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O novo procedimento dos crimes dolosos contra a vida (Lei nº 11.689/08)

O novo procedimento dos crimes dolosos contra a vida (Lei nº 11.689/08)

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Todo o procedimento dos art. 406 a 497 do CPP, relativos ao procedimento dos crimes dolosos contra a vida, foi alterado pela Lei n. 11.689, de 9 de junho de 2008, que entrou em vigor em 9 de agosto de 2008. Este artigo analisa de forma sistemática estas alterações.

Todo o procedimento dos art. 406 a 497 do CPP, relativos ao procedimento dos crimes dolosos contra a vida, foi alterado pela Lei n. 11.689, de 9 de junho de 2008, que entrará em vigor em 09 de agosto de 2008.

O presente artigo pretende analisar de forma sistemática estas alterações.


1.Principais inovações

Dentre as principais inovações, destacam-se as seguintes:

- a ordem do procedimento será: recebimento da denúncia, citação, resposta à acusação por escrito em 10 dias, oitiva da acusação sobre preliminares, decisão sobre preliminares (fase implícita no novo procedimento), oitiva de testemunhas de acusação, testemunhas de defesa, interrogatório ao final da instrução, alegações orais pelas partes em 20 minutos (prorrogáveis por mais 10), juiz profere decisão (pronúncia, impronúncia, absolvição sumária ou desclassificação) – art. 406 a 419;

- revogou-se a proibição de juntar documento novo na fase das alegações finais na instrução preliminar (prova ilegítima), prevista no antigo art. 406, § 2º.

- admite-se absolvição sumária no caso de prova da inexistência do fato, falta de provas da autoria ou atipicidade (pela lei antiga era cabível absolvição sumária apenas nas hipóteses de excludente da ilicitude ou culpabilidade) – art. 415;

- contra a absolvição sumária e impronúncia passa a ser cabível recurso de apelação (e não RESE, como na lei antiga) – art. 416;

- revogação do recurso de ofício na hipótese de absolvição sumária;

- revogação da crise de instância (situação na qual, não sendo encontrado o réu para intimação pessoal da decisão de pronúncia, o processo ficaria paralisado até sua eventual localização), admitindo-se doravante a intimação por edital da decisão de pronúncia, mesmo para crimes mais graves – art. 420;

- abolição do libelo e contrariedade ao libelo, passando a existir apenas intimação das partes para arrolarem as testemunhas que pretendem serem ouvidas em plenário – art. 422;

- criação de um relatório do processo a ser elaborado pelo juiz presidente do Tribunal do Júri, após a pronúncia e o arrolamento de testemunhas pelas partes – art. 423, II;

- elevação do número de jurados da lista geral de jurados - art. 425;

- proibição que o jurado que tenha participado de Conselho de Sentença no ano anterior possa participar novamente da lista geral dos jurados – art. 426, § 4º;

- criação de privilégios aos jurados, como prisão especial, desempate em concurso público ou licitações – art. 439 e 440;

- elevação do número de jurados sendo 25 para comparecerem à reunião periódica, mantendo-se o número de 15 para início da sessão e 7 para composição do conselho de sentença – art. 433, 447 e 463;

- alteração das regras para recusa dos jurados, não mais se permitindo a separação, a não ser que não haja o quórum mínimo de 7 jurados para compor o conselho de sentença – art. 469;

- introdução do sistema de perguntas diretas das partes às testemunhas em plenário, iniciando-se com juiz, acusação, defesa e jurados – art. 473, caput e § 1º;

- restrição da possibilidade de leitura de peças em plenário – art.473, § 3º;

- alteração do tempo para sustentação da acusação e defesa em plenário (de duas horas para uma hora e meia) e da réplica e tréplica (de meia hora para uma hora) – art. 477;

- formulação de um terceiro quesito obrigatório, após quesitação da materialidade e autoria, com dizeres: "O jurado absolve o acusado?" – art. 483, III;

- disposição expressa que compete ao juiz presidente julgar o crime, quando houver desclassificação em plenário, mesmo quando se tratar de infração penal de menor potencial ofensivo – art. 492, § 1º;

- revogação do protesto por novo júri.


2.Procedimento – judicium accusationis

O procedimento dos crimes dolosos contra a vida é escalonado ou bifásico, ou seja, possui duas fases: judicium accusationis e judicium causae. A fase do judicium accusationis, também conhecido como sumário da culpa, inicia-se com a decisão de recebimento da denúncia e encerra-se com o trânsito em julgado da decisão de pronúncia, após a qual se inicia a fase do judicium causae, que vai da intimação das partes para arrolarem testemunhas para deporem em plenário (antiga fase de oferecimento do libelo e contrariedade ao libelo), passando pelo julgamento pelo Tribunal do Júri em Plenário até o trânsito em julgado final da sentença proferida pelo juiz presidente.

A Lei n. 11.689/08 classifica as fases do procedimento dos crimes dolosos contra a vida nas seguintes (conforme os títulos das seções do cap. II, do título I, do livro II do CPP):

1.Instrução preliminar;

2.Decisão de pronúncia (ou outras que impedem o prosseguimento do feito);

3.Preparação do processo para julgamento em Plenário;

4.Sessão do Tribunal do Júri.

Por questões didáticas, manteremos a tradicional divisão bifásica, englobando as fases 1 e 2 supra no judicium accusationis e as fases 3 e 4 no judicium causae, ainda que atualmente não haja mais uma nova acusação na segunda fase (pois o libelo foi revogado).

a)Instrução preliminar

A primeira fase do procedimento, denominada pelo CPP (na nova redação da Lei n. 11.689/08) de instrução preliminar e pela doutrina de judicium accusationis, processa-se diante de um juiz singular, da mesma forma que o procedimento comum ordinário. Já a fase do judicium causae se processa inicialmente perante o juiz singular (fase de preparação do processo para julgamento em Plenário – art. 422 a 424) e, na fase do julgamento Plenário do Tribunal do Júri, há uma divisão da competência: os jurados decidem sobre os fatos e o juiz presidente decide sobre as questões de direito (a ordem do procedimento e as conseqüências dos fatos decididos pelos jurados – como na aplicação da pena). Essa divisão de competências entre jurados (fatos) e juiz presidente (direito) é denominada competência funcional em razão do objeto do juízo. É possível que a lei de organização judiciária confira a competência para processar o judicium accusationis a um juiz diferente do que processa o judicium causae (presidente do Tribunal do Júri); nessa situação, haverá uma competência funcional em razão da fase do processo. Antes da Lei n. 11.719/08, esta possibilidade era expressa no art. 412; agora, apesar de não estar expressa, está implícita no regramento legal, pois do art. 406 ao art. 419, o CPP utiliza a expressão "o juiz" e, a partir do art. 421, utiliza-se a expressão "o juiz presidente do Tribunal do Júri", dando a entender que estes podem ser diversos; ademais, trata-se de matéria de organização judiciária estadual, afeta à competência legislativa estadual, cf. art. 25, § 1º, da CF/88.

Todos os crimes dolosos contra a vida são de ação penal pública incondicionada. No entanto, é possível o ajuizamento de queixa na hipótese de ação penal privada subsidiária da pública ou, ainda, caso haja crime conexo que seja sujeito à ação privada.

Na denúncia, deve o Ministério Público requer a pronúncia ao invés da condenação.

A lei n. 11.689/08 estabeleceu um novo procedimento para o judicium accusationis, que se assemelha em parte ao novo rito do procedimento comum ordinário estabelecido pela Lei n. 11.719/08, com a seguinte seqüência de atos processuais:

1.Oferecimento da denúncia (com rol de testemunhas, até 8);

2.Recebimento da denúncia;

3.Citação e intimação para apresentação de resposta à acusação, no prazo de 10 dias;

4.Resposta à acusação (com rol de testemunhas, até 8);

5.Caso não apresentada resposta à acusação, é obrigatória nomeação de defensor dativo para apresentá-la;

6.Contraditório da acusação sobre a resposta à acusação, no prazo de 5 dias;

7.Julgamento das preliminares argüidas pela defesa;

8.Audiência de instrução no prazo de 10 dias, com a seguinte ordem dos atos processuais: oitiva do ofendido, testemunhas de acusação, testemunhas de defesa, esclarecimentos (peritos, acareações e reconhecimentos de pessoas) e interrogatório;

9.Debates orais em audiência (20 minutos, prorrogáveis por mais 10);

10.Decisão de pronúncia, impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária (oral ou no prazo de 10 dias).

Este novo procedimento dos crimes dolosos contra a vida difere do novo procedimento ordinário, criado pela Lei n. 11.719/08, nos seguintes pontos:

1.não há previsão no procedimento ordinário de contraditório pela acusação após a apresentação da resposta à acusação (art. 409);

2.no procedimento ordinário está previsto o princípio da identidade física do juiz (art. 399, § 2°), sem menção a este princípio no procedimento dos crimes dolosos contra a vida;

3.o prazo para designação da audiência de instrução no procedimento dos crimes dolosos contra a vida é de 10 dias a contar da decisão que julga as preliminares argüidas pela defesa (art. 410), já no procedimento ordinário o prazo para designação da audiência de instrução será de 60 dias a contar do recebimento da denúncia (art. 400);

4.no procedimento ordinário há previsão de requerimento de diligências complementares pelas partes, a ser formulado oralmente ao final da audiência (art. 402), fase não prevista para a instrução preliminar do júri;

5.no procedimento ordinário há previsão expressa da possibilidade de converter os debates orais em memoriais (art. 403, § 3º);

6.no procedimento dos crimes dolosos contra a vida, há previsão do prazo de 90 dias para conclusão total da primeira fase do processo, o que não existe no procedimento ordinário.

Em nosso entendimento, nada impede que o juiz receba a denúncia, cite e intime o réu para apresentar resposta à acusação e já intime o réu da audiência a ser designada. Obviamente, esta audiência designada ficará prejudicada caso o juiz acolha alguma das preliminares aventadas na resposta à acusação. Caso não haja preliminares, o réu já estará intimado da data da audiência, tudo em um único ato processual, respeitando-se o princípio constitucional da celeridade (princípio da duração do processo em prazo razoável, previsto na CF/88, art. 5º, inciso LXXVIII). Esta solução é que deverá ser empregada no procedimento ordinário, pela interpretação do art. 399, que, ao tratar do recebimento à denúncia já determina que o juiz deva marcar audiência de instrução, intimar as partes e requisitar a apresentação do réu preso, solução que também deve ser aplicada por analogia ao procedimento dos crimes dolosos contra a vida. Obviamente, deve-se estabelecer um prazo razoável, para a hipótese de o réu não apresentar a resposta à acusação no prazo e ser necessária a designação de defensor dativo para este mister.

Em nosso entendimento, após a reforma processual da Lei n. 11.719/08, em caso de citação por edital o juiz deverá citar para uma "audiência de comparecimento ao processo". É que não há lógica em intimar por edital já designando a audiência de instrução e julgamento, para a qual deverá haver intimação de todas as testemunhas, pois normalmente nas citações por edital o réu não comparece ao chamamento. Também não é necessário intimar o réu para apresentar resposta à acusação, pois o art. 396, parágrafo único, relativo ao procedimento ordinário, analogicamente aplicável à espécie, dispõe expressamente que o prazo da resposta à acusação em caso de citação por edital apenas se inicia após o comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído. Assim, como não pode ser designada a audiência de instrução antes da resposta à acusação (que arrola as testemunhas de defesa), o edital deverá constar apenas a necessidade de comparecimento a juízo em dia e hora designados, observando-se entre a publicação e o dia designados o intervalo mínimo de 15 dias. Caso o réu não esteja presente à "audiência de comparecimento ao processo" nem contrate advogado para comparecer ao processo em seu nome, o juiz deverá suspender o processo e o curso do prazo prescricional, sendo permitida a produção antecipada de provas e a decretação da prisão preventiva, desde que presentes os requisitos respectivos (art. 366 do CPP, na redação da Lei nº 9.271/96). No procedimento ordinário, caso o réu compareça ao processo, este prosseguirá nos termos do art. 394 e seguintes, conforme determina o art. 365, § 4º. Neste caso, o juiz deve dar nova oportunidade ao réu para este apresentar sua resposta à acusação, prevista no art. 396, já intimando-o da audiência de instrução designada.

A Lei n. 11.719/08 também introduziu a citação por hora certa no processo penal, ao dar nova redação ao art. 362. Este novo artigo determina a aplicação das regras do art. 227 a 229 do CPC, na hipótese de o réu se ocultar à diligência. A alteração é bem vinda, pois em muitas situações o réu se ocultava para não ser citado e acabava beneficiado com a citação por edital com posterior suspensão do processo prevista no art. 366. Nesta hipótese de citação, caso o oficial de justiça vá três vezes à residência do réu, sem o encontrar, caso tenha suspeitas concretas de que o réu se oculta para não se citado, deverá intimar qualquer pessoa da família, ou em sua falta a qualquer vizinho, informando que no dia imediato, em horário designado, voltará para realizar a citação do réu. No dia e hora designados, o oficial de justiça retornará e, encontre o réu, poderá realizar sua citação pessoal. Todavia, caso novamente o réu não esteja em casa o oficial de justiça certificará novamente o motivo de sua ausência, deixará cópia da contrafé com pessoa da família ou vizinho, anotando-lhe o nome, e dará o réu por citado. O STJ admite, por exemplo, a entrega da contrafé ao porteiro [01]. Posteriormente, o escrivão encaminhará ao réu carta, telegrama ou radiograma, dando-lhe ciência das diligências. A ausência de encaminhamento desta correspondência pelo escrivão é causa de nulidade da citação por hora certa [02].

Após a citação pessoal ou por hora certa, o réu deverá apresentar sua resposta à acusação. A legislação revogada nominava esta peça processual como alegações escritas, tendo a doutrina batizado-a de defesa prévia. A lei nova não lhe qualquer este nome, apenas afirmou que o juiz "ordenará a citação do acusado para responder à acusação...", motivo pelo qual entendemos que o nome técnico desta peça processual deve ser "resposta à acusação". A resposta à acusação é o momento para a defesa argüir preliminares, alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário. Também é o momento processual para a defesa argüir as exceções previstas no art. 95. Não argüida a exceção de incompetência relativa (v.g., em razão do lugar) na defesa prévia, ocorrerá a prorrogação da competência relativa. Todavia, tratando-se de incompetência absoluta (v.g., em razão da matéria ou por prerrogativa de função), esta poderá ser argüida em qualquer momento do processo, por gerar nulidade absoluta. Da mesma forma em relação às exceções de litispendência, ilegitimidade de parte e coisa julgada.

Na vigência da legislação revogada, entendia-se que a apresentação da defesa prévia era uma faculdade do réu, e sua não-apresentação não gerava qualquer nulidade (apenas se presumia que o acusado não desejava arrolar testemunhas). Agora há regra expressa no sentido de sua imprescindibilidade, o que prestigia a indispensabilidade da defesa técnica. Assim, caso o réu tenha sido citado pessoalmente por mandado ou na citação por hora certa, se não for apresentada a resposta à acusação, deverá o juiz nomear defensor dativo para apresentá-la (art. 408). Todavia, não sendo apresentada por este a resposta à acusação no novo prazo legal de 10 dias, ocorrerá a preclusão da possibilidade de a defesa arrolar testemunhas. Na hipótese de citação por edital, a não apresentação da resposta à acusação, sem comparecimento do réu ou seu advogado, impõe a suspensão do processo. Antes da reforma, quando a defesa prévia era apresentada após o interrogatório, o defensor tinha contato com seu cliente (e com sua tese defensiva e suas testemunhas dos fatos) no ato do interrogatório e, assim, tinha a possibilidade de preparar sua defesa considerando as informações do réu. Entendemos que a alteração da ordem dos atos processuais irá dificultar o trabalho do defensor dativo designado, pois este nunca teve contato antes com o réu e, portanto, deverá diligenciar um encontro com o mesmo para providenciar sua defesa – especialmente para arrolar as testemunhas que este indicar. Caso não o faça, o defensor dativo terá contato com o réu apenas na audiência de instrução e julgamento. Na hipótese de réu preso, o defensor deverá dirigir-se ao estabelecimento prisional para entrevistar o cliente e colher elementos para sua defesa. No caso da Defensoria Pública, parece-nos recomendável que ela estruture um serviço de atendimento aos presos diretamente dentro dos estabelecimentos prisionais. Em termos práticos, esta alteração no procedimento irá agravar ainda mais a seletividade do sistema penal, pois os réus ricos, com advogados particulares, terão acesso a boas defesas técnicas, mas os réus pobres, assistidos em sua maioria pela Defensoria Pública, poderão ter sua resposta à acusação (e, especialmente, seu rol de testemunhas), prejudicado pela reforma. Para minorar este injustiça ínsita na reforma, entendemos que nada impedirá que, caso o réu indique testemunhas presenciais dos fatos quando de seu interrogatório, ao final da instrução, possa o juiz deferir sua oitiva como testemunhas referidas (art. 209, § 1º). Todavia, nesta situação, a oitiva da testemunha será uma discricionariedade do magistrado e não um direito da parte.

O contraditório de acusação sobre a resposta à acusação (ou defesa preliminar) apresentada pela defesa, conforme previsto no art. 409, apenas deverá existir caso seja argüida preliminar que impeça o prosseguimento do feito, ou ainda, caso seja juntado documento pela defesa (pois, caso contrário, a acusação apenas tomará conhecimento deste documento quando da intimação para a audiência de instrução). Caso não se argua qualquer preliminar ou não se junte documento, não será necessário contraditório sobre a resposta à acusação.

Quanto aos atos de instrução, deve se aplicar por analogia as regras dos artigos 155 e seguintes sobre as provas no processo penal. Merece destaque a alteração introduzida pela Lei n. 11.690/08, ao dar nova redação ao art. 212, que estabeleceu que a oitiva das testemunhas será feita de forma direta pelas partes. A nova redação também alterou a ordem de formulação das perguntas, pois estabelece que primeiro as partes formulação suas perguntas às testemunhas e, após, sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição. Esta alteração privilegia o sistema acusatório, reservando o juiz a uma posição de maior inércia e, portanto, de maior imparcialidade, pois o ônus de produzir a prova perante o juiz pertence às partes (que perguntam primeiro), podendo o juiz formular mais alguma pergunta adicional, em nome do princípio da busca da verdade no processo, e exercendo um poder instrutório suplementar aos das partes. Estas alterações também se aplicam à instrução preliminar dos crimes dolosos contra a vida.

Após a oitiva das testemunhas e eventuais esclarecimentos (peritos, acareações e reconhecimentos) ocorrerá o interrogatório. Antigamente, o interrogatório era o primeiro ato da instrução preliminar, agora é o último. A alteração busca privilegiar a ampla defesa, de forma que a autodefesa apenas se exerça após o pleno conhecimento das provas que possui contra si. Registre-se que estas duas alterações do art. 212 (perguntas diretas e perguntas primeiro pelas partes) não alteram o procedimento do interrogatório, que continua sendo realizado primeiro pelo juiz, pois o interrogatório também possui a função de ser meio de defesa (autodefesa), sendo a oportunidade de o acusado dar sua versão dos fatos ao magistrado, apesar de também se admitir que as partes formulem perguntas adicionais ao acusado (art. 188), bem como o interrogatório (ao menos no procedimento ordinário) continua sendo feito com perguntas indiretas, feitas pelas partes ao juiz que as fará ao acusado se pertinentes e relevantes. Também não se aplica a nova ordem do art. 212 aos depoimentos das testemunhas prestados em sessão plenária do Tribunal de Júri, que serão colhidos primeiro pelo juiz e, após, pelas partes, com perguntas diretas, conforme determina o art. 473. Apenas para completar a análise, o interrogatório do réu em Plenário do Tribunal do Júri será feito primeiro com perguntas pelo juiz e, após, com perguntas diretas pelas partes (art. 474, caput e § 1º).

Não há mais a previsão explícita de uma fase de diligências complementares pelo juiz (na legislação revogada, no prazo de 48 horas após as alegações finais). Todavia, o princípio da busca da verdade no processo e o poder de instrução suplementar do juiz permitem a interpretação de que, caso o juiz verifique a necessidade de uma diligência imprescindível ao esclarecimento dos fatos, possa determiná-la, mesma sem a previsão específica de uma fase processual para tanto. Se na fase do julgamento plenário do Tribunal do Júri é lícito ao juiz dissolver o Conselho de Sentença para realizar diligência imprescindível (art. 481), com muito mais razão poderá fazê-lo na fase da instrução preliminar. No mesmo sentido, o art. 404 do CPP, com a redação dada pela Lei n. 11.719/08, permite a determinação destas diligências complementares pelo juiz no novo procedimento ordinário, disposição que pode ser aplicada analogicamente ao procedimento dos crimes dolosos contra a vida.

Após o interrogatório, seguem-se os debates orais. Na legislação revogada, esta fase era das alegações finais escritas. O prazo dos debates será de 20 minutos, prorrogáveis por mais 10 (art. 411, § 4º). Havendo mais de um réu, cada qual terá seu prazo individual. Nesta situação, o código não prevê acréscimo do prazo de sustentação oral da acusação, conforme há previsão de elevação do prazo da sustentação oral do plenário do Tribunal do Júri na hipótese de haver vários réus (art. 477, § 2º).

O art. 571, I, do CPP, estabelece que as nulidades ocorridas durante a instrução criminal dos processos de competência do júri deverão ser argüidas nos prazos a que se refere o art. 406 do CPP. Este artigo era referente à fase das alegações finais no procedimento dos crimes dolosos contra a vida. Como a Lei n. 11.719/08 alterou toda a redação destes artigos, a referência constante do art. 571, I, perdeu a lógica. Entendemos que deve ser feita uma interpretação história do dispositivo para que este passe a ser interpretado no sentido de que o momento preclusivo para argüir as nulidades da instrução do judicium accusationis é a fase dos debates orais anteriores à pronúncia (fase que substituiu as antigas alegações finais escritas). Portanto, na redação do art. 571, I, onde se lê "art. 406", deve-se ler "art. 411, § 4º".

Entende-se que a omissão da defesa em apresentar alegações finais escritas não gera nulidade, pois essa pode ser uma estratégia defensiva em reservar para o Plenário seus argumentos [03]. Para os crimes do procedimento ordinário, já se entendia que as alegações finais eram obrigatórias, em respeito ao princípio da ampla defesa. Como agora os debates são orais, necessariamente a defesa deverá se manifestar (ou afirmar que não deseja se manifestar). Estabelece o art. 403, § 3º, do CPP, com a nova redação dada pela Lei n. 11.719/08, que, no procedimento ordinário, caso haja complexidade do caso ou número excessivo de acusados, o juiz poderá substituir os debates orais pela concessão de cinco dias para apresentação de memoriais escritos. Entendemos que esta disposição pode ser aplicada analogicamente ao procedimento dos crimes dolosos contra a vida, quando necessário.

Apesar de não mais haver previsão de uma fase para as partes formularem requerimento de diligências complementares, entendemos que esta possibilidade é inerente ao sistema processual. É que, mesmo já em fase de julgamento plenário do Tribunal do Júri, se faltar diligência essencial ao esclarecimento da verdade, o juiz poderá dissolver o Conselho de Sentença para a realização da diligência, conforme prevê o art. 481. Assim, como muito mais razão deve o juiz permitir que esta diligência seja realizada na fase da instrução preliminar, se houver requerimento pela parte, desde que seja a prova efetivamente pertinente e relevante. Ademais, se o juiz pode determinar de ofício a produção de prova, conforme lhe permite o art. 156, II, art. 209 e art. 234, com muito mais razão poderá deferir requerimento da parte.

Questão interessante é sobre a transição da legislação antiga para a atual. Trata-se de alteração de normas de direto processual que, portanto, têm aplicação imediata, conforme o art. 2º do CPP. Portanto, se o juiz já havia realizado o interrogatório do réu antes da vigência da Lei n. 11.689/08, este ato processual foi praticado de forma perfeita e válida e, portanto, não necessitará ser novamente realizado ao final do procedimento. Para estes casos, deve-se continuar com o procedimento previsto na legislação antiga. Nesta situação, entendemos que deve ser aplicado o art. 6º da Lei de Introdução do CPP, que estabelece:

Art. 6º - As ações penais, em que já se tenha iniciado a produção de prova testemunhal, prosseguirão, até a sentença de primeira instância, com o rito estabelecido na lei anterior.

Apesar de a LICPP ter sido editada para disciplinar a transição da antiga legislação ao advento do CPP, em 1941, ela não foi formalmente revogada, os princípios que alberga ainda são plenamente válidos e adéquam-se da mesma forma ao caso atual. Pela expressão "prova testemunhal" constante do dispositivo deve-se entender a instrução processual e o interrogatório é um meio de defesa e também um meio de prova (tanto que atualmente as partes podem formular perguntas ao réu).

Ao final dessa fase de instrução preliminar, o juiz poderá proferir uma das quatro decisões seguintes: pronúncia (se presentes indícios da autoria e materialidade); impronúncia (se não há indícios suficiente de qualquer crime); desclassificação (se não há indício de crime doloso contra a vida, mas sim de outro crime); e absolvição sumária (na hipótese de prova incontroversa de inexistência do crime, não-autoria, atipicidade, excludente da ilicitude ou da culpabilidade). Apenas a decisão de pronúncia permitirá ao procedimento prosseguir para a segunda fase do judicium causae.

Segundo o art. 412 do CPP, o prazo máximo para conclusão do judicium accusationis é de 90 dias. Este prazo possui especial interesse no caso de acusado preso, pois a superação deste prazo poderá ocasionar excesso de prazo e ensejar eventual relaxamento da prisão, inclusive com previsão de habeas corpus (CPP, art. 648, II). Uma interpretação literal do dispositivo levaria à conclusão de que este prazo de noventa dias conta-se do recebimento da denúncia à decisão de pronúncia (fase do procedimento judicial previsto do art. 406 até o art. 412). Não se conta este prazo após a eventual interposição de RESE contra a pronúncia. De qualquer sorte, estabelece a Súmula n. 64 do STJ que "não constitui constrangimento ilegal o excesso de prazo na instrução provocado pela defesa", e o STF entende que se houver justa causa, como complexidade da causa ou elevado número de acusados, este prazo pode ser dilatado (STF, HC n. 92.483/PE, rel. Min. Eros Grau). Mas deve-se atentar que a lei agora prevê um prazo expresso, devendo haver maior cuidado na observância deste prazo.

b) Pronúncia

A pronúncia possui natureza jurídica de decisão interlocutória mista não terminativa. Antigamente, o art. 408, § 1º, denominava esta decisão de "sentença de pronúncia", impropriedade que foi corrigida pela Lei n. 11.689/08, que a denomina apenas de "pronúncia" no art. 413 e "decisão de pronúncia" no art. 478, I. Essa decisão não põe fim ao processo e não decide o mérito da pretensão punitiva, apenas decide sobre a admissibilidade da acusação, encerrando a primeira fase do procedimento e possibilitando que o réu seja submetido ao julgamento plenário do Tribunal do Júri.

São requisitos da pronúncia a prova da existência do crime e os indícios suficientes da autoria ou participação. A doutrina tradicional tem classificado esses requisitos como expressão do princípio in dubio pro societate, ou seja, havendo dúvida, deve ocorrer a pronúncia, em respeito ao princípio constitucional da soberania dos veredictos e do Tribunal do Júri como juiz natural dos crimes dolosos contra a vida. A doutrina mais moderna tem rechaçado essa construção. Primeiro, porque não está prevista em local algum do Código a existência desse princípio. Segundo, em matéria de colisão de direitos fundamentais, é princípio assente que in dubio pro libertatis. Finalmente, o que existe, na verdade, são requisitos diferenciados de cognição para prolação da decisão de pronúncia. Ao invés de se exigir certeza (na verdade, a altíssima probabilidade de veracidade da hipótese acusatória e mínima possibilidade de confirmação da hipótese defensiva, pois o processo nunca alcança a certeza, mas conforma-se com uma verdade processualmente admissível), exige-se apenas a verossimilhança (probabilidade razoável de veracidade da hipótese acusatória). De qualquer forma, exige-se a probabilidade da hipótese acusatória para que haja a pronúncia, pois esta deve superar a dúvida razoável. A dúvida, assim entendida como ausência de probabilidade razoável, não deve ensejar a pronúncia, pois in dubio pro reo. Na verdade, os requisitos da pronúncia são os mesmos dos necessários para o recebimento da denúncia, todavia respaldados apenas pelas provas produzidas em juízo e sob contraditório.

Deve-se registrar, todavia, que a jurisprudência tem aceitado sem maiores discussões esse princípio in dubio pro societate na fase da pronúncia. Conferir:

RECURSO ESPECIAL. PENAL. HOMICÍDIO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADO. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO SOCIETATE.

1. [...]

2. Para a prolação da sentença de pronúncia, por se tratar de um juízo de mera admissibilidade da acusação, não se faz necessário um juízo de certeza, que se exige para a condenação. Em caso de dúvida quanto à culpabilidade ou não do acusado, cabe ao Conselho de Sentença dirimi-la, por ser o Juiz Natural da causa.

3. Recurso não conhecido.

(Resp nº 724.876/MT, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 25/10/2007, DJ 26/11/2007 p. 231)

Havendo crime conexo com o crime doloso contra a vida, argumenta Rangel [04] que também esse crime conexo deverá ser objeto da decisão de pronúncia, ou seja, deve o juiz, após pronunciar o crime doloso contra a vida, também analisar se estão presentes os indícios da autoria e materialidade do delito conexo. Nesta situação, defende Rangel que, se o crime doloso contra a vida for pronunciado e o crime conexo for impronunciado, será possível que, posteriormente, se surgirem novas provas, o crime conexo seja novamente denunciado perante o Tribunal do Júri e submetido a novo julgamento Plenário apenas o crime conexo. Já Mirabete, por sua vez, entende que apenas o crime doloso contra a vida deve ser objeto da pronúncia; havendo pronúncia para o crime doloso contra a vida, automaticamente será encaminhada ao Tribunal do Júri a competência para decidir tanto ao crime doloso contra a vida quanto o crime conexo [05]. Nesse sentido, ver decisões do STJ:

A pronúncia pelo crime de competência do Tribunal do Júri obriga a que se submeta – ressalvada a total falta de justa causa detectável na via do writ – a julgamento, também, o delito conexo.

(Resp nº 197.762/PR, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 5/8/1999, DJ 13/9/1999 p. 94)

Júri (processo). Pronúncia (juízo de delibação). Violação do art. 408 do Cód. de Pr. Penal (não-ocorrência).

1. Havendo prova da existência do crime e indícios de autoria, a pronúncia – juízo de delibação – é medida que se impõe.

2. Compete ao júri o julgamento dos crimes dolosos contra a vida – juiz natural –, não se podendo dele subtrair o conhecimento dos crimes àqueles conexos.

3. No caso, garantir a competência do júri é zelar pelo devido processo legal, é, em outras palavras, assegurar o princípio constitucional da soberania dos veredictos.

4. Recurso especial a que se nega provimento.

(Resp nº 909.534/DF, Rel. Ministro Nilson Naves, Sexta Turma, julgado em 10/5/2007, DJ 4/6/2007 p. 438)

De qualquer forma, parece-nos que o tema não está pacificado. Pessoalmente, entendemos que a competência original do Tribunal do Júri é para os crimes dolosos contra a vida, sendo os crimes conexos encaminhados por força atrativa da conexão. Portanto, se o Tribunal do Júri processará o crime doloso contra a vida, também deverá processar o crime conexo. Caso as informações preliminares que sustentaram a denúncia não se confirmem em juízo, o réu possui o direito de receber uma sentença com força de coisa julgada material; assim, caberá ao Promotor de Justiça requerer a absolvição em plenário pelo crime conexo. Entender de outra forma permitirá a bizarra situação de uma pessoa ser denunciada, processada e posteriormente impronunciada pelo crime conexo e ainda ficar com a "espada de Themis sob o pescoço", podendo ser novamente processada caso surjam novas provas, violando o princípio do ne bis in idem, pois, se fosse denunciada originalmente parente um juízo comum, sem a conexão, ao final do processo seria absolvida por insuficiência de provas com os efeitos de coisa julgada imutável. E, pior, seria o acusado processado apenas pelo crime conexo perante o Tribunal do Júri.

Um dos efeitos da pronúncia é a interrupção da prescrição. Conforme a Súmula nº 191 do STJ, esse efeito ocorre mesmo que o Tribunal do Júri venha posteriormente desclassificar o crime em plenário. Todavia, a pronúncia não gera efeitos no cível relativamente à obrigação de reparar o prejuízo, que apenas ficará acertada com a sentença condenatória definitiva.

O § 1º do art. 413 determina:

§ 1º A fundamentação da pronúncia limitar-se-á à indicação da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, devendo o juiz declarar o dispositivo legal em que julgar incurso o acusado e especificar as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento de pena.

A nova redação do dispositivo explicita entendimento doutrinário e jurisprudencial já consolidado sobre o chamado "excesso de fundamentação". Significa que a fundamentação da decisão de pronúncia deve limitar-se aos seus requisitos, relativos à existência de prova indiciária suficiente para a admissibilidade da acusação, sem afirmar a certeza sobre a prática do crime. Essa situação de excesso de fundamentação é causa de nulidade da pronúncia, pois a decisão do juiz não deve influenciar o ânimo dos jurados. Não deve o juiz afirmar: "está comprovado que efetivamente o réu praticou o fato narrado na denúncia", ou "não dúvidas sobre a autoria". Contudo, a pronúncia deve afirmar que existem provas suficientes a sustentar a acusação inicial, fundamentando de forma concreta, e esclarecendo que a definição final, se o fato ocorreu ou não, não é de competência do juiz singular, mas dos jurados. A ausência de fundamentação sobre esses requisitos mínimos da pronúncia é causa de nulidade por violação ao princípio constitucional da motivação das decisões judiciais. Portanto, o juiz não pode afirmar a certeza nem pode deixar de fundamentar; deve motivar a presença de indícios concretos produzidos em juízo que dão respaldo à acusação (nem mais nem menos).

Apenas podem constar da pronúncia os fatos que foram objeto da acusação na denúncia, sob pena de ferimento ao princípio da correlação. A pronúncia pode excluir fatos que estavam na denúncia, mas jamais acrescentá-los. Portanto, o juiz não pode incluir qualificadora não descrita (ainda que implicitamente descritos) na denúncia. Na legislação revogada, havia previsão no art. 408, § 4º, de uma espécie de mutatio libelli sem aditamento. A doutrina já criticava este dispositivo à luz do princípio acusatório positivado na Constituição, entendo-se que apenas seria possível a mutatio libelli prevista no art. 408, § 4º, se precedida do devido aditamento à denúncia, sob pena de o juiz estar inovando a acusação e saindo de sua posição de imparcialidade. Neste sentido, a Lei n. 11.689/08 revogou esta previsão de mutatio libelli sem aditamento no procedimento dos crimes dolosos contra a vida e a Lei n. 11.719/08 alterou a redação do art. 384 do CPP para abolir a mutatio libelli sem aditamento e estabelecer que ela deve sempre ser precedida de aditamento pelo Ministério Público. O novo art. 411, § 3º, prevê expressamente a possibilidade de aplicação do art. 384 ao final da instrução. A jurisprudência, antes da Lei n. 11.689/08, também admitia esta possibilidade [06].

A pronúncia não deve se manifestar sobre atenuantes ou causas de diminuição da pena, conforme determina o art. 7º da Lei de Introdução ao CPP.

O art. 417 prevê uma mutatio libelli com aditamento em relação a outras pessoas não compreendidas na denúncia, situação que já existia no antigo art. 408, § 5º.

O antigo art. 408, § 1º, estabelecia a possibilidade de o juiz decretar a prisão quando da pronúncia. Os Tribunais Superiores já entendiam que essa prisão não era automática, mas deveria se fundamentar em uma das hipóteses de decretação da prisão preventiva. Agora, o art. 413, § 3º, estabelece expressamente que o juiz deverá decidir de forma fundamentada sobre a manutenção da prisão ou outra medida restritiva de liberdade, ou sobre sua decretação se o acusado está solto, fundamentando em uma das hipóteses da prisão preventiva. Entendemos que, no caso de réu que já estava preso, o juiz deverá obrigatoriamente reanalisar a necessidade de manutenção da prisão preventiva ou em flagrante quando da decisão de pronúncia, por força da nova disposição legal expressa. Esta omissão poderá ensejar a ilegalidade da prisão.

Antes da reforma processual da Lei n. 11.689/08, a jurisprudência admitia que, quando da prolação da sentença de pronúncia, o juiz apenas fizesse remissão à fundamentação da prisão preventiva anteriormente decretada para justificar a prisão decorrente da pronúncia. Todavia, nessa situação, eventual vício na fundamentação da prisão preventiva contaminará a prisão decorrente da pronúncia [07].

Após proferir a decisão de pronúncia, o juiz deverá intimar as partes. Conforme o art. 414, as intimações do Ministério Público, do defensor nomeado e do acusado são pessoais, sendo a do Ministério Público com vista dos autos. As intimações do defensor constituído, do querelante e assistente da acusação são feitas por publicação no Diário da Justiça. Antes da reforma, o art. 414 estabelecia que, caso o réu não fosse localizado para citação pessoal de crime inafiançável, o processo ficaria paralisado até sua localização e intimação, situação então denominada de crise de instância. A crise de instância foi revogada pela Lei n. 11.719/08, pois o art. 420, parágrafo único, passa a prever que, caso o réu não seja localizado para intimação pessoal da decisão de pronúncia, será admissível sua intimação por edital

Contra a decisão de pronúncia cabe recurso em sentido estrito tanto pela defesa, para que se profira impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária, quanto pela acusação, para que se incluam qualificadoras retiradas pela pronúncia (na verdade, a impronúncia da qualificadora). O Ministério Público sempre possui legitimidade para recorrer em favor da defesa.

A princípio, há preclusão pro judicato com a decisão de pronúncia, não podendo os fatos ser alterados. Todavia, estabelece o art. 421, § 1º, que, ocorrendo circunstância superveniente à decisão de pronúncia que modifique a classificação do delito, o juiz ordenará a remessa dos autos ao Ministério Público. Apesar de não estar explícito, entendemos que deverá ocorrer aditamento à denúncia para incluir esse novo fato, nova oportunidade de defesa e prolação de nova decisão de pronúncia incluindo esse fato novo, aplicando-se por analogia o art. 384, com sua redação dada pela Lei n. 11.719/08. Exemplo: se vítima da tentativa de homicídio, que estava hospitalizada durante a instrução preliminar, morre após a pronúncia, é possível nova pronúncia por homicídio consumado. Nesta hipótese, o referido dispositivo condiciona a admissibilidade desta alteração em haver "circunstância superveniente", ou seja, estabelece que o surgimento de provas novas é essencial para a admissibilidade da alteração da pronúncia, não sendo cabível, por exemplo, inclusão de qualificadora cuja prova já constava dos autos durante a instrução preliminar.

c) Impronúncia

A impronúncia está prevista no art. 414 e ocorre quando não há provas suficientes do crime. Tradicionalmente, a doutrina tem classificado a impronúncia como uma decisão interlocutória mista terminativa, pois a mesma põe fim ao processo sem julgamento de mérito (sua decisão não faz coisa julgada material, pois há possibilidade de reabertura do processo com o surgimento de novas provas). Todavia, o novo art. 416 do CPP a classifica como uma sentença.

A impronúncia corresponde a uma absolvição de instância, que encerra o processo (coisa julgada formal) sem pôr um fim definitivo à pretensão punitiva (não possui efeito de coisa julgada material). Assim, prevê o parágrafo único do art. 414 que "enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova". Nessa situação, o surgimento de prova nova é uma condição de procedibilidade específica para a nova ação penal. A redação antiga exigia "novas provas", no plural, todavia entendemos que não houve alteração significativa (uma prova nova já seria suficiente). Os efeitos da impronúncia assemelham-se aos efeitos do arquivamento do inquérito policial. Tradicionalmente, este efeito da impronúncia tem sido justificado ao argumento de que a pronúncia é uma mera decisão de admissibilidade da acusação e o juiz natural dos crimes dolosos contra a vida é o Tribunal do Júri. Assim, não sendo pronunciado, o acusado não foi submetido ao risco de ser condenado, não havendo violação à double jeopardy clause (proibição de ser submetido duas vezes ao risco de condenação, ou, no sistema derivado do europeu continental, ne bis in idem). A gravidade dos crimes dolosos contra a vida também tem justificado esta possibilidade de nova denúncia.

Em nossa opinião, esse efeito não preclusivo da decisão de impronúncia é um resquício do sistema inquisitorial que vigia quando da promulgação do CPP pelo Estado Novo e que acabou sendo mantido após a edição da Lei n. 11.689/08. Vale lembrar que até 1871 era o delegado de polícia quem realizava a pronúncia, e a manutenção desse efeito ainda é um resquício deste período inquisitivo. O Estado Democrático de Direito, que preza pela segurança jurídica e pelo respeito aos direitos fundamentais, não deveria se conformar com decisões absolutórias sem efeito de coisa julgada material. Assim, se não havia elementos de informação preliminar aptos a justificar o recebimento da denúncia, esta deveria ser rejeitada; se havia elementos de informação preliminar aptos a justificar o recebimento da denúncia e a instauração de um processo criminal contra o réu, todavia estes não foram confirmados em juízo, deveria ser o caso de um julgamento antecipado da lide por insuficiência de provas, com a segurança da coisa julgada.

Em nosso entendimento, o parágrafo único do art. 414 deve ser considerado não compatível com o art. 8.4 do Pacto de San José da Costa Rica (Dec. nº 678/1992), que possui estatura constitucional por ser tratado internacional relativo a direitos fundamentais (CF/1988, art. 5º, § 3º), o qual positiva o princípio do ne bis in idem ao estabelecer: "o acusado absolvido por sentença passada em julgado não poderá ser submetido a novo processo pelos mesmos fatos". A estrutura do procedimento do judicium accusationis é a mesma do rito ordinário, ou seja, o réu está sendo efetivamente processado e a insuficiência de provas é causa de absolvição no procedimento ordinário. Atualmente, a impronúncia é textualmente reconhecida como uma sentença (art. 416). Ainda que se use o artifício de denominar a decisão que reconhece a insuficiência de provas ao final de um processo como mera decisão interlocutória não absolutória parece-nos que tal é um subterfúgio para negar vigência ao referido art. 8.4 do Pacto. Registre-se que esse entendimento não é majoritário. Segundo o entendimento majoritário, é legitima a possibilidade de o réu ser novamente processado após a impronúncia se surgir prova nova.

Na hipótese de atipicidade, caso esteja claramente provado que não houve dolo de matar (animus necandi) ou que o autor com certeza não foi o autor da infração, ou ainda que o fato não existiu, não será caso de impronúncia, mas sim de absolvição sumária, conforme a nova redação do art. 415, III. Antigamente, esta hipótese ensejava impronúncia, o que acabava sendo injusto, pois impedia a formação da coisa julgada material. Obviamente, no caso de ausência de dolo de matar, mas presença de outro tipo de dolo (v.g., de lesionar), não será caso de absolvição sumária, mas sim de desclassificação.

Questão intrincada é a de surgirem novas provas da inocência cabal do acusado após a decisão de impronúncia. Nesta situação, entendemos que deve ser admissível o ajuizamento de revisão criminal ou mesmo de ação declaratória (por analogia ao art. 4º do CPC) para que se gerem os efeitos da coisa julgada material, da mesma forma que o seria com a sentença de absolvição sumária.

Contra a decisão de impronúncia cabe recurso de apelação, conforme art. 416. Antes da reforma, esta era hipótese de cabimento de recurso em sentido estrito pela acusação (neste sentido, a Lei n. 11.689/08 alterou a redação do art. 581, IV, para excluir a hipótese de impronúncia).

A doutrina denomina despronúncia a situação na qual o réu é pronunciado pelo juiz, a defesa interpõe recurso em sentido estrito para retirar a pronúncia e, posteriormente, o juiz se retrata da decisão ou o Tribunal dá provimento ao recurso para retirar a pronúncia.

Havendo crime conexo, caso o juiz singular impronuncie, desclassifique ou decida-se pela absolvição sumária quanto ao crime doloso contra a vida, não se manifestará quanto ao crime conexo, devendo remeter todo o processo ao juiz comum, que prosseguirá no julgamento do crime conexo (e, na hipótese de desclassificação, também do crime desclassificado), cf. art. 81, parágrafo único.

d) Absolvição sumária

A absolvição sumária é uma verdadeira sentença de mérito. Trata-se de uma hipótese de julgamento antecipado da lide, na qual antes do término do procedimento em seu rito completo há o encerramento do processo com decisão de mérito, com força de coisa julgada material.

A sentença de absolvição sumária está disciplinada no art. 415, que estabelece:

Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:

I – provada a inexistência do fato;

II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato;

III – o fato não constituir infração penal;

IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva.

É necessário que a prova seja incontroversa, irrebatível, à sombra de qualquer dúvida. Havendo indícios da autoria e materialidade e possível tese defensiva de excludente da ilicitude ou culpabilidade não cabalmente comprovada, deverá o juiz pronunciar o réu para que o Tribunal do Júri, juiz natural da causa, examine a questão, em respeito à competência constitucional do Tribunal do Júri.

Na legislação revogada era cabível absolvição sumária apenas nas hipóteses de prova incontroversa de excludente da ilicitude (legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito) ou da culpabilidade (inexigibilidade de conduta diversa, coação moral irresistível, obediência hierárquica, inimputabilidade).

Atualmente, as hipóteses de prova da inexistênca do fato, prova da ausência da participação e atipicidade também ensejam a absolvição sumária, conforme o art. 415, I, II e III. A situação de ausência de dolo (animus necandi) também é hipótese de atipicidade e, portanto, deve ensejar absolvição sumária.

Por se tratar de norma que afeta o direito material de punir do Estado (possibilidade ou não de o acusado ser novamente processado por um crime), que é mais benéfica, entendemos que esta disposição deve retroagir, cf. CF/88, art. 5º, inciso LX e CP, art. 2º, parágrafo único. Assim, as impronúncias proferidas antes da vigência da Lei n. 11.689/08 com argumento de prova cabal de inexistência do fato, prova cabal de o autor não ter sido seu partícipe, ou reconhecimento cabal de atipicidade, deverão produzir os mesmos efeitos da atual absolvição sumária, ou seja, impedirão a nova propositura da ação penal. Obviamente, as antigas impronúncias fundadas da insuficiência de provas ainda permitirão novo oferecimento de denúncia, segundo permite a lei antiga e atual.

A situação de inimputabilidade prevista no art. 26 do CP (incapacidade total decorrente de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado) gerará a denominada absolvição imprópria, prevista nos art. 96 a 99 do CP, ou seja, o juiz absolverá o acusado, mas imporá medida de segurança, consistente em internação psiquiátrica ou tratamento ambulatorial. Segundo determina o parágrafo único do art. 415, o juiz apenas poderá proferir a absolvição imprópria (com medida de segurança) na fase da absolvição sumária caso não haja nenhuma outra tese defensiva mais favorável ao acusado. Assim, caso o acusado tenha uma tese de negativa de autoria ou legítima defesa, em relação às quais não existe prova cabal e sim mera possibilidade, e, subsidiariamente, também tenha a tese de inimputabilidade com laudo conclusivo em incidente de insanidade mental, deverá o juiz pronunciar o acusado e submetê-lo ao julgamento plenário do Tribunal do Júri. A disposição se justifica porque a absolvição própria (pelo reconhecimento da inexistência do fato, ausência de prova da autoria ou participação, atipicidade, excludente da ilicitude ou outra excludente da culpabilidade, situações nas quais não há imposição de medida de segurança) é mais benéfica que a absolvição imprópria, que impõe medida de segurança. Caso a inimputabilidade seja a única tese defensiva, poderá o juiz apreciá-la na absolvição sumária. Obviamente, caso juntamente com a tese de inimputabilidade haja outras teses defensivas, previstas nos incisos do art. 415, que já estejam cabalmente comprovadas, poderá o juiz acatá-las em sede de absolvição sumária, pois as mesmas têm preferência sobre a tese da inimputabilidade.

Antes da reforma de 2008 havia previsão de recurso de ofício após a decisão de absolvição sumária. A doutrina já criticava veementemente o instituto do recurso de ofício, entendendo-o com resquício de regimes totalitários nos quais a liberdade é uma exceção e, portanto, deveria haver instrumentos processuais de revisão da concessão de liberdade. Muitos defendiam que este instituto já estava não-recepcionado pela CF/88, art. 129, I, que instituiu o sistema acusatório, bem como ofenderia a estrutura garantista da Constituição. A Lei n. 11.689/08 revogou o instituto do recurso de ofício na hipótese de absolvição sumária. Considerando que o recurso de ofício não é propriamente um recurso, já que não é voluntário, mas uma condição de eficácia da decisão, entendemos que a nova lei aplica-se imediatamente, ou seja, os recursos de ofício que estão pendentes de julgamento nos Tribunais deverão ser julgados prejudicados, pois as atuais absolvições sumárias não mais necessitam serem reconfirmadas pela instância superior. Apesar de esta alteração decorrer de uma norma processual, de aplicação imediata sem consideração de sua benignidade, vale lembrar que a alteração é mais benéfica ao réu.

Antigamente, era cabível recurso em sentido estrito contra a decisão de absolvição sumária. Lei n. 11.689/08 revogou o inciso VI do art. 581 e estabeleceu, em seu art. 416, que caberá apelação contra a sentença de absolvição sumária.

Na legislação revogada, entendia-se que o assistente da acusação não possuía legitimidade para interpor RESE contra sentença de absolvição sumária, à luz do art. 271 c/c art. 584, § 1º, c/c art. 598. Atualmente, como será cabível apelação, o assistente da acusação passará a ter legitimidade recursal para impugnar a absolvição sumária, cf. art. 598.

e) Desclassificação

A desclassificação está prevista no art. 419 e ocorre quando, ao final do judicium accusationis, o juiz entender que não há prova de crime doloso contra a vida, mas de outro crime de competência do juiz comum. Trata-se de uma decisão interlocutória mista não terminativa. Nessa situação, deverá o juiz remeter os autos ao juízo comum para que prossiga no julgamento.

Estabelece o art. 411, § 3º, que "encerrada a instrução probatória, observar-se-á, se for o caso, o disposto no art. 384 deste Código", que trata da mutatio libelli, agora obrigatoriamente com aditamento à denúncia pelo Ministério Público.

A antiga redação do art. 410, que tratava da desclassificação, estabelecia que, no juízo comum o processo prosseguiria com abertura de prazo para a defesa indicar novas testemunhas, diligências complementares pelas partes (antigo art. 499), alegações finais e sentença. Desta forma, previa-se que os atos processuais de instrução probatória praticados perante o juiz do judicium accusationis permaneciam válidos. Apesar de a nova redação dada pela Lei n. 11.689/08 não regulamentar como será o procedimento perante o juízo comum, entendemos que esta situação de desclassificação é necessariamente uma hipótese de mutatio libelli, devendo ser aplicado por analogia o disposto no art. 411, § 3º, c/c art. 384 do CPP, em respeito ao princípio da correlação e da inércia, havendo aditamento obrigatório, produção de novas provas, debates orais e nova sentença. Mesmo sem previsão expressa, entendemos que as provas produzidas perante o juiz do judicium accusationis podem ser utilizadas para respaldar a decisão condenatória no juízo comum, não havendo que se falar em violação ao princípio do juiz natural pois, naquele momento processual, aquele juiz era competente para apreciar a acusação.

No juízo comum, a classificação anterior do crime doloso contra a vida não pode ser restaurada, pois ocorreu a preclusão da questão. Assim, não cabe conflito de competência para rediscutir o tema.

Denomina-se desclassificação imprópria quando o juiz altera a capitulação para outro crime também de competência do Tribunal do Júri. Exemplo: desclassificação de homicídio para infanticídio.

A decisão que desclassifica a conduta está, indiretamente, afirmando que o Tribunal do Júri é incompetente para apreciar aquele fato delituoso. Portanto, o recurso contra a decisão de desclassificação é o recurso em sentido estrito, cf. art. 581, II.

Deve-se registrar que, caso a desclassificação ocorra na fase do julgamento plenário (ao final do judicium causae), o juiz presidente deverá sentenciar o crime desclassificado, cf. art. 74, § 3º, c/c art. 492, § 1º.

1.Procedimento – judicium causae

a) Preparação do processo para julgamento em Plenário

Havendo o trânsito em julgado da decisão de pronúncia, sendo os autos encaminhados ao juiz presidente do Tribunal do Júri (caso já não seja o mesmo juiz competente para o judicium accusationis), este intimará Ministério Público ou querelante e o defensor para arrolarem as testemunhas que deseja serem ouvidas em plenário, podendo juntar documentos e requerer diligências.

Antes da Lei n. 11.689/08, as partes eram intimadas nesta fase para juntarem em cinco dias o libelo e a contrariedade ao libelo. Entendia-se que o libelo era a peça de acusação para a segunda fase do julgamento, pois era do libelo que o acusado iria se defender no julgamento plenário do Tribunal do Júri. Portanto, antigamente entendia-se que deveria haver uma correlação progressiva no procedimento do júri entre pronúncia e denúncia, entre libelo e pronúncia e entre questionário e o libelo. Com a abolição do libelo, a correlação permanece sendo entre pronúncia e denúncia, e entre questionário e pronúncia.

Entendemos que não há qualquer violação ao princípio da correlação ou da inércia com a supressão do libelo. Trata-se, ao contrário, de uma reforma louvável, pois o libelo era efetivamente uma peça desnecessária e repetitiva, pois não poderia acrescentar em nada o que havia sido decidido na pronúncia. Apenas facilitava a acusação no momento de fiscalizar seus quesitos quando da elaboração do questionário em plenário.

Doravante, o acusado não se defenderá em Plenário do libelo, mas se defenderá diretamente da denúncia, nos limites que foi admitida pela pronúncia. Na verdade, o acusado não se defende da pronúncia, pois o magistrado não pode formular imputação ao réu, apenas admitir a imputação feita pela acusação na denúncia.

Nesta fase há oportunidade de acusação e defesa juntarem documentos, requererem diligências e arrolarem testemunhas a serem ouvidas em plenário, até o máximo de cinco testemunhas.

O antigo art. 419 previa a figura do promotor ad hoc. Caso o promotor de justiça não apresentasse libelo no prazo legal por duas vezes, poderia o juiz nomear um advogado para atuar como um órgão ministerial. Entendia-se que este dispositivo já teria sido não recepcionado pela CF/88, art. 129, § 2º, que estabelece que as funções institucionais do Ministério Público apenas podem ser exercidas por integrantes da carreira. Agora, o dispositivo está formalmente revogado.

Não há previsão de intervenção do assistente da acusação nesta fase, para arrolar testemunhas a serem ouvidas em plenário.

Ao arrolar a testemunha, a parte deve esclarecer se o faz com a cláusula de imprescindibilidade e se requer sua intimação por mandado (ou se responsabiliza pelo comparecimento da testemunha independentemente de intimação). Caso a parte arrole a testemunha com a cláusula de imprescindibilidade, requeira sua intimação por mandado e esta, devidamente intimada, não compareça à sessão de julgamento plenário, o juiz poderá determinar a condução coercitiva da testemunha ou deverá adiar o julgamento plenário (art. 461, caput e § 1º). Caso a testemunha não seja encontrada no endereço declinado ou não tenha sido arrolada com imprescindibilidade, sua ausência não adiará o julgamento plenário.

Dentre as diligências que a acusação pode requerer nesta fase está a realização de reconhecimento pessoal do réu em plenário. Atualmente, a presença pessoal do réu à sessão plenária não é mais obrigatória. Assim, caso a acusação entenda relevante que o réu esteja presente ao plenário para ser submetido a reconhecimento pessoal, deverá requerer ao juízo que o réu esteja obrigatoriamente presente (se preso) ou sua condução coercitiva, se solto (ver comentários abaixo).

A ausência de manifestação da defesa nesta fase processual não gera nulidade, pois se presume tão somente que não esta não possui testemunhas a arrolar nem documentos a juntar ou diligências a requerer.

Caso uma das partes junte qualquer documento, a parte contrária deve ser intimada em respeito ao princípio do contraditório. Esta necessidade de intimação do documento juntado pela parte contrária, para possibilitar sua utilização em plenário, vem agora prevista expressamente no art. 479. Caso a parte não junte documento nesta fase, poderá juntá-los posteriormente, desde que a parte contrária seja intimada com antecedência mínima de três dias.

Após a manifestação das partes nesta fase, há o despacho saneador, no qual o juiz analisará se há qualquer nulidade que necessite ser sanada, fará relatório sucinto do processo e designará data para o julgamento plenário (art. 423). Após, as partes devem ser intimadas da sessão de julgamento (art. 431).

Para designação de data para julgamento, o art. 429 estabelece a prioridade de marcação entre os diversos processos. Conferir:

Art. 429. Salvo motivo relevante que autorize alteração na ordem dos julgamentos, terão preferência:

I – os acusados presos;

II – dentre os acusados presos, aqueles que estiverem há mais tempo na prisão;

III – em igualdade de condições, os precedentemente pronunciados.

b) Desaforamento

Os artigos 427 e 428 prevêem a figura do desaforamento. Conferir:

Art. 427. Se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou a segurança pessoal do acusado, o Tribunal, a requerimento do Ministério Público, do assistente, do querelante ou do acusado ou mediante representação do juiz competente, poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas.

§§ 1º a 4º - omissis

Art. 428. O desaforamento também poderá ser determinado, em razão do comprovado excesso de serviço, ouvidos o juiz presidente e a parte contrária, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia.

§§ 1º e 2º - omissis

O desaforamento pode ocorrer por questões de segurança, ausência de imparcialidade do júri local ou demora na realização do julgamento plenário. Nessa situação, o processo será encaminhado para a comarca mais próxima na qual haja condições de se realizar o julgamento.

O desaforamento é medida excepcional e a mera comoção social inerente à prática de um homicídio não justifica o desaforamento [08]. Da mesma forma, a circunstância de o réu ser político conhecido, ou ainda que o julgamento tenha ampla cobertura jornalística, não justificam o desaforamento [09]. Por outro lado, é cabível o desaforamento quando a família do réu possui significativa influência no local do crime [10]. Da mesma forma, também cabe desaforamento quando o réu possui poder de "intimidação inigualável" na comarca e regiões vizinhas [11].

Apesar de a redação do art. 427 induzir à conclusão de que o procedimento do desaforamento é mero requerimento ao Tribunal de Justiça seguido de decisão, o STF entende que, em respeito ao contraditório, o Tribunal deve intimar a defesa para que se manifeste sobre o pedido de desaforamento formulado pelo Ministério Público, para, então, proferir a decisão (Súmula nº 712). Ademais, o art. 427, § 3º, também impõe a oitiva do juiz presidente do Tribunal do Júri quando ele mesmo não houver requerido a medida.

Nas hipóteses de desaforamento do art. 427 (ausência de imparcialidade dos jurados e ausência de segurança ao réu), não será cabível o pedido de desaforamento na pendência de recurso contra a pronúncia. Também não cabe se o julgamento já foi realizado, salvo se este for anulado e os fatos que justificam o pedido ocorrerem durante ou após o julgamento.

Na hipótese de excesso de prazo, não se contam eventuais adiamentos decorrentes de atos praticados pela defesa. Também há previsão de que, caso não exista nenhum excesso de serviço que justifique a demora na designação de julgamento plenário, o acusado poderá requerer ao Tribunal que determine a imediata realização do julgamento (art. 428, § 2º). Não se trata propriamente de desaforamento, mas de "requerimento de designação imediata de julgamento plenário", uma nova classe de incidente processual a ser julgado pelos Tribunais de Justiça e TRFs. Seria um desaforamento às avessas.

Apesar de o dispositivo prever a admissibilidade deste incidente processual de designação imediata de julgamento apenas para a defesa, entendemos que o mesmo também é admissível em favor da acusação. É que o direito à duração do processo em prazo razoável, previsto no art. 5º, inciso LXXVIII da CF/88 é de titularidade tanto do acusado quanto da sociedade em geral. Portanto, as mesmas razões que podem justificar o cabimento deste incidente em favor da defesa também o justificam em favor da acusação. Especificamente quanto ao Ministério Público, sua função de fiscal da ordem jurídica (CF/88, art. 127, caput) impõe-lhe a função de fiscalizar se o Poder Judiciário está fornecendo a prestação jurisdicional em prazo razoável, bem como de fiscalizar os interesses da própria defesa.

c) O processo de seleção dos jurados

A legislação revogada previa que a idade mínima para ser jurado era de 21 anos (art. 434), e a doutrina entendia que esta disposição não havia sido tacitamente revogada com o advendo o Código Civil de 2002, que reduziu a maioridade para 18 anos, pois ainda seria possível uma eficácia residual no dispositivo em relação a uma exigência de maior experiência de vida para ser jurado. Todavia, com a nova legislação, podem ser jurados os cidadãos maiores de 18 anos de notória idoneidade (art. 436).

O trabalho como jurado é um múnus público, não podendo o cidadão recusar-se injustificadamente, sob pena de pagamento de multa (art. 436, § 2º e art. 442). Esta multa é uma infração administrativa (não criminal) cuja imposição é competência do juiz presidente do Tribunal do Júri. Apesar de não haver disposição, entendemos que deve haver possibilidade de contraditório e ampla defesa sobre a aplicação desta multa, em respeito aos princípios constitucionais respectivos. Esta multa poderá ser eventualmente impugnada mediante mandado de segurança ou ação ordinária, se ilegalmente aplicada.

Na legislação revogada, os maiores de 60 anos eram automaticamente isentos de participar. Agora, a idade foi elevada para 70 anos e exige-se requerimento da parte para sua dispensa (art. 437, IX).

O art. 438 estabelece que caso o cidadão se recuse a servir como jurado sob o argumento de convicção religiosa, deverá prestar serviço alternativo, sob pena de suspensão dos direitos políticos. A fixação deste serviço alternativo será feita pelo juiz presidente do Tribunal do Júri, atento ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade. Por ser uma restrição de direitos, obrigatoriamente deve haver contraditório e ampla defesa neste procedimento. Entendemos que o eventual serviço que o juiz impuser não poderá ser superior ao serviço que o cidadão iria eventualmente prestar como jurado.

Os artigos 439 e 440 estabelecem prerrogativas para o cidadão que efetivamente exerceu a função de jurado (assim entendido o jurado que foi sorteado para compor o Conselho de Sentença ao menos uma vez). Nesta situação, o jurado possui direito a prisão especial, preferência em licitações, concursos públicos, ou promoção funcional ou remoção voluntária. Esta preferência é apenas na hipótese de desempate na última colocação, sob pena de ferir outros princípios constitucionais, como o da moralidade.

O jurado é um juiz de fato e, como tal, pode responder por crimes qualificados pela condição de funcionário público.

Anualmente o juiz presidente do Tribunal do Júri elabora a lista geral de jurados, observando a quantidade de jurados prevista no art. 425. Para elaborar este lista, o juiz presidente deverá requisitar às organizações da sociedade civil e órgãos públicos a indicação de pessoas, conforme § 2º do art. 425.

Esta lista será publicada até o dia 10 de outubro e terá validade para o próximo ano. Os jurados que tiverem integrado o Conselho de Sentença nos 12 meses que antecederem à publicação da lista geral dela ficarão excluídos (art. 426, § 4º). Com esta medida, procura-se afastar o chamado "jurado profissional", que habitualmente compõe a lista geral de jurados e pode vir a participar reiteradamente de julgamentos. A cada ano a lista geral de jurados deve ser refeita, completando-se os jurados excluídos por terem participado do Conselho de Sentença por novos jurados.

Periodicamente, o juiz elaborará a pauta de julgamentos. Após, o juiz realizará o sorteio dos jurados que atuarão na sessão periódica do júri. Para este sorteio devem ser previamente intimados o Ministério Público, Ordem dos Advogados do Brasil e a Defensoria Pública, para, se quiserem, estarem presentes e fiscalizarem a lisura do procedimento. A sessão periódica do júri é um período de tempo, designado pela Lei de Organização Judiciária, no qual o grupo de 25 jurados sorteados terão competência para julgar os processos previamente incluídos na pauta. Na legislação revogada (art. 426), previa-se que, no Distrito Federal, a sessão periódica do Tribunal do Júri teria duração mensal, ou seja, os jurados seriam sorteados para participarem de todos os julgamentos que ocorressem durante o mês seguinte. O sorteio deve ser realizado entre o 15º e o 10º dia útil antecedente à instalação da reunião (art. 433, § 1º).

Na legislação revogada, havia regra no art. 428 pela qual este sorteio deveria ser realizado por um menor de 18 anos. Esta regra foi abolida, sendo agora atribuição do juiz presidente sortear o nome dos jurados que atuação na sessão periódica (art. 433, caput).

Após o sorteio dos jurados, estes serão comunicados de sua convocação (art. 434).


3.A interpretação do § 3º do art. 433.

A correta interpretação do § 3º do art. 433 parece-nos nebulosa. Estabelece o dispositivo que "o jurado não sorteado poderá ter o seu nome novamente incluído para as reuniões futuras". São possíveis três interpretações do dispositivo:

a)Uma primeira interpretação é que o sorteio a que faz referência este parágrafo é o mesmo sorteio dos demais parágrafos do artigo, ou seja, o sorteio dos jurados que atuarão na reunião periódica do Tribunal do Júri, sorteio este feito entre todos os integrantes da lista geral de jurados, e que o dispositivo apenas esclarece que os jurados que não foram sorteados podem novamente concorrerem, sem exclusão obrigatória dos que já foram sorteados, pois quando a lei deseja excluir um jurado de sua posterior participação, ela o faz de forma expressa, conforme consta do art. 426, § 4º. Todavia, caso assim se interprete, o dispositivo seria de extrema obviedade e conteria mesmo uma imprecisão, pois os jurados não sorteados deverão necessariamente (e não facultativamente) concorrer aos próximos sorteios e, muito provavelmente, a maioria dos novos jurados serão jurados diferentes dos anteriores. Seria impossível que os jurados que não foram sorteados para atuarem em uma reunião periódica não concorressem ao próximo sorteio da próxima reunião periódica e o juiz não pode arbitrariamente excluir qualquer jurado deste sorteio. Portanto, onde se lê "o jurado não sorteado poderá ter o seu nome novamente incluído para as reuniões futuras" deveria ler-se "o jurado não sorteado [deverá] ter o seu nome novamente incluído [no sorteio] para as reuniões futuras". Ainda assim, esta seria uma uma disposição legal óbvia e desnecessária.

b)Outra interpretação é que apenas poderão concorrer ao sorteio da sessão seguinte os jurados que não foram sorteados. Esta interpretação permitiria extrair algum significado efetivo do dispositivo e seria justa, pois, independentemente de ter sido sorteado ou não para compor o Conselho de Sentença, o jurado sorteado para atuar na reunião periódica teve necessariamente que comparecer às diversas sessões de julgamento para participar do sorteio do Conselho de Sentença e, portanto, já teria "cumprido seu dever" durante aquele ano. Os jurados não sorteados para compor o Conselho de Sentença permaneceriam na lista geral de jurados para o ano seguinte, podendo ser novamente sorteados para atuarem em reunião periódica no ano seguinte. Para este interpretação, o significado da expressão "novamente incluído para as reuniões futuras" não significa que o jurado efetiva já foi incluído em alguma reunião, pois teria ocorrido a elipse da expressão "sorteio", devendo o dispositivo ser lido como "[apenas] o jurado não sorteado [para atuar na reunião periódica referida no caput] poderá ter o seu nome novamente incluído [no sorteio] para as reuniões futuras". Esta interpretação possui um inconveniente: se a cada reunião periódica serão necessários 25 jurados diferentes, então necessariamente a lista geral de jurados deveria ter um número de jurados que permitisse a realização de todas as reuniões periódicas necessárias durante um ano. Por exemplo, caso a sessão periódica tenha duração de um mês (situação atual no DF), seriam necessários ao menos 300 cidadãos na lista geral de jurados para que houvesse uma sessão a cada mês do ano. Todavia, o art. 425 permite que esta lista geral de jurados seja composta por 80 a 400 jurados nas comarcas com menos de cem mil habitantes; desta forma, este limite mínimo permitiria a realização de apenas três reuniões periódicas do Tribunal do Júri durante um ano. Esta interpretação poderia gerar a inviabilidade de alguns Tribunais do Júri funcionarem, ante a dificuldade de composição do quórum para as reuniões periódicas, diante da sucessiva exclusão de jurados que já foram sorteados para reuniões periódicas anteriores.

c)Outra possível interpretação seria que o sorteio a que se refere este dispositivo não é o dos jurados que atuarão na reunião periódica, mas o sorteio dos jurados que atuam na reunião periódica para comporem o Conselho de Sentença. Assim, o dispositivo deveria ser lido nos seguintes termos: "o jurado não sorteado [para compor o Conselho de Sentença] poderá ter o seu nome novamente incluído paras as reuniões futuras [as reuniões periódicas referidas no caput]". Neste sentido, o dispositivo significaria que o jurado que foi sorteado para compor uma reunião periódica, mas não foi sorteado para compor o Conselho de Sentença de nenhum julgamento específico poderá ser novamente sorteado para participar da reunião periódica seguinte do Tribunal do Júri. Outro argumento favorável a este interpretação é que o dispositivo utiliza a expressão: "novamente incluído". Ora, se o jurado não foi sorteado para atuar na reunião periódica, não poderia ser "novamente incluído para as reuniões futuras", pois apenas pode ser novamente incluído quem uma vez já esteve incluído. Caso se adote esta corrente de interpretação, a contrario sensu, o dispositivo estaria significando que os jurados que integraram o Conselho de Sentença em uma reunião periódica não poderiam ser sorteados para atuarem novamente na reunião periódica seguinte, sem prejuízo de que os jurados que foram sorteados para atuarem na reunião periódica, mas não foram sorteados para compor o Conselho de Sentença, possam novamente participar do sorteio para a reunião periódica. A interpretação é criticável tanto por ser assistemática com o caput do artigo, bem como porque quando a lei quer excluir um jurado de sua posterior participação, ela o faz de forma expressa, conforme consta do art. 426, § 4º.

Como se vê, a interpretação é dúbia, pois todas as possíveis teses explicativas são falhas: a primeira por significar a obviedade e conter uma palavra falha (ao invés de "poderá" deve ser "deverá"); a segunda por permitir uma situação que inviabilize o funcionamento do Tribunal do Júri e tornar sem lógica outra disposição legal relativa ao número de jurados constante da lista geral (art. 425); e a terceira, por ser assistemática com o caput. Considerando que estabelece o art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil que, "na interpretação da lei, o juiz deverá ater-se aos seus fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum" (nada mais que uma aplicação do devido processo legal em sentido substantivo, ou do princípio da proporcionalidade), entendemos que a interpretação menos danosa é a n. 1 supra, pois não inviabiliza o funcionamento do Tribunal do Júri.

Assim, conclui-se que os jurados sorteados para participar em de uma reunião periódica podem ser novamente sorteados para participarem de outra reunião periódica dentro do mesmo ano.

d) Julgamento Plenário

O julgamento plenário é composto por três fases: sessão pública, sala secreta e publicação da sentença.

A fase da sessão pública pode ser dividida em: abertura da sessão, instrução e debates.

d.1) Abertura da sessão

Antes da abertura dos trabalhos o juiz decidirá os casos de isenção ou pedido de dispensa de jurado (formulado pelo próprio jurado) e ainda os pedidos de adiamento do ato (art. 454).

A ausência do Ministério Público impede a realização do júri, que será necessariamente adiado. Se a ausência for injustificada, será comunicado o Procurador-Geral de Justiça, que por sua vez comunicará o Corregedor do Ministério Público para as providências cabíveis (art. 455).

Dispõe o art. 456 que se a ausência sem justificativa legítima for do advogado de defesa, deverá também o ato ser adiado, com comunicação à seccional da Ordem dos Advogados do Brasil. Todavia, a ausência injustificada enseja o adiamento por uma única vez, devendo desde já ser intimada a Defensoria Pública para a sessão seguinte. Caso o advogado novamente não compareça, o julgamento será realizado com defesa do réu pela Defensoria Pública. Para se evitar a aplicação do dispositivo, não basta que exista uma explicação para a ausência, é necessário que a escusa seja efetivamente legítima. Por exemplo, um advogado que está com câncer em tratamento de quimioterapia e, portanto, impossibilidade de comparecer às sessões nos próximos seis meses, está absolutamente impossibilitado de patrocinar a defesa, não podendo o processo ficar aguardando seu eventual restabelecimento. Caso o réu não constitua outro advogado deverá o juiz aplicar o disposto no art. 456.

Neste ponto, não vemos nenhuma ofensa à ampla defesa, em sua modalidade de direito à escolha do advogado. Ao contrário, o dispositivo vem exatamente preservar este direito. É certo que o réu possui o direito de escolher seu advogado. Assim, se o advogado falta injustificadamente, o juiz não pode nomear um defensor dativo já para o mesmo dia para patrocinar a defesa do réu, mas deve marcar novo julgamento para o prazo mínimo de 10 dias, comunicando-se à Defensoria Pública. Este prazo mínimo é uma garantia para o réu contra um julgamento imediato com defensor ad hoc. Agora, o acusado, se quiser exercer seu direito à escolha de advogado, poderá insistir na manutenção do mesmo causídico (assumindo o risco de que sua ausência gere o patrocínio da causa pela Defensoria Pública) ou, eventualmente, contratar um "advogado reserva" para a eventualidade de seu advogado principal falhar, que também terá prazo mínimo de 10 dias para se preparar para o julgamento. A disposição é constitucional e legítima, pois nenhum direito é absoluto e mesmo a ampla defesa deve ser ponderada ante a necessidade imperiosa de efetividade da jurisdição penal.

Interessante que o dispositivo estabelece que quem deverá subsidiariamente se preparar para patrocinar a defesa será a Defensoria Pública, e não um outro defensor dativo qualquer. Trata-se de norma que acaba alargando a atribuição das Defensorias Públicas, pois sua aplicação poderá eventualmente ocorrer mesmo para réu com capacidade econômica. Esta norma expressamente revoga o entendimento que a Defensoria Pública estaria proibida de patrocinar causas de réus que não sejam pobres (no sentido jurídico). Por ausência de prejuízo, entendemos que não haverá qualquer nulidade caso o juiz nomeie um outro defensor dativo que não seja da Defensoria Pública.

Apenas haverá participação do assistente da acusação no julgamento plenário se este houver requerido sua habilitação até 5 dias antes do julgamento (art. 430). Antes da reforma da Lei n. 11.689/08, este prazo era de três dias (antigo art. 447, parágrafo único). Sua ausência não impede a realização do julgamento.

Antigamente, entendia-se que a presença pessoal do acusado era essencial para a realização da sessão plenária, na hipótese de crime inafiançável (art. art. 451, § 1º, a contrario sensu). Atualmente, dispõe o art. 457, caput, que no caso de réu solto seu não comparecimento não impedirá a realização do julgamento. Isso porque a oportunidade de exercício da autodefesa é obrigatória, mas seu efetivo exercício é facultativo. Assim, o réu deve ser intimado do dia de seu julgamento, mas se não tiver interesse em comparecer para ser interrogado em plenário, esta ausência sua não ensejará qualquer nulidade e o julgamento prosseguirá à sua revelia. Todavia, no caso de réu preso que não foi apresentado a julgamento pela falta de escolta policial, considerando que o Estado possui a obrigação de fazer o réu sob sua custódia estar presente, caso este queira, o § 2º do dispositivo determina que a sessão deverá ser necessariamente adiada. A exceção a esta regra é se o réu preso e seu defensor houverem subscrito requerimento de dispensa de comparecimento. Alguns doutrinadores argumentam que o réu possui o direito de ser intimado e escolher não estar presente, para evitar a influência de seu status social e aparência (v.g., cor) nos jurados. Todavia, caso haja necessidade de alguma diligência de reconhecimento do réu a ser realizada em plenário (art. 473, § 3º), com prévio requerimento de sua realização pelo Ministério Público quando da apresentação dos requerimentos na fase da preparação do processo para o julgamento plenário (art. 422), entendemos que o juiz poderá determinar a condução coercitiva do acusado, preso ou solto. Neste ponto, não se está em discussão a disponibilidade da autodefesa pelo réu, mas o direito da acusação de produzir uma prova perante o Tribunal do Júri. Também não há qualquer violação ao privilégio contra auto-incriminação na realização coativa de reconhecimento pessoal, pois se trata de uma diligência de atuação passiva do réu (o acusado não precisa colaborar para a produção da prova).

A ausência injustificada de testemunha acarreta na imposição de multa de um a dez salários mínimos, da mesma forma que ocorre para o jurado que faltar injustificadamente (art. 458 c/c art. 436, § 2º). Entendemos que a competência para imposição desta multa será do juiz presidente do Tribunal do Júri. Trata-se de uma multa administrativa (e não multa penal) e sua imposição deve ser precedida de prévio contraditório, inclusive para se apresentar eventual justificativa. Caso não seja apresentada a justificativa, o juiz presidente aplicará a multa. É recomendável que este procedimento tramite em autos apartados, como incidente processual. Por ser um incidente processual, entendemos obrigatória a intervenção do Ministério Público. Não há previsão de recurso e, portanto, cabe mandado de segurança ou ação ordinária contra a imposição da multa. O Código não esclarece em favor de quem reverterá a multa; diante da omissão, e considerando que a infração praticada pelo jurado ou testemunha faltosa atenta contra a efetividade da prestação jurisdicional, que é um serviço estatal, entendeu que esta multa deve reverter em favor do Estado (no caso de Justiça Estadual) ou da União (no caso do DF e Justiça Federal). Portanto, a atribuição para execução desta multa deve ser da Procuradoria da Fazenda do Estado (na Justiça Estadual) ou a Procuradoria da Fazenda Nacional (no DF e Justiça Federal).

Caso a parte tenha arrolado a testemunha com a cláusula de imprescindibilidade, requeira sua intimação por mandado e esta, devidamente intimada, não compareça à sessão de julgamento plenário, o juiz poderá determinar sua condução coercitiva ou o julgamento plenário será adiado (art. 461, caput e § 1º). Caso a testemunha não seja encontrada no endereço declinado ou não tenha sido arrolada com imprescindibilidade, sua ausência não adiará o julgamento plenário.

Após estas diligências preliminares, verificando-se que Ministério Público e defesa estão presentes, e que estão presentes pelo menos 15 dos 25 jurados sorteados para atuarem na reunião periódica, o juiz declarará instalada a sessão pública de julgamento do Tribunal do Júri.

A abertura da sessão é o momento para que as partes arguam as nulidades ocorridas após a pronúncia, sob pena de preclusão. Neste ponto, há que se realizar uma interpretação histórica do art. 571, V do CPP, pois este faz referência ao art. 447, que era relativo à abertura da sessão plenária de julgamento do Tribunal do Júri. Hoje, deve-se interpretar que o referido artigo faz referência atual ao art. 463, ou seja, o momento que o juiz declara instalados os trabalhos, anunciando o processo que submetido a julgamento.

Após a abertura, os jurados serão advertidos sobre os impedimentos e a incomunicabilidade (art. 466). A incomunicabilidade dos jurados é relativa aos fatos do processo e não impede que os jurados se comuniquem durante o recesso, sobre fatos alheios ao julgamento.

Segue-se com o sorteio dos sete jurados que irão compor o Conselho de Sentença. As partes (defesa e acusação, nessa ordem) poderão recusar de forma imotivada até três jurados (art. 468, caput). As recusas motivadas não têm limite e não entram nessa conta.

Na legislação revogada, havia disposição no art. 461 de que, se os réus tivessem advogados diferentes e um aceitasse um jurado, o outro recusasse e o Ministério Público aceitasse, haveria a separação dos processos. A nova redação do parágrafo único do art. 468 c/c 469, § 1º estabelece que caso um dos advogados de defesa recuse o jurado, este será automaticamente excluído da sessão de julgamento, independentemente de perguntar ao outro advogado se ele aceitaria ou não aquele jurado. Portanto, apenas haverá separação obrigatória do processo se, ao final das recusas, não houver o número mínimo de sete jurados para compor o conselho de sentença. Por exemplo, se comparecerem 15 jurados à sessão de julgamento, caso haja dois réus, com advogados diferentes, e o advogado A recuse os jurados 1, 2 e 3, o advogado B recuse os jurados 4, 5 e 6, ainda haverão outros nove jurados aptos a comporem o conselho de sentença; se o Ministério Público recusar apenas outros dois jurados, sobrarão sete e o julgamento ocorrerá; todavia, se o Ministério Público recusar três jurados, o julgamento necessariamente se separará.

Considerando que a parte que se manifesta primeiro já "gasta" sua recusa (que poderia se "gasta" pelo outra parte caso esta houvesse se manifestado primeiro pela recusa), entendemos que o juiz deverá alternar entre as diversas defesas quem será a primeira e quem será a segunda a se manifestar, de forma a assegurar o princípio da isonomia. Por exemplo: para o primeiro jurado, manifesta-se a defesa 1, defesa 2 e Ministério Público; para o segundo jurado, manifesta-se a defesa 2, defesa 1 e Ministério Público; e assim sucessivamente. Este procedimento, apesar de não previsto no código, assegurará que ambas as defesas tenham, entre si, direitos iguais.

Na legislação revogada, na prática, quem decidia contra qual réu o processo prosseguiria era o Ministério Público, segundo a forma que aceitasse o jurado para um réu e recusasse o jurado para outro. Pela nova sistemática, dispõe o art. 469, § 2º que será julgado primeiro o autor e após o partícipe, ou, em caso de co-autoria, o que estiver preso, dentre os réus presos o que estiver preso a mais tempo, ou se todos os critérios foram até aqui iguais, o que houver sido pronunciado a mais tempo. Caso todos estes critérios empatem; o juiz presidente deverá decidir qual será julgado primeiro.

Formado o Conselho de Sentença, o juiz tomará compromisso dos jurados (art. 472).

d.2) Instrução em Plenário

Após o compromisso dos jurados inicia-se a instrução plenária. Serão ouvidos o ofendido, testemunhas de acusação, de defesa e interrogatório. Para as testemunhas de acusação a ordem é: juiz presidente, acusação, defesa, jurados. Para as testemunhas de defesa, a ordem será: juiz presidente, defesa, acusação e jurados. As perguntas das partes agora serão diretas, mas as dos jurados continuam sendo feitas por intermédio do juiz presidente.

A Lei n. 11.690/08 deu nova redação ao art. 212 do CPP para estabelecer que, regra geral, as perguntas serão feitas pelas partes de forma direta às testemunhas. Este dispositivo também alterou a ordem da colheita dos depoimentos, pois estabelece que primeiro as partes formulação suas perguntas e após, sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição. Lá a alteração foi realizada para assegurar maior distanciamento do juiz da atividade de colheita de provas, que é ônus das partes, de forma a assegurar-lhe maior imparcialidade e preservar, portanto, o sistema acusatório estabelecido pela Constituição Federal. Todavia, na instrução plenária, a ordem continuará sendo primeiro as perguntas do juiz. Provavelmente a disposição é feita para evitar que os jurados sejam influenciados por uma instrução conduzida majoritariamente pela acusação. Quem pergunta primeiro normalmente explora mais o potencial de informações de uma testemunha, restando aos demais apenas esclarecer os pontos não explorados; como normalmente as testemunhas dos fatos já constam do inquérito e, portanto, são testemunhas da acusação (já que o ônus de comprovar a culpa é da acusação), se as partes perguntassem antes do juiz presidente aconteceria que a maioria das provas seria explorada pela acusação, situação que poderia induzir os jurados a crerem que a acusação possui mais provas que a defesa e, portanto, sua tese é a correta, o que não necessariamente é verdade. Ademais, como o juiz presidente não julga os fatos, esta situação de perguntar primeiro não comprometeria sua imparcialidade e, portanto, não violaria o sistema acusatório, apenas asseguraria melhor andamento dos trabalhos em um procedimento muito mais ritualístico que o habitual.

Após a colheita dos depoimentos e testemunhos, as partes ou os jurados poderão solicitar a leitura de peças do processo. Antes da reforma, poderia se indicar quaisquer peças do processo (antigo art. 466, § 1º), o que acabava gerando uma longa e improdutiva fase de leitura de peças, normalmente sem que ninguém efetivamente prestasse atenção a esta leitura. Às vezes, era mesmo uma estratégia de uma das partes para "cansar" os jurados. Agora, apenas podem ser objeto de leitura as provas colhidas por carta precatória (que, portanto, não poderiam ser repetidas em plenário) e as provas cautelares, antecipadas ou não repetíveis. Como exemplos destas últimas podem ser citadas as provas técnicas, como o laudo de exame cadavérico, laudo de exame de local de crime, laudo exame de confronto balístico e outros.

Após a leitura de peças ocorrerá o interrogatório. Na legislação revogada, o interrogatório era o primeiro ato da instrução plenária, agora é o último. Como visto, a alteração busca privilegiar a ampla defesa, de forma que a autodefesa apenas se exerça após o pleno conhecimento das provas que possui contra si. A ordem das perguntas será: juiz presidente, acusação, defensor e jurados (art. 474, §§ 1º e 2º c/c art. 188). As partes poderão formular perguntas diretas ao réu, mas os jurados as formulação por intermédio do juiz presidente. O § 3º do art. 474 proíbe o uso de algemas pelo réu em plenário, salvo se indispensável à segurança. Busca-se evitar com esta disposição a estereotipização decorrente da associação da imagem de uma pessoa já algemada com a de um criminoso, portanto, de uma pessoa que já está condenada.

O art. 475 determina que o registro dos depoimentos e interrogatório deva ser feito mediante gravação magnética, eletrônica, estenotipia ou similares, para assegurar maior fidedignidade da prova e celeridade em sua colheita, devendo haver transcrição da degravação nos autos. Este sistema de gravação dos depoimentos já constava da Lei n. 9.099/95, art. 65, § 3º, que estabelece: "os atos realizados em audiência de instrução e julgamento poderão ser gravados em fita magnética ou equivalente". Também está previsto no novo art. 405, § 1º, com redação dada pela Lei n. 11.719/08, que estabelece "sempre que possível, o registro dos depoimentos do investigado, indiciado, ofendido e testemunhas será feito pelos meios ou recursos de gravação magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinada a obter maior fidedignidade das informações".

Todavia, a redação do art. 475 difere daquela constante do art. 65, § 3º da Lei n. 9.099/95 e do art. 405, § 1º do CPP, pois, enquanto estas duas disposições afirmam que esta gravação dos depoimentos é uma faculdade ("poderão" e "sempre que possível") no procedimento do júri a determinação é, aparentemente, peremptória ("o registro... será feito"). Aqui, a finalidade não é apenas a celeridade (como, aparentemente, é a justificativa da disposição no JEC), mas também assegurar maior fidelidade da prova. O Tribunal poderá eventualmente analisar esta prova ao julgar o recurso de apelação com fundamento na alínea "d" do art. 593, III (decisão manifestamente contrária à prova dos autos). Assim, parece-nos que a gravação dos depoimentos e interrogatório não seria apenas uma possibilidade, mas uma determinação. A transcrição do registro deve ser providenciada por servidor do Poder Judiciário, sob a supervisão do juiz. O dispositivo não traz o prazo final para esta transcrição; todavia, parece-nos que ela deve ocorrer antes do término da sessão plenária, pois, para exercer o direito de recorrer da sentença, deverá a parte já ter acesso às degravações.

d.3) Debates

Em seguida, haverá os debates orais, com sustentação pelo Ministério Público, assistente da acusação e defesa, pelo prazo de uma hora e meia, havendo oportunidade de réplica e tréplica pelo prazo de uma hora cada. Antigamente, o prazo da sustentação era de duas horas e a réplica e tréplica eram de meia hora. Apenas há tréplica se o Ministério Público solicitar prazo para réplica. É admissível pedido de reinquirição de testemunha já ouvida em plenário.

Havendo mais de um acusador, o prazo será dividido entre eles, mediante acordo ou fixação pelo juiz. Havendo mais de um réu, o tempo da acusação e defesa será de duas horas e meia na sustentação e duas horas para réplica e tréplica, e divididos pelas defesas mediante acordo ou fixação pelo juiz.

O art. 478 traz inovação quanto à proibição de argumentos durante os debates. Conferir:

Art. 478. Durante os debates as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências:

I – à decisão de pronúncia, às decisões posteriores que julgaram admissível a acusação ou à determinação do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado;

II – ao silêncio do acusado ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo.

A decisão de pronúncia não pode ser referida como argumento porque ela não traz certeza sobre a imputação, mas realiza mero juízo de admissibilidade da acusação. Muitas vezes o fato de o réu ter sido pronunciado era utilizado em plenário como argumento de "prova" de que o mesmo era culpado, situação que induzia os jurados a erro, pois necessariamente todos os réus submetidos ao julgamento plenário do Tribunal do Júri deveriam ser antes pronunciados. Portanto, não podem ser utilizados argumentos do tipo: "o réu é culpado, pois o juiz afirmou na pronúncia que havia provas de sua autoria" ou ainda "o réu não é culpado, tanto que o juiz afirmou na pronúncia que havia apenas indícios e não prova cabal". Da mesma forma, em respeito ao princípio da isonomia processual, caso o réu tenha sido impronunciado e, posteriormente, em grau de recurso (agora de apelação), o tribunal tenha dado provimento para pronunciar o réu, a defesa não poderá fazer menção ao fato de o juízo ter anteriormente impronunciado o réu por entender que havia insuficiência de provas nem a acusação poderá fazer menção à decisão do Tribunal. Obviamente, os jurados poderão ter vista do processo após os debates, na fase do art. 480, § 3º, e poderão ler a decisão de pronúncia, todavia, esta decisão não poderá ser um argumento utilizado pelas partes (pois não trata de prova, mas de mero juízo de admissibilidade da acusação). Para evitar esta eventual influência quando da eventual leitura dos autos, o art. 413, § 1º limita a fundação da pronúncia ao estritamente necessário para a admissibilidade da acusação (probabilidade razoável diante dos indícios). Finalmente, o que a lei veda é a referência à pronúncia como argumento de autoridade para beneficiar ou prejudicar o acusado; a mera referência à pronúncia como uma fase do processo, devidamente esclarecendo-se aos jurados o nível de cognição inerente a esta fase processual (que, portanto, não beneficia nem prejudica o acusado no exame final de mérito a ser feito pelos jurados) não pode gerar nulidade pois não foi violado o princípio de direito que a regra do art. 478, I, pretende proteger. Nesta situação não haveria nulidade por ausência de prejuízo efetivo (pas de nullité sans grief). De qualquer sorte, doravante é recomendável estrema cautela para a referência à decisão de pronúncia perante os jurados.

Caso o juiz determine que o réu use algemas para assegurar a segurança, conforme lhe permite o art. 474, § 3º, esta situação não poderá ser utilizada pela acusação como um argumento de que o réu é culpado. Portanto, vedam-se argumentos do tipo: "Srs. Jurados, o réu é um criminoso, tanto que o juiz entendeu que ele é um perigo à nossa segurança e determinou que ele utilizasse algemas neste plenário". Da mesma forma, o fato de o réu estar sem algemas também não pode ser utilizado pela defesa como argumento que ele é inocente. Portanto, vedam-se argumentos do tipo: "Srs. Jurados, o réu é inocente, tanto que o juiz entendeu que ele não é um perigo à nossa segurança e não permitiu que ele entrasse algemado neste plenário".

De acordo com o privilégio contra auto-incriminação, o acusado não é obrigado a falar em seu interrogatório e esta circunstância não pode ser considerada em desfavor de sua defesa, cf. art. 186. Assim, é vedada utilização de argumentos do tipo; "Srs. Jurados, quem não deve não teme, e se o réu ficou em silêncio durante seu interrogatório é porque está escondendo algo, é porque é culpado".

Da mesma forma, o réu não é obrigado a comparecer para o seu interrogatório. Assim, caso o réu tenha sido intimado para o interrogatório e não tenha comparecido, ou tenha solicitado para não ser interrogado, a defesa não poderá utilizar como argumento em plenário: "Srs. Jurados, estão cerceando o direito de defesa do réu, pois ele sequer deu aos Srs. sua versão dos fatos".

Esta nulidade do art. 478 não é automática, pois dependerá da prova do prejuízo e não poderá ser argüida por quem lhe der causa. Assim, por exemplo, se a acusação afirmar que o réu é culpado pois está preso e usando algemas, se ao final o réu for absolvido não haverá qualquer nulidade; apenas se o réu for condenado é que a defesa poderá recorrer alegando a violação ao art. 478. Da mesma forma, se a defesa fizer menção à impronúncia (que foi posteriormente reformada pelo Tribunal) e, ao final, o réu for condenado, não haverá qualquer prejuízo. Trata-se de aplicação do princípio previsto no art. 565, segundo o qual "ninguém pode se beneficiar da própria torpeza".

Tratando-se de nulidade ocorrida em plenário, a parte contrária deverá imediatamente impugná-la, bem como zelar para que conste da ata sua ocorrência e respectiva impugnação, sob pena de preclusão, conforme determina o art. 571, VIII c/c art. 495, XV.

Não pode ser utilizado na sessão plenária documento que não tenha sido juntado aos autos com antecedência mínimia de três dias (art. 479). Esta prova é considerada uma prova ilegítima, ou seja, uma prova produzida com a inobservância das regras processuais. A lei antiga exigia que a parta contrária fosse cientificada da juntada do documento em três dias. Agora, a lei exige que a juntada se dê com antecedência mínima de três dias, exige a intimação da parte contrária desta juntada, mas não prevê a antecedência mínima para a intimação. Considerando a dubiedade da atual redação, entendemos que a intimação da parte contrária deve ocorrer com ao menos três dias de antecedência do julgamento, prazo razoável para que a parte contrária se inteire da prova e se prepare. Caso haja solicitação de produção de contraprova, necessariamente o julgamento deverá ser adiado. O parágrafo único deste artigo faz referência ao que se considera incluído nesta proibição: jornais, qualquer escrito, vídeos, gravações, fotografias, laudos, quadros, croqui, ou outros assemelhados que versem sobre os fatos submetidos à apreciação dos jurados.

Após, os jurados serão indagados se possuem alguma dúvida e se estão habilitados a julgar. O juiz poderá esclarecer os jurados à vista dos autos, bem como os jurados poderão ter vista do processo. Caso seja imprescindível algum esclarecimento que não possa ser providenciado na sessão, o Conselho de Sentença será dissolvido, indicando-se desde já os quesitos pelo juiz e intimando-se as partes a fazê-lo em cinco dias.

Providenciado o esclarecimento aos jurados, o juiz lerá o questionário.

A leitura do questionário é o momento preclusivo para a sua impugnação (art. 484 c/c art. 571, VIII). O questionário será elaborado em conformidade com o que determina o art. 483. Há um quesito sobre a materialidade, outro sobre a autoria ou participação, um terceiro quesito indagando se o jurado absolve o acusado. Se o jurado afirmar que absolve o réu, a quesitação já se encerra. Apenas se houver resposta negativa neste terceiro quesito, prossegue-se a quesitação sobre as causas de diminuição da pena, bem como qualificadoras ou causas de aumento da pena. Cada circunstância autônoma deve ser objeto de um quesito específico. Todavia, as teses defensivas tendentes à absolvição estão todas englobadas no terceiro quesito. Outras teses defensivas como desclassificação, tentativa e dúvida quanto à tipificação (v.g., entre homicídio e infanticídio) devem ser objeto de quesitos à parte. Os quesitos devem ser formulados como perguntas simples, de forma afirmativa. Para cada crime haverá uma seqüência de quesitação.

Questão interessante é sobre a obrigatoriedade ou não do terceiro quesito, previsto no art. 483, caput, III e § 2º, consistente na seguinte pergunta: "O jurado absolve o acusado?". Há quem defenda que este quesito apenas é obrigatório se houve alguma tese defensiva que permita a absolvição (atipicidade do fato, legítima defesa ou outra excludente da ilicitude, excludentes da culpabilidade), pois, caso a defesa apenas tenha requerido a condenação com privilégio, por exemplo, não haveria sentido os jurados absolverem. Esta era a prática antes da reforma processual, pois o antigo art. 484, caput, III, afirmava que apenas haveria quesitação de teses defensivas se estas fossem sustentadas pela defesa, caso contrário, não se quesitaria sobre estas teses. Todavia, esta não é a melhor interpretação do dispositivo atual. Primeiro, porque a redação do art. 483, caput, é peremptória, afirmando que os quesitos indicados devem ser formulados. Segundo, porque o art. 482 esclarece que os jurados serão questionados "sobre a matéria de fato e se o acusado deve ser absolvido", reforçando a idéia que o jurado deve se manifestar expressamente sobre a decisão de absolver ou não. Terceiro, porque mesmo no procedimento dos demais crimes, o juiz não fica adstrito às teses das partes, podendo absolver mesmo que não haja pedido de expresso pela defesa, ou ainda poderá condenar mesmo que o Ministério Público requeira a absolvição (cf. art. 385, que, em nossa visão, é de duvidosa constitucionalidade à luz do sistema acusatório). De qualquer sorte, a existência obrigatória deste terceiro quesito seria, numa perspectiva garantista, um filtro processual adicional para a restrição à liberdade. Caso os jurados absolvam mesmo com prova cabal da culpabilidade (tanto que não houve pedido da defesa de absolvição), caberá à acusação recorrer da decisão com base no art. 593, III, "d" (decisão manifestamente contrária à prova dos autos), para que o Tribunal anule o julgamento e submeta o réu o novo julgamento popular. Caso no segundo julgamento o réu seja novamente absolvido, não caberá novamente outro apelo com este fundamento e também não caberá revisão criminal pro societate. Alguns afirmam que esta possibilidade de os jurados absolverem mesmo quando o juiz togado certamente condenaria consiste exatamente na "beleza" do Tribunal do Júri, de resguardar a liberdade individual da "perniciosa desenvoltura no decidir" dos juízes profissionais. Em nossa visão, não há nada de "bonito" em uma decisão sem provas, e esta possibilidade de se decidir sem fundamentar e mesmo contra as provas dos autos é uma demonstração que o Tribunal do Júri é uma instituição ultrapassada e mesmo antigarantista. Todavia, por ter assento constitucional como cláusula pétrea, cabe aos operadores do direito tão somente aplicar as normas relativas à soberania dos veredictos.

Caso os jurados respondam sim a este terceiro quesito, o juiz não necessitará indagá-los, regra geral, sobre qual o argumento que justifica a absolvição, por ausência de previsão legal. Considerando que este terceiro quesito sintetiza todas as teses defensivas que ensejam a absolvição (atipicidade, excludente da ilicitude, excludente da culpabilidade e outras) e que o jurado não necessita fundamentar sobre qual delas está se manifestando, haverá uma séria dificuldade para se apelar sob o argumento de decisão manifestamente contrária à prova dos autos, pois não se saberá qual foi o argumento concreto que os jurados utilizaram para absolver o réu. Para tanto, é muito importante que haja efetiva observância do disposto no art. 495, XIV, constando da ata do julgamento os argumentos que as partes utilizaram durante sua sustentação oral. Desta forma, deverá o Tribunal analisar se havia ou não respaldo nos autos para alguma das teses de defesa; se alguma delas poderia ser razoavelmente acolhida por ter respaldo nos autos, não caberá anulação da decisão, ainda que, no caso concreto, não houvesse sido aquela tese específica que os jurados tinham em mente ao afirmar que absolveriam o réu.

Ademais, também é possível que agora o réu seja absolvido mesmo que não haja consenso sobre qualquer das teses defensivas. Por exemplo, se um jurado entender que o fato é atípico, outro entender que houve legítima defesa, outro entender que houve estrito cumprimento do dever legal e um quarto jurado entender que o réu era inimputável, haverá quatro votos favoráveis à absolvição, mesmo sem haver consenso sobre qualquer das teses defensivas. Caso fossem formulados sucessivos quesitos sobre cada uma destas teses defensivas, como no sistema antigo, fatalmente todas seriam superadas e o réu seria condenado. Com esta análise, conclui-se que a reforma veio, neste ponto, facilitar as absolvições e dificultar as condenações.

Outra questão interessante é se o juiz necessita indagar dos jurados especificamente sobre a inimputabilidade (hipótese de absolvição imprópria, com imposição de medida de segurança). Se houver sustentação da tese de inimputabilidade, caso os jurados absolvam o réu, o juiz deverá formular quesitos adicionais para esclarecer o fundamento da absolvição. Isso porque se a absolvição for decorrente de atipicidade ou excludente da ilicitude, a votação deve parar. Todavia, se superados estes quesitos, os jurados afirmarem negativamente ao quesito "ao tempo do fato, o réu possuía capacidade de compreender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com este entendimento?" (CP, art. 26) haverá a imposição da medida e segurança. O jurado deve esclarecer este ponto, pois, na prática, a absolvição imprópria acarreta restrição de direitos fundamentais do acusado, podendo ensejar a internação compulsória em estabelecimento psiquiátrico. Tanto que, quando se disciplinou a absolvição sumária (art. 415, parágrafo único), estabeleceu-se que esta apenas poderia ser proferida no caso de inimputabilidade se não houvesse outra tese defensiva mais favorável, que ensejasse a absolvição própria. Ou seja, se há possibilidade de tese de legítima defesa, por exemplo, e prova cabal da inimputabilidade, o acusado não deve ser sumariamente absolvido (com aplicação da medida de segurança), mas deve ser pronunciado e submetido a julgamento plenário para ser eventualmente absolvido pela licitude de sua ação. Apenas caso não haja absolvição própria é que se aplicará a absolvição imprópria. E para saber qual dos fundamentos os jurados estão acolhendo, nesta situação específica de existência de tese de inimputabilidade, é necessário o esclarecimento do motivo da absolvição.

Reconhecemos que a compreensão pelos jurados da quesitação neste tema ficará confusa, pois é possível que alguns jurados entendam que o réu incapaz que cometeu um delito não deve ser absolvido, mas "condenado" à internação psiquiátrica. Caberá ao juiz esclarecer os jurados sobre o significado dos quesitos.

Após a leitura do questionário e a explicação aos jurados do significado de cada um dos quesitos, encerra-se a fase pública do julgamento e os jurados serão encaminhados à sala especial.

d.4) A sala especial

A sala especial é uma sala reservada, também conhecida como "sala secreta", com acesso apenas ao magistrado, as partes, o escrivão e oficial de justiça. Não há previsão de participação do réu nesta fase, apenas de seu defensor. Na falta de sala especial, o público será retirado do plenário.

Ocorrerá a votação de cada quesito, recebendo cada jurado duas cédulas com as palavras "Sim" e "Não" cada uma, incluindo apenas uma delas na urna. As decisões são tomadas por maioria (4x3).

Há quem argumente que, ocorrendo votação de quatro jurados favoráveis à tese, já deveria ser suspenso o restante da votação, para se evitar que todos os sete jurados se manifestem no mesmo sentido, violando-se o sigilo das votações, pois certamente o réu saberia que todos votaram de forma contrária. A Lei n. 11.689/08 não estabeleceu qualquer regra neste sentido.

d.5) Sentença

Encerrada a votação de todos os quesitos, o juiz lavrará a sentença e, então, deverá publicá-la mediante a sua leitura na sala pública de sessão, providenciando o escrivão a lavratura da ata dos trabalhos. Eventuais nulidades ocorridas em Plenário deverão ser argüidas no ato de sua ocorrência e incluídas na ata, sob pena de preclusão.

Os requisitos da sentença estão previstos no art. 492 e são semelhantes aos previstos no art. 59 et seq. do CP e art. 386 e 393 do CPP.

Caso haja desclassificação em Plenário, o juiz presidente passa a ter a competência para julgar o crime desclassificado (art. 492, § 1º), numa espécie de prorrogação de competência. Na vigência da legislação revogada, havia entendimento do STJ no sentido de que, no caso de desclassificação para infração penal de menor potencial ofensivo – IPMPO (v.g., de tentativa de homicídio para lesão corporal leve), os autos deverão ser remetidos ao Juizado Especial Criminal, tendo em vista se tratar de competência constitucional, bem como para que se viabilize a audiência preliminar e eventual conciliação civil e proposta de transação penal [12]. Já havíamos manifestado nossa discordância da tese que a competência do JEC é absoluta pelo simples fato de estar prevista genericamente na Constituição. Com o advento da Lei n. 11.313/06, alterou-se a redação do ar. 60 da Lei n. 9.099/95 para se estabelecer expressamente que em caso de conexão com outro crime de competência do juízo comum, a IPMPO também lhe seria remetida, podendo naquele juízo aplicar-se, se for o caso, os benefícios da Lei n. 9.099/95. Portanto, esta lei veio expressamente afirmar que a competência do JEC não é absoluta, tanto que pode ser alterada pelas regras de conexão e continência, que têm assento infra-constitucional (da mesma forma que a competência do JEC é concretamente definida pela lei infra-constitucional). Agora, o art. 492, § 1º, estabelece expressamente que, no caso de desclassificação em plenário para IPMPO, será aplicado o disposto nos artigos 69 e seguintes da Lei n. 9.099/95. Entendemos que estes dispositivos devem ser aplicados diretamente pelo juiz presidente do tribunal do júri, ou seja, este deve indagar à vítima se esta possui interesse em realizar composição civil com o réu; caso frustrada irá indagar-lhe se deseja representar; caso deseje o Ministério Público analisará a possibilidade de concessão de transação penal, se presentes os requisitos; caso não seja admissível analisará o cabimento da suspensão condicional do processo; e caso não seja cabível, requererá o prosseguimento do feito com sentença pelo juiz presidente. Desta forma, o processo já será finalmente decidido na mesma assentada, sem maiores dilações, respeitando-se o princípio da duração do processo em prazo razoável (CF/88, art. 5º, LXXVIII).

Para que a desclassificação seja admissível, é necessário que se observe o princípio da correlação, ou seja, que o crime desclassificado esteja, ainda que implicitamente, descrito na denúncia. Caso não haja esta descrição, será necessário observar-se o procedimento da mutatio libelli, previsto no art. 384 do CPP.

Todos os presentes são intimados da decisão no ato, iniciando-se o curso do prazo recursal. É cabível apelação da decisão do Tribunal do Júri, com prazo de cinco dias para interposição e oito para juntada de razões, nas hipóteses previstas no art. 593, III, alíneas a a d. A nulidade posterior à pronúncia (error in procedendo) gera anulação do julgamento e retorno à primeira instância para suprir a nulidade e realizar novo julgamento. Nas hipóteses de a sentença do juiz presidente ser contrária à decisão dos jurados ou de erro na aplicação da pena (error in judicando), o Tribunal poderá diretamente modificar a decisão recorrida. Na hipótese de decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos (alínea d), apesar de haver um error in judicando, o Tribunal não poderá reformar a decisão, apenas anulará o julgamento e submeterá o réu a novo julgamento perante o Tribunal do Júri, em respeito ao princípio constitucional da soberania dos veredictos. No novo julgamento, o Conselho de sentença deve ser composto por novos jurados, sob pena de nulidade. Apenas é admissível uma vez a apelação com fundamento na alínea d, ou seja, caso no novo julgamento os jurados novamente condenem o réu, não será cabível nova apelação pelo mesmo fundamento.

Após o trânsito em julgado, caso surjam novas provas da inocência do acusado, é admissível a revisão criminal (art. 621), a ser julgada diretamente pelo Tribunal. Entende-se que essa restrição parcial ao princípio da soberania dos veredictos é constitucional diante de sua colisão com outros princípios constitucionais de envergadura maior, como a dignidade da pessoa humana e a ampla defesa.

Antigamente era admissível protesto por novo júri caso o juiz condenasse o réu a pena igual ou superior a 20 anos em um único crime doloso contra a vida. Este recurso consistia em mera petição dirigida ao juiz presidente do Tribunal do Júri que, verificando estarem presentes os requisitos, já lhe dava provimento para anular o julgamento e submeter o réu a novo julgamento. A Lei n. 11.689/08 anulou todo o cap. IV do título II do livro III, relativo ao protesto por novo júri, abolindo este recurso. O protesto por novo júri era um recurso arcaico, prejudicial à celeridade e mesmo ilógico, pois logo após haver a condenação o julgamento já era dissolvido, restando uma impressão de dispêndio de tempo e recursos estatais. Este recurso também gerava o efeito de fazer com que os juízes, na prática, "segurassem" a pena abaixo dos 20 anos, para evitar o retrabalho do novo julgamento, não sendo raro condenações a 19 anos e 11 meses (situação chamada por alguns de "estelionato judicial"). Portanto, esta é uma reforma processual muito bem vinda.

As normas relativas à existência ou não de um recurso são normas de natureza estritamente processual. Portanto, é de se aplicar o disposto no art. 2º do CPP, que estabelece que "a lei processual penal aplicar-se-á desde logo, sem prejuízo da validade dos atos realizados sob a vigência da lei anterior". Não se trata de norma mista, de conteúdo processual e material, em relação às quais a eventual retroatividade rege-se pela análise da benevolência da norma penal material. São exemplos de normas mistas as que atingem o direito de punir do Estado, como as relativas à prisão (ainda que processual), fiança, prescrição, relativas às condições de procedibilidade (prazos de queixa, representação) e acordos processuais que impedem a punição (como o acordo civil extintivo da punibilidade, a transação penal, ambas para as IPMPO, ou a suspensão condicional do processo). Estas normas, quando benéficas retroagem e quando mais gravosas não retroagem. Exemplo seria a norma do art. 366 do CPP, que é tem a parte processual benéfica (suspensão do processo) e parte material mais gravosa (suspensão da prescrição) e, portanto, não se aplica aos crimes praticados antes de sua vigência.

Todavia, a existência ou não de um recurso não é norma material, mas sim inteiramente processual, pois em nada afeta o direito de punir do Estado, mas tão somente o procedimento que será aplicado para se realizar o julgamento e sua eventual revisão. Aliás, o acusado pode ser novamente condenado no segundo julgamento, o que significa que existir ou não um recurso não afeta diretamente o direito de punir, mas como aplicar este direito. Especificamente quanto à alteração do prazo recursal, estabelece o art. 3º da Lei de Introdução do Código de Processo Penal que: "o prazo já iniciado, inclusive o estabelecido para a interposição de recurso, será regulado pela lei anterior, se esta não prescrever prazo menor do que o fixado no Código de Processo Penal". A contrario sensu, se o juiz proferir a decisão já na vigência da nova lei, o prazo aplicável seria inteiramente o da nova lei processual, independentemente deste ser maior ou menor que o da lei anterior. Da mesma forma, a existência ou não de um recurso é uma regra inteiramente processual. Em conclusão, para os julgamentos ocorridos antes do dia 09 de agosto de 2008 (data da entrada em vigor da Lei n. 11.689/08), é cabível o protesto por novo júri, pois nasceu o direito de recorrer quando a norma estava ainda vigente, ainda que este seja interposto após a vigência da nova lei. Todavia, a partir do dia 09 de agosto de 2008, não mais será admissível o protesto por novo júri, pois a norma processual que previa o cabimento deste recurso já estará revogada e, portanto, sequer nascerá o direito de recorrer com o protesto. Antes do julgamento plenário não há o direito de recorrer, há mera expectativa de direito.

Registre-se que há doutrinadores estão entendendo que a referida norma que prevê a existência do protesto por novo júri é norma mista e, portanto, deve-se admitir o protesto por novo júri aos crimes praticados antes da vigência da Lei n. 11.689/08, ainda que o julgamento ocorra após sua vigência [13]. Argumenta-se que seria uma restrição à ampla defesa que feriria "direitos materiais".

Caso o juiz conceda indevidamente o protesto por novo júri, não caberá habeas corpus pela acusação, pois este é privativo à defesa, nem carta testemunhável, pois esta apenas é admissível contra a negativa de seguimento a recurso (art. 639). Nesta situação, o juiz terá anulado indevidamente o julgamento plenário e, em nosso entendimento, será cabível recurso em sentido estrio, conforme previsto no art. 581, XIII. Apesar de o dispositivo afirmar que é cabível o RESE na hipótese de anulação do processo da instrução criminal, e não da anulação do julgamento plenário decorrente do provimento indevido do protesto por novo júri, entendemos que a situação é exatamente a mesma (anulação indevida do processo). De qualquer sorte, ainda que se entenda que o recurso cabível não é o RESE, deverá ser aplicado o princípio da fungibilidade dos recursos para admitir-se o RESE como apelação, com fundamento no art. 593, II, pois se trata de decisão com força de definitiva (o julgamento estará anulado), havendo dúvida objetiva e boa fé (idêntico prazo recursal para ambos os recursos).


4.Fluxograma do procedimento dos crimes dolosos contra a vida

  • STJ, REsp 647.201/SP, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 05.10.2004, DJ 17.12.2004 p. 578.
  • STJ, REsp 687.115/GO, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28.06.2007, DJ 01.08.2007 p. 457.
  • STJ, REsp 246.482/RN, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 18.09.2001, DJ 29.10.2001 p. 238.
  • RANGEL. Direito processual penal. 10. ed. RJ: Lumen Juris, 2005, p. 534-535 e 565.
  • MIRABETE. Código de Processo Penal Interpretado. 9 Ed. RJ: Atlas, 2002, p. 1.084. Mais adiante, cita precedente do STJ, materializado no RHC nº 8.374,-RJ, DJU de 312-5-99, p. 158.
  • STJ, HC 58.833/RJ, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 12.09.2006, DJ 23.10.2006 p. 334.
  • STF, HC nº 85.583-MG, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 16/9/2005.
  • STJ, HC 50.974/MG, Rel. Ministro CARLOSFERNANDO MATHIAS (JUIZ CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), SEXTA TURMA, julgado em 06.11.2007, DJ 19.12.2007 p. 1233.
  • STJ, AgRg no REsp 817.345/MG, Rel. Ministro NILSON NAVES, SEXTA TURMA, julgado em 27.03.2008, DJ 28.04.2008 p. 1.
  • STJ, HC 86.696/SC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 25.03.2008, DJ 22.04.2008 p. 1.
  • STJ, HC 84.978/AL, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 31.10.2007, DJ 26.11.2007 p. 253.
  • STJ, HC 30.534/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 18.11.2003, DJ 15.12.2003 p. 340.
  • JESUS, Damásio E. de. Protesto por novo júri e lei criminal no tempo. Disponível em: < http://blog.damasio.com.br/?p=472>. Acesso em: 20.07.2008. MOREIRA, Rômulo de Andrade. O fim do protesto por novo júri e a questão do direito intertemporal . Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1808, 13 jun. 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/11385>. Acesso em: 20 jul. 2008.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ÁVILA, Thiago André Pierobom de. O novo procedimento dos crimes dolosos contra a vida (Lei nº 11.689/08). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1873, 17 ago. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11596. Acesso em: 19 abr. 2024.