 2007.

ZILVETI. Aurélio e outros. O regime Democrático e a Questão da Corrupção Política. São Paulo: Ed. Jurídico Atlas; 2004.


Notas

01 - ZILVETI. Aurélio e outros. O Regime Democrático e a Questão da Corrupção Política. São Paulo: Jurídico Atlas; 2004.

02 FERNANDES, Lília Maria da Cunha. MINIRREFORMA ELEITORAL: considerações sobre a lei nº 11.300, de 10/05/2006, nas prestações de contas das campanhas eleitorais. - Revista do TRE-TO, Palmas, v.1, n.1, jan/jun. 2007.

03 CÂNDIDO, Joel J. Direito Eleitoral Brasileiro. Bauru: Edipro, 2005. p. 423/424

04 COSTA, Adriano Soares da. Comentários à Lei nº 11.300/2006 . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1107, 13 jul. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/8641>. Acesso em: 26 jan. 2008

05 NETO, Admar Gonzaga – Revista Consultor Jurídico, 19 de setembro de 2007.

06 Prestação de contas. Matéria administrativa. Jurisdicionalização. – MS nº 3566, Acórdão nº 3566, de 14/08/2007, Rel.: Min. José Gerardo Grossi; AG nº 7413, Acórdão nº 7413, de 21/06/2007, Rel.: Min. Carlos Eduardo Caputo Bastos; ERESPE nº 26115, Acórdão nº 26115, de 24/10/2006, Rel.: Min. José Augusto Delgado.

07 Idem 4

08 Idem 5

09 GUIMARÃES, Cristiana de Pinho Aguiar, NÃO OBRIGATORIEDADE DO LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO DO VICE SEGUNDO A NOVA JURISPRUDÊNCIA DO TSE, Revista n. 11 do TRE-MG

10 Idem 9

11 Ação de investigação judicial eleitoral. Prazo para propositura. - RESPE nº 25935, Acórdão nº 25.935, de 20/06/2006, Rel.: Min. José Augusto Delgado; RP nº 628, Acórdão nº 628, de 17/12/2002, Rel.: Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira; RESPE nº 12531, Acórdão nº 12531, de 18/05/2005, Rel.: Min. Ilmar Nascimento Galvão

12 TSE/Representação n. 628/DF, j. 17.12.2002, rel. Min. Sálvio de Figueiredo.

13 Idem 4

14 Idem 7


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CUNHA, Vagner Bispo da. O art. 30-a da Lei Eleitoral e as suas implicações. Arrecadação, gastos e prestação de contas de campanha eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1834, 9 jul. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11478. Acesso em: 18 abr. 2024.