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O direito internacional ante as ameaças à paz mundial e o papel das forças armadas

O direito internacional ante as ameaças à paz mundial e o papel das forças armadas

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Esta monografia analisa os conflitos armados internacionais e os reflexos atuais para o Direito Internacional. Observa-se como os conflitos pós-Guerra Fria e o fenômeno da globalização se inter-relacionam com a mudança de paradigma no conceito de soberania, que passou a ser flexibilizado em circunstâncias mais abrangentes, como as intervenções humanitárias.

Resumo: Esta monografia analisa elementos importantes sobre os conflitos armados internacionais e os reflexos atuais para o Direito Internacional, destacando o papel das forças armadas nesse contexto. Visando estabelecer um embasamento histórico, são relembrados os principais aspectos sobre a evolução do Direito Internacional relacionada aos conflitos bélicos, desde os primeiros acordos até o arcabouço normativo que vem compondo o jus in bello. Também é observado como os conflitos pós-Guerra Fria e o fenômeno da globalização se inter-relacionam com a mudança de paradigma no conceito de soberania, que passou a ser flexibilizado em circunstâncias mais abrangentes, como as intervenções humanitárias. Abordam-se em seguida os reflexos para a paz mundial e para o Direito Internacional, decorrentes dos ataques terroristas aos Estados Unidos em 2001, observando a tentativa de alguns países em ampliar o conceito de legítima defesa preventiva, enfatizando também as ameaças promovidas por outros ilícitos internacionais, cometidos por entidades fortemente organizadas. Também é comentada a tendência do Sistema Internacional em retornar a um relacionamento interestatal caótico, eivado de incertezas e pragramtismo, similar ao estado da natureza divulgado por Thomas Hobbes no século XVII. Por fim, é estudado o papel das forças armadas nesse novo contexto, constatando a necessidade de alterações estruturais no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas.

Palavras-chave: Direito Internacional; Conflitos Armados; Globalização e Soberania; Terrorismo; Novas ameaças à paz mundial; Forças Armadas.


INTRODUÇÃO

A humanidade ainda não possui um consenso sobre a definição de guerra no Direito Internacional (MELLO, 1997, p. 106). A Carta das Nações Unidas só adota este vocábulo em seu preâmbulo, empregando no restante de seu texto diversos outros termos. Diante de tal quadro, ao longo deste trabalho adotaremos indistintamente como sinônimos os termos "guerra", "conflitos armados", "uso da força", "ruptura da paz", "atos de agressão", etc.

Nas últimas décadas, o mundo sofreu duas marcantes reviravoltas em sua história:

  1. a queda do muro de Berlim (1989), quase simultaneamente com a desestruturação da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 1991, simbolizando o fim do comunismo e aparentemente trazendo uma esperança de fim dos conflitos, fatos apontados por alguns historiadores como sendo o efetivo marco do término da 2ª Guerra Mundial; e

  2. o ataque terrorista ao território estadunidense (11/SET/2001), que fez ficar ultrapassado o conceito tradicional de guerra, pois passou-se a incluir como um dos pólos não um Estado, mas uma estratégia de combate: o terrorismo.

A queda do muro de Berlim e a fragmentação da URSS simbolizaram o início de uma nova era, marcada por uma onda de otimismo internacional no tocante à possibilidade de eliminação dos conflitos armados e dos flagelos por eles trazidos.

Porém, em apenas uma década a era otimista mostrava sua curta passagem. Os ataques terroristas sofridos pelos Estados Unidos da América (EUA) geraram um novo conceito de guerra, em que não mais Estados soberanos entram em combate, mas de Estados contra uma atividade sem rostos. A comoção mundial que se seguiu aos ataques "respaldou" o acirramento de uma postura internacional unilateralista por parte dos EUA e acabou por enterrar de vez a euforia surgida dez anos antes, vindo a exacerbar ainda mais as tensões diplomáticas e os conflitos armados no planeta. O pragmatismo unilateral estadunidense na questão da invasão do Iraque em 2003 mostrou ao mundo que a Organização das Nações Unidas (ONU) encontra-se em um período de fragilidade e desprestígio (ou indiferença) e, com ela, todo o Direito Internacional construído pela humanidade.

Desde a invasão do Iraque a ONU, entidade criada justamente para coibir a ocorrência dos conflitos armados no mundo, se viu ignorada ante uma polêmica coalizão de poucos países, que empregaram a força contra um Estado, se proclamando como executores das resoluções daquela organização, sem no entanto contarem com seu respaldo formal. Esse conflito colocou em dúvida a capacidade da ONU em manter a paz no mundo, sofrendo a ameaça de ver sua legitimidade perder efetividade, ou mesmo passar a ser acusada de atuar somente quando não contrariar os interesses das grandes potências.

Todos esses acontecimentos trouxeram significativas mudanças nas relações internacionais. Diversos doutrinadores do Direito Internacional (DI) vinham reconhecendo a limitação da soberania dos Estados em face do atual ordenamento jurídico internacional no tocante aos direitos humanos, além da crescente interdependência das relações comerciais. Entretanto, esse paradigma parece estar ameaçado de grave retrocesso, podendo vir a prevalecer o pragmatismo da soberania irredutível reinante séculos atrás, quando o Tratado de Westfalia (1648) estabeleceu uma ordem mundial que tinha nas guerras interestatais sua razão de ser.

Desta forma, é de suma importância refletir sobre as ameaças que pairam sobre o DI estabelecido e o Conselho de Segurança da ONU, cujos guardiões são as Forças Armadas dos países-membros daquela organização intergovernamental.

Este trabalho pretende levantar a situação atual do Direito Internacional frente às ameaças à paz mundial e qual o papel das Forças Armadas nesse novo contexto.

Partindo-se de uma descrição sumária da evolução do Direito Internacional nos conflitos armados, serão abordados aspectos relevantes do ordenamento jurídico internacional em vigor, atinentes aos conflitos bélicos. Em seguida, serão comentados os debates atuais sobre o conceito de soberania com a consolidação do mundo globalizado. Também será feita uma análise sobre o impacto do ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 sobre o Direito Internacional, sendo, por fim, estudada a necessidade de uma alteração estrutural no Conselho de Segurança da ONU e o papel das Forças Armadas no contexto atual.


1. EVOLUÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL NOS CONFLITOS ARMADOS

A ocorrência de guerras provavelmente se deu desde que os agrupamentos humanos se organizaram em tribos e povos, passando a ter interesses em conflitos. Há registros históricos da existência de cidades muradas, por conta de invasões nômades, já no período da dinastia chinesa Chou (1122-256 a.C.). A grande muralha da China, erguida na dinastia Qin (221-206 a.C.), é um marco vivo da remota existência das guerras.

No contexto europeu, as Guerras Médicas, dos espartanos contra os persas (480 a.C.) e depois daqueles contra os atenienses, nas guerras do Peloponeso (terminadas em 404 a.C.), as três guerras Púnicas, entre Cartago e Roma (264-241, 218-201 e 149-146 a.C., respectivamente), as incursões dos godos (séc. III a VI), hunos (séc IV a V ) e outros povos chamados "bárbaros" na pré-Idade Média, a desintegração do Império Romano (séc. V), são alguns outros exemplos de quão antigas são as ocorrências bélicas na humanidade.

Portanto, desde a antiguidade aparecem registros de conflitos bélicos ocorridos entre os povos, envolvendo razões políticas, culturais, econômicas, territoriais, sob diversas alegações, como recuperação de fronteiras históricas, destino manifesto, recuperação de espaço vital, interesse nacionais, purificação étnica, etc. Entretanto, na época das cidades-estado, ainda não se pode perceber algum tipo de regramento sobre a guerra, posto que a base cultural daqueles povos não admitia aos oponentes qualquer direito (COULANGES, 1998 apud CAMPANA, 2004, p. 13).

O historiador John Keegan tenta justificar a existência da guerra na humanidade:

A história escrita do mundo é, em larga medida, uma história de guerras, porque os Estados em que vivemos nasceram de conquistas, guerras civis ou lutas pela independência. Ademais, os grandes estadistas da história escrita foram, em geral, homens de violência, pois ainda que não fossem guerreiros - e muitos o foram -, compreendiam o uso da violência e não hesitavam em colocá-la em prática para seus fins (KEEGAN, 2006, p. 492).

Mesmo na Antiguidade, pode-se dizer que algumas linhas do Direito Internacional já iniciavam seu esboço. Na 1ª Guerra do Peloponeso, por exemplo, há registros de um acordo de paz com validade de 30 anos (446 a.C.), estabelecendo regras a serem seguidas durante o período sem atividade bélica, prevendo até a possibilidade do instituto da arbitragem (FUNARI, 2006, p. 29). Práticas costumeiras também aparecem nos conflitos do Peloponeso, como as alianças defensivas (FUNARI, 2006, p. 42), que poderíamos identificar como precursores dos atuais tratados de segurança coletiva.

Na Roma antiga surgiram as primeiras idéias sobre o conceito de guerra justa, invocada para promover a manutenção da chamada pax romana.

No mundo oriental, a filosofia de Confúcio também trazia alguma menção ao conceito de guerra justa.

Esse conceito de guerra justa, também defendido por Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.), veio a ser posteriormente retomado por Santo Agostinho (354-430 d.C.), que a admitia caso o conflito fosse conduzido em prol da paz. Este entendimento da guerra justa (pública) foi reforçado para combater as guerras privadas, que eram vistas com debilitantes do Sacro Império Romano Germânico (MELLO, 1997, p. 106).

Francisco de Vitória (1483-1546) e Algerico Gentili (1552-1608) [01] também utilizaram o conceito de justiça, ao questionarem a legitimidade da guerra (CERQUEIRA, 2005).

Deixando a dicotomia filosófica de Santo Agostinho entre fé e razão, mas seguindo ainda sua concepção sobre a guerra, Hugo Grotius [02] defendeu o conceito da legitimidade da guerra, dividindo-as em "justas" ou "injustas", conforme contribuíssem ou não para a paz internacional. Ele defendeu a liberdade dos mares como princípio das relações internacionais, visando à liberdade do comércio (CARNEIRO, 2006, p. 175). Grotius entendia a guerra como um status jurídico e um procedimento, pensamento que fomentou a doutrina clássica. A legitimação de um estado de guerra tinha diversos efeitos e, sobretudo, evitava prejuízos ao comércio internacional dos neutros (MELLO, 1997, p. 107).

Celso D. Mello nos ensina que estes conceitos preliminares da guerra e o costume internacional acabaram por converter o jus ad bellum (direito à guerra [03]) no jus in bello (direito na guerra), este entendido como o corpo de regras da guerra, ou seja, "as normas que regulam a conduta dos beligerantes na guerra" (MELLO, 1997, p. 118-119).

No contexto atual do direito internacional afeto aos conflitos armados, além do costume, citamos alguns tratados importantes, como a Declaração de Paris de 1856 (sobre a guerra marítima) [04], as Convenções e Protocolos de Genebra (1864 [05], 1929 [06], 1949 [07], 1977 [08], 1996 [09]), Declaração de São Petesburgo (1868, proibindo o uso de projéteis explosivos ou inflamáveis) [10], as diversas Convenções e Declarações de Haia (1899 [11], 1907 [12], 1954 [13]), as Convenções e Protocolos de Nova Iorque (1980 [14], 1992 [15]) e o Protocolo de Londres (1936 [16]). Finalmente, cabe também um destaque particular ao Pacto da Sociedade das Nações (1919) e à Carta das Nações Unidas (1945).

Uma forte tendência dos tratados relacionados aos conflitos e seus efeitos é não apenas definir regras básicas adotadas pelas partes em conflitos, mas também em humanizar as contendas. Até algumas décadas atrás, o Direito na Guerra era dividido por alguns doutrinadores em Direito de Haia (tratando dos meios e métodos de combate) e em Direito de Genebra (abordando as vítimas dos conflitos armados), que mais tarde viriam a ser incorporados pelo chamado Direito de Nova Iorque (segmento que trataria do desarmamento e limitação da proliferação de armas).

Esta divisão, além de inadequada, é também irrelevante. Celso Mello e Cançado Trindade, dois importantes estudiosos brasileiros do DI, observam ser uma tendência nos três segmentos citados acima uma corrente integracionista no tocante ao Direito Humanitário (MELLO, 1997, p. 141). Estruturalmente, podemos considerar as Convenções de 1949 e os Protocolos de 1977 como o corpo jurídico que compõe o Direito Internacional Humanitário. Celso Mello considera que os protocolos de Genebra de 1977 foram importantíssimos institutos, pois acabaram com a distinção entre Direito de Haia e Direito de Genebra (MELLO, 1997, p. 138).


2. QUEDA DO MURO DE BERLIM E A GLOBALIZAÇÃO: SOBERANIA LIMITADA?

A dinâmica do comércio internacional do mundo atual é caracterizada por uma complexa interdependência, fruto do fenômeno da globalização. Celso Mello avalia como definição mais completa desse fenômeno a emitida por Helmut Hesse, que considera ocorrer uma perda de importância nas fronteiras dos países, tendo em vista o entrelaçamento econômico a que estão submetidos, quer por conta da integração dos mercados, quer pela própria dinâmica da composição dos produtos finais, cujas cadeias de insumos são oriundas de diferentes partes do planeta (HESSE, 1997 apud MELLO, 1999, p. 21).

No passado, na era do escambo, as trocas comerciais eram bastante limitadas entre os povos. Com o surgimento da moeda, houve um incremento da atividade comercial, mas sua esfera de abrangência ainda ficou limitada, em função das dificuldades logísticas de então (produtos perecíveis, longas e custosas caravanas, ação de bandidos, etc.). Mas um capitalismo incipiente se instalava na cultura dos povos.

Com as inovações tecnológicas que possibilitaram a era das Grandes Navegações (bússola, astrolábio, naus, etc.), já no final da Idade Média, o planeta sofreu uma mudança no paradigma do comércio internacional, cujas trocas de produtos passaram a ser mais rápidas e a abrangência, a cada descobrimento, foi se tornando verdadeiramente global. Aqueles feitos marítimos criaram os pilares da globalização. No campo do Direito Internacional, um importante marco foi o Tratado das Tordesilhas (1494), firmado entre as duas potências marítimas da época (Portugal e Espanha), mas que tinha reflexos também para outras nações que se aventurassem pelas águas oceânicas. A ascensão das outras nações européias à condição de potencias marítimas e a dependência acarretada nas cortes européias com a nova dinâmica internacional protagonizaram algumas guerras entre esses Estados. Entrava em vigor o colonialismo, caracterizado pela tendência quase geral ao exclusivismo comercial entre metrópoles e colônias. A sociedade feudal do cenário europeu ia dando lugar à sociedade capitalista.

A Guerra dos Trinta Anos cessou com o Tratado de Westfalia (1648), que estabeleceu o Estado moderno, laico, baseado nos interesses dos soberanos e sem interferência da Igreja (MAGNOLI, 2006, p. 12) [17]. Passavam a imperar as razões de Estado e os interesses nacionais. No campo do Direito Internacional, um sistema de relações interestatais foi estabelecido por diversos acordos e tratados, sobretudo visando a livre navegação nos mares e buscando poupar o comércio internacional nas guerras, em um pressuposto de reciprocidades (CARNEIRO, 2006, p. 184).

A Revolução Industrial, com novas tecnologias de produção, tornou-se outro grande marco no comércio internacional. Entretanto, as especiarias e produtos primários trazidos da Ásia e do Novo Mundo passaram a compor uma ampla cadeia de produção, aumentando a acumulação de riqueza por parte dos empresários, contribuindo para o fortalecimento político da classe burguesa. Surgiam as primeiras teorias do liberalismo econômico e do livre mercado.

O Iluminismo antecedeu a Revolução Francesa e, com ela, vieram as Guerras Napoleônicas. Estas, por sua vez, fizeram ruir o sistema internacional estabelecido pelo Tratado de Westfalia. Porém, o equilíbrio de poder firmado pelo Congresso de Viena de 1815 promoveu um período de quase cem anos de relativa paz entre os principais Estados europeus (Inglaterra, França, Rússia, Prússia e Itália), que tiveram contendas por apenas cerca de 18 meses (MONDAINI, 2006, p. 215).

Já em meados do século XIX consolidavam-se grandes conglomerados econômicos. A dependência dos insumos estrangeiros fazia aumentar os anseios pelo monopólio dos meios de produção ou mesmo dos mercados consumidores. O colonialismo se transformara em imperialismo, incrementando os grandes conflitos de interesses entre diversos Estados.

As causas econômicas estão na origem de praticamente todas as guerras do século XIX e XX (e até mesmo do século XXI). A história registra que a tardia transformação dos povos germânicos e italianos em Estados unificados e seu conseqüente posicionamento como potências imperialistas acirrou as contendas territoriais, culminando na I Guerra Mundial (I GM). O desequilíbrio de poder provocado pela derrota da França na Guerra Franco-Prussiana (1870-71), com a ascensão da Alemanha como potência hegemônica, levou o planeta à primeira guerra de proporções globais, com as relações internacionais sendo dominadas por ameaças de violência pela realpolitik de Bismark, que considerava a guerra um aparelho da política estatal, como aliás observara o estrategista Karl von Clausewitz (VIDIGAL, 2006, p. 314). Na visão de Clausewitz, a guerra não seria um artifício a ser usado quando findados as esforços políticos, mas sim, um mais um instrumento a ser empregado pela política.

Após a I GM, apesar dos esforços defendidos pelo presidente estadunidense Woodrow Wilson na Conferência de Paris de 1919, pregando a criação da Liga das Nações, os líderes europeus pareciam estar mais interessados nos mapas de fronteiras e nas indenizações a serem estabelecidas (MOGNOLI, 2006, p. 10). O Tratado de Versalhes impôs pesadas perdas aos vencidos. A tradição belicosa dos Estados europeus, instituída pelas disputas territoriais das monarquias e embasada nos conceitos realistas de Maquiavel, imprimiu os europeus ao estabelecimento de uma situação de desequilíbrio entre vencedores e vencidos, mantendo acesos focos de conflitos iminentes, que vieram a promover a II Guerra Mundial (II GM).

A II GM, portanto, pode ser encarada como uma continuação da primeira, cujas principais contendas não ficaram resolvidas de forma equilibrada, sendo inevitável o recrudescimento das tensões [18].

Os horrores de uma guerra de proporções mundiais como a I GM trouxeram uma importante contribuição ao Direito Internacional, com o Pacto de Briand-Kellog [19], condenando a guerra como ação política na solução de conflitos (embora tenha se mostrado ineficaz, posto que quase todos os signatários desse tratado acabaram por se envolver na II GM).

A capitulação das potências do Eixo encerrou a belicosidade do conflito, havendo o estabelecimento de uma divisão do mundo em áreas de influências dominadas pelas duas superpotências que emergiram da II GM. Houve também um grande avanço no Direito Internacional, com a repulsa ainda mais veemente à guerra e o resgate do conceito da Sociedade das Nações, defendido por Franklin D. Roosevelt após a I GM. Nascia a Organização das Nações Unidas, cujo ordenamento jurídico estabeleceu que o monopólio do uso da força no âmbito externo seria exclusivo do Conselho de Segurança.

No contexto pós II GM reinou um ambiente bipolarizado nos aspectos político-ideológicos, militares e econômicos. Era a chamada Guerra Fria que, embora de abrangência global, experimentou apenas conflitos bélicos localizados, ditos "de baixa intensidade".

Entretanto, quase 50 anos depois do fim da II GM, um fato inusitado marcou história: a queda do muro de Berlim (1989), simbolizando o fim da Guerra Fria. Os Estados Unidos se posicionaram como vitoriosos naquela Guerra, onde o capitalismo e a democracia teriam sido a chave do sucesso. De fato, ao longo do ano de 1991, a então União Soviética, se desmantelaria. Hoje a Rússia, integrada no bloco da Comunidade dos Estados Independentes (CEI), já vem adotando algumas políticas capitalistas e mostrando sinais fortes de recuperação econômica, assim como também de reestruturação militar. O outro gigante mundial comunista, a China, que contabiliza atualmente cerca de 20% da população do planeta, com a criação das regiões econômicas especiais (com regime capitalista), também vem apresentando consistentes e elevados índices de crescimento econômico, já ocupando a sexta colocação dentre os maiores produtos internos brutos (PIB) mundiais (PUGA, 2004 apud ARENTZ, 2004, p. 5).

Essa nova ordem mundial, que demonstrou a existência de uma única superpotência militar, também evidenciou um mundo multipolar no campo político e econômico. A globalização traz como conseqüência uma forte interdependência entre os Estados; em que incertezas políticas ou econômicas podem afetar até os mercados das economias mais robustas, como pudemos verificar no caso da crise dos mercados asiáticos em 1997, por exemplo.

As observações acima nos levam a questionar se a soberania estatal plena ainda estaria vigorando no mundo atual. A soberania dos Estados é um conceito enfatizado no Sistema Internacional desde 1648. Na verdade, esse conceito teria surgido na Idade Média, tendo o vocábulo "soberania" origem latina (superanus), significando " o grau supremo da hierarquia política" e estaria sempre ligado a aspectos econômicos (MELLO, 1999, p. 10-11). Segundo Celso Mello, o maior teórico da soberania teria sido Jean Bodin, para quem ela só seria limitada pelo direito natural e pelo jus gentium, mas seria ao mesmo tempo absoluta, exemplificando que o soberano impõe a lei a seus súditos, mas a ela pode não se auto-obrigar (BODIN, 1993 apud MELLO, 1999, p. 11) [20].

Um claro exemplo da limitação da soberania nacional é constatado nos blocos econômicos regionais formados nas últimas décadas, que possuem tribunais supranacionais para decidir pacificamente as controvérsias entre seus membros.

A Carta da ONU consagra a soberania estatal no princípio da igualdade de direitos, da autodeterminação dos povos e da não intervenção na jurisdição interna dos países. Entretanto, esta mesma norma internacional já aponta para a possibilidade de quebra da soberania, mesmo em relação a Estados que não sejam membros, quando for necessário à manutenção da paz e segurança internacionais [21].

Em 1991, o massacre promovido pelo Iraque ao povo curdo residente no norte de sua fronteira impeliu a França a defender um direito de ingerência pela ONU alegando uma "internacionalização dos direitos humanos" (MELLO, 1999, p. 17).

No ano seguinte, a guerra civil e a fome incontrolável em curso na Somália foram consideradas ameaças à paz e seguranças internacionais, autorizando uma desastrada operação da ONU. Em 1994, mais uma vez houve o consentimento do Conselho de Segurança para o emprego da força na Somália, por ocasião da intensificação dos conflitos internos em que milhares de tutsis foram massacrados pelos hutus, (BYERS, 2007, p. 40-43).

Ainda em 1994, o Conselho de Segurança autorizou novamente o uso da força em questões puramente nacionais. Tratava-se de restituir ao poder no Haiti Jean Aristide, presidente eleito derrubado por um golpe em 1990. O deslocamento em massa de refugiados (embora com pouca influência internacional prática) foi um aspecto levantado pela China em favor da atuação bélica da ONU. Com essa postura, o Conselho de Segurança confirmou sua tendência atual em autorizar sanções e o emprego da força contra crises humanitárias internas, mesmo representando pouca ameaça a outros Estados. Este posicionamento seria confirmado em 2004, no Painel de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudança (BYERS, 2007, p. 44-46).

Outro questionamento afeto à plenitude da soberania é colocado por Celso Mello, observando o incremento do quantitativo dos chamados "micro-Estados", com o fenômeno da descolonização. Tais países, embora formalmente soberanos, em geral não gozam, de fato, de suas soberanias de forma autônoma, quer pelo baixo número de habitantes ou pequeno território, quer pela economia inconsistente (MELLO, 1999, p. 19).

A ONU, criada em 1948 com apenas 51 membros, já contava com 159 em 1990. Hoje são 192 Estados-membros. O desmantelamento da URSS e sua área de influência nos trouxe também Andorra, Armênia, Azerbaijão, República Checa, Estônia, Cazaquistão, Quirguistão, Letônia, Lituânia, Eslováquia, Tadjiquistão, Turcomenistão e Uzbequistão. A guerra nos Bálcãs desintegrou a Iugoslávia, trazendo-nos a nova Sérvia, Montenegro, Bósnia-Herzegovina, Croácia, Eslovênia e Macedônia. Outras incorporações recentes foram Kiribati (ex-Ilhas Gilbert), Ilhas Marshall, Micronésia, Moldávia, Mônaco, Nauru, Palau, Coréia do Sul, Coréia do Norte, Eritréia, São Marino, Suíça, Tonga, Timor-Leste e Tuvalu. Cabe observar que a Santa Sé, Estado que representa o Vaticano, figura apenas como membro observador convidado.

As relações comerciais também apresentam aspectos que inibem a plena soberania estatal, quer de forma implícita (pressões de grandes potências ou conglomerados), quer legalmente (como determinados dispositivos preconizados pela Organização Mundial do Comércio – OMC). Segundo nos observa a Professora Ana Cristina Pereira, sob o aspecto formal, a OMC enfatiza o respeito à soberania estatal, mas, fruto de uma auto-limitação voluntária dos Estados, visando maiores vantagens econômicas, ao verificarmos o conteúdo de suas normas (aspecto material), podemos observar que a política comercial externa dos países não possui uma boa margem de manobra (PEREIRA, 1999, p. 111).

Alguns doutrinadores apontam ainda a continuidade da soberania plena, considerando que tais flexibilizações só existem porque os Estados, exatamente no exercício soberano de suas ações, consentiram em assinar tais tratados. Entretanto, na prática o que se constata é que pressões e cenário internacionais não propiciam o pleno exercício da soberania (CRUZ, 2005).

A opção ou não em ratificar determinado tratado internacional pode ser encarada como uma expressão clara da soberania estatal. Mas, em que pese o forte relevo dada à soberania dos Estados nos tratados internacionais, diversos aspectos tem sido levantados justamente no caminho da limitação a esse conceito. Uma vez ratificado um tratado, o Estado abre mão de parcela de sua soberania.

Interessante notar também a percepção que Celso Mello faz a respeito do primeiro Tratado de Utrecht (1713) [22], que não visaria à paz, mas sim a evitar que uma única potência viesse a dominar a Europa, "o que conduziria a uma diminuição ou desaparecimento da soberania dos demais Estados (MELLO, 1999, p. 13). Nesse sentido, observando os fatos que vêm ocorrendo no mundo atual, talvez identifiquemos que a hegemonia e o unilateralismo de uma superpotência pode realmente corromper o conceito de soberania, como pode ser constatado no Iraque a partir de 2003.

Comparando as mazelas promovidas pelos conflitos dos séculos XIX e XX, houve um grande avanço no Direito Internacional com a criação da ONU, embora as tentativas de frear a ocorrência de ações bélicas ainda estejam em um lento processo construção. Em 1992, o sexto Secretário-Geral da ONU Boutros Boutros-Ghali contabilizava mais de cem conflitos importantes no mundo, que ceifaram a vida de cerca de 20 milhões de pessoas e em muitos deles a ONU ficou impotente, por conta do sistema de vetos do Conselho de Segurança [23]. Em 2006, o professor Afonso Celso contabilizou mais de 170 conflitos armados internacionais travados desde 1945, apesar das restrições impostas ao uso da força pela Carta da ONU (PEREIRA, 2006, p. 9), o que nos dá pelo menos mais 70 novos conflitos em cerca de 15 anos. Além disso, a depuração dos dados apresentados no apêndice A permite verificar que 46 missões de paz da ONU constam como finalizadas, num período de cerca de 50 anos, empregando aproximadamente 200.000 militares e consumindo por volta de US$ 12,8 bilhões. Nestas operações, foram registradas as mortes de 1335 pessoas. Destas 46 missões, apenas 12 se deram antes da queda do muro de Berlim [24].

Ainda estão em curso outras 17 missões de paz, com previsão de consumo de cerca de US$ 4,6 bilhões. Até novembro de 2007, já foram registradas outras 328 mortes [25]. Do total destas missões, 10 foram iniciadas nos últimos oito anos.

Os dados acima evidenciam contrastes marcantes, ante uma inevitável comparação com o evento atualmente em curso no Iraque: em apenas quatro anos, desde a invasão pelos EUA (e alguns aliados), já perderam a vida 3855 soldados norte-americanos e foram gastos mais de US$ 500 bilhões (BAÑALES, 2007).

Um levantamento das baixas ocorridas nas missões de paz da ONU nos mostra que o número de mortos anualmente sempre ficou abaixo de 50 até 1991 [26]. Coincidentemente, após o desmantelamento da URSS e a afirmação do unilateralismo dos EUA, as missões de paz da ONU passaram a enfrentar ambientes mais violentos, com o número de mortos ultrapassando uma centena a partir de 2003 [27].

Estas constatações nos permitem a seguinte ilação: após a queda do muro de Berlim e o desmantelamento da URSS, ao contrário das previsões otimistas, o mundo se tornou muito mais inseguro e violento, ficando a paz mundial defendida pela ONU e seus membros decididamente mais longe de ser alcançada. Os conflitos bélicos com reflexos para a segurança internacional não apresentaram, até o presente, um prognóstico efetivo de término ou diminuição.


3. IMPACTO DO ATAQUE TERRORISTA DE 11 DE SETEMBRO SOBRE O DIREITO INTERNACIONAL E AS NOVAS AMEAÇAS À PAZ NO MUNDO

Talvez a data mais marcante das últimas décadas tenha sido 11 de setembro de 2001, quando ocorreram os ataques terroristas ao território dos EUA. Naquela data faleceram 3021 pessoas (FOLHA ON LINE, 2003), número similar ao total de soldados estadunidenses mortos na Guerra do Iraque. Este conflito é reputado como responsável pela produção de 2 milhões de refugiados e pelo maior gasto militar dos EUA em 60 anos [28].

A comoção internacional provocada pela inusitada ação terrorista e a alta quantidade de mortes ocorridas em um só dia foram temas habilmente explorados, interna e externamente, pela política estadunidense para impor sua Guerra ao Terror. A ligação dos ataques à rede Al-Qaeda e o levantamento de suspeitas sobre o apoio do regime Talibã àquela rede terrorista foram argumentos apresentados pelos EUA para implementar uma ação militar internacional no Afeganistão, que logrou remover o governo radical daquele país e instalar um regime mais consoante com a cultura ocidental.

Paradoxalmente, mesmo após a remoção do regime Talibã, a vida da população afegã permaneceu miserável. O povo daquele país vive intensamente da produção da papoula. A produção de papoula tem crescido desde a queda do regime Talibã, mesmo com a presença das tropas da ONU, lideradas pelos EUA [29].

Além disso, a quantidade de ataques terroristas no país cresceu entre 2003 e 2006, tendo sido registrados 2761 atentados suicidas com bombas (MATTOS, p. 13). A reação estadunidense no Afeganistão e no Iraque também não foi capaz de impedir outros ataques terroristas que deixaram marcas cruéis no resto do mundo: os realizados em 2004, no metrô de Madri (março) e em Beslan (na Rússia, em setembro [30]), e o conduzido no metrô e ônibus de Londres, em 05 de julho de 2005.

Após o ataque de setembro de 2001, os EUA buscaram uma resposta rápida, visando dar uma satisfação à sua sociedade e, ao mesmo tempo, afastar a sensação de vulnerabilidade de uma grande potência. Uma relevante força motriz da resposta estadunidense aos ataques terroristas estava nas ligações da cúpula decisória da Casa Branca com a indústria bélica nacional e com empresas de petróleo. Afonso Arinos de Mello Franco, ilustre político e diplomata brasileiro, afirmou que a mudança do comunismo para o terrorismo como "inimigo" escolhido pelo pensamento estadunidense, continua a representar a prioridade, embora velada, da política externa americana em buscar um "acesso desimpedido às reservas petrolíferas, especialmente às do Oriente Médio" (FRANCO, 2002, p. 2).

O publicista internacional Michael Byers também acredita que os ataques ao território estadunidense se tornaram oportunidades favoráveis à política externa norte-americana, sobretudo pela colaboração de Dick Cheney, Condoleeza Rice e Donald Rumsfeld (BYERS, 2007, p. 187). O atual vice-presidente Dick Cheney foi ministro de Defesa no governo de George H. W. Bush, ocasião em que os EUA se envolveram na invasão do Panamá e na primeira guerra contra o Iraque. Cheney é uma personalidade influente no setor petrolífero dos EUA, tendo sido presidente da empresa de serviços petrolíferos Halliburton Industries (MOORE, 2003, p. 45) [31]. O ex-ministro de Defesa do atual governo dos EUA, Donald Rumsfeld, já exercera o mesmo cargo no governo do presidente Ford (1974-1977) e já trabalhou com Dick Cheney no governo Nixon, sendo forte opositor dos tratados internacionais sobre controle de armas (MOORE, 2003, p.48). A ex-conselheira de segurança nacional a atual ministra de Relações Exteriores [32], Condoleeza Rice, pertenceu à direção da Chevron, tendo sido homenageada com um petroleiro da empresa que levou seu nome (MOORE, 2003, p. 53).

Outro "falcão" da Casa Branca também possuiu associações com importantes grandes corporações que se beneficiam das guerras. O general Colin Powell, antecessor de Condoeeza Rice na pasta das Relações Exteriores, participou dos conselhos da American On Line (AOL) e da Gulfstream Aerospace (fabricante de jatos). Seu filho, Michael Powell, foi posteriormente empossado por Bush para a presidência da Federal Communication Comission – FCC [33] (MOORE, 2003, p. 51).

A Estratégia de Segurança Nacional apresentada um ano após o ataque terrorista ao território estadunidense (setembro de 2002), conhecida como Doutrina Bush, nos remete a conceitos de ações preventivas e preemptivas, termos amplos e suficientemente indeterminados, talvez visando poder apoiar qualquer ação bélica futura por parte dos EUA. No contexto da Doutrina Bush as ações preemptivas buscariam reduzir a capacidade bélica inimiga, diante de um possível ataque iminente, enquanto que as ações preventivas visariam impedir que um adversário adquira, com o desenrolar do tempo, uma capacidade específica que venha a se tornar uma ameaça potencial (informação verbal) [34].

Destacamos os pontos principais da Doutrina Bush a respeito das ações preventivas e preemptivas:

The greater the threat, the greater is the risk of inaction – and the more compelling the case for taking anticipatory action to defend ourselves, even if uncertainty remains as to the time and place of the enemy’s attack (…) To forestall or prevent such hostile acts by our adversaries, the United States will, if necessary, act preemptively in exercising our inherent right of self-defense (…) If necessary, however, under long-standing principles of self defense, we do not rule out the use of force before attacks occur, even if uncertainty remains as to the time and place of the enemy’s attack. (…) The place of preemption in our national security strategy remains the same. We will always proceed deliberately, weighing the consequences of our actions (THE WHITE HOUSE, 2006, grifos nossos).

De fato, o limiar entre preempção e prevenção é meramente um jogo retórico. A visão particular norte-americana procura perigosamente ampliar o conceito de legítima defesa citado no art. 51 da Carta da ONU, posto que tal norma preconiza a necessidade da ocorrência de um ataque armado como pré-requisito. Mas o presidente Bush, em 2002 proclamava em discurso proferido em West Point [35], a extensão da preempção ao emprego das ações bélicas preventivas, alegando a necessidade de atacar o inimigo a fim de impedir as ameaças antes de sua materialização, mesmo que não iminentes (BYERS, 2007, p. 98).

Esta posição foi reiterada por Bush em 2004, quando entrevistado em um programa televisivo, declarando ser necessário enfrentar uma ameaça antes que se tornasse iminente. Felizmente, naquele mesmo ano o então secretário-geral da ONU, Kofi Annan, promoveu o Painel de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudança, envolvendo importantes países do Sistema Internacional, que considerou só ser aceitável a ação militar preventiva após aprovação do Conselho de Segurança, alertando para o risco à ordem global e ao princípio da não-intervenção (BYERS, 2007, p. 104-105).

O recurso de um ataque antecipado não é novidade, já tendo sido adotado na década de 1980 por Israel, realizando um bombardeio aéreo a um reator nuclear iraquiano em construção, nas proximidades de Bagdá. Israel alegou que tal instalação permitiria a seu quase vizinho dotar-se de armas nucelares, representando uma séria ameaça ao povo israelense, postura que foi condenada posteriormente pelo Conselho de Segurança, até mesmo com o voto estadunidense (BYERS, 2007, p. 95-96).

Devido aos interesses amplos e incertos que o conceito da legítima defesa preventiva pode atender, este recebeu apoio de importantes potências regionais, como a Índia, Israel, Rússia, Austrália e Japão, embora alguns países do sudeste asiático, França e Alemanha tenham marcado sua posição contrária (BYERS, 2007, p. 103).

A pressão estadunidense para ampliações do direito de legítima defesa tende a diminuir a autoridade das Nações Unidas, ao mesmo tempo em que aumenta sua própria liberdade de agir (BYERS, 2007, p. 79).

Tal ampliação ao conceito de legítima defesa, se viesse a ser conformado pelo Direito internacional, permitiria a cada Estado decidir quais fontes seriam consideradas ameaças agressivas potenciais a sua segurança, o que viria a respaldar ataques sem a intervenção do Conselho de Segurança, fazendo retornar a Sociedade Internacional a uma situação caótica, típica do "estado da natureza" hobbesiano.

Analisando os conceitos embutidos na Estratégia de Segurança Nacional dos EUA, verifica-se o descaso com o Direito Internacional, tendo havido um reforço continuado da postura unilateralista nos últimos anos. Os EUA não admitem o Protocolo de Kioto, o Tribunal Penal Internacional, o tratado que visa banir as minas terrestres anti-pessoais e vêm se contrapondo aos esforços internacionais para a limitação de guerras (FRANCO, 2002, p. 5). Além disso, descumpriram obrigações do histórico Tratado de Não-Proliferação Nuclear [36], incrementando a produção de armas de campo, visando à penetração de abrigos reforçados [37] e à destruição de produtos químicos ou biológicos perigosos (BYERS, 2007, p. 99).

A chamada Guerra contra o Terror, desencadeada pelos EUA, requer que busquemos conceituar o terrorismo. Uma de suas concepções diz respeito ao uso indiscriminado da violência contra civis, com o propósito de abalar o moral do inimigo. Nesse contexto, podemos ainda identificar o terrorismo de cunho racista (como o grupo Supremacia Branca, que atua nos EUA), de cunho nacionalista (como os movimentos de libertação nacional africanos, o ETA – Pátria Basca e Liberdade, os colombianos ELN – Exército de Libertação Nacional e FARC – Forças Armadas Revolucionárias, o IRA – Exército Republicano Irlandês), o de cunho fundamentalista (ideológico, como as ações dos movimentos guerrilheiros nas ditaduras da América Latina, religioso, como o dos grupos islâmicos armados – Al-Qaeda, Hamas, Hezbollah, Jihad, Fatah [38]). Podemos também identificar o terrorismo de Estado, conduzido por forças governamentais, militares ou não, como podemos enquadrar alguns dos ataques israelenses na Palestina e no Líbano e até mesmo aos ataques estadunidenses em Hiroshima e Nagasáki (SILVA, 2007, p. 37).

Uma característica peculiar do terrorismo internacional atual é seu modo de operação em rede [39], em que, na eliminação de um chefe ou mesmo de uma célula inteira, outros atores surgem em seu lugar. Mesmo após a queda do regime Talibã, não se conseguiu acabar com as ações das várias células vinculadas e financiadas pela Al-Qaeda.

O terrorismo internacional já vinha sendo uma importante preocupação no âmbito da ONU há mais 40 anos. Desde 1963, quando foi elaborada uma convenção contra atos nocivos cometidos a bordo de aeronaves, até a convenção para a supressão de financiamentos para o terrorismo (1999), já existem 12 tratados internacionais especificamente voltados à coibição do terrorismo (UNITED NATIONS, 2007b).

Os doutrinadores de Relações Internacionais admitem que, no mundo atual, além dos Estados, há uma série de outros atores com peso relevante no Sistema Internacional, como as organizações intergovernamentais (ONU, OTAN, OEA, etc.), as diversas organizações não governamentais (ONG, como a Médicos sem Fronteiras, Greenpeace, etc.), os conglomerados econômicos transnacionais, dentre outros.

Com a queda do muro de Berlim e a inauguração de uma nova era na história da humanidade, certas ações milenares passaram a ser desempenhadas por grupos que alcançam a atuação dos atores internacionais, apresentando-se como as "novas" ameaças do nosso tempo, atuando sempre na ilegalidade. Combater a pirataria [40], o terrorismo internacional, o tráfego ilegal de armas, pessoas e drogas são os desafios dos tempos atuais (SILVA, 2006, p. 32).

As novas ameaças são ilícitos internacionais que passaram a utilizar os mesmos recursos disponíveis no mundo globalizado: paraísos fiscais, movimentação eletrônica de dinheiro, amplo emprego da internet, etc. Estas tecnologias modernas permitem que os agentes atuem de forma ágil e com abrangência global, sendo difícil às autoridades governamentais rastrear ou coibir suas atividades.

Após o ataque de 11 de setembro de 2001, com o planeta já fortemente globalizado, uma série de tratados e acordos foram estabelecidos, com reflexos também no comércio internacional. A Organização Marítima Internacional (IMO), agência reguladora vinculada à ONU (UNITED NATIONS, 2007a), implementou uma norma internacional para proteção de navios e instalações portuárias contra atos de terrorismo (International Ships and Port Security Code – ISPS Code), por pressão dos EUA. A IMO também implementou uma outra norma, possibilitando a interceptação de navios mercantes suspeitos de transportarem material explosivo ou radioativo que visem causar danos à população ou material a ser usado na produção de armas químicas, biológicas ou nucleares [41] (SILVA, 2006, p. 33).

Mesmo diante das novas ameaças, o Direito Internacional impõe que a estrutura de prevenção de conflitos armados ameaçadores da paz mundial passa necessariamente pelo Conselho de Segurança da ONU, embora este opere engessado pelo poder de veto possibilitado aos cinco membros permanentes, que o utilizam em prol dos seus interesses individuais (alguns até de cunho imperialista). Esta estrutura torna as ações da ONU quase ineficazes, ante a agilidade com que as "novas ameaças" conseguem atuar, mantendo aberto o caminho para a instabilidade. O retorno ao conceito westafaliano da soberania plena, adotado por algumas potências, o argumento da primazia de seus "interesses" nacionais e a introdução do princípio da legítima defesa preventiva ou preemptiva, acabam por ameaçar o que a humanidade vem logrando construir nos últimos séculos, pelo consenso e costume internacionais. Em 2002, as palavras de George W. Bush podem demonstrar a resolução do governo estadunidense em justificar suas ações ofensivas como atos preventivos:

"Não hesitaremos em agir sozinhos, se necessário, para exercer o nosso direito de autodefesa, agindo preventivamente (...) a nossa melhor defesa é um bom ataque (...) Devemos adaptar o conceito de ameaça iminente à capacidade e aos objetivos dos adversários de hoje. (...) Para impedir ou prevenir ações hostis dos nossos adversários, os EUA, se necessário, agirão preventivamente." (BUSH apud SILVA, Ângela, 2007, p. 35)

As alegações levantadas pelos EUA para a invasão do Iraque não foram sustentadas pela comunidade internacional. O fato do governo iraquiano desrespeitar resoluções da ONU, sobretudo nas questões de desarmamento não poderia jamais ser objeto de uma ação militar sem o respaldo explícito do Conselho de Segurança. De outra forma, a mesma postura não foi adotada pelos EUA em relação ao descumprimento insistente, por parte de Israel, às 15 resoluções aprovadas pela ONU entre 1967 e 2002, visando à restituição dos territórios palestinos ocupados; ao contrário, nesses 35 anos de desrespeito os israelenses contaram com apoio dos EUA, de forma explícita ou tácita (FRANCO, 2002, p. 2-5).

Os outros supostos motivos alegados para a invasão também não se confirmaram. Não foram encontradas as armas de destruição em massa que teriam motivado a ação bélica e tampouco foram encontradas provas de ligação do governo de Saddam Hussein com a rede Al-Qaeda.

Nosso planeta não parece ter se tornado mais seguro nem com esta invasão, nem com as diversas medidas para conter o terrorismo adotadas e até impostas pelos EUA. O jornalista William Waak nos traz a seguinte reflexão: "...a desmoralização pública de quem entra num país para trazer (...) liberdade e democracia e acaba sendo acusado (...) de promover o ódio e desrespeitar exatamente os princípios de humanidade e direito que dizia defender" (WAAK, p. 476-477). De fato, preocupações com liberdade e democracia aparentam ser apenas uma argumentação meramente retórica por trás de interesses geoestratégicos (e econômicos).


4. O PAPEL DAS FORÇAS ARMADAS NO CONTEXTO ATUAL FRENTE AO DIREITO INTERNACIONAL

O pensamento de Thomas Hobbes (1588-1679) foi fortemente influenciado pelos principais acontecimentos da época em que viveu: a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) e a Guerra Civil inglesa (1642-1649). Ele foi grande defensor do absolutismo e considerava que o estado natural em que viviam os homens os tornava destruidores de si mesmos ("o homem é o lobo do homem" – HOBBES, 1998, p. 76). Por conta disso, achava ser imperioso que o uso da força fosse monopólio de uma entidade superior, o soberano, capaz de impor a estabilidade das relações entre as pessoas.

No campo internacional, Hobbes considerava que os Estados eram livres na busca do que fosse mais favorável aos seus interesses, condenando apenas a destruição recíproca. Fazendo um paralelo do pensamento hobbesiano no contexto da Sociedade Internacional e empregando o mesmo raciocínio lógico por ele adotado na relação entre súditos e soberano, os Estados, sobretudo as potências, estariam em constante luta pelo poder, em que os demais Estados seriam concorrentes e também insaciáveis nessa luta. Desta forma, somente um poder coercitivo centralizado poderia controlar a insana disputa existente entre os Estados. Hoje, o que mais se aproxima desta concepção é a ONU, embora ainda sem grande efeito coercitivo prático [42].

Se contrapondo ao pensamento de Hobbes quanto às relações interestatais, outro filósofo renomado, Emanuel Kant (1724-1804), disseminou a idéia do Direito Internacional regulando as relações entre os Estados, com uma coexistência cosmopolita, o que veio a servir de semente para a futura implementação dos organismos internacionais supra-estatais [43].

Ainda no fim da vida de Kant, o cenário europeu experimentou as guerras napoleônicas, cujas experiências fizeram aflorar o pensamento do prussiano Karl Clausewitz, talvez um dos autores mais estudados por estrategistas militares até hoje. Terminadas as campanhas de Napoleão e concluído o Congresso de Viena (1815), com o restabelecimento da estrutura westafaliana, o mundo ainda enfrentaria muitas outras guerras, cada vez mais violentas, até que seus efeitos devastadores finalmente fizessem intelectuais, diplomatas e políticos defenderam a limitação ao emprego da força, processo que vem sendo aprimorado continuamente.

A guerra em seu conceito mais puro, ou seja, conflito entre Estados, pressupõe a existência de forças armadas em combate. Nesse contexto, seria inevitável imaginar que a extinção total das Forças Armadas de todos os Estados poderia, por fim, permitir o estabelecimento da paz mundial. Entretanto, esta idéia utópica é confrontada pelos conflitos bélicos das últimas décadas, que também vêm tendo participação de outras corporações armadas, como os grupos de libertação nacional, guerrilheiros, terroristas e até mesmo empresas privadas terceirizadas ou corporações militares privadas (mercenários) [44].

O emprego de mercenários não é exclusividade dos tempos atuais. Na Guerra dos Trinta Anos, por exemplo, não havia corpos formais de exércitos nacionais permanentes, sendo os mercenários uma parte estrutural das forças recrutadas (CARNEIRO, 2006, p. 183). As corporações militares privadas trazem um papel perturbador ao arcabouço jurídico em vigor e podem ser encaradas como "usurpadoras das funções típicas do Estado" [45] no que concerne à área de segurança, abalando não só o preceito estabelecido em Westfália, preconizando ao Estado o monopólio do uso da força, mas também o preceito seguinte, estabelecido pela Carta da ONU, que passa esse monopólio ao Conselho de Segurança.

Os ataques sofridos pelos EUA em 11 de setembro de 2001 emanciparam para o mundo a potencialidade do terrorismo, comprovada novamente nos ataques ocorridos em Madri e em Londres. Nessa nova forma de terrorismo, diferentemente dos guerrilheiros das guerras separatistas, os militantes não estão vinculados a uma nação ou objetivo limitado, mas buscam alterar políticas internacionais, atingindo indiscriminadamente a população civil.

Com isso, o conceito de defesa sofreu uma profunda revisão. O banimento do ideário da guerra de agressão implementado pela ONU, motivada pelos horrores causados nas duas grandes guerras, incentivou muitos países a alteraram nomenclaturas e mesmo estruturas de suas forças armadas. Órgãos voltados para "a guerra" foram rebatizados para "da defesa"; em alguns países, como Israel e Japão, suas forças armadas são denominadas "forças de defesa" (em que pese não haver qualquer significado prático que as diferencie de uma força de agressão, no caso particular de Israel). Com o novo contexto imposto pelo terrorismo internacional, as forças e estruturas de defesa deixam de ser um aparato dissuasório contra inimigos estatais, identificáveis, requerendo maiores investimentos em recursos de inteligência e capacidade para atuar também em segurança interna.

Assim como, no campo interno, as forças policiais são imprescindíveis como aparelho coercitivo capaz de reprimir os ilícitos e fazer valer as leis em vigor, no campo internacional, esta tarefa caberá sempre às forças de segurança da ONU, compostas por parcelas das forças armadas dos Estados membros [46]. Entretanto, a morosidade com que o poder de veto dos membros permanentes no Conselho de Segurança e os procedimentos logísticos e operacionais para a composição de uma força de segurança para a atuação em um determinado evento ameaçador da paz internacional comprometem a própria credibilidade da ONU, o que, por sua vez, acaba por valorizar os sistemas de segurança coletivos firmados por tratados bilaterais ou por organizações intergovernamentais regionais, como a OTAN e a OEA. Desta forma, acabar com o poder de veto no Conselho de Segurança [47] e implementar uma força de segurança permanente, para pronto emprego [48], são ações necessárias para retomar o necessário respaldo da ONU.

A retomada dos processos de desarmamento poderá promover o restabelecimento de um equilíbrio geoestratégico, contribuindo, em conjunto com outras ações diplomáticas, para diminuir a incidência de conflitos bélicos internacionais.


CONCLUSÃO

Cientistas e a mídia internacional têm alardeado que, com o aumento populacional, no futuro o mundo enfrentará escassez de alimentos, água, minérios e petróleo. Esse prognóstico colocará a humanidade sob constantes conflitos de interesses, capazes de provocar belicosidades entre Estados. As mazelas provocadas no meio ambiente, como aquecimento global, elevação do nível do mar, poluição do solo, ar e água, o fenômeno da desertificação, podem potencializar a ocorrência dos conflitos.

Com a postura realista adotada por algumas das principais potências do planeta, privilegiando seus interesses nacionais, a belicosidade tende a ser um recurso clausewitziano em plena utilização. Tal postura demonstra pouca disposição para preocupações com as conseqüências nefastas destas atitudes para o desenvolvimento sustentável da humanidade como um todo.

A guerra entre os povos é um fenômeno quase tão antigo quanto a própria raça humana. Ante a barbaridade evidenciada nos conflitos, diversos filósofos surgiram buscando estabelecer algum tipo de limitação ou justificativa para a guerra. As práticas dos povos do passado nos deram o arcabouço consuetudinário para o Direito Internacional, hoje formalizado e complementado por uma série de acordos, tratados e convenções, cujo ápice foi uma total repulsa à guerra. Assim, do jus ad bellum (direito à guerra) o mundo evoluiu para o jus in bello (direito na guerra), ou seja, um conjunto de regras regulando a conduta e a sorte daqueles que de alguma forma tomam parte ou são afetados pelas guerras.

Se a II GM pode ser vista como uma continuação da I GM, por conta de um tratado de paz contendo cláusulas de desequilíbrio extremado e profundo cunho retaliativo, a Guerra Fria pode também pode ser encarada como outro elemento meramente correlato a esses grandes conflitos. O marco histórico da queda do muro de Berlim, sim, representaria o final da era pós-napoleônica, hoje caracterizada pelo domínio quase completo do capitalismo nas economias, atuando de forma global e interdependente, fenômeno conhecido como globalização.

A queda do muro de Berlim, em 1989, e o esfacelamento da URSS, em 1991, tornaram-se um novo marco para a nossa história. Embora tal marco tenha sinalizado o fim da chamada Guerra Fria, as esperanças de um mundo mais pacífico e estável não se concretizaram.

Mas em 2001 ocorreram sangrentos ataques terroristas nos EUA, que incorporaram um novo conceito de guerra, agora não mais travada somente entre Estados. Na chamada Guerra ao Terror, os EUA acentuaram uma postura unilateral, na contra-mão de todos os acordos que vêm sendo construídos pela humanidade nos últimos séculos.

Assim, contrariando as previsões otimistas do início da década de 1990, o planeta apresentou-se mais violento que no tempo da Guerra Fria, levando diversos internacionalistas a repensarem o conceito de soberania. Na crescente consolidação da globalização, presenciamos uma flexibilização nesse conceito, considerado inabalável desde o Tratado de Westfalia (1648). Embora a Carta da ONU considere a supremacia da soberania, particularmente esboçada pelos da igualdade de direitos, da autodeterminação dos povos e da não intervenção na jurisdição interna dos países, a própria existência do Conselho de Segurança já evidencia a possibilidade de quebra da soberania, até mesmo para Estados não membros.

Genocídio, fome generalizada provocada por guerras civis e deslocamento em massa de refugiados são algumas situações em que o Conselho de Segurança da ONU tem autorizado intervenção militar multinacional, sendo exemplos manifestos da relativização do conceito de soberania, em se tratando de crises humanitárias internas.

A pouca capacidade de atuação de dezenas de Estados quase insignificantes, criados no processo de descolonização e a regulamentação das relações comerciais internacionais são outros exemplos de limitação fática da soberania estatal.

Desta forma, a tragédia presenciada em solo estadunidense em 2001 provocou uma profunda mudança no cenário internacional. Mas as rápidas ações bélicas levadas a cabo no Afeganistão e no Iraque não parecem ter logrado interromper as atividades do terrorismo internacional. Ao contrário, a insegurança e instabilidade são atualmente as referências das últimas décadas. Os ataques terroristas de 2001 foram um conveniente estopim para ações militares em uma região que desperta acirrados interesses comerciais, favorecendo sobretudo as indústrias de petróleo, armas e de construção civil.

A doutrina estadunidense de segurança nacional ignorou o Direito Internacional, ampliando para o campo da prevenção o conceito de legítima defesa previsto no art. 51 da Carta da ONU, tornando-se uma perigosa ameaça aos mecanismos estabelecidos para estabelecer a paz mundial. Esta posição, também defendida por Grã-Bretanha e Israel, tende a enfraquecer o papel da ONU e todo o sistema jurídico internacional que vigorou por mais de 50 anos, visando justamente evitar a ocorrência de conflitos bélicos. Caso esta situação permaneça (e os fatos assim o indicam no momento), a alternativa aos demais Estados, na defesa de seus interesses, será a uma corrida armamentista desenfreada, uma vez que o mundo parece retornar ao "estado da natureza" constatado por Thomas Hobbes há quase quatro séculos.

O terrorismo internacional, juntamente com a pirataria, o tráfego ilegal de armas, pessoas e drogas e até mesmo as corporações militares privadas (podendo atuar de forma ilícita), são as ameaças do mundo atual. Os interesses e as estruturas por trás destas atividades ilegais representam barreiras à paz mundial.

Cabe ao Conselho de Segurança da ONU a responsabilidade pela prevenção de conflitos armados ameaçadores da paz mundial. Quando o emprego da força se faz necessário para evitar ou conter um conflito armado, as forças armadas dos países-membros são requisitadas, compondo uma força multinacional de paz. Mas a estrutura do poder de veto tem contribuído para imobilizar ou atrasar diversas ações necessárias ao cumprimento das tarefas do Conselho. A falta de um sistema de força de prontidão tampouco permite uma rápida reação por parte da ONU.

No momento em que o mundo reclama por reformas no Conselho de Segurança, permitindo maior representatividade dos Estados-membros, faz-se mister a discussão da extinção do poder de veto e a criação de uma força multinacional de pronto emprego, fornecendo ao Conselho os instrumentos necessários à manutenção de sua credibilidade, através de reações ligeiras e atuação efetiva para a contenção das ameaças à paz internacional.

Complementarmente, os processos de desarmamento devem ser retomados e as ações diplomáticas devem ser enfatizadas, visando restaurar um equilíbrio mais estabilizador no Sistema Internacional.


Apêndice A – Cronologia das missões de paz da ONU

a) Missões de Paz da ONU encerradas até novembro de 2007

Data do Mandato

MISSÃO

LOCAL

Região

Efetivo

Custo (milhões) (US$)

Baixas

militares

policiais

1/nov/56

UNEF I

Egito/Israel

OM

6073

$214,20

110

11/jun/58

UNOGIL

Líbano

OM

591

$3,70

14/jul/60

ONUC

Congo

AF

19828

$400,10

250

15/ago/62

UNSF

Nova Guiné

AS

21

11/jun/63

UNYOM

Iêmem

OM

189

$1,80

14/mai/65

DOMREP

Rep. Dominicana

AC

2

$0,28

20/set/65

UNIPOM

Índia/Paquist.

AS

96

$1,70

25/out/73

UNEF II

Egito/Israel

OM

6973

$446,50

51

15/mai/88

UNGOMAP

Afegan./Paquist

AS

50

$14,00

9/ago/88

UNIIMOG

Irã/Iraque

OM

400

$177,90

1

20/dez/88

UNAVEM I

Angola

AF

70

$16,40

16/fev/89

GANUPT

Namíbia

AF

4493

1500

$368,60

19

7/nov/89

ONUCA

América Central

AC

1098

$92,40

1

9/abr/91

UNIKOM

Iraque/Kweit

OM

3645

131

$600,00

18

20/mai/91

ONUSAL

El Salvador

AC

388

631

$107,70

5

30/mai/91

UNAVEM II

Angola

AF

350

126

$175,80

5

16/out/91

UNAMIC

Comboja

AS

1090

21/fev/92

UNPROFOR

ex-Iuguslávia

EU

38810

727

$4.616,70

213

28/fev/92

UNTAC

Comboja

AS

15991

3359

$1,60

82

24/abr/92

UNOSOM I

Somália

AF

50

$42,90

8

16/dez/92

ONUMOZ

Moçambique

AF

6979

1144

$486,70

24

26/mar/93

UNOSOM II

Somália

AF

28000

$1.600,00

154

1/jun/93

UNOMUR

Ruanda/Uganda

AF

81

$2,30

22/set/93

UNOMIL

Libéria

AF

368

$103,70

23/set/93

UNMIH

Haiti

AC

6000

900

$320,00

9

5/out/93

UNAMIR

Ruanda

AF

2548

60

$453,90

27

4/mai/94

UNASOG

Líbia

AF

9

6

$0,65

16/dez/94

UNMOT

Tajiquistão

AS

120

2

$63,90

7

1/fev/95

UNAVEM III

Angola

AF

4220

288

$135,00

32

31/mar/95

UNCRO

Croácia

EU

6775

296

16

31/mar/95

UNPREDEP

Macedônia

EU

1084

26

$170,50

4

21/dez/95

UNMIBH

Bósnia

EU

5

2057

12

15/jan/96

UNTAES

Eslavônia (Iugus)

EU

5100

600

$435,20

11

1/fev/96

UNMOP

Prevlaka (Croácia)

EU

28

3

28/jun/96

UNSMIH

Haiti

AC

1297

291

$62,00

1

20/jan/97

MINUGUA

Guatemala

AC

155

$3,90

30/jun/97

MONUA

Angola

AF

3026

289

$293,70

17

30/jul/97

UNTMIH

Haiti

AC

50

250

$20,60

28/nov/97

MIPONUH

Haiti

AC

300

$20,40

7

19/dez/97

UNPSG

Croácia

EU

114

$28,65

27/mar/98

MINURCA

Centroáfrica

AF

1350

25

$60,20

2

13/jul/98

UNOMSIL

Serra Leoa

AF

210

5

$12,40

22/out/99

UNAMSIL

Serra Leoa

AF

17500

170

$107,50

188

Data do Mandato

MISSÃO

LOCAL

Região

Efetivo

Custo (milhões) (US$)

Baixas

militares

policiais

25/out/99

UNTAET

Timor Leste

AS

9150

1640

$476,80

17

20/mai/02

UNMISET

Timor Leste

AS

5000

1250

$565,50

21

21/mai/04

ONUB

Burundi

AF

5650

120

$82,39

23

TOTAL:

204913

16310

$12.788,17

1335

b) Missões de Paz da ONU em andamento até novembro de 2007

MISSÃO

LOCAL

Região

Data do Mandato

Efetivo

Orçamento 2007-2008 (milhões) (US$)

Baixas

militares

policiais

UNTSO

Palestina

OM

1/mai/48

151

$62,27

48

UNMOGIP

Índia/Paquistão

AS

2/jan/49

44

$15,80

11

UNFICYP

Chipre

EU

4/mar/65

853

62

$48,85

176

UNDOF

Colinas de Golã

OM

31/mai/74

1043

$41,60

42

UNIFIL

Líbano

OM

19/mar/78

13264

$748,20

267

MINURSO

Saara Ocidental

AF

29/abr/91

217

6

$46,47

15

UNOMIG

Georgia

EU

24/ago/93

130

17

$36,71

11

UNMIK

Kosovo

EU

10/jun/99

$457,85

MONUC

Congo

AF

24/fev/00

17361

991

$1.166,70

113

UNMEE

Etiópia/Eritréia

AF

15/set/00

1686

$118,99

20

UNMIL

Libéria

AF

19/set/03

14125

1193

$721,72

98

ONUCI

Costa do Marfim

AF

27/fev/04

8059

1137

$493,70

36

MINUSTAH

Haiti

AC

30/abr/04

7062

1774

$561,30

32

UNMIS

Sudão

AF

24/mar/05

9414

652

$887,33

27

UNMIT

Timor Leste

AS

25/ago/06

37

1631

$160,59

2

UNAMID

Darfur (Sudão)

AF

31/jul/07

19555

6432

MINURCAT

África Central

AF

25/set/07

50

300

TOTAL:

77349

14110

$4.568,18

328

Fonte: UNITED NATIONS ORGANIZATION, 2007. Disponível em: . Acesso em: 13 out. 2007.


Notas


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARENTZ, Carlos Eduardo Horta. O direito internacional ante as ameaças à paz mundial e o papel das forças armadas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1866, 10 ago. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11586. Acesso em: 25 abr. 2024.